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Trilha do Bonete - Ilhabela


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Eram 2:15h da manha, o dia estava começando e a ansiedade antecipou o despertar em 15 minutos...

Banho tomado, desjejum feito... ...só uma checagem rápida na lista da viagem, pra ver se o tempo passava.

3:20h, pé na estrada! Mal sabia que começava a maior aventura pela qual já passei. Transito tranqüilo, em menos de uma hora trocamos as luzes da cidade pela escuridão da rodovia, uma reta a se perder de vista, ainda mais a noite.

Momento da Serra, atenção redobrada, dia amanhecendo, Mineiro se negando a assumir que é sambista mas cantando sem parar as musicas do Cartola....

....e nós, Fabi, Kokus, Gota e eu... ...os “rockers” sabíamos todas as letras de cor...

(Sim, sou fã do Cartola e de musica BOA em geral)

-AAAAAA Sooooooorrriiiirrr eu pretendo levaaar a viiiiiiida

Poooois choraaaaannndo eu vi a mocidaaaade per-dida

 

E por aí vai...

Serra terminada, estamos oficialmente em território caiçara, quando de repente o Mineiro manda a pérola:

 

-Gotão, a gente vai precisar parar num Banco Real

-Que?!

-É... ...fui tirar dinheiro ontem e a porcaria do caixa não estava funcionando, como deixei pra ultima hora não rolou de ir a outra agencia

-Porra Mineiro, então você ta a 0??

-É, então, assim que ver um Real, da uma encostada.

-Blza

 

O Engraçado é que caixas do Banco Real são tão fáceis de encontrar quanto notas de R$ 100,00, mas ok, alguns quilômetros a frente e depois de muita tiração de sarro e conformismo com o fato de que o Mineiro estava fudido, nós encontramos um caixa do Real.

 

-Chupa seus trouxas!! Chuuuuuuupa

 

E lá foi o Minas todo pimpão “sacar a grana”....

Até que foi rápido, não demorou nem 2 minutos... ...tempo suficiente pra marcar território em um muro qualquer.

 

-E aí Mineiro? Conseguiu?

-Ta quebrada essa porra

-kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk vai chupando essa manga então fanfarrão! (entre outros adjetivos)

 

Bora continuar na estrada, afinal haveriam outras oportunidades de tentar tirar dinheiro(e outros bancos para passarmos em frente e falar que só não tinha o maldito Real no Litoral)

Entre Bradesco, Itaú, NOSSA CAIXA (pasmem), Caixa Econômica, encontramos outro caixa do Real num posto de gasolina, aí a historia recomeçou...

 

-Seus fiadaputa, aí ó, aí o Real aí ó!! Chuuuuupa essa manga aí!

-Comemora não bixo!!!

-Ahhhh Marcão, chupa essa manga aí Marcão.

-Blza!

 

Deu mais ou menos um minuto e la fui eu olhar pelo vidro da cabine, ver se o Mineiro conseguira algum progresso... ...lá estava o bom homem dando tapas e petelecos nos botões do caixa, e ao me ver fez aquela cara de bosta e o sinal de negativo.

Bom, não vou ser repetitivo mas zuamos o coitado por mais uns 5km até que encontramos um outro Banco onde ele também poderia sacar, problema resolvido, bora pra balsa, bora pra Ilhabela! (Como se estivéssemos muito inclinados a encontrar um banco para o Mineiro antes de sair do continente hehe)

 

-Acho que vamos pegar fila

-Acho que não

-Cala a boca Marcos

-o que? Banco Real?

-kkkkkk

-kkk o que? Pega a luvinha de encher o pneu aí

-kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

 

· a estoria da luva... ...quase me esqueci! Na véspera da Viagem, ao sair da Faculdade o Gota deu uma carona pro Mineiro, eles passaram num posto pra calibrar os pneus e o Gota todo filho de vó sacou um par de luvas brancas com borrachinhas pretas anti derrapantes pra não sujar as mãos ( o que por si só é uma viadagem tremenda ), mas ao deixar o Mineiro em casa, foi tirar a bike dele do carro e, bem, bikes andam na rua, estão sujeitas as intempéries do tempo e ao humor de São Pedro, claro que ele meteu as mãos limpas na bike suja.....

 

 

Voltando a linha de pensamento, realmente não tinha transito pra Balsa, só paramos mesmo pra pagar a entrada (aeeee estamos chegando).

