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TRAVESSIA DO VALE DA PREGUIÇA: De Embú à Itanhaêm


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TRAVESSIA DO VALE DA PREGUIÇA

“ Vejam só meus amigos, onde esta jornada veio nos trazer. Estamos em um lugar que nem 500 anos de devastação de um dos biomas mais espetaculares do mundo, conseguiu ser aranhado. Esse é o coração da Mata Atlântica e a chegada a este cenário marca também a metade da nossa conquista. A paisagem é arrebatadora e sentados ali em uma grande rocha, de frente para aquela monumental cachoeira, em um lugar menos visitado que o solo lunar, nos sentimos privilegiados por estarmos em um local tão intocado e selvagem. E é nesse local mágico que escolhemos para botar em pratica nosso projeto ainda inédito no Brasil, inspirados nos livros de cumes das montanhas do nosso país. No alto da grande rocha , construímos um grande toten e dentro dele depositamos nosso cilindro de PVC com um livro dentro para que os outros viajantes que nos suceda, possa deixar o seu recado e como alguns disseram: é a nossa cápsula do tempo, nosso livro de TRAVESSIAS SELVAGENS. E para completar, resolvemos batizar a grande queda d’água de CACHOEIRA DO LIVRO. “

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As notícias não eram nada boas e as informações vindas de todos os cantos nos davam conta da impossibilidade de realizar a Travessia do Vale da Preguiça sem o uso de cordas e equipamentos pesados de rapel e escalada. Na maioria das vezes apenas especulações sobre mapas de satélites, já que ninguém jamais havia descido aquele vale. Falava-se de 4 a 7 dias de caminhada e sabiá se que apenas um grupo havia descido o canyon no final do século passado, usando até equipamentos flutuantes para vencer a empreitada.

 

Para nós já era uma questão de honra. Vínhamos à meses planejando esta expedição e a nossa frustrante tentativa no mês passado, onde acabamos nos perdendo nas florestas do planalto, nos deixou ainda mais tentados a por em pratica esse projeto. Para isso tínhamos que nos organizar, botar a faca nos dentes e colocar essa caminhada selvagem no mapa das grandes travessias da Serra do Mar.

 

Quando Eu e o Dema chegamos à rodoviária de Campinas, nos veio a notícia de que os ônibus para a Capital , já estavam todos lotados, então nos coube por em pratica o plano de chegarmos à São Paulo via Jundiaí. Primeiro de ônibus, depois de trem. Aliás, quando pegamos a “lata velha”, não tive como deixar de relembrar das viagens antigas, nos meus tempos de criança, quando íamos do Brás à Itaquera, porque o trem continuava o mesmo trambolho de outrora. Chegamos à Barra Funda e já pegamos outro trem para Osasco e lá encontramos o Eduardo loures, seu filho Lucas loures e também o Ricardo Lima. De lá partimos para o Capão Redondo e nesse trajeto se juntaram a nós o Daniel Trovo e meu primo Lim Quintas. Mais um ônibus para Embu-Guaçu e mais um aventureiro completou nosso grupo, Bruno Conde. Onze da noite embarcamos para o Bairro de Santa Rita, mas quando o ônibus chegou ao Km 58 da rodovia, bem no bairro Penteado, nos catapultamos para fora e já nos pomos a caminhar naquela madrugada de lua cheia.

 

Alguns minutos de caminhada e ao encontrarmos uma bifurcação à frente, pegamos para a esquerda e então seguiremos por esta estrada de terra por mais umas duas horas até o seu final. Mas antes que ela acabe em definitivo, passaremos pela cachoeira da macumba, pelo casebre do bandido Champinha, onde dormimos na nossa primeira tentativa e mais à frente passamos batido pela entrada do Sitio Oknawa e em mais 15 minutos chegamos ao Rancho do lago, onde passaríamos a noite. Esse rancho abandonado é muita mais conservado que o casebre do Champinha e ao invés de tentarmos montar nossas redes, jogamos uma lona ao chão e nos esparramamos com nossos sacos de dormir e com a companhia de alguns morcegos, fomos acordar lá pelas 06 da manhã.

