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UM SAFARI NA BAHIA - 1ª Parte


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Apesar da imagem que o título evoca, não se trata aqui de uma expedição de caçada a animais selvagens em terras baianas, barbárie travestida de esporte, muito praticada pelas elites européias e ianques do século XIX e início do século XX, e muito menos de sua versão hodierna, enganosamente ecologicamente correta, de safaris fotográficos, onde apesar de não matarem os animais, perturbam-nos em busca da melhor pose e da imagem mais sensacional. A Safari a que me refiro é um micro motorhome, fabricado em série pela Karmann Ghia entre o final da década de 1970 até meados da década de 1990, sobre a plataforma da Kombi, oficialmente chamado de Karmann Mobil Safari.

 

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Há anos eu tinha a idéia de adquirir um destes veículos para com ele viajar pelo Brasil e países limítrofes, com economia e certa independência, pelo menos no que concerne à estadia e alimentação, eis que possuindo o veículo duas camas de casal, fogão, geladeira e banheiro, os principais gastos dos viajantes estariam resolvidos, se podendo viajar longos períodos com baixo custo . Dorme-se no veículo com razoável conforto, idem no que tange a uso do banheiro e refeições ligeiras (principalmente café da manhã e lache noturno). Finalmente consegui adquirir um Safari em março último, em muito bom estado de conservação e por um preço módico em relação ao mercado, onde está cotado em cerca de R$45.000,00.

 

Como pretendia viajar para lugares distantes, uma checagem geral se fazia necessária, mandando então desmontar o motor e trocar pistões, cilindros, cabeçotes, anéis de segmento, embreagem, caixa de direção, checagem dos sistemas de freios e suspensão, parte elétrica, etc., o que já custou algo em torno de R$3.500,00. Verifiquei também o funcionamento da parte habitável, como fogão, geladeira, aquecedor de água, etc. O ideal para mim é que o veículo seja o mais independente possível, para tanto inclusive adquirindo uma bomba de pressurização da água, mas infelizmente não consegui alguém tecnicamente confiável para sua instalação. Assim, dependeria de uma tomada de água nos locais onde parar.

 

 

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Por outro lado, apesar de originalmente os Safaris virem equipados com geladeiras que funcionam com 110 V, 12 V e à gás, o meu veio com geladeira que funciona somente com 110 V, pelo que dependeria também de uma tomada de energia elétrica. Ainda pensei em conseguir uma geladeira original, mas ao saber de sua pouca eficiência, demorando horas para gelar o que uma geladeira moderna faz em questão de minutos, desisti. Por outro lado, as geladeiras à gás usam circuitos de amônia, sendo acusadas de serem causadoras de incêndios, o que é um ponto crítico dos Safaris, com seu isolamento de isopor. Em suma, meu Safari está equipado para ficar parado em campings, não em praias desertas sem água e luz. Para que não fosse assim, teria que instalar mais uma bateria de 75 Ah (ele já veio com uma bateria de 75 Ah e eu instalei para a habitação outra de 60 Ah) e um inversor de no mínimo 1000 Watts, de modo que a geladeira funcione somente com a energia das baterias, mesmo durante as viagens.

 

Apesar destas limitações minha primeira viagem foi para a Bahia, iniciando em Praia do Forte, aprazível localidade no município de Mata de São João, que eu já visitara anteriormente. Resolvi que viajaria sozinho até Praia do Forte, de modo a poder resolver com maior liberdade eventuais problemas que surgissem, e comprei passagens de avião para meus pais e esposa, que viajariam para Salvador no dia 15 de outubro.

 

Saí de casa no dia 11 de outubro cerca de 6:00 horas, por azar pegando o enorme temporal que desabou sobre o Rio de Janeiro, o que acarretou monumental engarrafamento na Linha Vermelha. Vencido este obstáculo “caseiro”, me pus na estrada rumo a Campos, no norte do Estado, me surpreendendo com a cobrança de diversos pedágios no que eles chamam de “AUTOPISTA FLUMINENSE”, que apesar de relativamente baratos (R$1,60), são plenamente injustificáveis, pois a pista está exatamente da mesma maneira que quando a rodovia federal (BR-101) não era pedagiada.

 

Todo este primeiro trecho foi feito sob chuva fina, parando apenas para descansar algumas horas, comer e abastecer, eis que estava preocupado em preparar tudo a tempo de pegar meus pais e esposa em Salvador, já estando devidamente alojado. Meus pais ficariam na Pousada Balanço do Mar, em Praia do Forte, que eu adredemente reservara, já conhecida e com ótimo atendimento, limpeza e localização privilegiada.