Carro estacionado, saímos e, como todo bom brasileiro fomos bem na beirada da Balsa, ficar olhando pro mar e filosofando sobre carteira de motorista de balsa e outras coisas, até que a Ana me ligou perguntando onde estávamos. Ela e o restante do pessoal haviam pego a balsa anterior a nossa e estavam em uma padaria matando a larica, lance de sorte chegarmos todos juntos.

 

Balsa atravessada, saímos e fomos para a esquerda achar a padaria, estávamos passando direto (pra variar), quando uma das meninas gritou sinalizando onde era a padoca.

 

Conversamos um pouco, comemos, passamos repelente (item básico de sobrevivência na ilha) e rumamos para o Sul, rumamos para o Bonete. Tínhamos de rodar até o fim do asfalto, onde haveriam estacionamentos que cobram um valor justo pelo pernoite e lá iríamos iniciar a trilha. O Asfalto acabou e não vimos estacionamento nenhum....

....mas sem pânico, a estrada não estava das melhores, descemos do carro do Gota e fomos andando, enquanto ele tocava pra frente buscando lugar pra parar. Deve ter rodado mais 1,5km, era o ultimo estacionamento, ultimo vestígio (precário) de civilização. Carro protegido, mochilas nas costas e allstar cinza, tudo pronto, vai ser fácil!!

 

Primeira subida eu já queria parar ::mmm: ....mas foi só na primeira mesmo, depois que acostumamos com o peso e acertamos o novo centro de gravidade (as mochilas não eram pequenas, a minha era de 55lt, sem contar a barraca, isolante térmico e claro, a panela pendurados do lado de fora! Hehe

No topo do morro tivemos a primeira mostra do que nos esperava (tanto na trilha quanto no destino) de um lado o mar azul se confundindo com o céu, do outro, trilha precária, pedras e piso pra lá de irrelugar, vamos andar mais e falar menos.

 

Ponto de parada 1, a primeira cachoeira. Volume de água razoável, ideal pra dar um mergulho, encher as garrafas e sentar um pouco.

 

Ah, um fato interessante, acabamos nos dividindo em 2 grupos, um com cerca de 15 minutos de vantagem sobre outro, eu estava no grupo da frente, então depois de encher as garrafas, ficar pelado, me vestir denovo, mergulhar e descansar, os demais chegaram... ...como estávamos sossegados, julgamos que todos estariam, então mochila nas costas e caminhada denovo (sim, com o restante do pessoal com a língua na altura dos joelhos hehe)

 

Mais subidas, mais descidas, alguns tombos, outras sambadas e uma ou outra derrapada, essa parte foi tranqüila, apesar de longa, chegamos na segunda cachoeira onde ficamos um bom tempo, aí o grupo de trás também descansou um pouco. Só o fato de deitar na água gelada já dava um up!! Não precisávamos de mais de 2 minutos disso pra ficarmos 100%, mas de olhar a continuação do caminho... ...uma subida daquelas de tirar o fôlego, decidimos enrolar um pouco mais na cachoeira mesmo.

 

Trilha novamente, alguns trechos críticos, com o caminho bloqueado por árvores caídas, pedras extremamente escorregadias, descidas de fazer os joelhos chorarem até que do alto de um pico, metros depois de sairmos da mata fechada, avistamos o Bonete. Simplesmente a praia mais bonita que já vi em minha vida, daquelas que você olha e custa a acreditar que o lugar realmente existe.

 

Isso deu um animo a mais, alias deu “O” animo pra continuarmos a andar, mas claro que antes disso ficamos comemorando como crianças o fato de conseguirmos fazer a trilha e ver que tudo o que falaram sobre o Bonete era pouco, porque ao vivo, com 15kg nas costas e cerca de 11km rodados a pé, aquela visão era mesmo a visão do paraíso, sem exagero nenhum, sei que fotos não transmitem sentimentos mas ao ver de longe aquela praia cercada por uma cadeia de montanhas, praia de águas claras e calmas, fomos tomados de uma alegria grande o suficiente para não haver palavras que possam relatá-la.

 

Pra frente era tudo descida, fomos andando rápido, até mesmo correndo em alguns pontos, seja por causa do calor, pra chegarmos na mata fechada novamente, seja pela vontade de chegar logo nas areias na praia (e os joelhos reclamando, mas nesse momento o jeito era eles ficarem quietos e segurarem a barra porque a recompensa era grande.

