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TRAVESSIA " QUINTO DOS INFERNOS '


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TRAVESSIA “QUINTO DOS INFERNOS”: VALE DA MORTE X FUNICULAR

 

 

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No ar pairava uma fumaça tóxica, negra e fedorenta. A chuva ácida que caia, devastava tudo e tornava a vida naquele lugar quase impossível. Bebês nasciam sem cérebro ou com má formação. Pessoas trabalhavam em regime de quase escravidão e os acidentes eram os mais altos do mundo. Vez ou outra, lugares explodiam (socó) e centenas de pessoas queimavam até a morte. A dor, o sofrimento, a miséria e as doenças tomavam conta do lugar. De cima de uma colina o próprio satanás com seu tridente, dava gargalhadas. Estava feliz com aquela situação, pois sabia ele que os seus discípulos haviam feito um grande trabalho por ali. Na verdade, ele estava convicto que nem ele poderia ter feito melhor.

Se alguém achou que o parágrafo acima narra um instante no inferno se enganou. Tirando a parte do diabo, que eu coloquei somente para ilustrar melhor a situação, o resto conta como era a cidade de Cubatão, cidade no litoral de São Paulo, a 60 km da capital. Primeiro grande polo industrial do Brasil, Cubatão foi eleita na década de 80 a cidade mais poluída do planeta e o Vale do Rio Mogi e seus afluentes acabou ganhando o desonroso apelido de VALE DA MORTE. Pois bem, a situação mudou; a sociedade se organizou, os governos se moveram e um plano ambiental quase sem precedente no mundo, salvou o lugar e Cubatão acabou ganhando da ONU o título de exemplo de despoluição. Mas infelizmente o apelido de Vale da Morte acabou sobrando para o coitado do Rio da Onça, um dos afluentes do Rio Mogi. Hoje os rios da região são todos de excelente qualidade, com águas cristalinas e potáveis e de todos esses rios, o Rio da Onça foi ganhando fama por ser quase que intransponível por causa das suas gargantas profundas, canyons perigosos, cachoeiras gigantes, tudo em um lugar ermo, de difícil acesso, onde qualquer descuido pode levar a um acidente fatal.

 

Somente três corajosos exploradores, este foi o número de aventureiros que conseguimos reunir para essa empreitada pela Serra do Mar paulista. Combinamos de nos encontrar na estação CBTM do Brás. Eu, vindo da cidade de Sumaré, no interior de São Paulo, os outros dois seriam meu primo Lindolfo da zona leste e o nosso amigo Eduardo de Itapevi. Fui o primeiro a chegar à plataforma onde iríamos pegar o trem para Rio Grande da Serra e logo às 20h40min chegou meu primo Lindolfo, e o Eduardo chegou somente ás 21h30min. Quando vi a mochila do Eduardo quase caí de costas. Ele levava mais que o dobro do que seria necessário e olha que eu havia dito para ele levar o mínimo possível. Tentei persuadi-lo a dispensar o excesso, mas o cara não quis nem saber e ainda pegou minha corda e amarrou á sua mochila, acho que na outra vida o cara era uma mula Andina (rsrsrsrsr).

 

Chegando à estação de Rio Grande da Serra, atravessamos a linha de trem, viramos à direita e estacionamos no ponto de ônibus onde embarcamos quase que imediatamente para o distrito de Paranapiacaba . Mas nosso destino não seria a vila inglesa. Quando o ônibus passou a placa do KM 45 da rodovia o motorista estacionou à direita junto às torres de alta tensão, no exato local onde começa a famosa Trilha da Cachoeira da Fumaça. Era exatos meia noite e não estávamos sós. Iam nos fazer companhia, mais de 20 desbravadores sênior da Igreja Adventista. Para evitar a muvuca, partimos à frente e nos primeiros metros já fomos obrigados a enfiar os pés na lama e nos ”segundos metros” já estávamos com a água na altura dos joelhos. Não dava para saber o que era rio e o que era trilha. Chuviscava um pouco e uma névoa branca cobria parte da nossa visão. O caminho é bem largo e ás vezes se anda por uma canaleta erodida, onde alguns riachos são cruzados. Na escuridão, iluminávamos nosso caminho com as lanternas e não era raro afundarmos quase até a cintura naquele aguaceiro todo. Pouco tempo depois chegamos ao Rio das Pedras e o cruzamos para o outro lado e foi aí que a trilha se bifurcou: uma seguia perpendicular ao rio e a outra ia paralela, sem saber qual tomar, decidimos não nos afastar do rio e continuamos paralelos a sua margem esquerda, depois a trilha virou de vez para a direita e aí tivemos que cruzar o rio, bem onde despenca uma cachoeira. Já era mais de duas da manhã e o Lindolfo queria acampar de qualquer jeito, ainda mais quando ele viu que teríamos que seguir pelo leito do rio. Eu e o Eduardo estávamos obstinados a chegar ao tal acampamento do alto da Fumaça e então eu desci ao lado da pequena cachoeira e dei de cara com um animal que nos espiava de sua base. Parecia uma raposa, mas quando jogamos nosso facho de luz o bicho “picou-a-mula” pro mato e então desescalamos a queda de água e fomos seguindo vagarosamente pelo leito do rio sob o protesto do Lindolfo. Não caminhamos muito e logo sem percebermos o mundo acabou sob os nossos pés.