 

 

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Cheguei em Campos dos Goytacazes em torno do meio dia e logo de cara um engarrafamento na entrada da ponte que atravessa o Rio Paraíba do Sul, depois o intenso tráfego de caminhões pela BR-101, achando eu enormes dificuldades nas ultrapassagens, eis que as Safaris são equipadas com motores Porshe-Reimpess (boxer refrigerados a ar) de 1600 cc, sendo os motores conhecidos como “planos” os que equipavam a Variant II e os “altos” os que equipavam as Kombis, ambos rendendo cerca de 67 H.P., o que, em razão da elevada massa das Safaris (em torno de 2 toneladas), os faz trabalhar no limite, logicamente sacrificando torque nas retomadas de velocidade e na subida de serras e rampas. Às vezes tinha que subir morros a 45 Km/h, o que me exasperou no início, mas depois acabei me acostumando com o ritmo de viagem da Safari, que por recomendação da própria fábrica, deve ser conduzida a uma velocidade de no máximo 80Km/h.

 

No caminho por vezes encontrava acampamentos do Movimento dos Sem Terra nas margens da rodovia, com barracões formados por estruturas de madeira forradas com lonas plásticas, destas que servem para caminhoneiros cobrirem suas cargas, mas um deles me chamou a atenção, eis que apesar da precariedade daquelas moradias, praticamente todas estavam equipadas com antenas parabólicas de recepção de TV. Isto que é definir prioridades!

 

No caminho tomei banho em postos de gasolina, por vezes jantando e dormindo algumas horas, mas sempre saindo cerca de 5:00 horas, para ver o dia raiar já na estrada e aproveitar o frescor do dia nascente. Numa delas logo ao sair verifiquei que o pedal do freio estava muito baixo e pouco eficiente, acendendo um alerta na minha mente, pois certamente enfrentaria declives acentuados, mas me exasperando mais com os quebra-molas que prefeitecos das cidadezinhas cortadas pela rodovia mandam construir, sem atender às mínimas normas técnicas do DENATRAN, que inexplicavelmente são toleradas omissivamente pelo DNIT, o que só pode ser explicado pelas evidentes injunções políticas.

 

E as cidadezinhas e vilas passavam com o andar da viagem, até que ao chegar em Cruz das Almas o freio falhou totalmente e fui obrigado a parar. Consegui encontrar um mecânico que desmontou o sistema, constatando que o cilindro auxiliar da roda (que os mecânicos chamam de “burrinho de freio”) traseira direita arrebentara e vazara todo o óleo do sistema de freios. Mandei desmontar também o sistema de freios da outra roda, e descobri apavorado que a lona de freio da roda traseira direita estava toda quebrada, já no final, inservível para seu fim, além da porca que retém a roda na ponta do eixo estar frouxa e sem o contra-pino de segurança. Fui tomado de ódio contra o mecânico a quem eu encomendara a revisão do sistema de freios, pois sua negligência criminosa pôs em risco minha vida, e pela dificuldade com que desmontamos os tambores de freios, ficou evidente que ele jamais revisou o sistema. Depois acertaria as contas com ele!

 

Encomendamos na casa de peças da cidadezinha dois cilindros de roda, óleo de freio, lonas e pinos de segurança, mas quando o motoboy trouxe as peças verificamos que apesar de serem especificadas como para a Kombi 1980 (ano da minha Safari) não cabiam no local. Consultadas outras autopeças nas redondezas ninguém possuía as peças corretas. Resolvi improvisar e comprar peças usadas em ferros-velhos somente para continuar a viagem, mas nem assim resolvendo. O jeito seria ir de van até uma cidade maiorzinha por onde havia passado há uma hora, Santo Antônio de Jesus, onde o tal mecânico me garantiu que eu acharia as peças, mas resolvi assim mesmo levar os cilindros de rodas defeituosos e uma das sapatas onde a lona seria cravada. Em uma casa de autopeças o atendente examinou o cilindro de rodas e trouxe duas caixinhas, me garantindo que eram os mesmos, apesar de quase imperceptíveis diferenças. Diante do meu ceticismo ele chamou outro atendente mais experiente que garantiu que as peças eram idênticas. Comprei os dois cilindros e o óleo de freio.