 

Pés na areia, rumamos para a primeira arvore que avistamos, frente a um quiosque de propriedade de algum dos moradores da vila. Vimos uma ducha em uma sombra, aquilo era mais que necessário pra espantar o calor. Depois da ducha, com as mochilas amontoadas em frente ao quiosque, corremos para o primeiro mergulho.

“Puta que pariu, que areia quente” era pisar e o olho lacrimejar, mas não dava pra voltar, era olhar pra frente e continuar correndo ( tirando forças sei lá de onde ) e enfim o mergulho é a prova de que o Bonete não era ilusão de ótica, praia sem ondas, sem vento, de areias fofas e água cristalina.

 

E entre comemorações e pés queimados, avistamos um magrelo narigudo saindo da trilha

 

-Perai, quem é o cara?!

-Parece o Bechelli!

-Caralho, o Bechs!!

 

Sim, as coisas estavam mesmo a nosso favor, o Bechelli, amigo nosso que encontraríamos no Bonete, chegou junto com o restante do nosso pessoal, fazendo a trilha em surpreendentes 2:30hs.

Todos reunidos, saímos em busca de camping, primeiro fomos até o Guapuruvu, ou Guarupuvu, não sei ao certo. Camping grande, estrutura boa, R$ 15,00 per capita, preço bom também! Fiquei por lá enquanto o Bechelli rumava para o Camping da Vargem, menor em tamanho, cuidado por uma família que mora no camping mesmo, R$ 10,00, porém, com a simpatia do Sr. Eugenio e da Dona Edenora, optamos pelo camping da Vargem.

 

Estabeleci meu barraco à sombra de uma arvore, joguei a mochila pro lado e comecei a montar a barraca, alias seria a estréia daquela barraca! Tenho uma grande, para 4 pessoas que eu estava afim de trazer, mas o peso dela me fez deixá-la pra traz, acabei viajando com a que meu irmão havia ganhado no Campus Party, aquela convenção de nerd!!

Claro que assim que fui armá-la, uma das varas rachou e eu acabei ficando com uma barraca corcunda, mas isso era o de menos. Aquela barraca, na teoria era pra 3 pessoas, na pratica eram duas dormirem juntinhas. Noite anterior, conversando com o Gota tinha ficado claro (pelo menos pra mim) que ele levaria uma outra barraca, então como o Gota iria levar uma barraca, eu poderia levar a menor já que o pré estabelecido era que o Minas o Gota e eu dormiríamos na mesma barraca, com duas pequenas as coisas ficariam mais fáceis. Todavia, para o Gota ficou claro que ele não precisaria levar a barraca pois, alem da barraca grande, eu também levaria a barraca do Julião, meu irmão. Enfim, no fim das contas eu não levei barraca grande e o Gota não levou barraca nenhuma, éramos 3 caras para uma barraquinha onde também deveriam caber nossas mochilas. É o preço que se paga ao falar no MSN enquanto arruma as coisas....

Bom, o problema logístico da barraca veremos depois, por enquanto jogamos tudo na minha barraca mesmo e vamos pra praia que o sol ta forte.

Caminhamos para areia, bem próxima ao camping por sinal, dessa vez munidos de chinelos, a areia era mesmo quente.... ....nos ajeitamos em uma mesa num quiosque, não esperei nem um minuto, fui para a água e tava feliz igual porco na lama! Ainda me recuperando da caminhada, cheguei na água e por lá fiquei, não queria mais nada da vida!

Passados cerca de 30min, o Bechelli da a idéia de irmos à cachoeira que fica próxima a vila, e lá fomos, por uma trilha de menos de 10min. É na verdade uma serie de corredeiras que forma um poço onde da pra nadar sossegado (isso se você não tiver problemas com água gelada, claro). Em alguns pontos não dava para colocar os pés no fundo, mas a correnteza era fraca, dava pra ficar por lá tranquilamente, do outro lado da cachoeira havia outra trilha, essa seria bem interessante mais pra frente.

 

Depois de passarmos o restante do dia entre mar e rio, voltamos ao camping, Gota, Bechs, Mineiro e eu. Com uma fome imensa! Sacamos os miojos e as panelinhas e fizemos um rango que não estava exatamente bom, mas foi extremamente providencial. Após isso resolvi dar uma caminhada sozinho na praia, era fim de tarde e eu queria experimentar a energia de caminhar sozinho nesse “lugar do caralho”.