 

Havíamos chegado ao exato local onde a cachoeira da Fumaça se jogo planalto abaixo e o pior é que só fomos perceber isso quando estávamos a menos de dois metros do abismo. O nevoeiro quase nos provocou uma tragédia. Chegamos ali e não vimos área de camping nenhuma. Ficamos então tentando localizar duas ou três árvores que desse para armar nossas redes. Nessa procura, quase sem querer, localizei uma trilha que subia um barranco e ela me levou a tal clareira e lá fizemos dela nosso lar por uma noite.

Levantamos lá pelas 09h00min horas, desarmamos nossas redes, tomamos café e partimos às 10h00min. À beira da Cachoeira da Fumaça, os desbravadores da terceira idade oravam à beira do abismo. O tempo se mantinha ruim e com muita neblina, mas como Paranapiacaba significa: lugar de onde se pode (às vezes, quem sabe, talvez, se deus ajudar, rsrsr) ver o mar, eu ainda tinha uma esperança de que o tempo melhorasse. Passamos pelos adventistas, que não iriam muito longe mesmo, atravessamos o rio para sua margem esquerda e já nos deparamos com uma rampa íngreme, lisa, escorregadia e perigosa. Pensei: se essa é a parte turística da caminhada, estamos lascados! E estávamos mesmo! Descer aquela rampa com uma mochila enorme nas costas não era fácil não, um descuido e você e a mochila iriam conhecer a dureza da rocha montanha abaixo. Não há no que se segurar, sua bunda é seu freio e o seu freio reserva é a sua mochila, se isso falhar, teria sido bom ter ficado rezando no topo da cachoeira porque nada mais poderá salvar a sua pele. Com dificuldade descemos aos pés da primeira queda e logo descobrimos que a trilha não seguiria somente pela esquerda do rio, teríamos que ficar costurando de um lado para o outro. Cruzando- o, portanto para o outro lado, nos enfiamos no meio do mato e logo tivemos que esticar nossa corda para conseguir descer um lance escorregadio. Passamos a corda em volta de uma árvore e nos jogamos na rampa escorreguenta e logo atingimos a segunda queda. Desta maneira as cachoeiras e seus poços foram se sucedendo, mas ninguém quis se ariscar em um mergulho, já que o sol ainda não havia dado as caras. Logo passamos pela cachoeira do Rio vermelho e chegamos à confluência com o rio Solvay. Na verdade Rio Solvay, Vermelho e Rio das Pedras se unem para dar vida ao fabuloso Rio da Onça.

 

Do lado esquerdo, sobre nossas cabeças, despontava uma formação rochosa, uma pedra pontuda que apontava para o céu. Estamos agora no PORTAL do Vale da Morte, que alguns chamam de Portal do Inferno. Aqui é onde se começa a descer o Rio da Onça, para quem não quer se arriscar em uma travessia que deverá levar entre dois e três dias, deverá atravessar a foz do Rio Solvay e começar o caminho de volta para a rodovia, passando por outros tantos atrativos. Como nós não viemos para cá para enfrentar passeios turísticos e sim para enfrentar um desafio para poucos, seguimos pelo Rio da Onça. Primeiro passamos por uma fenda entre duas pedras, onde nossas mochilas tiveram que ser passadas separadamente e aí o rio se torna mais retos e sem gargantas para descer ou se desviar, mas nem por isso fácil de ser transposto, porque qualquer descuido, um passo em falso, um pulo mal dado o fará beijar umas pedras. Os poços vão sendo transpostos. Cada qual escolhe o melhor caminho, de um lado ou do outro do rio. Ás 13h00min desembocamos na Garganta do Diabo, uma fenda profunda, um racho na montanha, que interrompe nossa caminhada e então decidimos que era hora de parar e fazer o nosso almoço.

 

Fizemos um almoço reforçado, já prevendo o que viria pela frente e enquanto o Lindolfo e o Eduardo se acabavam no banquete, aproveite para escalar a parede do lado direito que antecedia a grande queda da garganta e coloquei a corda, pois seria por ali a nossa primeira saída do Rio da Onça. Acabado o almoço, puxei as mochilas dos companheiros e quando todos estavam no topo da parede, pegamos a trilhinha que descia para a esquerda, já que as da direita muito provavelmente deveria vir lá do Morro Careca ou era algum atalho usado para não ter que descer por dentro do rio. Menos de dois minutos o caminho nos levou a uma pequena clareira de acampamento, onde uma pequena e curta trilha que sai para a esquerda da clareira acaba bem na borda da Garganta do Diabo. Dizem que daqui da para saltar no poço profundo da garganta, mas um erro qualquer poderá também ser um salto paro o além, já que as paredes são bem juntas. Como ninguém ali estava a fim de se arriscar a saltar, abandonamos de vez o GOGÒ do TINHOSO, que é o apelido dado por outros desbravadores, e voltamos novamente para clareira.