 

As lonas de freio foram outra novela, pois em todas as lojas nenhuma das que encontrava casavam com a largura, comprimento e furação das sapatas. Até que em uma loja encontrei lonas que eram precisamente feitas para as sapatas, muito empoeiradas e feitas ainda de amianto, material que está proibido de uso em freios há tantos anos, que eu bem podia imaginar o tempo de estoque daquelas peças. Comprei-as assim mesmo, me fiando na falta de prazo de validade para tais peças, o que foi um erro, pois as tais lonas de freio ressecam e ficam quebradiças depois de muito tempo armazenadas.

 

Mais uma hora de van e de volta à oficina onde estava minha Safari, descobrimos que os cilindros estavam errados. Malditos atendentes incompetentes! Se não tinham certeza porque venderam peças incompatíveis com o veículo? Perder mais 3 horas retornando à loja nem pensar, mormente sem ter certeza se acharia os cilindros corretos, de modo que mandei o mecânico montar todo o sistema, isolar os freios traseiros e encher o sistema com óleo de freio. Iria para Feira de Santana com freios somente nas rodas dianteiras, o que apesar de algo perigoso, seria minha única alternativa para consertar o carro ainda no mesmo dia. Cheguei em Feira de Santana no final da tarde, e depois do maior estresse para achar um lugar para parar, comecei a percorrer as autopeças, que já estavam quase na hora de fechar. Em uma delas afinal consegui encontrar os cilindros corretos, constatando que eram os usados nas Kombi até 1975, nos Xavantes, etc., mas como só havia um cilindro naquela loja o atendente pediu outros na filial e eu fiquei esperando. Enquanto isso perguntei-lhe por um mecânico que os instalasse ainda naquele dia, bem como cravar as lonas dos freios de ao menos uma das rodas, para que eu prosseguisse viagem e ele, depois de alguns telefonemas, acertou com um mecânico, que ficaria esperando eu chegar. O próprio motoboy da loja me levaria até a oficina.

 

Caminhei muito a pé até onde a Safari estava parada somente para não pegar carona com o motoboy, pois não ando nas motocicletas deles (e das moto-taxis idem!) nem que seja para salvar a vida da minha mãe. É mesmo engraçado como o homem se acostuma ao perigo diuturno, banalizando-o até que ele não represente nenhum temor. Os profissionais das motocicletas enfrentam o trânsito com uma desenvoltura ímpar, passando a milímetros dos carros, jogando com “janelas” entre os carros que “fecham” em frações de segundos, e num erro de avaliação qualquer, lá se vai o motociclista para o asfalto, sendo que a pele humana tem uma incompatibilidade nata com o asfalto!

 

O motoboy da autopeças foi na frente para me levar até a oficina onde o mecânico me esperava, tendo eu advertido que tinha que andar com extremo cuidado por só ter freios nas rodas dianteiras. Ele até que tentou, parando a intervalos regulares para me esperar, mas acho que foi somente ali que travei conhecimento com a falta de educação no trânsito dos motoristas baianos, com a neurose de ganhar alguns milímetros na batalha das cidades. Um deles entrou no exíguo espaço entre a Safari e a motocicleta, tendo eu freiado o que pude, somente a custo evitando a colisão. Juro que por uma fração de segundos passou pela minha mente a idéia malévola de afundar a lateral direita do corsa daquele baiano folgado, mas resolvi evitar aborrecimentos.

 

O mecânico consertou os freios traseiros e me aconselhou a trocar lonas e “burrinhos” dos dianteiros, o que ficaria para outra oportunidade, resolvendo partir naquela mesma hora para Praia do Forte. De Feira de Santana a avenida principal desemboca já na rodovia BR-324, que a exemplo da “Autopista Fluminense”, cobra alguns pedágios baratinhos mas injustificáveis, tendo em vista o estado da pista. Alguns dias depois, aliás, caminhoneiros interditaram esta rodovia durante horas, atravessando seus caminhões, protestando contra o mau estado da rodovia, apesar de ser pedagiada. No caminho automóveis me ultrapassavam em manobras temerárias, invariavelmente em velocidade excessiva e incompatível com a rodovia.

