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TRAVESSIA EXPEDICIONÁRIA : VALE DO JUQUERIQUERÊ


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TRAVESSIA EXPEDICIONÁRIA: VALE DO JUQUERIQUERÊ-2015

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Anos atrás, quando esse roteiro caiu em minhas mãos, vindo de um amigo da capital, dei uma desdenhada. Claro que eu já havia ouvido falar no Rio juqueriquerê, que era aquele rio que dividia Caraguatatuba com São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, mas nunca tinha me atentado para a possibilidade de uma possível descida e nem muito menos saberia de onde partiria o tal rio que, vindo do planalto paulista, se jogava nas bordas da serra do Mar até atingir o litoral. Na minha cabeça havia muitos outros roteiros muito mais interessantes que mereceria o nosso empenho e dedicação, antes de voltarmos nossos olhos para aquelas bandas da Serra do Mar Paulista, mas a gente aprende que menosprezar algo que desconhecemos pode nos custar caro e essa travessia acabaria por nos mostrar uma lição que haveríamos de guardar para o resto da vida.

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O ano de 2015 havia sido um ano duro para nós, que tivemos que conviver com o desaparecimento de amigo em uma das nossas expedições e por isso mesmo parte do grupo havia se dispersado ao longo do ano e a minha intenção era achar um roteiro tranquilo que pudesse nos aproximar novamente, uma espécie de confraternização de fim de ano e logo me veio à cabeça que poderíamos usar essa travessia, que ao mesmo tempo me parecia fácil, mas não deixava de ser uma grande expedição. Então comecei os estudos geográficos, sempre contando com a ajuda do Daniel Trovo, que foi quem me citou o roteiro. Mais uma vez nos deparamos com uma lacuna na Serra do Mar, onde a única informação que dispúnhamos era a notícia de uma descida feita por um grupo a 20 anos atrás usando cordas, mas não havia nenhum relato, nenhum documento e nada que nos dissesse como havia sido feito, qual o caminho tomado, de onde tinham partido. As pesquisas na internet não deram em nada e até nos mapas e cartas topográficas da região nos deparamos com uma icoglinita gritante que não nos deixava duvidas que aquela descida seria feita numa das áreas mais remotas do litoral norte, mas mesmo assim, estudando os mapas de satélite, cheguei à conclusão que teríamos no máximo pouco mais de 1 km de dificuldades para transpormos as grandes gargantas do rio e o tempo se encarregaria de provar que eu estava completamente errado.

 

Ainda faltava definir qual seria o melhor lugar para nos lançarmos rio abaixo e chegamos à conclusão que o melhor ponto seria logo abaixo das cachoeiras turísticas que ficam perto da Estação Elevatória da Petrobras, mas aí chegávamos a mais um ponto de dificuldades, que seria como chegar até essa Estação, que está bem no meio da própria Estrada da Petrobrás, a 40 km de Salesópólis e a 40 km de Caraguatatuba. Essa estrada é muito conhecida por jipeiros e ciclistas e dela também parte outra caminhada famosa, que é a descida do Ribeirão dos Itus, uma descida por trilha que pode ser feita em poucas horas, aliás, trilha que eu já havia percorrido a mais de 10 anos atrás, quando parti com o Lin Quintas da cidade de Salesópolis e percorremos toda a estrada da Petrobrás até a praia de Boiçucanga. Nem é preciso dizer que essa estrada é praticamente uma trilha enlameada e passar com carro comum por lá é coisa quase impossível, por isso pensei logo numa VAM que pudesse nos deixar a uns 15 km da Estação elevatória e depois partiríamos percorrendo o resto a pé.

 

Montada a estratégia, era hora de montar o grupo. Já havíamos decidido que nunca mais realizaríamos essas expedições com um numero grande, mas desta vez teríamos que juntar pelo menos uns oito ou dez integrantes para podermos conseguir custear o preço da VAM que deveria nos levar de São Paulo até bem perto do início da travessia. Fui entrando em contato com um por um e muitos já trataram logo de cair fora quando ouviam a palavra “expedição selvagem na serra do Mar” e outros, com viagem marcada para o fim de ano, agradeceram o convite e declinaram. Estava difícil montar o grupo, então me valendo do conhecimento sobre alguns amigos do mundo virtual, tratei logo de estender esse convite para esses amigos que sempre me cobravam uma participação nessas expedições, mas também como sempre, nesse mundo virtual, muito se fala mas pouco se age e mais uma vez fui recebendo um grande não de todo mundo e no fim acabei mesmo me deparando com dez nomes já muito conhecidos, na verdade, os mesmos de sempre.

 

Certo de ter uma lista fechada e feliz por contar com boa parte da base do grupo original, qual não foi minha surpresa quando comecei a ver esse grupo desmoronar feito um castelo de cartas. Menos de uma semana para a data marcada, três dos mais importantes integrantes deram uma desculpa qualquer e abortaram a expedição e outro ficou cozinhando o galo até o final, para depois desistir também. Bom, na verdade esses caras não estavam levando muita fé nessa travessia, talvez achando que seria só um passeio no parque e o melhor mesmo seria aproveitar e se prepararem para os festejos natalinos, do que investir uma grana e também seu precioso tempo em alguma descidinha mequetrefe e eu não os condeno, pois eu mesmo não estava certo se valeria a pena ou não investir tanto trabalho para realisar tal empreitada. Eles estavam enganados e felizmente, eu também.

No final das contas, com o grupo totalmente rachado, e eu sem confiar nos que sobraram, resolvi que não poderíamos mais custear a Vam e teríamos que tomar outro rumo, talvez ir de ônibus para Salesópolis e de lá tentar uma carona ou mesmo um carro que pudesse nos deixar próximo ao começo da travessia. Foi aí que apareceu a ideia de usarmos a Kombi do sogro do meu primo Lin Quintas, que também é meu tio, para nos levar até o local, já que ele havia topado fazer um preço bem camarada para os aventureiros da família. Sem saber quantos apareceriam nessa derradeira expedição de 2015, Eu e o prof. Dema picamos a mula de Sumaré, no interior paulista, na intenção de encontrar com os outros integrantes no bairro de Itaquera, na capital de São Paulo, de onde partiríamos.

 

É com grande alegria que antes das 18 horas de uma sexta-feira de um dia 18 de dezembro, que reencontro meu primo Lin Quintas em sua casa na zona leste paulista e lá já instalado encontramos também Marcelo Baptista, que também responde pela alcunha de Guibson. O Lin já é parceiro velho de memoráveis caminhadas e acabará por se tornar um dos personagens principais até o fim desta expedição, já o Marcelo eu só conhecia através das redes sociais e de um ou outro encontro de um mesmo grupo de caminhada que fazíamos parte, mas jamais caminhamos juntos e ele será o novato nessas nossas expedições. Os outros dois integrantes são o Luciano Lourenço e o Rodrigo Ligado, que surpreendentemente acabou voltando atrás da sua desistência e veio se juntar a nós de ultima hora. Apenas seis integrantes, esse foi o número que nos restou para essa empreitada e mesmo assim estávamos confiantes que poderia dar certo e quando tudo se acertou subimos na Kombi do tio Sidney e rumamos todos para Salesópolis e como o tio era camarada, deixou que o Lin Quintas fosse guiando a “kombosa” e esse foi o primeiro erro do “veio”.