Na penumbra vi o restante dos meus amigos caminhando rumo ao camping, parei pra conversar com o Kokus, rolou um desencontro federal da galera e nós conseguimos não nos ver em uma praia de 800mts, incrível! Hehe

Continuei minha caminhada até o ponto em que o rio deságua no mar, águas frias, muito frias, o sol indo embora por detrás das montanhas, uma cena e um sentimento que cairiam perfeitamente numa composição do Caimmy, me senti bem.

 

 

Noite alta, voltei ao camping, o plano do pessoal era ir ao quiosque da ponta da praia, parece que uma banda de reggae iria tocar, fomos todos, chegando lá não tinha reggae... ...eles tocariam só no dia seguinte.

 

Isso foi bom, acabamos rumando para outro quiosque onde havia itaipava a R$ 5,00 (sim, é caro mas, considerando o custo de logística que os locais tem para trazer tudo do continente para a ilha, o preço até que era justo).

Conversamos todos. Estávamos bem animados, apesar de cansados, tivemos um dia bem cheio.

 

Primeira noite de sono, parecia que eu tinha apanhado o dia todo, me joguei em cima do isolante térmico e do saco de dormir e fiquei offline, as mochilas e algumas sacolas ficaram no meio e na outra ponta o Gota. Na barraca ao lado tinha um cara que roncava de uma forma inacreditável!! Então acordei varias vezes durante a noite, numa dessas vezes ouço parte de um dialogo entre Mineiro e Bechs.

 

-bla bla bla pico

-bla bla bla trilha noturna

-bla bla bla saco de dormir

 

Sim, meus amigos mateiros resolveram se aventurar um pouco a noite e foram para o mirante, através da trilha que passa do outro lado da cahoeira, e lá passaram a noite que, da praia, já era uma das noites com mais estrelas que eu vira.

 

No dia seguinte, sentado com o Gota na areia olhando pro nada, coisas que fazemos sempre, nossa amizade chegou num grau que um entende o outro simplesmente sentando do lado, sabendo a hora de falar, hora de se calar, hora de levantar e ir. Uma galera do camping sentou-se com a gente, já na penumbra. Conversamos pouco, apareceu o Bechelli sentou-se, apareceu Vera, Ana, Furkas e Fabica, sentaram-se mais a frente, o Bechelli foi andar, novamente eu e o Gota olhando pro nada e mais a frente o restante do pessoal. Levantamos e andamos.

Encontramos o Mineiro, Kokus e Fabi, estavam nos procurando, lembraram da banda do quiosque, parece que hoje iria ter algo lá. Então para lá nos dirigimos.

É verdade, tava rolando um reggae raiz, não acho outro termo pra defini-lo, banda boa até! Tinha uma quantidade interessante de pessoas (não achei que tivesse tanta gente no Bonete).

 

Nos juntamos todos novamente em frente ao quiosque, alguns sentados, outros dançando suas danças próprias, coreografia que o corpo dirige, sem passos feitos, ...Ah nesse momento, tinha um estranho com nossa galera e alguém disse:

 

-Olha quem ta aqui!!!

 

Olhei, joguei a lanterna na cara, parei pra pensar e, bem, continuei com minha dança característica, juro que nunca vi o cidadão antes e, depois disso não o vi novamente, mas enfim, ele tava ali e pelo jeito o fato era interessante.

 

O Gota tava bodeado num canto, dormindo sentado mesmo, até que não agüentou e pediu a chave do cadeado da barraca, tivemos a primeira baixa da noite. 1x0 pro Morfeu!

 

Reggae vai, Reggae vem, alguém lança a idéia de irmos pra cachoeira AS 2 DA MATINA!!!!!!

 

Relutei por 30 segundos e aceitei, minha missão era convencer (arrastar) o Kokus, Bechelli e Mineiro já estavam indo também.

E assim fomos os 4 pra cachoeira as 2 da madrugada, munidos de uma única lanterna e com a idéia inicial de que o Kokus iria olhar, eu iria iluminar e Bechelli e Mineiro iriam pular na água que deveria estar mais do que gelada, mal chegamos e os dois foram entrando na água a base de urros de frio e tremedeira nas pernas, era a hipotermia survivor. Acabei me rendendo e fui pra água também, andando com tanto cuidado que tropecei e cai de cara na água fria, o choque foi dos bons mas a água tava ótima! O Kokus, relutou, relutou e acabou pulando, estávamos todos na água berrando pra acordar os desgraçados dos borrachudos, que durante o dia não nos deixavam em paz.

Voltamos e dormimos.

