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Relato da ascensão ao Vulcão Licancabur


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Realizei a ascensão a este vulcão em Outubro de 2012, durante uma viagem que incluiu o Norte do Chile e o Noroeste da Argentina.

 

Dias 18 e 19/10/2012

 

Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa

 

O Licancabur é uma montanha muito alta (5930 m.s.n.m), mas o local seco de sua localização faz com que quase não tenha neve. Para subí-la é necessário pernoitar no abrigo de alta montanha da Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa (4340 m.s.n.m), poucos quilômetros após a fronteira do Chile com a Bolívia. É possível obter um guia local no próprio abrigo ou contratar uma excursão em San Pedro de Atacama. A segunda opção chega a ser algumas vezes mais cara, porém normalmente inclui toda a logística a partir do Chile.

 

Optei pela primeira opção, e para maiores detalhes sobre o deslocamento até a reserva, segue o link do relato completo de minha viagem por Chile e Argentina, com os principais valores.

 

http://www.mochileiros.com/santiago-atacama-vulcao-licancabur-jujuy-quebrada-de-humahuaca-salta-mendoza-t75972.html#p780225

 

Cheguei à reserva cerca de 10:30 da manhã vindo de San Pedro de Atacama. Perguntei por Macario, guia que me fora recomendado em minhas pesquisas, porém o funcionário da reserva disse que ele não estava mais por lá. Havia um outro guia, de nome Ruben, que fica no abrigo e realiza as ascensões guiadas. Perguntei por ele no abrigo, mas soube que chegaria apenas no fim da tarde.

 

Aproveitei a oportunidade para fazer uma caminhada de aclimatação ao longo da Laguna Blanca, saindo às 11:00 horas e retornando após as 15:00. Com o Sol a pino e nenhuma nuvem no céu, fazia até um pouco de calor. Passei por um pequeno grupo de casas na margem da laguna, seguindo no começo a trilha dos jipes, e depois caminhando pelo solo quebradiço da margem até o ponto onde os jipes das excursões se reúnem sobre um pequeno morro. Regressei pelo mesmo caminho, margeando o lago.

 

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Laguna Blanca

 

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Povoado próximo à margem da Laguna Blanca. Licancabur ao fundo.

 

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Encontrei Ruben no abrigo e acertamos os detalhes da ascensão. O valor cobrado foi CLP 75.000,00 incluindo o transporte em sua caminhonete até a base da montanha. Não haviam mais hóspedes no abrigo, apenas uma senhora boliviana e um rapaz que fica na recepção.

 

Após um jantar preparado pela senhora boliviana (sopa de legumes e macarrão), fui ao quarto organizar o equipamento. Utilizei botas de couro impermeáveis (simples), uma calça térmica por baixo da calça de caminhada, uma blusa térmica fina e uma blusa de lã por baixo de um casaco impermeável, luvas e meias térmicas. Depois de separar tudo, deitei para dormir cedo, antes das 21:00 horas.

 

A madrugada

 

Despertei às 2:00 horas da manhã, 1:00 da manhã no horário boliviano. Não percebi a mudança de fuso quando cruzei a fronteira, o que me fez esperar um pouco. Coloquei uma lanterna de cabeça e vaguei pelos cômodos escuros do abrigo; sentei em um sofá e fiquei contemplando as sombras que a lanterna projetava nas paredes de pedra. Após muitos minutos, Ruben apareceu e me convidou para tomar um mate.

 

Saímos em sua velha caminhonete e rodamos por alguns quilômetros pelas trilhas da planície irregular que leva até a base do vulcão. O veículo esquentou e começou a fazer barulhos com o vazamento do líquido do radiador. A mangueira do fluido estava com buracos, remendada porém ainda vazando. Ruben colocou água de uma garrafa que estava na parte de fora, e seguimos. Paramos mais umas duas vezes pelo mesmo motivo, até que o líquido reserva acabou. Mantive uma garrafa de dois litros para a subida, e fizemos a aproximação até a base caminhando cerca de dois quilômetros, passando por umas colinas de areia e pedra que não exigiram muito esforço.

 

Gradualmente, as colinas acentuaram-se até transformarem-se em vias íngremes. O frio desapareceu em poucos minutos e o silêncio dominou o caminhar, quebrado apenas por minha respiração um pouco ofegante e pelo ruído da areia sob as botas. Não ventava - o ar estava parado. Acima, o céu mais limpo que já pude contemplar revelava todas as estrelas que podiam ser vistas no hemisfério sul. A lua estava crescente, uma linha fina que não iluminava. Às vezes parava e olhava para trás, para leste, procurando algum sinal do Sol aproximando-se. Nada ainda, o dia estava longe. Ao norte via uma fraca luminescência: eram as lagunas Blanca e Verde que refletiam as estrelas.