 

A clareira da Garganta do Diabo marca o último ponto para que as pessoas possam parar por um minuto, sentar-se e se porem a uma grande reflexão: Será mesmo que valeria a pena seguir em frente? Valeria a pena se ariscar por um lugar tão agourento, perigoso e praticamente sem nem uma chance de se salvar se um acidente realmente sério acontecesse? Não seria meio insano insistir em uma travessia totalmente selvagem, praticamente sem nenhuma informação clara do lugar? Pois é, daqui para frente é caminhada para os experientes, caminhada para os tops nas trilhas, caminhada para gente graúda que sabe o que está fazendo, para os conhecedores das técnicas mais avançadas de navegação, de escalada e sobrevivência. Bom, nós não somos nada disso e os únicos adjetivos que nos sobrou foi o de: INSANOS, SEM-NOÇÃO E INCONSEGUENTES. Mais vamos que vamos, porque o dia é curto e a caminhada é longa. (rsrsrsrsr)

Abandonamos a clareira seguindo pela trilha da direita, que logo segue descendo para a esquerda bordejando o rio. A descida é íngreme e a corda nos ajuda a descer até o poço abaixo da Cachoeira do Anúbis. É um belo poço, mas mal passamos os olhos sobre ele, já entramos á direita na mata e continuamos nosso caminho para cruzar por cima de um pequeno morro à beira do rio. Cruzando esse morro fomos sair no topo de uma cachoeira bem grande e bonita, acho que ainda sem nome. Aí é que começa as dificuldades. Você chega ao alto do Canyon e tem que ficar estudando por onde vai passar, tenta pela água, mas vê logo que é impossível, depois tem que escolher por qual lado seguir. Você tem que negociar as passagens, ponto a ponto. No caso decidimos seguir pela direita, cruzando pelo mato e depois descendo as paredes até o rio. E foi assim que as 16h00min da tarde chegamos ao pé da linda cachoeira, bem no alto da magnifica CACHOEIRA DO POÇO. Este é um dos lugares mais bonitos desta travessia. Atrás de você uma cachoeira com um poço maravilhoso, á sua frente despencando no abismo, um turbilhão de água emparedado em um Canyon em forma de poço, e do lado direito outra cachoeira despencando de uma parede de quase 100 metros de altura. Foi à hora de sentar, comer algo e apreciar a paisagem.

 

Uma coisa a gente tinha certeza, aliás, a única certeza de toda a travessia: para seguirmos enfrente, o único caminho seria pelo lado esquerdo do rio, porque pelo lado direito e pelo rio seria totalmente impossível. Alimentados, cruzamos o rio e fomos escalando o barranco do lado esquerdo. Era um barranco liso e escorregadio, onde a vegetação rasteira praticamente não servia como apoio. Era preciso cavar o barranco com os pés e alcançar alguma árvore mais acima de sua cabeça e ainda ir tomando cuidado com as rochas que iam rolando como boliche e atingindo o companheiro mais abaixo. Vencida estas dificuldades, chegamos bem acima do rio, em um lugar onde a vegetação se abre um pouco e nota-se que a “trilha” se bifurca em duas: Uma segue subindo para esquerda e a outra segue descendo à direita. Sem saber qual pegar, escolhemos seguir pela direita, onde o Eduardo tomou à dianteira e foi abrindo caminho pela vegetação meio fechada. Estava claro que alguém havia passado ou tentado passar por ali há muito tempo, mas nós não tínhamos a certeza se esse seria mesmo o melhor caminho a tomar. E não era mesmo, pois logo o caminho se perdeu na beira de um barranco de uns quatro metros de altura. O cansaço chegou, o sol já estava nas últimas e o Lindolfo já queria acampar de qualquer jeito. Até daria para esticar nossas redes nas árvores ao redor, mas não tínhamos nem uma gota de água e ainda estávamos imundos de barro e eu não queria passar a noite ali naquele lugar medíocre. Queria mesmo era chegar à beira do rio e desfrutar de uma noite com um mínimo de conforto. Jogamos nossa corda e o Eduardo escorregou no buraco e desceu até a sua base. O Eduardo seguiu descendo e abrindo o mato, na esperança de traçar um caminho até a margem do Rio da Onça. Eu e o Lindolfo nos mantivemos no mesmo lugar esperando o aval do Eduardo para também nos pendurarmos na corda e descer o barranco, já que uma vez lá embaixo não haveria como retornar depois que a corda fosse retirada.

 

O Eduardo com sua faca “Rambistica” foi cortando a vegetação à sua frente e perdendo altura aos poucos bem de vagar e foi nessa hora que ele escorregou à beira do abismo e se “despirocou” no vazio. Eu e o Lindolfo ainda estávamos lá parados, fazendo a alegria dos borrachudos e outros tantos de insetos devoradores de gente quando ouvimos um barulho de “gente se fudendo” no buraco (rsrsrsrsr). Dei um grito chamando pelo “homem voador” e como resposta recebemos um grito que indicava que ele ainda estava vivo. Estiquei a corda e fui descendo o barranco à minha frente. O barranco na verdade era uma grande rocha, que tornava a descida negativa, ou seja, tem uma hora que você não tem mais pedra para apoiar os pés e aí desce ralando tudo, ainda mais porque a mochila insiste em te jogar no vazio. Depois que eu desci, veio o Lindolfo logo atrás lixando a cara na rocha. Uma vez lá embaixo puxei a corda e a desgraçada insistiu em ficar enroscada ao redor da árvore logo acima. Vai eu trepar de novo na pedra para retirar a corda presa na raiz e depois descer de novo, mais uma vez fazendo papel de queijo parmesão. Escorregamos mais que depressa pelo terreno acidentado, tentando ganhar tempo para ver o que tinha acontecido com o Eduardo. Fui o primeiro a chegar ao lugar de onde ele havia caído. Era uma parede rochosa de uns quatro metros de altura e vi logo que ao cair o menino levou consigo um mundo de vegetação, entre cipós, trepadeiras e toda sorte de plantas espinhuda. Ele deu sorte, foi salvo porque caiu com a mochila às costas, o que acabou lhe amortecendo a queda. Essa foi por pouco, ”hem”amigão?