 

Nosso primeiro objetivo era alcançar a magnífica Cachoeira do Funil e como desta vez já sabíamos de cor o caminho, imprimimos um ritmo rápido. Deixamos para trás o casebre e continuamos pela estrada, que agora virou trilha, passamos à direita do lago esverdeado e fomos nos enfiando mato à dentro com um pequeno vale também a nossa esquerda e logo chegamos a beira de um rio. Pegamos para a direita e fomo acompanhando este riacho contra a sua correnteza, tendo que atravessá-lo constantemente e tomando cuidado para não perder a trilha. Passamos por uma bifurcação, onde pegamos para a direita e logo mais à frente outra bifurcação e novamente pegamos para direita e menos de uma hora de caminhada desde o rancho, chegamos a uma trilha larga e consolidada, onde pegamos para a esquerda. Logo à frente demos de cara com a árvore da onça, onde o felino aproveitou para afiar suas garras. Vinte minutos depois chegamos ao primeiro grande riacho, onde o atravessamos e sem muito segredo fomos seguindo pela trilha, acompanhando de vez enquando, algumas fitas zebradas até cairmos novamente no rio e começarmos a andar por cima de grandes pedras cobertas por musgos e então uns 100 metros depois subimos o barranco à esquerda, pegarmos novamente a trilha até que mais à frente, de novo, atravessamos novamente o rio e subimos um grande barranco. Às 08h30min e duas horas de caminhada chegamos ao grande portal do Vale da Preguiça, uma árvore que tombou e ficou pendurada feito uma trave de futebol. Mais 15 minutos de caminhada fizemos uma pausa na cachoeirinha do Chuveirinho e então começamos a grande descida vertiginosa até a cachoeira do Funil e menos de três horas depois de partirmos do rancho, largamos nossas cargueiras para apreciarmos a espetacular queda d’água de mais ou menos 60 metros de altura.

 

Enquanto alguns aproveitaram para dar um mergulho, outros foram cuidar de forrar o estômago, mas um cara em especial tinha uma conta para acertar com aquela cachoeira. Da outra vez o Daniel Trovo tentou porque tentou se jogar la de cima, mas acabou tendo de enfiar o rabo entre as pernas e engolir um desonroso fracasso. Desta vez, o menino chegou à beira do abismo, anunciou o salto e se jogou. Saiu aplaudido e coberto de glórias.

 

Bom, até a Cachoeira do Funil, poucos chegam, mas daqui para frente é terra de índio, ou melhor, é terra que nem índio bota a cara. Um mundo selvagem onde qualquer erro, qualquer falha, qualquer acidente poderá colocar em risco a vida dos integrantes da equipe, pelo simples fato de não haver como entrarmos em contato com qualquer tipo de socorro e aqueles que aceitaram o desafio, já o fizeram sabendo do tamanho da enrascada em que estavam se metendo. Portanto, abandonando de vez a cachoeira do Funil, nos enfiamos vale adentro, seguindo somente o leito do rio, porque como já poderíamos prever, trilha não existe. No começo até podemos ver que alguns palmiteiros e caçadores andavam entorno da cachoeira, mas meia hora depois o mundo selvagem se abriu para nós e a cada curva do rio ainda plano, nos enfiávamos cada vez mais no desconhecido. O rio está raso e o único obstáculo inicial é mesmo o de ficar pulando de pedra em pedra com as cargueiras nas costas. Pulam-se milhares de pedras lisas com extrema habilidade, mas hora ou outra, um pulo mal calculado e o indivíduo vai beijar o fundo do leito do rio, o que com o calor que estava fazendo também não era nada mal.