Antes das 6 da manha eu já estava em pé, dormir no chão duro não é mesmo minha especialidade, com o costume já estabelecido, fui pra praia ficar a toa.

 

Depois de um tempo de "fazeção de nada", Bechs, Gota, Minas e eu trilhando para outra cachoeira, acima daquela de costume, andamos bastante, uma trilhazinha de nada no meio da floresta, uma casa ou outra pelo caminho, lugar bastante bucólico.

Chegamos em um poço, duas menininhas locais, provavelmente irmãs estavam brincando lá, nesse momento me senti mal, imaginei na hora o perigo de elas estarem lá sozinhas, sem nenhum adulto por perto... ...é triste mas nesse mundo em que vivemos, a preocupação acaba vindo antes mesmo das palavras virem à boca. O Bechelli perguntou pra uma delas onde havia uma cachoeira com um poço fundo, que dá pra pular, ela falou que ficava rio abaixo e se propôs a mostrar o caminho, nesse momento fiquei mas triste ainda, nós, tudo bem, estávamos em busca das cachoeiras mas, como é fácil a inocência de duas crianças levá-las para um triste caminho sem volta com estranhos...

 

Chegando na cachoeira do poção (que na verdade não tinha poção fundo nenhum), o Gota lança a pérola:

 

-Ta foda veio

-Que foi bixo?!

-A natureza me chama.

-Ah, caga no mato aí

-kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

-Sério, to voltando pro camping

-pow, por que não cagou lá?!

-Ah foda-se, fui!

 

E lá se foi nosso heróico Gota, com a Natureza clamando por seu nome, correndo trilha abaixo, provavelmente suando frio e com os pensamentos confusos (falando serio, passar vontade de fazer o número 2 é algo que não desejo pra ninguém), a natureza chamando a gente é o mesmo que um marujo ouvir o canto da sereia, não dá pra resistir.

No fim das contas a natureza o agarrou pelo colarinho e o fez parar na trilha, ato heróico esse!! Digno de 3 pontos a mais no quesito selvageria, e mais 2 pontos porque papel não brota em árvore.

 

Noite alta, nos reunimos no camping com uma galera que estava por lá. Um cara que parecia o Ringo Starr começou falar sobre uma serie de coisas, começamos com Into the Wild, passamos por cinema nacional, televisão e em algum ponto da conversa chegamos em teoria da conspiração, maçonaria e filosofia, tava mesmo interessante, mas era hora de voltar a praia ouvir o “classic reggae”

Fui pra praia com Mineiro e Gota, tarde da noite já (e o plano era ir embora assim que o dia raiasse), o restante do pessoal estava na praia também, mas onde, não sei.

 

Chegamos na areia e capotamos hahaha, cada um dormindo de um lado, e da silhueta que pensei ser do Bechs, surge o Zé (um maluco que estava lá no Camping), ele achou um pedaço de areia e também deitou, a viagem estava acabando, no dia seguinte voltaríamos à civilização.

 

Acordei as 5:30h, tava foda dormir, o calor era grande, e a quantidade de areia na barraca também, sem falar que o Gota e eu conseguimos fazer mais bagunça na barraca em 4 dias do que crianças hiperativas fariam em 1 mês! Fui à praia, dia estava estranho, o ar bastante úmido, vento forte e pela primeira vez, mar revolto, olhei pra serra, ela não parecia a mesma serra amigável que nos acolheu dias antes. Bateu um frio na barriga, queria ir embora logo.

 

Conforme planejado no dia anterior, partimos assim que todos acordaram....

 

Colocamos o pé na trilha sob forte chuva, mas forte mesmo! Não poderíamos parar, a meta era fazer todo o percurso em 2:30h, já que estávamos leves, alem do mais nossos amigos que iriam de barco com nossas mochilas estariam esperando por nós do outro lado, não podíamos mesmo demorar.

Desde o inicio fui pensando naquela primeira cachoeira da trilha, que agora no caminho inverso, seria nosso ultimo grande desafio. Abri certa vantagem sobre o pessoal, normalmente ando rápido, cheguei à primeira cachoeira e passei, sentei do outro lado e esperei, o volume de água não era muito, mas a correnteza era forte, o Gota aconselhou esperarmos porque Kokus, Fabi e Ana não sabiam nadar (Mineiro e Bechelli ficaram bem pra trás, resolveram ficar com toda a bagagem para treinar para a Serra Fina), todo mundo do outro lado, eu com pressa de ir embora e preocupado com a ultima cachoeira acabei fazendo besteira. O Gota pediu pras meninas agilizarem com a terra no tênis e a Ana em tom de brincadeira disse que poderíamos ir se quiséssemos, fiz a merda de levar ao pé da letra e saí andando., mas antes vi que dois caras chegavam na cachoeira e sentaram pra comer bolacha. Continuei andando, todos os córregos secos da vinda restabeleceram sua função de levar a água para o mar, a chuva no alto da serra deveria estar muito forte, a cada passo ficava mais preocupado.