 

Concentrei-me na subida, tentando aproveitar cada esforço. Era difícil pisar aquele terreno, que cedia alguns centímetros a cada passo, aumentando a taxa de cansaço paga por cada metro. Aprendi a pisar nas rochas maiores, e assim o terreno cedia menos. Paramos para descansar um pouco; tomei alguns goles d’água e masquei uma barra de cereal. Ruben tomou uma cerveja que trouxe na mochila e me ofereceu; agradeci e recusei, não queria relaxar daquela forma antes de chegar ao cume.

 

O cume

 

Quando o Sol começou a mostrar as cores do céu atrás de nós, eu apenas pisava e respirava, determinado a não desistir apesar do cansaço crescente. Essa postura pode ser perigosa neste terreno hostil, mas eu via uma espécie de necessidade em completar a subida. A presença do guia me tranquilizava um pouco, me permitindo ir um pouco além dos limites que normalmente colocaria para meu esforço. Ruben emprestou-me seus bastões de caminhada, que carregava na mochila e que não usaria. Segui com eles o restante do dia, e embora não havia utilizado o equipamento antes, logo percebi a vantagem de ter quatro apoios em um terreno tão instável.

 

Nas próximas horas, o terreno acentuou-se, e agora caminhava em direção a uma série de cumes falsos que encobriam o cume verdadeiro. Como subia lentamente, o esforço não era intenso demais, porém prolongava-se por um tempo que parecia interminável, à medida que os falsos cumes eram atingidos e revelavam uma enorme distância ainda a percorrer. A via que utilizamos não revelou o cume verdadeiro até estarmos muito próximos. Quando já era possível avistá-lo, Ruben adiantou-se para descer e pegar água sob o gelo do lago da cratera.

 

Concluí sozinho a última meia hora de subida. Já estava bastante cansado, mas contente com a proximidade do objetivo. Via então o mastro de madeira colocado para sinalizar o ponto mais alto, e descuidando um pouco de meus limites, caminhei as últimas centenas de metros em um ritmo para o qual não estava preparado o suficiente. Faltando uns 70 metros para chegar ao mastro, senti enjoo e botei para fora o pouco que tinha ingerido na subida. Parte disso foi devido à altitude e ao cansaço, parte devido à janta da noite anterior, que não me caiu muito bem. Passei alguns instantes me recuperando, e então voltei a caminhar, atingindo o topo vazio.

 

Olhei em volta e não havia nenhuma umidade no ar para obstruir a visão. Ao norte, as altas montanhas da Bolívia preenchiam o horizonte. Antes delas, bem abaixo, as lagunas refletiam o Sol com suas cores únicas. Eram cerca de 10:20 da manhã, e o dia já havia atingido o ápice de sua luminosidade.

Ao sul pude ver a enorme cratera, estendendo-se por centenas de metros de largura, e muito abaixo, o lago congelado que existe em seu fundo. Era uma grande caminhada descer até lá e voltar, e dada minhas condições, decidi permanecer no cume. Em pouco tempo voltei a sentir um pouco de frio, que era amenizado pelo sol absorvido pelas roupas escuras.

 

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Lagunas Blanca e Verde, muito abaixo

 

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Montanhas da Bolívia

 

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Lago congelado no fundo da cratera. Ao fundo, a região do Atacama

 

A descida

 

O guia me chamou de longe, já muito abaixo, na face sudeste da montanha. Iríamos descer por uma outra via, repleta de placas de gelo, porém diretamente até a base do vulcão. Ruben não conseguiu quebrar o gelo da cratera para pegar água, então voltou com um pouco de neve dentro de uma garrafa.

Encontrei muita dificuldade em descer pelas placas de gelo, que eram irregulares e tinham buracos e frestas onde se podia apoiar a bota. Os bastões facilitavam o equilíbrio, mas às vezes o gelo rompia, fazendo-me cair sentado. A descida por ali pode representar algum risco nestas condições, e Ruben decidiu alterar a rota, fazendo um caminho um pouco mais longo para desviar do gelo.

 

Desci muito devagar por horas, beirando à exaustão. Não sentia as dores de cabeça próprias do soroche, porém ainda tinha um pouco de enjoo, e não quis forçar-me a um ritmo mais forte. Ruben avançava até sumir da vista, mas o caminho dali já era óbvio e segui sem alterar minha velocidade.

 

O solo de areia e pedras misturadas era o maior desafio. Toda pisada fazia o solo ceder, e um descuido maior provocava uma avalanche e um tombo considerável. As pedras estavam sempre tão soltas na areia que não me machuquei nem um pouco nos muitos tombos que contei durante a descida. Com o tempo acostumei-me, e passei a descer quase esquiando as dunas, utilizando os bastões para equilibrar as passadas. O Sol agora me fervia dentro da jaqueta, e tive que tirar as blusas que levava, ficando apenas com uma camiseta sob a jaqueta.

 

Quando estávamos na metade da descida, Ruben esperou para me avisar que seguiria na frente até a caminhonete para trazê-la mais perto da base do vulcão. Continuei descendo sozinho em meu ritmo, já exausto, parando apenas umas poucas vezes para beber água.