 

Nosso primeiro objetivo traçado foi o de tentarmos encontrar, uns 4 km depois da cachoeira do Funil, um grande afluente que vimos que existia observando os mapas de satélite. Mas 4 km de rio são quase um dia de caminhada, se os obstáculos não forem muito trabalhosos para se passar. Vamos avançando lentamente, cruzando o rio de uma margem para outra uma centena de vezes, sempre procurando fazer isso com o menor esforço possível e quando os poços aumentam muito de volume , procuramos subir os barrancos ao lado e varar mato no peito, descendo como for possível, nos segurando em cipós, galhos, pedras ou até mesmo nos jogando barranco abaixo como se estivéssemos em um grande tobogã. Muitos faziam isso com extrema competência, outros eram um desastre só, mas um cara fazia isso numa elegância de dar inveja. O Ricardinho era capaz de despencar de um barranco enlameado de uns 50 metros de altura e chegar la embaixo com a roupa limpa e sem perder o vinculo, por isso ganhou logo o carinhoso apelido de LORD RICARDINHO. Já o Lindolfo era capaz de rolar de um barranco de cinqüenta centímetros e sujar a roupa dentro da mochila, (rsrsrsrsr)

 

Antes do meio dia encontramos um afluente do lado direito, ainda não era o que procurávamos. Deste afluente despencava duas bonitas cachoeiras, onde Eu , o Dema , o Eduardo e o Lucas, aproveitamos para escalá-las e tirar umas belas fotos, enquanto o restante da galera aproveitou a parada para fazer uma boquinha. A caminhada prosseguiu no mesmo ritmo, agora com mais curtos vara mato, travessias ao lado de grandes poços, passagens por baixo de grandes pedras , equilíbrios em grandes arvores tombadas. É uma caminhada cansativa, que mexe com todos os músculos do corpo e chega uma hora que alguém vai ter que pagar um preço e logo aparece o primeiro. Essa é a primeira caminhada selvagem do Bruno Conde, que antes de se engajar conosco nesta travessia havia dito que estava acostumando com estas empreitadas, sendo também um apreciador de escalada ( hum , sei , rsrsrssrsr). O menino começou a passar mal e antes que ele sucumbisse naquele fim de mundo, paramos para ajudá-lo. Foi aí que ficamos sabendo que o garoto havia entupido sua mochila com coisas inúteis e o jeito foi sair distribuindo o excesso de bagagem para todos do grupo. Uma toalha para um , uma lona para outro, uma blusa para um, um pacote de lenço umedecido para outro, um chupador manual de água pra um e um pacote de papel higiênico com 10 unidades para outros( rsrsrssrsrsr). Descansado e recuperado, seguimos enfrente até mais à frente sermos obrigados a parar de vez.

 

Os meninos que estavam mais à frente foi quem deram o alarme : havíamos finalmente chegado ao encontro do primeiro grande afluente a esquerda. A paisagem se abriu diante de nossos olhos e daquele rio lateral, uma gigantesca cachoeira despencava à nossa frente. Cada um, como pode, saiu correndo ao encontro daquela magnitude aquática, as mochilas foram jogadas ao chão e cada um foi procurar um adjetivo diferente para exprimir sua alegria. Na minha cabeça só havia uma pergunta : quantos seres humanos já tiveram o privilégio de estar aqui e presenciar tamanha beleza ?

 

Logo não tive dúvida, seria ali naquele local que instalaríamos nossa CAPSULA DO TEMPO, nosso livro de travessias Selvagens, não podia haver lugar melhor. Ali era mais ou menos a metade da caminhada e uma grande pedra, que lembrava vagamente uma grande pirâmide seria o local ideal para pormos em pratica pela primeira vez no Brasil um projeto como este. Geralmente estes livros são deixados nos cumes das grandes e importantes montanhas e agora inauguraríamos este conceito neste tipo de travessia, onde poderíamos no futuro saber que rumo esse tipo de caminhada estaria tomando. Nossa cápsula nada mais era que um tubo de PVC com uma tampa em uma das extremidades e com um pequeno caderninho dentro, onde se pode deixar um recado ou apenas o próprio nome, a data e a cidade de onde oriunda o caminhante. Todos os oito participantes da expedição deixaram seu recado e ninguém quis perder a oportunidade de constar no inédito projeto. Fizemos um grande totens com pedras empilhadas e ali colocamos nossa cápsula e para marcar bem o local, deixei uma parte do meu bastão de caminhada, que havia se partido e não teria mais serventia alguma e agora terminaria sua vida útil sinalizando nosso projeto.