 

Chegando em Salvador resolvi parar e deixar o GPS veicular me dirigir, somente então tomando conhecimento das falhas do software IGO 8, que por vezes me mandava entrar em ruas na contra-mão, conversões proibidas, etc., terminando perdido, e somente então resolvendo seguir as pouquíssimas placas que indicavam o litoral norte e/ou Lauro de Freitas, onde fica o aeroporto de Salvador, onde eu sabia que passava a Rodovia do Côco, que vai para Praia do Forte. Afinal consegui acessar a rodovia, depois de cerca de meia hora dando voltas, em uma das quais, inclusive, entrei em um bairro muito suspeito, parecendo baixo meretrício, com figuras suspeitas pelas ruas. O Safari com seu jeitão misturando Kombi e “trailer” chama normalmente a atenção por onde passa, principalmente na Bahia, onde pouquíssimos deles existem, sendo mais conhecidos no sul do Brasil. E o menos que eu queria, naquelas circunstâncias, era chamar a atenção, receoso pelas histórias que tinha ouvido sobre a criminalidade de Salvador. Fechei os vidros do carro e tranquei as portas, mesmo sabendo que isto pouco adiantaria se algum malandro, vendo as placas do Rio de Janeiro, resolvesse “depenar” um carioca, pois bastaria entrar na frente do carro e apontar a arma, pois pela baixa velocidade que andava na rua cheia de pessoas, fatalmente teria que me render. Nesta hora amaldiçoei a Gabriela (a voz que lhe dirige no GPS veicular do IGO 8) e a burocracia da Polícia Federal, responsável por eu ter viajado sem meu confiável ROSSI .38”. É que eu, sendo aposentado, para renovar o registro da arma de fogo tenho que apresentar um laudo de um psicólogo credenciado, e como o registro da minha arma está vencido há um ano, trazê-la comigo seria uma temeridade.

 

Mas afinal estava rodando pela Rodovia do Côco, excelente rodovia pedagiada, vendo a intervalos regulares placas indicando a distância que faltava para meu destino, com a certeza de estar no caminho certo. Cheguei em Praia do Forte cerca de 24:00 horas, e para aliviar as tensões do dia, como o estresse de consertar os freios e da “tournée” por regiões perigosas de Salvador, resolvi estacionar na Rua Aurora, quase em frente à Pousada Balanço do Mar, e ir beber umas cervejas, o que não fazia desde que saí de casa. Parei em uma pequena pizzaria, pedi uma Skol e liguei para a minha mãe, avisando que chegara bem e já estava em Praia do Forte, pois quando passei na casa dela para apanhar as bagagens (eles viajariam apenas com bagagens de mão), ela me fez prometer trezentas vezes que ligaria assim que chegasse.

 

A primeira cerveja desceu redondo, bebida com a sofreguidão de quem estava precisando relaxar depois de um dia especialmente tenso, e resolvi pedir outra e a conta, indo dormir no Safari.

 

No outro dia comecei a buscar o estacionamento da prefeitura, onde me informaram por e-mail que poderia estacionar, sendo fornecido água e energia elétrica pela diária de R$20,00. Como o responsável ainda não chegara, deixei o carro no estacionamento gratuito e de vez em quando ia lá saber. Quando afinal falei com ele, fiquei sabendo que não tinham condições de deixar o Safari ali, que era área de guarda de veículos rebocados por infrações de trânsito, e muito menos fornecer água e energia. É que em Praia do Forte é proibido o trânsito de veículos automotores nas principais ruas, somente bicicletas e pedestres, o que faz parte do charme do local. Mas em compensação, as ruas laterais ficariam apinhadas de carros estacionados, se não fosse proibido o estacionamento ali também, restando uma área pequena de estacionamento gratuito, insuficiente para o número de carros que visitam, ou então estacionando distante do centro. Mostrei-lhe então o e-mail que recebera, somente então sabendo que o autor do e-mail não era da Secretaria Municipal de Turismo, como me fizera pensar, mas sim de um setor de fomento do turismo da Associação Comercial de Praia do Forte. Como meu Safari estava regularmente estacionado, fui em busca do “Seu Quelé”, dono da barraca Garcia D’Ávila, na praia, ou da atendente da mesma barraca Dilma, pessoas que eu conhecera na outra vez que estive em Praia do Forte, cerca de um ano antes. Na barraca soube que Dilma não mais trabalhava lá, e que “Seu Quelé” estava doente, sendo a barraca agora administrada por seu filho, a quem eu não conhecia. Mas resolvi ficar e beber umas cervejas mesmo assim.

