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Monte Fuji - A escalada solitária


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Este relato foi o que inaugurou o meu blog,

http://nandosilvauptothelimit.blogspot.jp/2012/05/desde-que-cheguei-ao-japao-em-2007.html

a aventura ocorreu em agosto de 2011, fico devendo mais fotos, quem ler o relato vai entender o porque...

 

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Desde que cheguei ao Japão em 2007, sempre tive a curiosidade de explorar o Monte Fuji, alem de ser a maior montanha do arquipélago é também uma das mais belas e famosas montanhas do mundo. Inspirado em um grupo de parentes e conhecidos que se aventuraram na montanha, eu também decidi que iria subir. Eles foram com uma turma durante um feriado e devido ao trabalho não pude ir junto, na volta muito cansaço e historias principalmente dos que foram vencidos pelo mal da montanha e não alcançaram o cume.

 

Tudo isso me deixou muito excitado e duas semanas depois eu estava com um roteiro e a mochila pronta afim de subir a montanha sozinho. Minha esposa foi totalmente contraria a ideia, afinal nem montanhista eu era e subir sozinho uma montanha de quase 4 mil metros não é pra qualquer um. Mas eu não estaria sozinho, afinal estávamos na temporada de subida que é nos meses de Julho e Agosto e 400 mil pessoas se aventuram na montanha todos os anos, sendo que metade atinge o cume.

 

Me programei pra ir num sábado dia 20 de agosto, subir no final da tarde, atingir o topo no começo da madrugada, esperar ao relento até o sol nascer e então iniciar a descida. Bom, como as coisas nem sempre funcionam como o previsto um dia antes a previsão apontava chuva para o Japão todo e na montanha havia possibilidade de neve. Isso me deixou muito desanimado mas como haveria somente mais um fim de semana pro fim da temporada decidi que iria assim mesmo.

 

As 9 horas da manha de sábado iniciei a viagem, o tempo estava nublado e úmido alem do calor infernal que é o verão japonês e a media de temperatura naquela semana beirava os 35ºC. Depois de viajar 4 horas por 2 trens expressos e 1 trem bala cheguei até a estação Shinfuji, de onde parte um ônibus coletivo em direção a estação 5 na montanha. Nesse ônibus partimos eu e mais 2 corajosos, depois de mais duas paradas totalizamos 10 pessoas que chacoalharam por 2 horas naquele veiculo desconfortável por um caminho sinuoso paisagem fechada e para desanimo de todos a tão prometida chuva do fim de semana começou a cair.

 

Chegamos a estação 5 as 15:30, me abriguei da garoa intensa que caia, almocei e comecei a descansar como programado para aclimatação e tive um mal estar intenso, afinal já estava a 2.400 metros de altitude. Nesse momento pensei que era loucura e que eu deveria desistir, não havia mais ninguém subindo e o clima não parecia que ia melhorar, então pensei que se eu já estava ali deveria subir. Comecei a me preparar, aquecer e as 18:30 iniciei a subida.

 

A subida leva em media de 6 a 8 horas e minha ideia era de 3 pequenas paradas, comecei em um ritmo alucinante pois começara a anoitecer e eu pretendia chegar a estação 7 antes disso. Consegui chegar ainda sem lanterna mas num breu danado e parei 10 minutos para ir ao banheiro e descansar um pouco e retomei a subida. A partir dai a nevoa e a garoa tornaram a visibilidade quase nula e em um momento perdi a corda que guia até a estação seguinte, fiquei alguns minutos desorientado tentando controlar o desespero pois eu não tinha onde ir e não havia ninguém para me socorrer. Apaguei a lanterna que nesse momento mais atrapalhava do que ajudava devido a neblina e comecei feito um cego a arrastar o meu cajado até que finalmente reencontrei a corda guia e continuei a subida.

 

Depois de 2 horas de subida parei pra me alimentar me protegendo do vento em uma estação desativada, nesse momento perdi minhas luvas e quando já havia desistido de procurar acabei encontrando justamente na direção que eu deveria seguir. Cheguei a estação 8 muito cansado, já se passavam 3.250 metros de altitude, a névoa havia diminuído e a chuva aumentado, parei pra ir ao banheiro simplesmente pra poder sentar em um lugar seco, foi nesse momento que tive noção de como a altitude afeta os seus sentidos. Perguntei ao rapaz que cuidava do banheiro qual era altitude de momento, ele me respondeu em inglês e depois de alguns instantes tentando traduzir aquilo na minha cabeça ele repetiu em japonês e ai o meu raciocínio se confundiu de vez. Perguntei a ele se havia mais gente subindo, pois até o momento eu não havia presenciado ninguém, ele respondeu que mais cedo pessoas passaram por ali, me perguntou se eu estava sozinho e me alertou que estava muito perigoso pra subir naquelas condições, eu teimoso que sou ignorei e continuei subindo.