 

Ainda eram por volta de 16h00min quando resolvemos abandonar de vez a Cachoeira do Livro, que batizamos assim por nos parecer ainda sem nome. Sabíamos que a partir daquele trecho as coisas só tendiam a piorar, pois os maiores desníveis ainda estavam por vir. Continuamos descendo o vale e logo demos de cara com um poço de águas verdes impressionante, foi a deixa para mais uma parada para um lanche e foi aí que parte da galera já começou a reivindicar um local para acampar, mas como parte do grupo ainda acha que era muito cedo, seguimos enfrente, mas logo depois o Lorde Ricardinho, bateu o pé, fez beiçinho e exigiu que parássemos, pois já se aproximava das cindo da tarde e ele teria que tomar seu chá e não houve quem conseguisse persuadi-lo do contrário, porque tradição é tradição (rsrsrsrsr). Foi então que ao atravessar para a outra margem, descobrimos um ótimo local para armarmos nossas redes e darmos por encerrado mais um dia de caminhadas e aventuras.

 

Cada qual foi cuidar de encontrar uma árvore para montar sua cama, alguns mais espertos, já se apoderaram de lugares excelentes, outros, mais tontos( eu e o Dema), montamos em um pé de pau qualquer e graças a compreensão de alguns amigos, conseguimos uma lona para nos proteger. O Eduardo, menino precavido, já montou logo uma super cobertura para ele e seu filho e o Trovo não se fez de rogado, se jogou logo la para debaixo. Agora como não poderia deixar de ser, o Ricardinho, instalou logo uma tenda das arábias e como um sultão, se acomodou e só não transformou aquilo em um arem por obvia falta de companhia. O Lindolfo e o Bruno ficaram lado a lado, cada um com suas acomodações individuais. Montada as casas de mato, fomos preparar o jantar e antes mesmo que a voz do Brasil ganhasse as ondas do rádio, todos já haviam se recolhido, mas pouco depois o Lindolfo resolveu incendiar todo o nosso acampamento.

 

FOGO ! FOGO! FOGO ! O Lindolfo gritava desesperado no meio da escuridão, o que fez o lorde Ricardinho replicar o pedido de socorro enquanto tentava desesperado sair dos seus aposentos. Uma gritaria tomou conta daquele fim de mundo, ninguém se entendia e ninguém entendia nada o que estava acontecendo. APAGA ! APAGA ! APAGA ! De onde eu estava, socado na minha rede e tendo sobre mim a rede do Dema, eu não conseguia ver nada e só me veio à cabeça o sentimento de que alguma vela acesa havia incendiado a barraca do Eduardo, do Lucas e do Daniel. Por incrível que pareça, os únicos que não gritavam eram os três, talvez naquele momento já estivessem mortos e torrados (kkkkkkkkk). Não gritavam porque na verdade, eram os únicos que estavam vendo o Eduardo queimar um vidrinho de gasolina para espantar os borrachudos. Mais uma vez o desesperado do Lindolfo aprontava. Depois ele fica bravo quando a gente fala que ele aumenta as coisas( rsrsrsrssr).