 

A descida ficou mais fácil quando cheguei a uma espécie de trilha nas areias, que descia em zigue-zague até um platô de onde eram visíveis as ruínas incas da base do vulcão. Segui sem me deter, e em mais 40 minutos estava na borda do platô, já avistando Ruben e a caminhonete, muitos metros abaixo. Fiz um caminho descendo através de pedras mais firmes da encosta, passando por alguma vegetação rala e musgos verdes que pareciam corais. Cheguei ao veículo por volta de 15:00 horas.

 

Rodamos até a Laguna Blanca, onde coletamos água para o tanque do radiador. Após isso, voltamos chacoalhando até o abrigo. Com o atraso na descida, não pude chegar a tempo de tomar um dos últimos transportes até San Pedro. Combinei mais uma noite no abrigo e dormi até a manhã seguinte.

 

Acordei às 7:00 horas e, após colocar tudo na mochila, aguardei no lado de fora a chegada de algum jipe que ia até a fronteira com o Chile. Consegui um transporte cerca de 9:00 horas, e pouco depois fazia a migração na aduana.

Editado por Visitante
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  • 2 semanas depois...
  • 4 semanas depois...
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Fala Leandro!

 

Parabéns pela subida, e pelo relato. Ficou muito bom!

 

Vamos estar em São Pedro no meio de janeiro.

 

Gostaríamos de tentar subir o Vulcão Licancabur. Mas infelizmente não temos experiencia com escaladas. Apenas fizemos a trilha de Salkantai em direção a Matchu Pitchu que teve duração de 4 dias. E a trilha que cruza a Isla Del sol na Bolivia.

 

Ou seja, não temos muita preparação fisica.

 

É possível para pessoas com menos experiencia como a gente subir o Licancabur?

 

Abraço

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  • Membros

Fala Thiago!

A subida ao vulcão não é bem uma escalada, e sim um trekking bem pesado.

Para você medir o preparo físico para a ascenção, acho interessante comparar com alguma atividade com muitas horas de duração (no meu caso foi das 3:00 da manhã até as 15:00 horas da tarde, não foi minha melhor caminhada). A trilha de Salkantai teve algo parecido? Tem muita gente que faz o Licancabur sem ter grande experiência em montanha, mas acho fundamental a contratação de um guia nesse caso.

No mais te desejo boa sorte, e espero que ocorra tudo certo em sua viagem...

Um abraço

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  • 1 mês depois...
  • Membros

meu caro Leandro!

Primeiramente, parabens pela conquista e belas fotos e relato!

Estou pensando em fazer a ascenção do Licancabur em outubro desse ano.

lendo alguns relatos de quem fez vulcões menores, pelas agencias de turismo da área, vi que as agências costumam emprestar todo o equipamento necessário para a ascenção, inclusive roupas de frio.

Contratando o guia local, tem essa mesma facilidade? ou tenho que ter meu próprio equipamento?

um abraço

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  • 2 semanas depois...
  • Membros

Caro caduguedes,

 

Espero que tudo ocorra bem na sua viagem em outubro.

Em San Pedro de Atacama é possível contratar excursões guiadas para os vulcões da região. Normalmente é oferecido uma espécie de pacote, que inclui transporte e lanches de trilha. Nas agências que visitei, acredito que o aluguel de equipamentos era cobrado a parte, porém com um preço razoável comparado ao valor total do pacote. Os vulcões visitados incluem Lascar, Sairecabur e Licancabur.

Não estou certo se o guia local dispõe de equipamentos para emprestar ou alugar, mas talvez seja possível combinar com antecedência se conseguir estabelecer contato pelos telefones que postei acima. Na época da minha viagem, não havia encontrado estes números, então optei por comprar o que faltava do meu equipamento em Santiago, no Mall Sport, onde encontrei preços bem melhores do que no Brasil.

De qualquer forma recomendo tentar um contato, pois evitaria o risco de um possível desencontro (chegar no abrigo e não ter um guia para fazer sua ascensão).

 

Se precisar de mais alguma informação sobre este roteiro, pode me perguntar.

 

Um abraço

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  • 1 ano depois...
  • Membros

Prezado Leandro,

Parabéns pelas fotos, pelas descrições e pela persistência.

Pretendo subir o Licancabur em fevereiro de 2015, quando estarei no Atacama. Também pretendo contratar a viagem em SPA mesmo, apesar de mais cara, por uma questão de logística e outros.

 

- Você sugere ou conhece alguma agência em San Pedro que tenha uma boa referência? Tenho pesquisado mas não localizei ainda.

 

- Acha que deixar para contratar lá é arriscado por poder não conseguir (já que não ficarei tantos dias e tenho outros passeios que gostaria de fazer)?

 

- Gostaria de saber também o que você sugere de essencial de equipamentos para esse trekking, além do padrão?

 

Obrigado e abs.

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