 

Foi quando me lembrei de outro garçon com quem travara amizade na outra vez, chamado Daniel, a quem eu apelidara “Big-Dan”, mulato forte e bem falante, com cabelo tipo “rastafari”, e perguntando por ele o o garçon me apontou um mulato como sendo o DANIEL, a quem jamais reconheceria com seu novo visual mais “careta”. Chamei-o e depois de algum tempo ele se lembrou de mim e da minha mulher, já que eu passava o dia inteiro na barraca, enquanto a Ilma torrava no sol da Bahia. Ofereci-lhe um copo de cerveja, sabendo de antemão que uma “boca livre” (cerveja ou comida gratuita) era proposta irrecusável para o DANIEL.

 

 

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Conversa vai, conversa vem, expus minha situação, dizendo que precisava de um camping onde deixar meu Safari, só necessitando de água e energia elétrica, tendo ele de pronto se recordado de um conhecido, dono de uma pousada, que poderia me acolher, com o único inconveniente de ficar seu sítio há cerca de 4 km do centro de Praia do Forte, o que não representava grande problema, sabendo que meus pais estavam bem alojados, e bastava eu acordar todos os dias mais cedo para encontrá-los na pousada. Por sorte, o tal amigo veio almoçar na barraca, então conversando com ele e acertando o preço de R$30,00 por dia, com direito ao uso dos banheiros, piscina, churrasqueira, etc., na pousada ainda desativada localizada na Reserva da Sapiranga.

 

Já aliviado pela solução do problema, como quem tira um peso das costas, continuei bebendo cervejas e curtindo a paisagem paradisíaca, o vento morno e constante da praia e as figuras que transitam por Praia do Forte, algumas tão exóticas no seu modo de vida alternativo, sempre vendendo bugingangas artesanais, que parecem ter saído de um filme de ficção científica sobre invasão de marcianos. Em certa hora uma das tais figuras oferecia seus serviços aos turistas, que iam desde tatuagens com henna a tererês, e ela vendo que eu observava sua “performance” veio até mim e sugeriu que eu fizesse um tererê, pois uso cabelos compridos e estavam soltos. Ante meu espanto a tal mulher, que se chamava ROSANA, convenceu-me que homens usam também tererês na Bahia, mas de um modo diferente dos femininos. Nas mulheres são dois nas têmporas, e os homens um único na parte de trás da cabeça. Entrei no clima e decidi fazer depois de pechinchar no preço, recebendo um desconto de 50%. Ela ainda disse que faria um tererê com motivo jamaicano que ficaria “massa”... Só fiquei imaginando a reação da Ilma e dos meus pais quando me vissem no dia seguinte, no aeroporto onde os buscaria, usando tererê, e me diverti com a imagem de escandalizados que imaginava seria a reação deles.

 

No final do dia o “Big-Dan” me levou no tal sítio, e depois de instalar a água e o cabo de energia elétrica, deixei as baterias carregando e fui tomar cervejas com o dono do sítio, pessoa muito agradável e conversador, bem como com os poucos hóspedes, improvisando-se um luau, com direito a cantoria acompanhada de violão, etc.

 

No outro dia acordei cedo e me mandei para Praia do Forte, indo tomar o café da manhã na padaria de sempre, que lá é conhecida como delicatessen, mas não encontrando seu dono, que da outra vez em que estive na cidade me chamava de carioca onde quer que me encontrasse. Não queria beber, pois o voo em que viriam meus pais e minha mulher chegaria somente às 19:00 horas, mas tinha medo que meu pai não tivesse conseguido fazer o check-in pela Internet, e assim teriam que chegar mais cedo ao aeroporto do Rio de Janeiro (Antônio Jobim). Fiquei dando voltas pela cidade e almocei no restaurante self-service de um carioca, bem próximo ao estacionamento onde estava o Safari, sendo o primeiro comensal. Depois fiquei no Safari ouvindo músicas no notebook, com as janelas abertas, sendo alvo da curiosidade de outros turistas que também deixavam o carro no estacionamento. É impressionante o quanto o Safari desperta curiosidade, evocando um estilo de vida livre ansiado pela maioria dos habitantes das grandes metrópoles. Duas ou três famílias me pediram inclusive para ver por dentro e explicar o funcionamento, ficando espantados mormente quando eu mostrava o aquecedor de água do banheiro.