 

Bom , mas o episódio acorrido acima não foi nada perto do que viria a me acontecer nas altas madrugadas daquele acampamento perdido em algum lugar no centro selvagem da Serra do Mar Paulista. Muito se fala nos terríveis borrachudos de Ilha Bela e eu mesmo já fiz várias descrições de um dos mais ferozes insetos do Brasil. Também já contei dos vorazes borrachudos devoradores de homens do Saco do Mamanguá, mosquitos estes que conseguiram expulsar até mesmo uma tribo inteira. Mas nada, nada mesmo se compara aos Diabos Voadores do Vale da Preguiça. Talvez por ter esquecido de rezar antes de dormir, fui possuído pelo satanás de asas e transformado na mais horrenda criatura errante que aquele sinistro lugar já presenciou. Minha boca ficou parecendo uma boca de anta, minha orelha e meu nariz transformaram-se em partes de um elefante. Meu pescoço era o de uma marmota. Eu não conseguia mais respirar direito, mal conseguia falar, não enxergava direito. Não havia repelente que desse jeito. Tentei acordar o Dema, mas o cara havia sido picado pela mosca do tsé-tsé e nem se mexia. Eu tinha medo de sofrer um choque anafilático de tanta picada de borrachudo e quando finalmente o Eduardo e o Dema conseguiram me ouvir, a única coisa que fizeram e eu não esperava que fizessem diferente, foi tirar um belo de um sarro ( filhos das putas do caralho, rsrsrssrsrsr). Fiquei ali com meu sofrimento individual e só bem de madrugada consegui pegar no sono, depois de derramar dois vidros inteiros de repelentes sobre mim e sobre meu saco de dormir.

 

Finalmente o dia nasceu e com ele as esperanças de conquistar aquela travessia que há muito tempo havíamos planejado. Desmontamos tudo rapidinho e partimos e logo pela manha, já somos obrigados a nos enfiar naquela água fria e ganhar o outro lado do rio. Começam aparecer grandes poços e a altura dos canyons começa a ficar cada vez maior, o que nos obriga a varar mato constantemente. Em alguns momentos o grupo acabava se dividindo : alguns iam por cima rasgando a mata no peito, outros iam por baixo, pulando de pedra em pedra e atravessando água pela cintura, por isso Eu , o Dema e o Daniel ao vermos apenas a mata balançar sobre nossas cabeças, resolvemos apelidar a parte mateira do grupo de Monos, em referencia aos macacos arbóreos. Quando todos se encontravam de novo, era hora de se atirar em algum poção de águas verdes e azuis e planejar uma nova estratégia de caminhada.

 

Depois de passarmos por uma linda seqüência de pequenas cascatas, nos deparamos com uma profunda garganta e neste momento já era quase 09h30min da manhã. Eu o Dema e o Trovo cogitávamos a possibilidade de nos atirarmos na garganta e fazermos a travessia à nado, mas o resto da galera votou por continuarmos pela esquerda, subindo um barranco altíssimo e perigoso. O Eduardo foi á frente, abrindo caminho no peito e quando o terreno começou a escorregar, pensei logo se não teria sido melhor ir pela água. Era uma parede de quase noventa graus, onde a cobertura de terra e pedras escorregava e ameaçava nos jogar precipício abaixo. Mas o Eduardo insistiu e conseguiu passar e um a um fomos passando também, até que o Lindolfo resolveu escorregar e se não fosse um golpe de sorte , onde consegui segura-lo pela fita da mochila, o meu primo teria se precipitado no vazio. Refeito do susto seguimos mais um pouco e logo mais á frente, depois que o Dema , que era o último homem, passou, um desmoronamento monstro rolou barranco abaixo e demos graças por não estarmos mais grudados à aquela parede e para nos refazer do susto, paramos à frente de uma cachoeira com um lago espetacular, onde aproveitamos todos para um mergulho e alguns mais afoitos, resolveram saltar de cima do paredão esquerdo, para o delírio da galera que assistia la de baixo.