 

Pouco mais de duas horas depois ao chegar à cidadezinha interiorana de Salesópolis, encostamos nosso veículo à beira de um boteco para perguntar como fazíamos para acessar a Estrada da Petrobras e meu tio Sidney por ser um cara que não gosta de perder a piada já lascou um pergunta pertinente : “- Pra onde eu vou, tá longe ?” O tiozinho do boteco deu uma olhada atravessada, acho que fez menção de mandar me tio a merda, mas ouvindo alguém soprar que queríamos ir para a Estrada da Petrobras, não titubeou em responder : “- Ô ceis querem ir pra Estrada da Petrobras né, pode ir tranquilo, a estrada tá que é uma beleza.” Essa foi a vingança do matuto de Salesópolis( rsrsrsrsr).

 

Logo à frente uma placa nos indica o caminho a seguir. Uma estrada de chão batido pontilhada por alguns sítios, onde não tarda em aparecer a entrada a direita que vai dar no Parque das Nascentes do Rio Tietê, mas nosso caminho é sempre reto, sempre seguindo pela estrada principal que serve para a manutenção do oleoduto. Aos poucos os atoleiros vão surgindo e a kombosa sobre o Comando do Lin Quintas vai resistindo bem, diferentemente do humor do tio Sidney, que a cada curva e a cada raspada do veículo em uma pedra, vai diminuindo. Bom, minha intenção era ir apenas até onde o veículo conseguisse chegar, mas como o Lin insistia em tentar ir cada vez mais à frente, não seria eu quem iria impedir, já que quanto mais a perua avançasse, menos teríamos que andar. O” veio” tentava se manter calmo, mas quando a Kombi começou a se retorcer nos buracos , meu tio começou a fumar um cigarro atrás do outro e logo a frente quando apareceu uma cratera que cabia a perua dentro e o Lin Quintas ao invés de frear, deu um grito e acelerou a kombosa pra cima do buraco fazendo com que o veículo embicasse e despencasse no vazio, ficando com duas rodas no ar, o seu Sidney teve que ser socorrido para não enfartar e então toda a nossa reputação na boca do “veio”, já estava valendo menos que as ações da Petrobras.(rsrsrsrsr)

 

Desatolada a Kombi, o Lin ainda continuou insistindo em seguir enfrente, já que o “veio” ficou em estado de choque e nem falava mais. Mas como não há sofrimento que dure para sempre, finalmente nos deparamos com a iluminada Estação elevatória e ao passar por ela e chegar à ponte que cruza por cima do Rio Novo, que naquele lugar encontra com o Rio Pardo, estacionamos a beira da estrada e demos por encerrada a nossa aventura sobre quatro rodas. Seria ali ao lado da ponte de madeira que passaríamos o resto da madrugada até que o dia raiasse e foi ali que nos despedimos do meu tio, que obviamente e não poderia ser diferente, nos mandou pra puta que o pariu, pegou sua Kombi e seu filho, que o acompanhava, e se perdeu na escuridão da noite prometendo acabar com a raça do próximo que o chamar para participar de outra expedição dessas. ( rsrsrsrssr)

 

Já era madrugada e não nos restou outra alternativa, pouco mais à frente, encontramos uma estradinha lateral e foi ali que estendemos um grande plástico no chão e bivacamos até que o sol viesse nos iluminar. Como eu disse estávamos bem na ponte onde o Rio Novo se encontra com o Rio Pardo e aí é preciso fazer uma pausa para explicar melhor: acontece que nossa expedição não parte já no Rio Juqueriquerê e sim se inicia no Pardo mesmo, apenas no final do primeiro dia é que deveremos interceptar o grande rio que dá nome a essa expedição. E aqui também é preciso fazer outra resalva: Quando uso a palavra EXPEDIÇÃO nessas travessias selvagens, acabo por despertar a fúria de parte da comunidade montanhista e excursionistas , mas sempre estive convicto ao usar tal expressão. Para por essas travessias em pratica é preciso se debruçar em mapas, tentar colher informações em livros, internet, fazer consultas a outros aventureiros, mas aí é que está a questão, praticamente nenhuma informação a gente acaba conseguindo. São lugares onde quase ninguém já mais pisou e a imensa maioria, já mais ouviu falar, mesmo os mais super experientes nem ao menos sabe do que se trata. Aí podemos concluir que ninguém nunca pisou? Longe disso, podemos concluir que os andarilhos do passado que por ventura passaram por esses lugares, nunca tiveram ou não quiseram fazer um registro publico destes paraísos selvagens, gente que guardou as informações para si e por isso mesmo levarão estas informações para o túmulo. Portanto posso afirmar que essas descidas sempre merecerão ser chamadas de expedição porque é um mergulho no escuro, nunca sabemos o que iremos encontrar pela frente, estaremos sempre a mercê do desconhecido, a cada curva do rio, a cada penhasco vencido, a cada grande cachoeira transposta, é uma vitória para o grupo.

 

Reunimos todo o grupo, discutimos os últimos detalhes e poderíamos ter saltado no rio ali na ponte mesmo, mas preferimos ganhar alguns metros, pois a estrada ainda corria um pouco paralela ao rio Pardo e quando o rio virou para esquerda e a estada para direita, nos enfiamos no mato e já logo de cara e sem qualquer frescura, nos jogamos com mochila e tudo dentro do rio, dando inicio a grande aventura. Nesse ponto o rio não tinha mais que um metro e suas águas translucidas deixava transparecer o seu fundo de areia. É um rio largo que hora temos que atravessar por alguns poços a nado e hora é preciso apenas arrastar nossas mochilas pela lamina d’água com não mais que 30 cm. Sua margem é toda composta de uma floresta densa e preservada, já nos mostrando que é um rio em estado bruto. O grupo vai caminhando junto, batendo papo, contando histórias de aventuras passadas e como é um dia bem quente, sempre se jogando em algum poço para aplacar o calor. Por ainda estarmos no planalto, não temos que enfrentar muitos desníveis e quando alguma pequena corredeira surge à nossa frente não nos resta alternativa se não nos lançarmos na água e deixarmos o rio nos levar num passeio divertido e gostoso.