Entre uma clareira e outra eu podia ver o Mar, seu silencio quebrado em intervalos regulares pelas ondas batendo nas pedras trazia um certo consolo, lugar onde o ciclo vital desse planeta tem inicio e fim.

Alguns desmoronamentos pelo caminho, a trilha que deveria ser feita em 2:30h já tinha mais de 3:00h e não estávamos nem na metade, o jeito era olhar pro onde pisa e ir pisando sempre.

 

Um barulho muito forte de água. Chuva? Não dava pra ver, a mata era fechada, tinha teto e paredes de arvores, o único jeito era caminhar. Outra clareira, um volume de água fora do comum descia serra abaixo, parei pra admirar e para reverenciar, todo o medo e mau pressentimento da manhã passava a fazer sentido, me veio uma frase do Alex Supertramp na cabeça, “O rio é intransponível”. E infelizmente era, metros a frente estava aquela cena bucólica, um vale de águas claras onde o sol entrava por fissuras entre as árvores, sim, esse lugar transformou-se num monstro de água e força, o verde da floresta perdera o brilho e o céu era cinza. No ar o sereno provocado pela força da água, não me arrisquei, sentei em uma pedra e nem me liguei do risco que corria de ser arrastado por uma enchente relâmpago esperei uns 5 minutos pelos primeiros sinais de vida.

 

O pessoal chegou praticamente junto com aqueles dois caras que haviam chegado na outra cachoeira, avisei sobre a correnteza, resolvemos fazer uma corrente humana pra testar a profundidade, a força e se era possível firmar os pés sem escorregar.

Ficamos assim: na Margem a Ana, depois eu, pra frente o Gota e na ponta um dos caras, todos com extrema dificuldade em se manter em pé, quando de repente passa o outro cara engatinhando pela correnteza, não sei o que deu nele, nesses momentos é a equipe que conta, não se atravessa uma correnteza sozinho, principalmente se sua vida está em jogo ao fazer isso.

 

Ele pisou em falso, desceu cachoeira abaixo, caiu em um poço de onde seria impossível sair enquanto o nível de água não baixasse. Ele era jogado com força para as pedras, o pânico tomou todos nós. O Gota e o amigo do acidentado correram em desespero, eu olhei pro lado da margem e ia começar a andar em direção a ela quando a Ana gritou:

 

-Meu Deus, ele foi!

 

Foi a cena mais chocante que vi em toda minha vida, acabara de ver um semelhante descer o rio rumo a morte, após o poço onde ele havia ficado preso inicialmente, haviam uma serie de corredeiras que terminavam numa queda livre de cerca de três metros, que ia dar num poço repleto de pedras. Voltamos a margem mais que depressa, ficamos procurando por algum sinal e nada. Corri trilha acima, não sei como fiz isso já que andando devagar eu tropecei por diversas vezes, entrei no meio da floresta, numa picada que dava de frente para a queda da morte, o amigo do cara veio junto com esperanças, eu apenas procurava um corpo preso nas pedras e rezava pra estar errado quanto a minha teoria.

 

Nada.

 

Tempo depois, gritos no meio da trilha, era a Fabi.

 

-Ele conseguiu!! Ele conseguiu!!, apareceu do outro lado

 

Eu estava atordoado com a informação, sai correndo subindo ainda mais a trilha com o intuito de avisar o Gota que o cara havia se salvado, não ouvi a Fabi dizendo que ele também havia voltado.

 

Também voltei, quando o vi senti uma mescla de felicidade e vontade de matar o infeliz.