 

 

Cerca de 14:00 horas fiz o check-in dos meus pais na pousada, lá deixando suas bagagens e às 16:00 horas, com o final da bateria do notebook, resolvi ir devagarzinho para o aeroporto em Lauro de Freitas, a cerca de 55 Km, me prevenindo de possíveis contratempos para achar o acesso ao aeroporto, o que demonstrou ser excesso de zelo, pois achei facilmente. Fiquei estacionado na fila de taxis próxima ao terminal de ônibus dentro do aeroporto, na cabeceira da pista, ouvindo CD’s de salsa que trouxera da Venezuela, vendo os aviões aterrissarem bem de perto, até que no horário vi passar o avião da Gol. Tranquei o Safari e fui para o desembarque, conferindo que o voo em que viriam havia aterrissado, e dentro de alguns minutos vi meus pais e a Ilma.

 

Depois dos cumprimentos de praxe, levei-os para o Safari e retornei para Praia do Forte, alojando-os na pousada e constatando com satisfação que Praia do Forte foi para eles uma grata surpresa, pois pelo menos meu pai tinha péssima impressão da Bahia, fruto de uma viagem que fizera há muitos anos a Salvador durante o carnaval, de lá voltando horrorizado com a sujeira, desorganização e falta de zelo das ruas e construções. Em Praia do Forte as ruas são limpas, as lojas e casas bem cuidadas e pintadas com capricho, a decoração é em estilo rústico, com profusão de madeiras envernizadas, mas tudo com extrema elegância e bom gosto.

 

 

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Quando meus pais foram dormir na pousada, eu e a Ilma nos recolhemos ao nosso camping, e na manhã seguinte estávamos cerca de 08:30 h na Pousada Balanço do Mar, decidindo-se que no primeiro dia das férias dos meus pais iríamos para a praia. Arrumamos uma mesa com sombrero na areia, quase na linha d’água, onde tomei minhas cervejas e conversamos animadamente. Depois voltamos para o quiosque, na praça em frente à praia, onde almoçamos um peixe honesto, por um preço um pouquinho desonesto, mas compatível com o cobrado nas demais barracas e restaurantes da cidade.

 

 

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Durante a tarde perambulamos pela cidade, olhando as lojas e artigos de artesanato local, que se vende em profusão, chamando a atenção a criatividade do baiano, que transforma materiais os mais inusitados em peças de arte. Com o cair da noite fomos comer pizzas, sendo atendidos por uma espanhola que falava pessimamente o português. Aqui merece um parêntesis a profusão de estrangeiros donos de negócios ou trabalhando nos pontos turísticos da Bahia, a vasta maioria deles, posso apostar minha vida, não tem visto permanente que lhes possibilitasse trabalhar. Permanecem com vistos de turistas, mais tempo do que permitido, exercendo atividades remuneradas, o que igualmente lhes é proibido, ante a condescendência omissa da Polícia Federal. Creio que as relações internacionais devem se pautar pela reciprocidade, e assim como brasileiros visitando a Europa ou EUA são imediatamente presos e expatriados quando encontrados com vistos de turistas vencidos, ou exercendo atividades profissionais proibidas pela sua condição de turistas, deveríamos fazer o mesmo com estrangeiros no Brasil.

 

No outro dia resolvemos ir a Imbassaí, outro distrito de São João da Mata distante cerca de 12 Km ao norte, igualmente famoso ponto turístico, repetindo-se lá o que se vê em Praia do Forte. Ruas limpas, enorme profusão de restaurantes e pousadas, todas belamente decoradas, deixando patente a vocação turística do lugarejo. Interessante a existência de ciclovias acompanhando praticamente todas as ruas, para passeios de pedestres e bicicletas, tudo muito limpo, bem calçado e sinalizado.

 

O ponto culminante de Imbassaí é, sem dúvida, o encontro das águas, que é aliás o que significa Imbassaí. É que de um lado ficam praias de um rio, com barracas onde se pode comer e beber com os pés na água, e do outro, atravessando uma simples duna, fica o mar, parecendo ali ser mais propício ao surf ou a banhistas destemidos, tal a violência das ondas. Em Praia do Forte, apesar de ser praia oceânica, existem recifes a certa distância da praia, funcionando como quebra-mar, de modo que a água, apesar de absolutamente límpida e transparente, chega na areia com ondas de alguns centímetros apenas. Com a maré baixa, cerca de 11:00 horas, se formam piscinas que aprisionam peixinhos e a pouca renovação esquenta a água até uma temperatura agradabilíssima, o que fez Praia do Forte ser conhecida como “Polinésia Brasileira”.