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Pouco depois das 0nze horas, ao chegarmos em um grande banco de areia em forma de ilha, demos uma parada para um lanche e foi nesse momento que eu descobri que havia esquecido de fechar a válvula do meu saco estanque, onde estava minha roupa e meu saco de dormir. Tudo que estava dentro molhou e para tentar diminuir o prejuízo, coloquei para secar um pouco enquanto cozinhávamos um arroz e abríamos uma lata de sardinha. De volta à caminhada, nosso trajeto seguiu até às duas da tarde do mesmo jeito, até que surgiram os primeiros obstáculos reais. Um pequeno cânion, onde com muito cuidado daria para passar ao lado, mas nessa hora sempre surge um maluco querendo pegar o pior caminho possível. Foi aí que o Rodrigo Ligado resolveu se jogar no meio da corredeira, sem ao menos saber o que viria pela frente. Pegou sua mochila e se atirou de cabeça no pequeno cânion e nós só ficamos esperando o que poderia acontecer, torcendo para não ser o pior. Ele caiu na corredeira e foi batendo em tudo que é pedra, sumiu embaixo de uma queda e logo reapareceu e quando ganhou a curva e voltou a sumir, a gente começou a perceber que ele não batia muito bem não. Por sorte nada aconteceu, mas se tivesse acontecido, não nos restaria outra coisa se não marcar o local onde ficaria o corpo. Passado esse trecho a caminhada voltou a ser tranquila, com poucos obstáculos pela frente e quando alguma corredeira tranquila aparecia, voltávamos a nos jogar rio abaixo, ganhando terreno e nos divertindo muito com nossa mochilocross, que é a arte de descer corredeiras boiando encima das nossas mochilas.

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A noite já se avizinhava quando finalmente encontramos o Rio JUQUERIQUERÊ. Ficamos felizes com esse encontro porque havíamos estabelecido como meta do primeiro dia dormirmos no encontro do Rio Pardo com o Juqueriquerê, mas ao atingirmos esse objetivo, descobrimos que não havia um só local razoável para montarmos nosso acampamento e então decidimos continuar caminhando até que encontrássemos algo, mas o tempo foi passando e não achávamos nada do nosso agrado, até que numa curva do caminho, o rio que por hora era até manso, se precipitou no vazio e entrou de vez no grande vale, fim de linha pra gente.

 

Diante da noite que acabara de chegar, não havia outra alternativa se não procurarmos algum lugar para montarmos nossas redes e para piorar o mundo começou a desabar em forma de uma chuva fria. Regressamos alguns metros antes do rio começar a se jogar no vale e na curva que antecede a queda, localizamos um lugar horrível para tentar acampar. Vendo que o local era o pior possível, o Luciano saiu a caça de outro lugar, se enfiando mato adentro. Enquanto isso, Eu e o Dema tentamos descer um pouco o vale para ver o que nos esperava no dia seguinte, mas vendo que as pedras estavam lisas feito um quiabo, regressamos com muito cuidado e fomos auxiliar os outros na montagem do acampamento. A chuva não parava. A noite caiu de vez e a primeira providencia que tomamos foi fazer uma cobertura com um grande plástico para tentarmos sair do aguaceiro. O lugar encontrado era melhor que o anterior, mas mesmo assim não passava de meio metro plano, encravado num lameiro só e foi preciso que se cortassem algumas folhas de palmeira para que pudéssemos desfrutar de um pouco de conforto. Estávamos todos um bagaço de dar dó e quando veio a proposta de dormirmos todos ali naquele chão, sem nem montarmos nossas redes, eu protestei. Meu saco de dormir ainda estava todo molhado então fiz minha janta e fui amarrar minha rede num pé de pau qualquer, já que eu ainda estava com meu toldo e diante disso, o Ligado vendo que aquele chão não seria suficiente para todo mundo, pegou uma carona na minha cobertura e também montou sua rede embaixo da minha. O resto do grupo se amontoou no chão mesmo e dormiram abraçados até que o dia rompesse. rsrsrsrsrs.

 

O dia amanhece sem chuva e sem perdemos muito tempo, desmontamos tudo, tomamos café e partimos. Eu e o Dema tomamos o rumo das pedras, onde o rio começa a entrar no vale, já o Lin e outros tentaram se enfiar no mato, no intuito de cortar caminho para não passar pelas pedras escorregadias, mas logo voltaram a tomar o rumo que havíamos tomado. Nos enfiamos no pequeno vale, desta vez o Dema ia à frente, seguido pelo Luciano. Entre uma pedra escorregadia e outro, o Luciano deslizou para dentro de uma pequena poça e foi por pouco que uma pequena jararaca não lhe picou a perna, foi sorte ele estar com uma perneira porque um acidente ali no meio do vale, a chance de sair vivo é quase nenhuma. Passado o susto e assim que a cobra resolveu sair do caminho, passamos e nos juntamos quase no final do pequeno cânion. Ao percebermos que mais à frente o mundo ia acabar numa garganta gigantesca, resolvermos que o melhor a fazer seria atravessar o rio para o outro lado. O Ligado se jogou na correnteza e nadou até a outra margem com a corda amarrada na cintura e a ancorou em uma rocha. O Lindolfo se jogou na água e agarrou a corda e auxiliado por nós, também chegou à outra margem, atitude que também foi seguida pelo Luciano e o Marcelo. Já eu e o Dema, sentindo que a correnteza não oferecia tanto perigo assim, nos jogamos de cima da pedra e nadamos até onde estava o resto do grupo.

 

Jogamos as mochilas, agora encharcadas , às costas e nos pusemos a caminhar para minutos depois percebermos que estávamos no topo da Cabeça do monstro. Percebemos que havíamos chegados à beira do cânions de onde despencava as CATARATAS DO JUQUERIQUERÊ, uma impressionante sequencia de várias quedas que despencavam em direção a grande garganta. Corri à frente e me debrucei à beira do abismo e logo depois vieram os outros. Foi neste momento que todos nós percebemos o tamanho da encrenca em que estávamos prestes a enfrentar. Cada um ficou ali, admirando as águas se jogarem no vazio, cada um no seu momento solitário, todos cientes que o passeio acabara de terminar e daqui para frente entraríamos num mundo mais desconhecido ainda, uma vez tomada a decisão de descer aquele vale, não teria mais volta, estaríamos totalmente desconectados do mundo, seriam seis indivíduos a vagar por um mundo de incertezas, onde a vida de cada um dependeria da união de todos.

 

Depois de uma rápida conversa, decidimos os últimos detalhes e ao analisarmos o terreno, vimos logo que a única maneira de nos enfiarmos no abismo seria uma descida de corda pela direita. Amarramos a corda numa árvore e um a um fomos descendo em direção ao vale, lembrando que essa descida em corda é feita sem nenhum equipo de rapel, apenas segurando e deslizando com a força dos braços. Enquanto todos desciam, ao chegar um pouco mais a baixo, fui mais uma vez até a borda do abismo para apreciar a cachoeira principal de outro ângulo e vi logo que estávamos presos entre grandes paredes e percebi que a única maneira de seguir enfrente seria nos enfiarmos mais ainda na fenda. Quando todo mundo desceu da corda e nos juntamos novamente, tratamos logo de botar em pratica nossa enfiada garganta a baixo. Passamos por debaixo de uma grande pedra e fomos escorregando como dava até que não demorou muito estávamos ao pé da primeira queda e bem de frente dela, onde paramos para umas fotos e para apreciarmos o grande volume de água que caia.