Um metro e meio antes da grande queda, havia um corrimão formado por duas cordas de mais ou menos 2 metros, que dão para um caminho donde é possível chegar pela própria trilha, usado pra quem quer ver essa grande queda, o restante do rio (certa de 10 ou 15mts de largura, era de corredeira e queda livre, sem chances de salvação, não sei que forças divinas o fizeram ir pra direita, já que a primeira queda pós poço ficava na extrema esquerda do rio. De alguma forma ele agarrou aquelas cordas e saiu do rio sem que nenhum de nós visse, trilhou o caminho do rio à trilha e apareceu do outro lado, um verdadeiro milagre, de lembrar eu me arrepio de verdade, Vi um cara morrer e ressuscitar num intervalo menor que 10 minutos, mas que pareceram séculos, mas agora, com nosso maior problema resolvido (encontrar o maluco vivo), tínhamos outro problema, atravessar o rio que, apesar do volume de água um pouco mais baixo, continuava a nos prender na outra margem. Ficamos quase duas horas lá, chegaram mais dois caras e mais tarde, Bechelli e Mineiro, éramos ao todo 11 pessoas, uma do outro lado da margem e nós, os outros 10 do lado esquerdo do rio. O Acidentado tentou algumas vezes nos jogar um cipó, seu amigo tentou encontrar um caminho pelas pedras, o Bechelli, o cara mais mateiro que já vi na vida conseguiu atravessar essas pedras e saiu do outro lado. Beleza!! Com ele na outra margem o ânimo ficou renovado, a ideia de dormir na trilha estava me abandonando, o objetivo de jantar em casa e ver minha família voltou com tudo, sai andando pela trilha, ia dar um jeito de fazer uma “ponte”. Vi alguns cipós, o Kokus veio comigo e viu uma arvorezinha de porte médio, uma altura boa, ELA era nossa passagem pra casa. Derrubamos no braço (nessa hora presto reverencia e peço desculpas a natureza, e agradeço pela árvore que salvou nossas vidas, no sentido literal da palavra)

 

Arrancamos todos os galhos com uma facilidade que, em uma situação de tranqüilidade não seria possível fazer, foi um daqueles momentos em que apesar de todos os contras, tiramos alguma reserva de força guardada apenas pra ocasiões especiais, estendi para o Bechelli do outro lado, não sei a ordem das pessoas que atravessaram, creio que deixei a ponte nas mãos do Gota ou com um dos dois caras que chegaram depois, sei que peguei a mochila do Bechelli, lembrei do caminho de vinda, todo aquele peso nas costas e o rio a minha frente, fui atravessando devagar, meus pés escorregando devido ao peso, terminada nossa “ponte”, a mão do acidentado se estendeu na minha frente, segurei sua mão e fui pra margem, o cara realmente existia, não era um fantasma! Falaram pra eu descansar já que eu tinha tentado algo de tudo o que era jeito, fora a corrida na trilha, mas nem ouvi, joguei as mochilas no chão e voltei pra ajudar, dessa vez com a parte segura do cipó, já que terminado o tronco ainda haviam uns 2 metros de água pra atravessar.

Passaram todos, um após o outro, quando o ultimo cruzou para a outra margem, o pesadelo acabou, havíamos vencido a travessia da corda bamba com o melhor trabalho em equipe que já presenciei e do qual fiz parte até hoje!! Me orgulharei dessa equipe de conhecidos e estranhos com vontade de viver, sim viver.

Depois que voltamos a andar pensei no risco que corremos de sofrer uma enchente relâmpago enquanto atravessávamos, mas que seja, esse risco nós corremos até mesmo na ida, quando mal descia água daquela serra, estávamos todos vivos e o pessoal do barco devia estar arrancando os cabelos de preocupação, então vamos andar e parar de pensar besteira..

 

O restante da trilha dava pra fazer numa perna só, depois daquele rio a sensação de autoconfiança tava grande, motivo pra redobrar a atenção, afinal o mundo ta cheio de autoconfiantes que batem carro, pulam de prédio se matam em seitas religiosas e fazem outras merdas por aí, Parei de me achar e voltei a usar os 4 membros pra andar, porque a trilha na realidade não tinha nada de fácil, aquilo era um sabão e quebrar um braço ou uma perna era muito simples.

 

Fim da linha, estacionamento a vista. Puta que Pariu conseguimos!!! Foda-se o transito, foda-se que vou ter que continuar a pé até o asfalto (para que o carro do gota não fique batendo nas pedras da estrada), enfim, foda-se!! To vivo, no estacionamento tem café e uns cachos de bananas, aquilo era uma refeição de rei!! Estávamos todos acabados, o café serviu pra acordar e a banana pra repor as energias, fora isso tinha uma gata preta que parecia persa em cima de um dos carros, só aí me lembrei que estive a trilha toda com minha câmera, poxa queria ter registrado o rio que atravessamos, é uma imagem que nunca vai sair da minha mente.