 

Já que eu e o Lindolfo não voávamos (rsrsrsr), instalamos a corda e descemos ao pé do barranco e logo nos juntamos ao Eduardo. Escorregando como dava, chegamos à beira da ultima parede que nos separava do Rio da Onça e estudando o lugar descobrimos um meio de instalar a corda novamente e descer em definitivo ao rio, pelo menos por hoje. Havíamos deixado para trás a grande Cachoeira do Poço e todo o Canyon a sua frente. Fomos sair onde o rio voltava a ter a possibilidade de caminhar novamente. Mas esse não é o Vale da Morte por acaso e menos de 200 metros depois o rio já se lançava de novo numa impressionante cachoeira, nos barrando novamente. Estávamos no topo da Cachoeira do Pé de Limão e o sol praticamente não dava mais as cartas naquele dia. O Lindolfo, como sempre, já estava há muito tempo tocando o terror pra gente acampar, mais eu e o Eduardo ainda tentávamos arrumar coisa melhor do que as três árvores que havíamos encontrado no leito do rio. Então deixamos o Lindolfo tomando conta das mochilas ( não que alguém fosse roubá-las, rsrsrsr) e fomos tentar ver se conseguíamos descer ao lado da cachoeira. Seguindo pelo mato, descobrimos um caminho viável do lado direito. Sem mochila escorreguei pela rampa, me segurando em tudo que é ranhura na pedra e desci ao pé da cachoeira. É uma cachoeira realmente espetacular, mas eu não tinha tempo para contemplações e vendo que seria difícil chegar mais abaixo onde parecia que uma área plana nos serviria para acampar, resolvi subir e me contentar com que tínhamos arrumado anteriormente.

 

Era um lugar lindo, à beira de uma piscina natural. Montamos nossas redes como deu e olha que ficou muito bom. Cobrimos com plástico e fomos tratar de preparar o jantar. Bom, o Lindolfo desfaleceu quase que imediatamente e de tão cansado, não quis nem jantar quando o rango ficou pronto . Em compensação, eu e o Eduardo nos esbaldamos e comemos até não aguentar mais. Tomei banho e me joguei na rede e naquele lugar mais remoto que solo lunar, dormi como nunca antes havia dormido na vida.

O tempo amanhece excelente e o dia promete. Desmontamos tudo e zarpamos as 09h00min da manhã e a primeira coisa que fizemos foi descer ao pé da Cachoeira do Limão para uma foto. A Cachoeira do Pé Limão, guardada as devidas proporções, lembra muito a Cachoeira do Santo Isidro, que é aquela cachoeira que fica na entrada do Pq. Nac. da Serra da Bocaina, na famosa Trilha do Ouro. Como ainda era muito cedo para cair na água, nos despedimos desta grande queda e descemos pelo lado direito, bem encostado ao paredão. O Eduardo escorregou na pedra lisa e já parou lá embaixo, são e salvo. Já eu e o Lindolfo optamos em descer pela corda e aterrissamos bem devagar, junto a um pé de limão, que empresta seu nome à ilustre cachoeira. Neste local, depois de uma limpeza seria possível armar uma barraca ou bivacar apenas com isolante e saco de dormir. Voltamos a descer o rio devagar, nos valendo de partes rasas e curtas do rio, onde pulávamos de um lado para outro e evidentemente escalando algumas pedras. Logo chegamos à outra cachoeira e aí fomos descendo por dentro da água, pelo seu lado esquerdo, nos agarrando onde era possível e segurando firme para não escorregarmos nas pedras lisas e molhadas. Uma vez no sopé da cachoeira, o rio volta a ficar tranquilo e a caminhada se torna muito agradável.

 

A moleza acaba logo à frente quando de novo o rio volta a ficar emparedado. É uma parede baixa, mas nós não conseguimos encontrar nenhum caminho fácil para passar por fora do rio e então resolvemos atravessar um pequeno poço, passando as mochilas com a corda e depois nadando de um lado para o outro. Passadas as mochilas era só pular com roupa e tudo no rio profundo e já agarrar-se nas pedras do outro lado. Foi aí que o colete salva vida que eu havia levado se fez necessário, já que o Lindolfo não sabia nadar. Mais algum tempo de caminhada pelo rio e novamente tivemos que abandoná-lo. Ficamos ali por um bom tempo analisando e matutando, tentando escolher qual o melhor caminho a seguir, pela direita ou pela esquerda. Resolvemos de comum acordo tentar seguir pela direita, ou seja, montanha da direita. Por uma rampa mais que escorregadia e com pedras soltas, fomos subindo, tentando nos segurar onde desse. Assim que chegamos mais acima, viramos para a esquerda e fomos perdendo altura e voltando em direção ao rio e logo já estávamos mais uma vez aos pés de outra cachoeira. Depois seguimos por mais algum tempo pelo rio que de novo nos fechou a passagem, num abismo impressionante, de onde uma pedra que avançava no vazio nos fazia lembrar o famoso mirante da Chapada Diamantina. É, é muito lindo mais daqui a gente também não passa, não seguindo o rio. Mais uma vez optamos por sair pelo morro da direita, subindo outra rampa nos agarrando na vegetação. Mas essa não é mais uma passagem, mais um corte de caminho a fim de nos livrarmos de mais um Canyon e conseguir mais uma vez voltar ao rio, um pouco mais abaixo. Essa é uma das passagens mais miseráveis desta travessia, uma passagem que exigirá de todos uma concentração, uma autoconfiança e acima de tudo, manter a cabeça fria, porque essa passagem vai minar todas as nossas forças e senão tomar cuidado, vai jogar o moral do grupo na lama .