 

O grande problema é que cada vez mais a gente ia se enfiando num caminho sem volta. Seguir pela água era totalmente impossível porque a garganta havia se estreitado e mesmo que resolvêssemos tentar jogar uma corda, seria inviável porque não havia nem onde amarra-la. É nessa hora de desespero que as opiniões acabam por se divergir. Uns queriam tentar voltar de alguma maneira e tentar dar uma volta por cima da grande montanha do lado direito do rio, coisa que já rechacei de cara, não tinha cabimento tentar escalar aquelas paredes e voltar todo o caminho, perdendo horas para fazer isso. Era hora de mantermos a calma e tentarmos achar uma solução, pois não seria a primeira vez que nos deparávamos com uma situação desta, nas nossas expedições. Havia só um do grupo que nunca havia passado por isso, e esse era justamente o Marcelo Baptista. Era visível que ele estava meio desnorteado com aquela situação, não era cara de medo, mas era uma cara de quem se perguntava o que ele estaria fazendo num lugar daquele, preso num vale onde a solução não parecia vir de lugar nenhum. E o espanto do Marcelão cresceria quando eu e o Dema resolvemos parar de murmurar e partimos para a ação. A situação era a seguinte: Não havia como seguir enfrente, voltar seria perigoso e trabalhoso, não havia como atravessar para outra margem e do lado direito uma parede gigante nos fechava a passagem. Peguei a corda, chamei o Luciano e fui escalando a grande parede do nosso lado direito. Fui me segurando na vegetação e ganhando altura por uma rampa, até que a parede subiu a noventa graus. Minha intenção era chegar até o alto e tentar caminhar beirando o paredão para a esquerda até que eu pudesse alcançar uma grande árvore e amarrar a corda nela para que todos pudessem subir e adentrar a mata. No alto fui caminhando lateralmente, sempre contando com o auxilio do Luciano, mas ao chegar a certo ponto, a vegetação que sustentava meus pés, deixou de existir e a única solução seria eu passar dois metros de rocha totalmente na aderência da bota, mas um erro, um misero erro e eu me precipitaria no abismo. Aí fiquei ali, no vai não vai. Lá embaixo, com cara de quem não tava gostando nenhum um pouco do rumo que as coisas estavam tomando, o Marcelo acompanhava tudo, sem acreditar que aquela maluquice poderia dar certo. Enquanto eu tentava decidir se ia ou não, o Dema se encarrega de escalar outra parede bem à beira da grande queda e quando o Ligado gritou lá de baixo que o Dema obtivera êxito, senti meu coração aliviado por não precisar mais dar seguimento naquela ideia de jerico e logo eu e o Luciano, estávamos de volta e nos pendurando em uma corda que o Dema havia instalado para o grupo subir.

 

O dia já ia pela metade quando nos posicionamos acima da grande queda das Cataratas do Juqueriquerê. Dali de cima do grande paredão é que pudemos ter uma grande visão das varias quedas que despencavam na parede oposta de onde estávamos, mas ainda faltava àquela foto que pudesse englobar todas as cachoeiras, então deixei todo mundo fazendo um lanchinho e me dirigi para beira da garganta, onde escalei uma grande pedra e sentei à beira do abismo. Infelizmente fiz de tudo para conseguir tirar uma foto que prestasse, mas a grande vegetação que me cercava não deixou que eu obtivesse êxito nesta ação e então apenas me conformei em guardar tudo na minha mente, já que maquina nenhuma pode capturar o que o olho humano vê. Retornei para onde estava os outros e vendo que havia um corredor aberto que contornava um pequeno morrote, fomos perdendo altitude, varando mato no peito, nos livrando de uma infinidade de vegetação até que novamente desembocamos às margens do rio bem enfrente a uma grande cachoeira, onde uma grande rocha corria horizontalmente bem perto de onde a queda despencava e como naquele momento não chegamos a um consenso sobre o nome a dar aquela queda, resolvi chamar de CACHOEIRA DA PEDRA COMPRIDA, para marca esse ponto da nossa travessia. . De certa maneira ter chegado até ali representava um grande passo para expedição, não porque havíamos percorrido um caminho muito grande, mas por termos passado por uma importante fase, onde a parte psicológica havia exigido muito da gente, mas por outro lado sabíamos também que havíamos nos enfiado cada vez mais num caminho sem volta e como eu sempre costumo dizer: Nada é tão ruim, que não possa piorar.

 

Depois de quase todo mundo se aventurar a se equilibrar encima da rocha horizontal aos pés da Cachoeira da Pedra Comprida, nos enfiamos de novo barranco acima porque não havia a menor condição de continuarmos seguindo pelo rio, porque mais uma vez as águas despencavam garganta abaixo. Pegamos o caminho do mato e voltamos a ganhar altura escalando barrancos escorreguentos, nos segurando em tudo que era vegetação espinhuda. Alguns subiam os barrancos com muita desenvoltura, enquanto outros o faziam com tremenda dificuldade por causa da inclinação. Quando vimos que já estava na hora de voltarmos ao rio por acharmos que já havíamos passado os grandes aclives, pegamos uma diagonal e nos dirigimos para lá e essa pratica seria uma constante em toda nossa expedição porque estávamos convictos que sempre deveríamos nos manter colados ao Juqueriquerê para podermos ver todas as quedas do rio. Acontece que voltar às margens do rio não é garantia que poderemos descer até a água, pelo simples fato de às vezes darmos em barrancos muito altos e aí termos que voltar a subir mais ou então tendo que jogar cordas para descermos pendurados. As 13h00min da tarde quando de novo atingimos o rio, nos deparamos com mais uma queda de beleza indescritível, onde uma pedra arredondada parecia que despencaria queda a baixo e um grande poço convidava a todos para um mergulho, nessa que acabei batizando como CACHOEIRA DA PEDRA REDONDA.

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Diante daquela grande cachoeira, onde uma fabulosa queda d’água despencava, todo o grupo se reuniu. É uma paisagem para lavar a alma e para comemorar, aquele grupo de homens barbados voltou a ser criança, dando saltos atabalhoados no grande poço. É mesmo um grande momento esses acontecimentos porque se trata de uma celebração da vida, afinal de contas é pra isso que a gente veio, foi pra isso que a gente se jogou num fim de mundo perdido da civilização, onde nosso mundo se resume a seis indivíduos e um rio, cercado de florestas e animais selvagens por todos os lados, onde ninguém nos obrigou a nada, viemos porque quisemos e se estamos aqui vamos celebrar o fato de termos o privilégio de chegar onde quase ninguém chegou.