 

Quando se entra em uma travessia como essa, logo se vê que não será possível sair sem que muito esforço seja realizado. Os lugares selvagens, onde quase ninguém esteve nos faz com que nos sintamos como sendo pessoas especiais. Lagos e cascatas de águas cristalinas vão surgindo de todos os lados e a vontade é de pular e mergulhar em todas, mas também é preciso ter consciência que o caminho deve seguir e que há um roteiro pré estabelecido para ser realizado. E a essa hora o corpo já está destruído de tanto subir e descer pedra, de tanto escalar barrancos escorregadios, saltar por cima de galhos, rastejar por baixo de vegetação, passar por dentro de poços profundos, tentando não ser levado pela correnteza, trepando á beira de abismos e saltando de grande rochas para outras rochas maiores ainda, sem poder cometer nenhum erro , que nos faria sair arrebentados de lá. Mas é mesmo difícil manter a concentração o tempo todo e seja experiente ou novato, hora ou outra alguém vai se lascar todo. Numa destas passagens, ao tentarmos cruzar o rio á beira de uma queda, uma queda não muito grande, o Bruno, justamente o novato, quase encontrou com seu pesadelo.

 

Acabávamos de cruzar por uma grande e difícil parede, onde tivemos que rasgar uma mata espinhuda no peito e descermos por uma parede muito íngreme e escorregadia até conseguirmos chegar de novo á beira do rio. Então para não termos que cruzar por outro trecho igualmente perigoso, resolvemos novamente cruzar para o outro lado do rio. Um a um fomos passando, geralmente contando com a mão salvadora do Ricardinho, que do outro lado da correnteza, já bem ancorado, ia ajudando os mais leves a transpor. Não era nada muito forte, mas o simples fato de não conseguir apoiar o pé em uma rocha subaquática, era motivo para o sujeito ficasse todo desequilibrado, correndo o risco de ser jogado no pequeno poço profundo. O Ricardinho disse para o Bruno apoiar o pé dentro da água e depois lhe dar a mão e então o Ricardo o puxaria para o outro lado. Mas o Bruno mal colocou o pé na água e já se jogou nos braços do Ricardinho. Despencou feito uma jaca madura para dentro do poço , com mochila e tudo e ficou só com a cabeça do lado de fora e com o pé preso no fundo, em uma pedra. O menino regalou um olho e pudemos sentir um pouco de pânico no seu rosto, talvez assustado com a possibilidade de que a mochila pudesse afundá-lo ainda mais, causando um grave afogamento. Pra sorte dele, o socorro foi rápido e de imediato o Daniel Torvo saltou no poço e conseguiu retirar a mochila, aliviando o peso e fazendo com que seu pé se soltasse da rocha. Realmente poderia ter sido muito pior se o poço fosse mais fundo e o pé tivesse ficado preso sem ter como soltar. Passado o susto, aproveitamos para dar uma zuadinha básica, por que isso é de praxe ( rsrsrsrssrr).

 

Nossa caminhada seguiu na mesma toada, e fica até difícil descrever aqui a infinidade de grandes poços e quedas de água por onde passamos. Primeiro porque não há um caminho a se seguir, tudo é questão de estudo, tem que se chegar olhar para o problema, fazer um estudo com os olhos, verificar qual a melhor qualidade do grupo, se é pela água, se é melhor ir pelo barranco, se é melhor escalar pedra e continuar seguindo enfrente. O certo é que essa travessia é um caminho selvagem, sem nenhum vestígio de passagem humana, nem índio, nem caçador, nem palmiteiro, nem ninguém de parte alguma. Também não me parece um bom lugar para sofreu um acidente. Quem por aqui passar estará mesmo por conta e risco. Mas tudo na vida tem um fim e antes das 15h00min horas, junto a um poço de tirar o fôlego, encontramos o outro afluente que procurávamos e logo tínhamos a certeza que já poderíamos encontrar alguma trilha paralela ao rio, já que nos encontrávamos bem perto da área de captação de Água da SABESP. Aqui o Rio ganha o nome de Mambu, aliás, o rio vem mudando sempre de nome e vimos no mapa o nome de Juquiá. Mas para não confundir, preferimos mesmo o nome que encontramos, Vale da Preguiça. O Eduardo procurou a trilha junto a margem direita e realmente a encontrou, bem apagada, mas não havia duvida que era uma antiga trilha. Esse fato foi comemorado por todos porque sabíamos que o nosso roteiro estava salvo e que terminaríamos a caminhada naquele dia mesmo, como havíamos planejado.