 

As barracas na beira do rio são tentadoras, dando mesmo vontade de ali ficar lagarteando e bebendo cervejas, mas como estão localizadas em área de proteção ambiental, não podem ter banheiros. Como meus pais são velhinhos, com 84 e 78 anos de idade, resolvi ficar em um restaurante que possuísse banheiro, mas não longe do paradisíaco rio. Ali eu bebi minhas cervejas e almoçamos uma moqueca de frutos do mar deliciosa, por um preço mais do que razoável em relação ao que se costuma cobrar nestas plagas. Em virtude do excelente atendimento resolvi deixar uma gorjeta caprichada.

De volta a Praia do Forte, descanso na pousada de tarde e de noitinha nova caminhada pelas inúmeras lojas de artesanato, feirinha de artesãos, etc., e depois das compras de praxe, nos recolhemos, meus pais à sua pousada e eu e Ilma ao camping.

 

No outro dia sugeri aos meus pais visitassem o Projeto Tamar, de preservação de tartarugas marinhas, se não me engano financiado totalmente pela PETROBRÁS , que consiste na localização das posturas noturnas das tartarugas, e colocação de uma cerca em volta, protegendo-a do ataque de cães e outros predadores, incluindo-se aí banhistas inconsequentes. Caso a postura tenha sido feita em local particularmente perigoso, o ninho é aberto e os ovos removidos para uma área protegida dentro da sede do projeto, onde as tartaruguinhas nascem e são removidas para um tanque, de onde são libertadas para o mar com a maré cheia, evitando-se fiquem presas nas piscinas da praia, à mercê dos predadores.

 

 

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Para minha decepção, meus pais retornaram do TAMAR depois de uns poucos minutos, quando uma visita completa ao projeta deveria durar no mínimo 2 horas, demonstrando o desinteresse deles para com esses projetos de preservação.

 

Em Praia do Forte também funciona o Instituto Baleia Jubarte, de estudo e preservação destes colossos dos mares, sendo admirável, logo na entrada, um esqueleto montado de uma dessas enormes baleias. Diante do evidente fracasso na minha missão de entretenimento dos meus pais, no caso do Projeto Tamar, arrefeceu minha intenção de levá-los ao Instituto Baleia Jubarte, ficando todos na praia, conversando, tomando sol e ocasionais banhos nas águas mornas e transparentes da praia do centro, até o horário do almoço.

 

Meu pai já se tornara fã do restaurante self-service do CARLÃO, chamado MANAH DO FORTE, um carioca boa praça que se estabeleceu na Praia do Forte após sua filha se casar com um baiano. Almoçamos e meus pais foram descansar na pousada, nos encontrando já no final da tarde para os passeios, compras e comes e bebes habituais.

 

No outro dia amanheceu chuvoso, de modo que eu e Ilma nos demoramos um pouco mais no camping, permanecendo na Safari mesmo após tomarmos café, mas afinal partindo para a pousada. Lá decidi visitarmos as ruínas do Castelo Garcia D’Ávila, também conhecido como “Casa da Torre”, que foi sede do maior latifúndio das Américas, em 1550 o único feudo do continente, celebrizado pelo “Caramuru” e sua mulher índia “Catarina do Brasil”. Minha mãe especialmente adorou conhecer esta construção, que nos remete ao início da colonização do Brasil, mencionada em romances, livros de história, etc.

 

 

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A chuva não arrefeceu e no final de tarde que nos restava, ficamos bebericando e conversando em um dos confortáveis barzinhos da cidade, depois indo refazer o roteiro de compras, feirinha de artesanato, etc.

 

No outro dia seria nosso último dia em Praia do Forte, devendo eu levar meus pais a Salvador para pegarem o avião de volta para o Rio de Janeiro, enquanto que eu e Ilma continuaríamos viagem, descendo o litoral, parando onde nos agradasse, sem prazo determinado de estadia. Para nossa sorte o dia amanheceu bom, indo todos cedo para a praia, curtir uma das piscinas naturais formadas pelo represamento da maré, quando esta abaixa (cerca de 10-11:00 horas). É uma beleza e a temperatura da água simplesmente deliciosa.

 

 

 

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Retornamos à pousada antes das 12:00, quando meus pais se preparam para a viagem e fizemos o check-out, almoçamos e eu os levei ao aeroporto de Salvador.

(CONTINUA)

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