 

Não há onde se segurar, vamos cravando as unhas na terra e quando dá, vamos nos grudando em cipós e plantas espinhudas. As urtigas vão roçando no rosto e no pescoço e os mosquitos e formigas acabam por dar cabo dos outros centímetros de pele que ainda haviam se preservado. Quando era possível, colocávamos a corda para tentar passar de um lugar a outro ou mesmo para descer uma rampa mais íngreme e quando não dava tempo, a lei da gravidade se encarregava de nos mostrar o caminho a seguir. Depois de ganhar bastante altura, vimos que estávamos caminhando em uma crista dentro da floresta, onde um córrego corria a nossa direita e a nossa esquerda era impossível descer. Resolvemos seguir por essa crista, já que ficamos com medo de descer a esse afluente do rio da Onça e darmos de novo em outra grande cachoeira. Assim que a crista arrefeceu um pouco, resolvemos perder altura e descemos o barranco à esquerda, onde o Lindolfo escorregou e ficou pendurado por uma só mão, sendo salvo pelo bastão de caminhada. Queríamos voltar ao rio da Onça de qualquer jeito e foi por uma rampa de pedra, que mais parecia o leito de um rio seco, que usamos para escorregar até lá embaixo. A última parede foi vencida com a corda e às 13h00min desembocamos na Cachoeira Confluência e ali desabamos de cansados.

 

Aproveitamos a parada para tirar o barro do corpo e almoçar. Estávamos felizes porque tínhamos informação que dali para frente as coisas seriam tranquilas e mais nenhuma dificuldade teríamos que enfrentar. A Cachoeira da Confluência ganhou esse nome porque do seu lado esquerdo converge outro pequeno riacho e também do seu lado direito desagua mais um córrego. Depois de um longo descanso, botamos nossas mochilas nas costas e fomos chapinhando por dentro de um Rio da Onça totalmente mando e plano. O caminhar é gostoso, desimpedido e emoldurado por dezenas de poços transparentes. Alguns obstáculos tinham que ser cruzados, mas comparados aos gigantescos canyons anteriores, eles pareciam parque de diversões infantis. Mas em uma curva, sem que esperássemos, mais uma vez fomos surpreendidos e barrados pelo rio. Tentamos de qualquer jeito descer as duas cachoeira por dentro da água, mas por ter uma altura considerável, vimos logo que a empreitada era impossível. Duas paredes juntas e quase verticais nos indicavam que teríamos problemas para passar pelos morros cobertos de vegetação. Caracas! Não estávamos mais a fim de escalar paredes, mas diante da situação tivemos que apelar mais uma vez por trepar no barranco. Escolhemos ir pela esquerda. Subimos nos agarrando em um tronco e com a maior dificuldade do mundo, chegamos um pouco mais acima. O Eduardo tentou seguir caminho pelo mato, indo paralelo ao rio, mais o negócio começou a ficar perigoso de mais e então decidimos retroceder e voltar novamente ao rio e chamar pela nossa mamãezinha.

 

“O Vale da Morte foi aos poucos ganhando tudo que é nome” diabesco”, cada explorador, aventureiro que ia passando por aqui acabou por batizar algum acidente geográfico da travessia, mas como as” cachus” e poços podem se contar em centenas , há muito o que nomear. O local onde havíamos sido travados era um lugar comum como tantos outros anteriores, mas no começo do Canyon, havia um vestígio de um antigo acampamento, mas era um acampamento tão medíocre, tão ridículo que parece mesmo que deve ter sido usado pelo próprio “CÃO”, que ali se deitou , bem no leito pedregoso do Rio da Onça e por muito tempo ficou prostrado, esperando para atormentar os viajantes. Junto a esse acampamento se encontra uma panela toda preta ,meio que indicando que alguém teve que sair ás pressas. Bom então aí é que eu vou tomar a liberdade de batizar esse lugar de “CACHOEIRA DA PANELA DO CÃO”, para que todos saibam e nunca se esqueçam de como se deixa esse lugar. Mesmo sendo um lugar lindo , como todos os outros, não é fácil chegar aqui pensando que o pior já passou e descobrir que seu tormento ainda não chegou ao fim, descobrir que o Vale da Morte aprontou pra você de novo.

 

O engraçado e que todos ficamos com os nervos a flor da pele e houve até um princípio de discussão, já que o Lindolfo insistia em dizer que a gente já havia passado por ali em 2011, quando fizemos a caminhada pelo Rio Quilombo e Mogi e aí acabamos subindo por meia hora o Rio da Onça. Com a cabeça no lugar, resolvi escalar a parede da direita e ver o que eu conseguia achar morro acima, mas como a parede junto ao Canyon era muito íngreme, eu tinha quase certeza que seria esforço à toa. Pois bem, mais uma vez me agarrei à vegetação e fui ganhando altura e logo vi que havia uma passagens beirando o abismo. Era quase um degrau à beira da parede e vendo que o caminho poderia nos render alguma coisa, chamei o Eduardo e o Lindolfo para seguirmos viagem. O Eduardo foi à frente abrindo caminho e como o vestígio de trilha se mantinha quase plano, fomos ganhando terreno rapidamente, tentando escolher a hora certa para podermos descer ao rio da Onça. Pelas marcas de corte de fação podia-se notar que aquela era uma trilha, muito antiga, mais era uma trilha. Mas logo a nossa sorte acabou de vez. A trilha parou bem numa laje escorregadia, onde dali ninguém mais passaria, para desolação total. “ Nesse momento fiquei pensando que era mais fácil conseguir escapar da” CAVERNA DO DRAGÃO” do que conseguir sair do vale da Morte.