 

A trilha segue inicialmente paralela ao rio, mas depois começa a distanciar dele e vinte minutos depois damos de cara com uma placa do Núcleo Curucutú, indicando que é expressamente proibido adentrar naquela área, mas como estávamos saindo não nos preocupamos com tal informação. Estávamos preocupados sim era com a possibilidade de encontrarmos a fiscalização junto a área de captação de água, por isso caminhávamos em silêncio. Logo chegamos à área da barragem e como vimos que não havia ninguém por lá, subimos na captação para uma foto coletiva. Agora iríamos caminhar por uma estradinha em direção à Fazenda Mambú. Passamos por uma ponte de concreto e apreensivo, seguíamos ainda em silêncio para não levantar suspeita. Logo à frente uma jaqueira nos fez parar e um fruto maduro no pé fez com que a galera se jogasse encima da jaca, como urubu na carniça. O Eduardo não se conformando de haver apenas uma jaca madura, colheu outra e mesmo com a gente dizendo que o fruto não prestava para ser comido, insistiu em querer abrir e ficou dando botinada na jaca e amaldiçoando a má sorte de não poder comer mais esta também, (rsrsrsrssrsr).

 

Mais alguns minutos de caminhada, cruzamos por uma ponte por cima do grande rio e o deixamos para trás de vez. Fomos seguindo sempre pela esquerda até darmos de cara com um imenso bananal. O grupo havia se dividido temporariamente e logo que vimos um cacho de bananas maduro, nos pinchamos para dentro do bananal e derrubamos o cacho somente com a força do pensamento. Não havíamos almoçado e na hora da fome era cada um pra si, quem pode mais , chora menos. Mas o Eduardo queria defender a sua prole e enquanto tentava pegar o maior numero de bananas possíveis, se valendo da sua truculência, gritava desesperado pela presença do seu filho Lucas: -“Lucas, Lucas, corre aqui filho, se não o Divanei vai comer tudo” Mal sabia ele que o filinho Lucas já havia comido um cacho e se preparava para derrubar outro, tal pai , tal filho, (kkkkkkkkkkkkk).

 

Seguimos agora em definitivo, passamos pela sede da Fazenda Mambú, até que a rua de terra acaba bem na caixa de água, onde viramos para a esquerda e mais 100 metros à frente estávamos na portaria, onde demos um sonoro boa tarde para o espantado e incrédulo vigia, que procurava ver de que nave espacial nós havíamos saído. Perguntamos para o vigia se ele algum dia havia visto alguém passar por ali , vindo de cima da serra. Como esperávamos, a resposta foi : NÃO , NUNCA ! E ainda nos disse que nem o pessoal do Parque Estadual, que fazia ponto ali na Mambu, jamais havia subido por aquele vale. Agora também sabíamos que realmente havia uma fiscalização e das próximas vezes será preciso encontrar um caminho alternativo para não passar pela sede da fazenda. O certo é que ali na frente da portaria da fazenda Mambu, chegava o ônibus que tanto almejávamos e não seria preciso caminhar mais quase 4 km para chegarmos até o Rio Branquinho, onde pretendíamos pegar o coletivo. Embarcamos para o centro de Itanhaêm às 17h20min e logo quando chegamos à rodoviária , já embarcamos para São Paulo e por causa do transito intenso, só chegamos a capital paulista quase meia noite, de lá cada um seguiu seu rumo.