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Com a alma totalmente lavada abandonamos aquele lugar incrível e continuamos a nossa jornada, desta vez seguindo pelo rio mesmo, pulando de pedra em pedra, nos jogando com mochila e tudo nas corredeiras, nos espremendo entre gretas e saltando nos poços, mas felizmente esse trajeto até a próxima cachoeira não demorou mais que uns 20 minutos e quando menos esperávamos, já estávamos lá fazendo pose para uma foto aos pés da CACHOEIRA DO DIAMANTE NEGRO, onde uma pedra escura, em forma de triangulo, não deixa dúvida de como ela deveria ser batizada. Depois dessa cachoeira fomos obrigados a escalar um novo barranco de pedra, na verdade, alguns subiram no barranco e se enfiaram na floresta, mas Eu, o Dema e o Ligado tentamos passar beirando o rio mesmo, nos pendurando à beira do barranco, mas o Rodrigo Ligado quis inovar e vendo que escalar as pedras era uma tarefa muito árdua, resolveu se jogar no rio e enfrentar a forte correnteza, mesmo diante do nosso palpite de que a água era muito veloz para ariscar. E Eu e o Dema estávamos com a razão e o Rodrigo Ligado só descobriu isso quando se viu em maus lençóis, sendo arrastado em direção à garganta de onde o rio se jogava mais à frente. Foi um momento muito tenso porque a nossa corda de segurança estava com a outra metade do grupo que resolveu tomar o caminho da selva. A sorte do Ligado foi que antes de ele despencar no vazio, conseguiu se segurar numa rocha e lá ficou esperando que a divina providência o salvasse. Imediatamente comecei a gritar pelo Luciano, que era o homem que estava com a corda e logo que ele chegou, vindo de dentro do mato, sacou a corda e jogou para o Rodrigo que a agarrou e nós o puxamos para fora da correnteza.

 

Mais uma vez sem podermos seguir pelo rio, que para nossa surpresa, continuava sempre com um desnível assustador, nos encaminhamos para mais um vara mato, onde tivemos que subir muito, ultrapassando um grande desnível, passando por algumas gretas potencialmente perigosas. É preciso salientar aqui que por estarmos sempre com as mochilas mergulhadas na água, esse era um fardo muito grande para todos carregarem. Ao tirá-las da água, o peso quase que dobrava e até que toda a água começasse a sair, parecíamos que estávamos a carregar sacos de batatas às costas e subir aqueles barrancos nos destruía fisicamente. Foi neste trecho que o Lin Quintas começou a dar sinal de que suas forças e suas energias já estavam zerando, mas como já passava das 14h00min e havia sido um dia intenso, acabamos por não dar muita bola para isso, afinal de contas, todos estavam cansados. Depois de rasgar muito mato no peito, voltamos à beira do rio, rio esse que se apresentava em várias e várias quedas, despencando de um amontoado de pedras gigantes. Chegamos à beira do rio, mas não à beira da água e para chegar até lá tivemos que ir nos enfiando por dentro de gretas e matacões igualmente gigantes. Atiramos nossas mochilas barranco a baixo e nos escorregamos até o patamar rochoso uns três metros de onde estávamos e depois nos enfiamos dentro de uma espécie de gruta e descemos o restante beirando uma enorme parede por onde despencava uns cipós secos, até que finalmente pudemos nos deliciar com um gole de água fresquinho e parar por alguns minutos para apreciar mais um grande espetáculo da natureza em forma de cascatas e cachoeiras.

 

Continuamos descendo, hora nos enfiando no mato, hora subindo barranco e quando o rio assim permitia, nos jogávamos na correnteza e íamos nadando até que uma nova queda “impassável”, nos fizesse mudar de estratégia. O dia já ia findando e quando fomos obrigados a novamente varar uma infinidade de mato e subir outra infinidade de morros, parte da galera já começou a protestar para que achássemos um bom lugar para acampar. Acontece que não estava fácil e como tínhamos combinado que acamparíamos numa certa curva do rio, justamente a grande curva que o rio teria que fazer para a esquerda, continuamos seguindo, mas essa curva nunca que chegava e quando um dos homens estava prestes a tombar de tanta canseira, resolvemos descer novamente ao Juqueriquerê para tentar acampar de qualquer jeito e para isso resolvemos acompanhar um pequeno afluente, de onde despencava uma pequena cachoeira com musgos verdes em suas paredes. Realmente esse afluente nos devolveu ao rio principal, mas novamente nos vimos obrigados a descer um grande barranco para acessar a água. Eu, o Dema e o Marcelo, descemos para investigar, nos pendurando em algumas raízes até baixarmos ao rio, de onde despencava mais uma espetacular cachoeira, uma queda d’água que despenca em uma fina e larga camada, como um grande véu. Nós três nos juntamos e ao analisar bem a sequencia do rio e calcular o tempo que ainda tínhamos de sol, decidimos que seria melhor mesmo dar aquele dia por encerrado, vimos que já era mais que hora de descansarmos o esqueleto e como parte da galera estava a nos esperar perto do afluente, subimos novamente o barranco e nos juntamos a eles. O local que escolhemos para acampar, não poderia ser pior, uma área irregular, cheio de pequenas pedras e com poucas árvores para montar as redes e como não havia outra solução, solucionado estava, nos viramos com o que tínhamos, montando uma rede encima da outra ou usando uma mesma árvore para amarrar várias redes, medicamos os que pareciam doentes, fizemos uma boa janta e cada um foi morrer na sua cama de mato.

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Apesar da chuva que caiu durante a madruga, o dia chega trazendo expectativa de tempo bom. Em tese esse deveria ser o nosso último dia de travessia mais o que se sucede se encarregaria de provar o contrário. Enquanto a água do café não chegava aos 100 graus, tratamos de nos reunir para traçar um plano e para começar, quebramos a cabeça estudando um mapa tosco que tínhamos do percurso e chegamos a dura conclusão que não havíamos descido mais de 1500 m de garganta no dia anterior. Foi um golpe duro que tivemos que assimilar e decidimos que se quiséssemos sair hoje daquela travessia, teríamos que botar a faca nos dentes e nos jogarmos de cabeça naqueles cânions. Mesmo assim, ainda tínhamos a confiança de que a pior parte havia passado e daqui para frente o rio iria cada vez mais ficar plano e mais uma vez havíamos de quebrar a cara nas nossas previsões. Botamos as mochilas às costas e já sabendo que não daria para descer pelo rio, metemos a cara num emaranhado de bambus e mato entrelaçados e fomos avançando lentamente até atingirmos o que parecia ser o topo de um morrote e de lá tocamos reto e paralelo ao rio que não se encontrava a mais de 300 metros de onde estávamos. A todo o momento eu tentava persuadir o grupo a voltar para o rio, mas parte da galera queria mesmo é tentar avançar pelo mato e foi aí que nosso pesadelo começou.