 

Como nem todo sofrimento é eterno, por um golpe de sorte, o Lindolfo encontrou na beira da trilha, um pedaço de cinto de segurança e quando puxamos o dito cujo, vimos que ele atravessava a laje vertical de um lado para outro e estava amarrado em uma árvore. Aí foi só nos segurarmos e passarmos pendurados pela pedra escorregadia. Logo à frente a trilha acaba de vez e então nos decidimos por perder altura e ir escorregando morro abaixo, do jeito que dava. Não foram poucas as vezes que rolamos e paramos nosso corpo em alguma palmeira cheia de espinhos. Quando o terreno abrandou, o Eduardo foi abrindo mato na faca e teve o infeliz azar de se encontrar com um cacho de marimbondos, onde levou uma meia dúzia de picadas e rapidinho e sem saber por onde foi parar dentro do Rio da Onça. Eu e o Lindolfo fomos logo atrás e uma última corda foi usada e logo nós dois estávamos fazendo companhia para o Eduardo, que quando nos viu já foi gritando: Rio Mogi, Rio Mogi !

 

Era pouco mais de 17h00min e o tão temido Vale da Morte havia ficado para trás. Pra comemorar, nos jogamos com roupa e tudo dentro de uma das piscinas naturais, pra lavar a alma. Estávamos moídos, mas isso pouco importava diante do feito que havíamos acabado de realizar. Atravessamos o que seria para muitos a mais difícil travessia da Serra do Mar paulista, mas com tantos cânions despencando planalto abaixo, será difícil confirmar essa suspeita, até que todos sejam palmilhados um a um. Pode não ser a mais difícil, mas sem dúvida é, pelo menos por enquanto, uma travessia para poucos. Cada grupo que por ali passar estará colaborando com novas informações e nós, no encalço de outros exploradores, somos alguns dos que tiveram a honra de sair vivo de um dos lugares mais bonitos do litoral de São Paulo.

 

Caminhamos mais uns 200 metros e nos encontramos de vez com o majestoso Rio Mogi. Se mil vezes passar por aqui, mil vezes a minha alma se alegrará por ver esse rio tão cristalino. Paramos ali na confluência do Rio da Onça com o Rio Mogi e tiramos aquela foto clássica, que marca oficialmente o final da Travessia do Vale da Morte. Final da travessia, mas não final da caminhada, porque aqui temos três destinos a tomar: Subir o Rio Mogi por umas 3 ou 4 horas e depois pegar a trilha que sobe para Paranapiacaba por mais 3 ou 4 horas. Descer pelo rio por mais uns 20 minutos e interceptando uma trilha a esquerda sair na estação Raízes da Serra e depois caminhar por mais uma hora até a rodovia e pegar um ônibus para Cubatão. E a terceira e mais radical é caminhar até a Estação de trem Raízes da Serra e depois logo à frente subir por uma trilha até interceptar a antiga ferrovia Funicular e subir por ela por mais um dia até Paranapiacaba.

 

D. Pedro ll governava soberano e o Brasil ainda se engalfinhava em uma guerra estúpida contra o Paraguai, quando a Ferrovia Funicular foi inaugurada em 1867. O sistema vencia um desnível de quase 800 metros entre o litoral e o planalto paulista e servia primordialmente para dar vazão ao café, produzido principalmente no interior do estado. Era um sistema movido por cabos e máquinas à vapor e no total foram construídos 16 túneis e 13 pontos, em uma obra sem precedentes na história do Brasil.

 

Pois bem, o Eduardo já havia passado algumas vezes pela Funicular e há muito tempo vinha insistindo para que a gente fosse com ele, mas nunca tínhamos tido oportunidade para isso. Agora havia chegado a hora. Decidimos então que o nosso caminho de volta seria pela histórica Ferrovia Funicular. Fomos descendo pelo raso Rio Mogi e logo que chegamos ao início dos containers à nossa direita, já começamos a procurar uma trilha que sai à esquerda e abandona o rio de vez. E realmente a encontramos uns 100 ou 200 metros à baixo. Tomamos a trilha e logo chegamos a uma casa, onde sai uma pequena estradinha junto a um rio. Cruzamos a ponte e em poucos minutos tropeçamos na linha de trem. Não é a Funicular e sim a do sistema CREMALHEIRA. Cremalheira é uma peça mecânica que consiste numa barra ou trilho dentado que em conjunto com uma engrenagem a ele ajustada, converte movimento retilíneo em rotacional e vice-versa. Esse é o sistema usado hoje para subir e descer a Serra do Mar, já que a Funicular foi totalmente desativada na década de 80. Mais alguns metros à frente já estávamos estacionado na Estação Raízes da Serra, hoje abandonada e logo mais à frente a estação de manutenção que é usada pela MRS, que é a empresa que opera agora todo sistema. Tiramos umas fotos e seguimos em frente, agora caminhando por uma estrada de terra paralela aos trilhos. Passamos pela portaria sem que ninguém nos incomodasse e mais à frente, junto a uma grande Jaqueira e bem enfrente a uma casa que está do outro lado da linha, onde uma mangueira enche um reservatório de água, deixamos de vez a estrada e entramos em uma singela trilha.