 

A chuva e o vento não paravam de aumentar e procurei manter o ritmo, cheguei sem dificuldades a estação 9 e deveria tomar uma decisão, parar ali e esperar a chuva passar ou seguir até o topo, até então eu não sabia da existência da estação 9,5, como minha condição física ainda eram razoável decidi seguir, afinal faltavam menos de 300 metros até o topo.

 

Passados 10 minutos me arrependi como nunca, a chuva ganhara status de tempestade e em alguns trechos era difícil se manter de pé. A montanha toda se transformou numa enorme cachoeira e a nevoa baixa corria pelos meus pés numa velocidade espantosa. Nesses momentos em fração de segundos passa um filme pela sua cabeça e parado ali encostado a uma rocha tive pela primeira vez na vida a sensação de que minha hora havia chegado. Pedi ajuda divina para Fuujin, o deus da tempestade na mitologia japonesa, respirei fundo e decidi usar o resto de minha força no limite até onde conseguisse, afinal eu não tinha outra saída. Exausto observei uma luz, ainda não era o topo mas pra minha surpresa havia mais um abrigo, minha salvação.

 

Arrastei a pesada porta em tom de desespero, 2 homens vieram correndo em minha direção, um me perguntou se eu estava bem e o outro perguntava insistentemente Stay?Stay?, levantei minha mão e pensei em pronunciar espere um pouco, pra que eu pudesse raciocinar, mas as palavras não saíram, quando consegui conversar eles me acolheram, recolhendo meus pertences e me secando. O abrigo não estava muito cheio, creio que umas 15 pessoas e a imagem da maioria era desanimadora, uns vomitando, outros com falta de ar, então deitei e me cobri para tentar dormir um pouco, a temperatura la fora era de 2ºC mas eu estava aquecido, porem uma tremedeira tomou conta do meu corpo e demorei pra relaxar.

 

As 3:30 todos foram acordados pra continuar a subida e um velho da cabana deu a péssima noticia, a chuva não havia cessado. A maioria se preparou mas ninguém quis sair na frente, afinal não adiantava correr pra ver o sol nascer pois com aquele clima isso era impossível, até que duas mulheres resolveram encarar o restante, eu acompanhei pois queria alcançar o cume de qualquer forma, mas no meio do caminho elas se desesperaram com a tempestade, tive que tomar a frente e com as energias recarregadas disparei sozinho e em 15 minutos alcancei o topo do Japão, claro que não vi o sol nascente, mas naquela altura chegar ali vivo já era mais do que uma vitoria!!!

 

Passei apenas uma hora no topo, me alimentei, carimbei o meu cajado e tentei sem sucesso chegar ao marco que indica o cume da montanha, havia muita névoa e fiquei com medo de me perder em um local onde havia uma cratera. Reencontrei as duas mulheres do abrigo em meio a névoa e juntos iniciamos a descida que sem nenhum imprevisto demorou cerca de 3 horas e meia.

 

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  • 2 meses depois...
  • Membros de Honra

Parabéns Nando!

 

Ótimos relatos! Conhecer um lado do Japão que não a modernidade e a tecnologia. Me surpreendi por ver que um arquipélago de área pequena e superpopuloso pudesse ainda ter áreas verdes tão bonitas.

 

Eles tem um respeito especial pela natureza.

 

Se tivesse lido antes seus relatos teria me animado a fazer um trekking aí, quando estive em Kyoto a trabalho em dezembro de 2012.

 

Continue postando suas aventuras!

 

Abs, Peter

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  • Membros

Valeu Peter, realmente uma pena vc ter vindo ao Japão recentemente e não ter tido a oportunidade de conhecer as montanhas nipônicas.

Espero que meus relatos e de outras pessoas possam inspirar mochileiros e montanhistas a conhecerem um outro lado do Japão.

 

Abs...Nando

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