 

Estamos certos que não fomos nós que inventamos a pólvora, que descobrimos o fogo, desenterramos a Atlântida. Mas coube a nós o honra e o prazer de colocarmos essa Travessia selvagem no roteiro das grandes travessias da Serra do Mar. O Vale da Preguiça esteve entregue aos mosquitos, as cobras e as feras, por certo que algum nativo poderá ter passado por lá em algum momento, vai saber, mas do mesmo jeito que as grandes descobertas carecem de alguém para iluminá-las, grandes caminhadas também necessitam de alguém para desenterrá-las. E se a descoberta do Brasil contou com a colaboração do escrevente Pero Vaz de caminha, mesmo sabendo que esse não era nem de longe o mais talentoso dos letrados e só ganhou fama por ser um dos únicos a sobreviver às tormentas, esse tosco relato por hora é o único documento no mundo virtual a dar conta de tal feito. Juntamos uma galera boa, enfrentamos os piores mosquitos da Serra do Mar, atravessamos por lugares que ninguém nunca nos disse o que havia por lá, fomos lá, lutamos e vencemos , PROMESSA CUMPRIDA !

 

Divanei Goes de Paula – Outubro/2014

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  • 2 semanas depois...
  • 2 anos depois...
  • 4 anos depois...
  • Membros

Muito boa essa travessia, só queria deixar informado que eu e alguns de minha família passamos neste local em 2010, inclusive tivemos um problema no tempo de decida que acabou atrasando 3 dias a mais do que era programado porque nos descemos ai no inverno e pegamos um tempo muito ruim com queda de barreiras pois pegamos no meio da serra 3 dias de chuva sem parar, o sogro do meu irmão em Itanhaém achou que estava demorando de mais ligou para os bombeiros, a reportagem copiou o sinal dos bombeiros e quando saímos em baixo descobrimos que fomos citados ate no jornal nacional como a família que ficou perdida 8 dias na serra do mar, a impressão que tive é a que vocês tiveram, é como se ninguém tivesse passado ai a muitos anos, neste local nem palmiteiro, nem caçador chegam la, e se vc perguntar nas aldeias dos índios em baixo, vai descobrir que os próprios índios dizem que não entram nesse local da mata especifico, ainda pretendo fazer este caminho mais uma vez, quem sabe não deixo meu nome nessa capsula do tempo onde muito muito poucos mortais ousam colocar os pés.

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  • 1 mês depois...
  • Membros de Honra
Em 29/06/2021 em 21:48, marcelo desbravador disse:

Muito boa essa travessia, só queria deixar informado que eu e alguns de minha família passamos neste local em 2010, inclusive tivemos um problema no tempo de decida que acabou atrasando 3 dias a mais do que era programado porque nos descemos ai no inverno e pegamos um tempo muito ruim com queda de barreiras pois pegamos no meio da serra 3 dias de chuva sem parar, o sogro do meu irmão em Itanhaém achou que estava demorando de mais ligou para os bombeiros, a reportagem copiou o sinal dos bombeiros e quando saímos em baixo descobrimos que fomos citados ate no jornal nacional como a família que ficou perdida 8 dias na serra do mar, a impressão que tive é a que vocês tiveram, é como se ninguém tivesse passado ai a muitos anos, neste local nem palmiteiro, nem caçador chegam la, e se vc perguntar nas aldeias dos índios em baixo, vai descobrir que os próprios índios dizem que não entram nesse local da mata especifico, ainda pretendo fazer este caminho mais uma vez, quem sabe não deixo meu nome nessa capsula do tempo onde muito muito poucos mortais ousam colocar os pés.

Boa Marcelo , que história para contar para os netos, 8 dias enfiado na mata, experiência incrível.

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  • 4 semanas depois...
  • Membros
Em 23/08/2021 em 11:12, divanei disse:

Boa Marcelo , que história para contar para os netos, 8 dias enfiado na mata, experiência incrível.

é bom de mais. e legal q voces tenham passado la tambem. eu pensei q so eu e minha turma que éra chamado de loucos e recebe isso como um elogio kkkkkkkkk

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