 

Passava das 18h00min quando entramos na trilha. Estávamos realmente quebrados e cada passo dado era como se nos dirigíssemos para forca. O caminho segue pela mata e alguns riachinhos são cruzados até que a trilha intercepta um rio e começa a segui-lo por dentro, onde parte de uma das pontes da ferrovia vieram parar, depois que ela desabou. O Eduardo seguiu à frente, nos guiando e o Lindolfo seguiu atrás e quando o Eduardo disse que havia perdido o caminho e teríamos que nos guiar pelo pedestal da ponte em ruínas, tendo assim que subir pelo barranco mesmo, o cara “fez beicinho” e se recusou a arredar o pé dali. O Lindolfo estava acabado, parecia não ter mais força para dar mais um passo. Ele havia sucumbido ao esforço físico e mental que o vale da morte havia nos enfiado na cara. Não, ele não iria mais a lugar algum, iria acampar ali mesmo. Bom, eu não estava melhor que ele e a possibilidade de ter que trepar em outro barranco também não me agradava, mas como o Eduardo havia nos dito que acamparíamos em um lugar abrigado, e por achar que o limite do ser humano só acaba quando ele perde a consciência, persuadi o meu primo a continuar caminhando. Miramos para a direita, na direção do pé da ponte destruída e abandonando o rio de vez, fomos seguindo naquela direção e logo subimos o barranco e tocamos o nosso alvo. Ao lado da ponte sobe uma escada de concreto que intercepta a trilha principal. Na trilha viramos para a esquerda e caminhamos até onde ela acaba junto a uma cachoeira, onde uma água escorre por uma pedra lisa. Já era noite e fomos obrigados a acender nossas lanternas. Pegamos água, atravessamos o riacho e seguimos pela trilha novamente e tivemos que parar logo à frente porque o Eduardo resolveu cair em mais um buraco. Resgatamos o Eduardo e em mais um minuto de caminhada saímos da trilha à esquerda, junto a uma grande árvore. Chegamos a um grande hotel luxuoso, abrigado do vento, seco, limpo, com dois quartos confortáveis e com lareira. Na verdade era mesmo um casebre abandonado junto à linha férrea, perdido no meio da floresta e foi ali naquele local ermo que a gente terminou mais um dia de caminhada, um dia para não ser esquecido.

 

O Lindolfo montou sua rede em dois buracos na parede e não quis saber de mais nada e eu quase ia seguindo pelo mesmo caminho, quando o Eduardo voltou de uma moita e disse que era uma pena que os mamões que ele havia encontrado estavam verdes. Opa! Mamão verde? Isso é uma iguaria meu amigo, respondi. O Eduardo então resolveu usar o óleo diesel que ele havia carregado por dois dias para fazer uma fogueira com a madeira seca que havia sido deixado ali estrategicamente. Descasquei o mamão, piquei e juntando- o com alho e cebola pus tudo para cozinhar e depois acrescentei pimenta e um molho para estrogonofe com champion. Até o Lindolfo que já estava desfalecido, ressuscitou para o jantar de gala. Eu e o Eduardo aproveitamos a fogueira para secar parte das nossas coisas e quando o fogo se extinguiu, peguei meu saco de dormir e o isolante do Eduardo e fui “morrer” em um dos cômodos do nosso castelo.

 

Beba! (Beba!) Pois a água viva ainda tá na fonte (Tente outra vez!) Você tem dois pés para cruzar a ponte .Nada acabou !Não! Não! Não!...........................................(.Raul seixas)

 

Um clássico dos anos 80, vindo do celular do Lindolfo, nos despertava para mais um dia de caminhada e a música parece mesmo que havia sido feita para aquela ocasião. Arrumamos as mochilas e partimos, subindo pela mesma trilha que havíamos chegado na noite anterior. Por incrível que pareça a trilha estava um pouco fechada, o que indica que a Funicular não estava sendo tão usada como pensávamos, talvez a fiscalização em Paranapiacaba tenha aumentado ou talvez as pessoas estejam indo mesmo somente até uma parte da ferrovia, a parte onde as pontes estão em melhor condição para serem atravessada. Sempre pensei que a caminhada da Funicular era feita sobre os trilhos, mas vejo que me enganei. Os dormentes praticamente não existem mais e os trilhos passam ao lado de uma trilha, o que torna o caminho muito legal para caminhar. Mas essa não é uma caminhada turística, é uma caminhada ariscada, onde pontes de quase uma centena de altura terão que ser cruzadas, e são pontes totalmente destruídas e carcomidas pelo tempo, onde um descuido pode levar a um tombo fatal no abismo. Passamos por alguns túneis, que não sei se é verdade, dizem que foi escavado a mão. São obras realmente inacreditáveis, já que foram feitas há quase 150 anos atrás, o que nos faz acreditar que muita mão de obra escrava foi usada por aqui. E eis que de repente surge em nosso caminho a primeira ponte a ser cruzada. MAIS QUE DESGRAÇA É ISSO? Era uma ponte que mau se segurava em pé, com os dormentes que já havia se dissolvido pelo tempo. São dois pares de trilho e no início fomos caminhado com um pé em cada trilho, afastados uns 30 centímetros um do outro. Eu fui em pé, prendendo a respiração e andando o mais ereto possível para que a minha mochila não desequilibrasse e me jogasse no vazio. O Lindolfo não se fez de rogado, ajoelhou nos trilhos e foi implorando a deus que o sofrimento acabasse logo (rsrsrsrs). Até a metade da ponte, onde era possível manter os dois pés paralelos aos trilhos, eu fui bem, mas depois, quando os trilhos de transformam em apenas um eu fui obrigado a passar para o lado de fora da linha férrea ,ou seja, andar à beira do abismo. Pra piorar começou a chover bem no meio da travessia, o que deixava os trilhos escorregadios. Concentração, respiração presa, olhos fixos nos trilhos, mochila equilibrada, MAS QUE DIABOS MESMO EU ESTOU FAZENDO AQUI?