 

O lin Quintas já havia se queixando que não estava bem no dia anterior, mas agora alem das queixas aumentarem, ele estava lento, muito lento, tão lento a ponto de caminhar 100 metros e desabar no chão. Eu e o Dema tomamos a dianteira e fomos rasgando o mato no peito, abrindo caminho no meio da vegetação de espinhos e que cortava feito navalha, tentando não perder altura para não termos que voltar a subir novamente, mas a lentidão do Lim já nos fazia pensar em mudar a estratégia e começar a descer ao rio o mais rápido possível, na tentativa de encontrar águas calmas que pudesse nos fazer avançar boiando, mas ao desembocarmos novamente no Juqueriquerê, nos espantou a declividade daquele rio. Grandes quedas ainda faziam parte do rio, não havia como avançar nadando ou coisa parecida. Resolvemos não voltar mais pelo mato, tentaríamos seguir pulando de pedra em pedra, saltando nos poços e escalando as paredes laterais, mas mesmo isso ainda não foi suficiente para que ganhássemos velocidade, pelo contrário, o Lim Quintas a cada passo que dava , se esborrachava em uma pedra e lá ficava, até que alguém fosse ajudá-lo. A situação começava a sair do controle, era preciso parar e ver como poderíamos fazer com que ele se mantivesse caminhando, mesmo que devagar, mas caminhando.

 

Ali não havia nenhum médico, mas sempre carregamos maletas de primeiros socorros para o caso de alguma emergência. Ao perguntarmos par o Lin o que ele sentia, obtivemos como resposta : “NADA”. Hora bolas, aí ficava difícil, não tinha dores de cabeça, não tinha febre, não tinha dores no corpo, dores no estomago ou qualquer outras dores que pudesse ser curada com algum remédio. Diante desse quadro não havia nada que pudéssemos fazer, apenas tratei de dissolver um pacote de soro e dei para que ele tomasse para melhorar sua hidratação e fizemos que com ele se alimentasse um pouco e ficamos torcendo para que melhorasse, sabe-se lá do que. Mas foi tempo perdido, ele ficou foi pior e não andava mais que 50 metros sem tombar no chão, pra desespero de todo o grupo, que implorava para que ele continuasse andando, mesmo devagar. E pior que o diabo do terreno não arrefecia, o rio não ficava plano, nos fazendo ter que nos pendurar em paredes cada vez mais perigosas e foi numa destas que ao deslocarem uma grande árvore morta, quase que o próprio Lin e o Ligado foram parar abismo abaixo. A situação estava mesmo feia e o dia começava a passar muito rápido e nós avançávamos cada vez mais lentos. Foi aí que percebi que jamais conseguiríamos sair daquele vale naquele dia. O Marcelo era o mais preocupado, pois era ele que tinha a maior obrigação e não passava pela cabeça dele gastar mais um dia para sair dali.

O ritmo seguiu o mesmo, até que um paredão intransponível nos fechou o caminho de vez. Agora sim o caldo tinha entornado, até então nossa jornada havia sido sempre pelo lado direito do rio e não havia outra alternativa se não a de transpormos o rio para a margem esquerda, mas com aquela correnteza toda, eu não via como e me preocupou quando vi o Dema e o Ligado tentarem uma ação suicida por uma corredeira que não havia a menor maneira de passar. Aquilo era loucura, aquilo era ariscado e logo foi preciso que interviéssemos para que os dois malucos tirassem aquela ideia da cabeça e nos ajudasse a achar outra solução. Eu sabia que aquele grupo era bom, com gente com várias especialidades, uns escalavam bem, outros nadavam muito bem, outros navegavam muito bem e ainda havia os que mandavam bem varando mato e guiando o grupo no caminho menos penoso, mas o Ligado era só doido mesmo, botou a corda na cintura e se jogou numa correnteza à beira de uma queda e só parou quando o rio o jogou para outra margem. Foi a deixa para segurarmos a ponta da corda e empurarmos o Lin Quintas na correnteza e vermos o coitado nadar desesperado até se juntar ao Rodrigo ligado. E assim fomos um por um e pra finalizar a travessia do rio, puxamos o Marcelo amarrado a todas as mochilas do grupo e finalmente nos posicionarmos do lado esquerdo, onde o caminho parecia ser menos complicado para continuarmos nossa jornada.

 

Agora na margem esquerda do rio a caminhada começava a avançar mais rapidamente, mas quando pensávamos que a coisa ia engrenar, o Lim Quintas desabava e novamente tínhamos que parar e aguardar que ele se recuperasse. A nossa frente surgiu uma das ilhas que aguardávamos ansiosamente e passamos pelo seu lado esquerdo, interceptando mais a frente o encontro do rio. Como o terreno deu uma nivelada, fomos seguindo pelo mato e ganhando terreno e quando tínhamos alguma oportunidade, nos jogávamos nas corredeiras e íamos boiando até onde era possível e esse era o único jeito do Lim Quintas não desabar, já que dentro da água, ele já estava caído mesmo. Fazer mochilocross sempre era um grande barato, era sem duvida a parte mais divertida. Pendurávamos-nos nas mochilas e nos atirávamos na água sem saber aonde iríamos realmente parar, passávamos raspando em grandes pedras e nos precipitávamos nos poços e quando submergíamos, era sempre uma grande festa. Mas quando era hora de voltar a escalar paredes, trepar pedras e varar mato, tínhamos que ter mesmo uma paciência de Jó para esperar o Lim se levantar a cada 100 metros de trilha. A coisa começava a ficar complicado, o dia já começava a ficar curto e não avançávamos. O Marcelo já deixava transparecer a sua irritação com o atraso do grupo e quando o Lim Quintas desabou depois de atravessarmos mais uma ilha e nos postarmos novamente do lado direito do rio, a situação ficou insustentável. Estávamos exatamente na grande ilha dessa travessia, mas mesmo assim não tínhamos a menor ideia de quanto tempo ainda gastaríamos para atingirmos a estrada que havíamos anotado no mapa. Antes de chegarmos ao grande encontro dos dois rios que a tal ilha havia separado, o Lim Quintas desabou de cara no chão e não levantou mais.