Tirei toda a lama que utilizei como repelente na trilha, deixei a mochila no carro do Gota e me pus a caminhar pro asfalto. Nesse pedaço de caminho encontrei um casal e já fui logo conversando. A garota, bastante simpática, respondia a tudo prontamente, o cara, quieto. Achei que não era bem vindo até que ela começa a falar em inglês com o doido! Ele era britânico!!

Porra por que não me avisou?! Vamos treinar o british accent! Problema do idioma resolvido, continuamos conversando, salvo uma expressão ou outra que eu não conhecia, nos entendemos bem! Mas eles estavam muito devagar, me despedi e apertei o passo porque o Gota já havia passado por mim com o carro. Chegamos ao asfalto, encontramos o restante da galera extremamente preocupada, dizendo que estavam pensando em chamar os bombeiros se não aparecêssemos até a luz do dia acabar. Chegamos junto com a noite, consegui ligar em casa, haviam 6 ligações perdidas num intervalo de poucas horas. Mãe avisada, tudo tranqüilo, vamos pra balsa. Mais uma vez demos sorte, não havia um carro sequer na fila, pegamos a estrada, transito lento pela dificuldade da serra, tudo dentro do normal. Entramos no planalto, terras de João Ramalho de novo, conseguimos! Estava terminando a grande viagem de nossas vidas até o momento, mas claro que antes precisávamos de mais uma dose de emoção.

Um naco de ferro entro de alguma forma no pneu traseiro do Gota, lado do motorista, paramos pra trocar, em dois minutos no acostamento um carro da ecovias encostou do nosso lado. Esses caras devem monitorar cada centímetro da rodovia, Foi um auxilio providencial, Pneu trocado, fomos pra casa, caía uma garoa fina, não consegui conter um sorriso quando vi minha mãe abrindo a porta, foram 4 dias mas, aquele rio....

....quando o cara foi embora com a correnteza, pensei muito nos pais dele, é um rapaz novo, devia ter minha idade e, nenhum pai ou mãe, por mais forte que sejam, são preparados para perder sua cria, talvez ele tenha filhos, talvez casado, talvez filho único ou, até mesmo a pessoa que sustenta a casa dos pais, enfim. É essa a grande sacada da natureza... ...o que nos faz Humanos.

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muito legal sua trip ,bonete é muito bom mas o principal é isso respeitar e muito a natureza pois as enchurradas vem de uma vez ,a cachoeira do areado qdo chove fica punk mesmo ,ja fiquei duas horas esperando baixar (tava na altura do peito a agua qd normalmente fica na canela),pra poder atravessar.

falow e boas trips

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  • Membros de Honra

Que aventura hein.

 

Depois de aproveitarem o máximo lá no Bonete, que situação chata vcs passaram lá na trilha de volta.

Tromba dágua é um perigo mesmo. Poderia ter sido até pior hein

 

Que pena que não conheceram Enchovas e Indaiaúba.

São praias bem legais também.

 

Pelo jeito vcs não tomaram muita agua de coco. Qdo passei por lá, era coco que não acabava mais na trilha entre Bonete e Enchovas.

 

 

 

Abcs

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  • Membros

Opa!!

 

valeu pessoal!!

Augusto, nao diria que foram momentos tristes (eles tendiam à tristeza, mas ja que o milagre do cara se safar da morte aconteceu, diria que foi uma tarde de aventuras e grandes desafios!)

bom, agora o jeito é arrumar a mochila e se preparar pra proxima trip!!

trekking da Serra Fina, alguem topa?! heheh

 

e Sim, é necessario sempre respeitar a natureza, é dela que tiramos de tudo!! Fico pasmo quando alguem diz que nao gosta de areia e esquece que vai areia na casa na construçao da propria casa, nao gosta de floresta mas senta num sofá com estrutura de madeira, enfim, nao gosto de gente futil!

Quanto a Enchovas e Indaiatuba, cheguei a pegar a trilha (ja que ela também da acesso ao mirante) mas o sol estava a pino, tinhamos pouco tempo (um fds prolongado apenas) e o meu cansaço, ja que na noite anterior eu havia dormido menos de 3 horas e, bem, tomei algumas cervejas, me sentia desidratado naquela manha de sol forte!!!

mas a meta é ir até enchovas sim!! e o maisa breve possivel!!

 

Grande abraço!

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