 

Cruzamos a ponte, cada um como pode e como se sentiu seguro, uns em pé, outros de quatro, outros de joelhos. Chegar vivo do outro lado é o troféu. Seguimos de novo pela trilha e mais um túnel aparece pela frente, talvez o maior de todos, onde tivemos que usar uma lanterna. Os túneis estão bem preservados e é possível acampar dentro de quase todos. As pontes vão se seguindo e cruzamos por cima de algumas, mas praticamente em todas é possível desviar por trilhas e foi isso que fizemos em pelo menos metade delas, porque acabava sendo mais rápido do que ficar se arrastando nas pontes em ruínas. A cada patamar que íamos cruzando, as ruínas das máquinas, caldeiras, e todo tipo de instalações nos fazia acreditar que estávamos diante de uma das mais espetaculares obras que esse país já teve. Uma verdadeira Machu Picchu ferroviária perdida e abandonada. Ás 14h30min paramos junto a uma bica para prepararmos nosso almoço. A chuva ia e voltava e às 15h30min chegamos à ponte da Grota Funda, a maior e mais impressionante de todas, onde estão as grandes caldeiras e todo tipo de maquinário impressionante. Da grota funda para frente às pontes estão em melhores condições, onde acaba sendo um pouco menos perigoso cruza-las. Cruzadas as outras pontes e outros túneis, finalmente às 17h00min, cruzamos pela placa que indica o início da Funicular. Passamos bem quietos pela placa e logo à frente junto a umas instalações da MRS, onde tem um grande reservatório de água, entramos para a direita depois de cruzar um pequeno riacho, que fomos acompanhando e ganhando um pouco de altura até chegar a uma pequena barragem, onde aproveitamos para nos lavar e colocarmos roupas limpas. Retrocedemos um pouco depois do banho e subimos por uma trilhinha à direita, que nos levou ao quintal de uma casa sem muros e logo nos desovou em uma rua de terra, onde bastou seguir para esquerda e assim adentramos na vila inglesa de Paranapiacaba, onde cruzamos a ponte sobre os trilhos, mas não sem antes tirarmos aquela foto clássica com a réplica do Big Bem. E foi assim que naquela noite fria de segunda-feira, com uma vila totalmente vazia, que abandonamos as bordas do planalto e voltamos para Rio Grande da Serra e depois cada um seguiu seu caminho e foi curar suas feridas em casa.

 

Se a região do Vale da Morte já a muito tempo se livrou do título de pior lugar do mundo para se viver e hoje é um exemplo de preservação, o mesmo não aconteceu com a ilustre ferrovia, que está abandonada a sua própria sorte e logo será apenas uma lembrança de um passado com riqueza e glamour, onde sonhadores acreditaram no que muitos achavam ser impossível. A Funicular não se manterá em pé por muito tempo, ao contrário da Travessia do Vale da Morte, que ainda é caminhada apenas para meia dúzia e para aqueles que me perguntarem por que eu inventei de colocar um título tão macabro e escabroso neste relato ,eu direi que não pude evitar depois de ler tantos nomes ”infernescos” e só me veio uma frase à cabeça: Putzzzzz, esse vale da morte parece mais uma “travessia pelo quinto dos infernos”. Tirando essa bobagem de inferno, essa é uma travessia das mais selvagens da Serra do Mar, por um lugar que chama-lo de Paraíso, seria apenas uma grande redundância.

 

Divanei Goes de Paula - outubro/ 2013

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Para se um dia você for:

 

Procure um psiquiatra , você deve estar com "pobrema". rsrsrsrsr

* leve uma corda de uns 15 ou 20 metros,vai por mim, você vai precisar.

* leve o mínimo de coisas possível, quanto mais leve melhor.

* O melhor é acampar em redes,porque você pode ser pego pela noite pendurado em um barranco qualquer.

* Leve um quite de primeiros socorro, sabe-se lá o que pode acontecer naquele fim de mundo.

* Vá de roupas de manga comprida ou as formigas e urtigas vão acabar com você.

* Só vá com quem consegue manter o controle psicológico, porque tem horas que dá vontade de chamar a mamãezinha mesmo,rsrsrsr.

* Uma coisa que é fundamenta : No topo da cachoeira do Poço único caminho e saindo pela esquerda, todas as outras passagens por fora do Rio da Onça nós fizemos pela direita. Deu muito certo porque a gente sempre se manteve perto do rio.

* No mais todo cuidado é pouco ao atravessar as pontes na Funicular.

* E pra finalizar, QUE DEUS TENHA PENA DA SUA ALMA (RSRSRSRSR)

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  • 3 semanas depois...
  • Membros de Honra

Grande Divanei!

 

 

SuperAÇÃO meu amigo, sem dúvida!!! Conseguiu unir e de uma só vez duas pernadas batutas. A do Vale da Morte não tenho grande atração, mas a do Sistema Funicular faz parte da minha lista de pendências e quero ver se a concluo em 2014, antes que se acabe de vez...

 

Abraço!

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