 

Deixamos o nosso amigo moribundo tentando se recuperar e corremos para ver o encontro dos dois rios. Bem no lugar onde eles se encontravam, para voltar a ser um só, forma-se um degrau de onde os rios se jogavam, formando um espetáculo belíssimo. Não era uma cachoeira muito alta, mas era sem duvida um espetáculo único. Sentamos-nos no encontro dos rios e ficamos lá, de boca aberta a contemplar aquele cenário incrível e enquanto apreciávamos aquela maravilha, o Lim Quintas ainda continuava lá caído, com a cara entre as pedras sem se mexer, como se morto estivesse e para marcar essa queda d’água resolvi homenageá-lo batizando-a como CACHOEIRA DO HOMEM CAÍDO , que é muito melhor que cachoeira do homem morto, rsrsrsrsrs

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O tempo passava, o Lim não levantava e o Marcelo perdeu de vez a paciência e todo mundo notou isso e quando perguntei se ele queria seguir à frente, ele não titubeou em responder que sim. Sentamos eu e ele e conversamos, estudando o rústico mapa, das possibilidades que ele poderia encontrar pela frente. Mas antes do Marcelo partir para sua jornada solo, me arrependi de ter o incentivado a partir sozinho, lembrei-me de que se algo desse errado, o Marcelo não teria com quem contar e achei melhor pedir para que o Ligado o acompanhasse. O Ligado não estava nem um pouco a fim de nos deixar, mas felizmente ele também se deu conta de que seria primordial para a segurança de todo o grupo, que os dois seguissem juntos, era um sacrifício que ele teria de fazer. Enquanto os dois integrantes se preparavam para partir, o Lim Quintas gritava lá de longe que deveríamos deixa-lo ali e irmos sem ele e quando chegássemos à civilização, acionássemos o resgate porque ele não aguentava dar mais nem um passo. A gente nem deu bola para os resmungos do Lim, porque não tinha nenhum cabimento o que ele dizia, claro que ninguém iria abandonar ninguém, só precisávamos saber como exatamente iríamos tirá-lo daquele vale. Quando o Lim finalmente resolveu sair do buraco onde estava e se aproximou do grupo, comunicamos a ele que os dois, o Marcelo e o Ligado, partiriam e avisariam para nossas famílias que iríamos nos demorar mais para deixarmos o vale e que acamparíamos assim que descolássemos um bom lugar para passar a noite para poder medicá-lo, afim de que se recuperasse e tivesse forças para sair do cânion sem que fosse necessário chamar o resgate.

 

Passava das 14h30min quando o Ligado e o Marcelo partiram e não foi uma partida qualquer, os dois se jogaram numa corredeira e foram despencando de um monte de cachoeirinhas até desparecerem onde começava mais uma ilha. Vendo que os dois haviam avançado rapidamente nas corredeiras, resolvemos fazer o mesmo para ganhar terreno e foi aí que a gente quase se fudeu todo. O Luciano se jogou primeiro e foi seguido logo pelo Dema. Sem pensar muito, quase que empurrei o Lim e me joguei atrás dele. Vinte metros depois eu nem sabia mais onde eu estava, caí no diabo de uma queda, virei de ponta cabeça e afundei com mochila e tudo e quando submergi, mal deu tempo de respirar e já caí em uma nova cascata, onde tive que apoiar os pés numa grande pedra para não bater a cabeça. Virei passageiro naquela corredeira, eu já não controlava mais porra nenhuma, tentei me agarrar a qualquer santo, mas infelizmente não sabia rezar e fiz só amaldiçoar o desgraçado que me convenceu a fazer aquela descida insana. Quando pensei que eu iria despencar nas quedas logo abaixo, senti uma mão me agarrando, era São Luciano que veio atender as minhas preces. Levantei-me e sem pensar muito agarrei nas mãos do Lim Quintas que se preparava para passar batido e cair nas cascatas e todos nós fomos comemorar às margens do Juqueriquerê.

Assim que nos posicionamos fora do rio, o Lim exigiu que continuássemos seguindo pelo mato já que o terreno permitia. Realmente essa foi uma boa ideia porque ganhamos terreno rapidamente, mas o Lim queria acampar de qualquer jeito e eu tentava persuadi-lo a acampar somente quando encontrássemos um local bem favorável. Quando encontramos mais uma ilha, resolvemos ir caminhando por dentro dela, já que era plana e com arvores bem espaçadas. Mas não teve jeito mesmo, antes das 17h00min o Lim chegou ao seu limite e na primeira clareira da ilha jogamos as mochilas no chão e demos por encerrado nosso dia de caminhada. Não perdi tempo, montei a rede do meu primo e lhe enfiei logo um remédio na goela e o pusemos para descansar até que preparássemos a janta. Era um lugar muito bonito e como a ilha era estreita, tínhamos um rio de cada lado. Limpamos a vegetação rasteira com um facão e cortamos umas folhas de palmeira para colocarmos no chão. Ficou tão bom que resolvemos nem montar nossas redes e Eu, o Dema e o Luciano decidimos que dormiríamos apenas com os sacos de dormir. Claro que ficamos expostos aos mosquitos, às cobras, aos carrapatos e as onças. Fiz uma bela de uma janta e alimentei o Lim e logo em seguida comemos muito também. O Dema não demorou muito, já se enfiou no saco de dormir e apagou. Eu e o Luciano ficamos conversando até tarde, enquanto ele tentava manter uma fogueira de dois palmos de diâmetro para afugentar os borrachudos. Ficamos tentando adivinhar que fim teria levado os dois integrantes que haviam seguido à frente. Teriam conseguido sair? Teriam achado o caminho? Teriam conseguido chegar ao litoral ou estariam ainda presos em qualquer lugar do rio? Resposta que só teríamos no outro dia. Por hora eu só podia olhar o céu naquela noite escura e ficar matutando como a simplicidade da vida pode nos fazer feliz. Éramos quatro homens barbados deitados no chão sobre umas folhas de palmeira, sendo iluminados por um foguinho mequetrefe que insistia em apagar o tempo todo. Estávamos totalmente desprotegidos e expostos a todos os perigos ocultos naquela floresta perdida no centro selvagem de um vale desconhecido, longe da civilização e mesmo assim nos sentíamos felizes de estar ali.

 

O dia que amanhece é sem dúvida o melhor de todos, sem nenhuma nuvem no céu e já com promessas de um dia muito quente. Tomamos um café e partimos rapidamente. O Lim Quintas parece melhor, mas ainda anda meio capengando, mas já digo logo que hoje essa travessia tem que chegar ao fim. Como estamos numa ilha com vegetação bem fácil de cruzar, seguimos pela floresta, onde os avanços são rápidos. Mais alguns minutos a ilha acaba e cruzamos o rio para margem esquerda, tentando nos valer do terreno ainda plano pelo mato. Não demora muito já localizamos as pegadas dos dois aventureiros que se separam da gente no dia anterior. Seguindo sempre alternando caminhadas pelo mato e pela água, logo depois de cruzarmos mais uma pequena ilha, desembocamos numa bela prainha de areia, um lindo lugar para acampar, junto a uma enorme piscina natural. Aproveitamos esse incrível lugar para instalar nossa CAPSULA DO TEMPO, que consiste num pequeno tudo de PVC onde um pequeno caderno serve para que outros exploradores que nos suceder possa deixar seu recado. Esse é um projeto inédito nas travessias selvagens em rios, inspirado nos livros de cumes de montanhas do Brasil, um projeto que venho chamando de EXPLORADORES DO LADO ESCURO DA SERRA DO MAR, por estarmos desvendando lugares onde quase ninguém esteve, uma espécie de lado escuro da Serra mesmo.

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Aproveitamos aquele lindo lugar para um bom banho porque um bom mergulho tem sempre o poder de renovar os ânimos. Estudando o lugar onde estávamos, vimos logo que do outro lado do rio o terreno era bem plano e então resolvemos atravessar o rio a nado e ir investigar. O terreno se abriu, quase sem nenhuma árvore, como se fosse um grande vale seco. Pegamos esse caminho e não demorou nada para a gente descobrir que começávamos a caminhar em um lugar parecido com uma trilha e uns 20 metros depois não tínhamos mais dúvidas, aquilo não era uma trilha, era o final de uma estrada abandonada que a floresta havia tomado de volta, estávamos justamente no local onde eu havia conseguido identificar pelo satélite. A estrada abandonada se tornou num grande brejo e logo que virou para a esquerda, se afastando um pouco do rio, cruzou por um afluente, onde paramos para um gole de água gelada. Logo surgiu o vestígio de uma propriedade a nossa direita, mas sem nenhum sinal de que houvesse alguma casa com habitantes. Pegamos a rua para a esquerda, ou para ser mais preciso, descartamos uma estradinha enlameada que saia a direita e fomos entrando e mais à frente cruzamos com uma porteira e saímos em campo aberto, onde as montanhas se distanciam do Rio Juqueriquerê. Era um lugar muito bonito, mas não sabíamos onde estávamos, só fomos avançando pela estradinha principal, nos mirando em uma grande lagoa que havia à frente. O calor estava de arrebentar e a gente acabou se distanciando um pouco do rio, que estava a nossa esquerda. Passamos pela lagoa, que parece ser de rejeitos da mineradora, pulamos uma grande vala e ao vermos umas maquinas trabalhando, viramos à esquerda e caminhamos até passarmos por cima de uma grande ponte que cruzava o Rio Juqueriquerê.

 

Passou pela gente um caminhão carregado de areia e quando o motorista nos viu, diminuiu a velocidade. Perguntamos para ele que caminho deveríamos tomar para chegarmos ao litoral. Ele meio espantado com nossa presença, nos disse que deveríamos contornar o Porto de Areia pela esquerda e caminhar por uns 10 ou 12 km. Quando passamos por onde os trabalhadores faziam a extração de areia vimos os caras ficarem espantados com nossa presença, apontavam os dedos para nós e ficavam se perguntando de que diabos de lugar a gente tinha saído. Contornamos o tal porto e pegamos a estrada que possivelmente nos levaria para o litoral, mas a nossa presença dentro das dependências da FAZENDA SERRA MAR já havia sido detectada pela administração e não tardou muito para a gente ser enquadrado pelos seguranças da propriedade, ARMADOS ATÉ OS DENTES.

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-“Parou, parou, parou, de onde vocês vêm, para onde vocês vão, como entraram e o que estão fazendo aqui? ” Antes mesmo de terminarmos as explicações para o segurança, já colou na gente o chefe dele e mais outro “jagunço” da fazenda para também nos encostar contra a parede. A cada explicação que dávamos, a cada história que contávamos, os “homens” iam caindo com os queixos no chão, a ponto de acabarmos nos tornando seres de outros planetas que acabava de cair de uma espaçonave bem no meio das terras deles. Nos disseram que jamais ouviram falar de que alguém tivesse descido por dentro daquele vale e nem o chefe da segurança, que já havia trabalhado no meio ambiente, jamais teria tido notícia desta descida e quando descobriram que não éramos meros “maconheiros” nos aventurando pelo mato, pediram para tirar fotos com a gente. Nos contaram também que haviam interceptado o Marcelo e o Ligado na noite anterior e foi assim que ficamos sabendo que os dois haviam conseguido chegar ao litoral com segurança e que haviam retornado para São Paulo. Mas os caras eram pagos para fazer a segurança da fazenda e tinham que fazer o trabalho deles e então fomos convidados a subir na caminhonete para sermos enxotados para fora, sem dó nem piedade. Essa atitude que eles tomaram até nos agradou porque o Lim já estava novamente se arrastando na caminhada. Jogamos nossas mochilas no transporte e pulamos para cima e fomos escoltados pelos caras armados e uns 10 km depois, já perto do litoral os caras pararam a caminhonete e quando fizemos menção de descer, fomos advertidos para que continuássemos la encima. Fizeram um desvio para esquerda, passaram por uma guarita e entraram em direção a sede da Fazenda Serra Mar e foi nessa hora que a gente ficou com o “fiofó na mão” achando que os caras iam nos levar para o “matadouro. “A cada metro que a caminhonete andava, mais aumentava a nossa apreensão e já começávamos a especular qual seria o nosso fim, alguns afirmavam que seríamos apresentados aos chefões da fazenda, já outros que a gente seria entregue à polícia mesmo. Eu, para falar a verdade, tinha vontade era de pular fora e picar a mula dali. Passamos ao lado das obras da Nova Tamoios e logo à frente já entramos na área urbana de Caraguatatuba e quando estacionamos enfrente da rodoviária da cidade, meu coração se aliviou, ainda mais quando o chefe da segurança gritou la de dentro do carro: - “Está bom para vocês aqui meninos? ”

 

Mais que rapidamente pulamos no chão e pegamos nossas mochilas e saboreamos um sentimento de vitória indescritível. A satisfação estava escancarada nos rostos de cada um, tanto que acabou rolando até uma comemoração ali mesmo, sem nenhum constrangimento, era a sensação do dever cumprido, era ter a certeza de que a Grande Aventura do qual a gente tinha proposto a realizar, chegou ao fim com o sucesso que esperávamos. Nos dirigimos para o banheiro da rodoviária e tratamos de tirar a lama e o barro do corpo e quanto estávamos um pouco mais apresentáveis, fomos tentar morrer de tanto comer e brindar com um refrigerante gelado.

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Foi uma grande Travessia, uma das maiores desde que começamos com essas expedições na Serra do Mar Paulista. Foi como se jogar em outro mundo, foi como descobrir novas terras, num lugar onde tudo parece já ter sido descoberto. Não somos homens corajosos, nunca fomos, apenas me alegra o fato de poder contar com gente que não se intimida com pouca coisa, aventureiros que estão dispostos a lutar e a vencer a mesmice da vida, gente que se treme todo quando houve a palavra expedição selvagem e que transforma essa tremedeira em ação, porque eles querem ir lá ver com os próprios olhos, querem sentir toda a explosão de beleza que a natureza selvagem pode lhe oferecer. Eu posso até ter sido o Pero Vaz de Caminha desta Expedição, mas esses caras não, eles são conquistadores, navegadores, descobridores, obrigado meus amigos por me deixar fazer parte desta caravela que navega em rumos desconhecidos e quando volta, vem abarrotada de conhecimento, companheirismo e de muitas histórias para contar.

 

Divanei Goes de Paula- dezembro/2015

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