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Travessia Rui Braga - Parque Nacional do Itatiaia / RJ


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Quarta feira 14 de julho de 2010

Após eu e o Augusto termos concluído a Travessia da Serra Negra no dia anterior levantamos acampamento mais uma vez, não sem antes eu tomar meu bom mingau de aveia 😄.
Eram 9:15h quando passamos com cuidado pela antiga Pousada Alsene para não sermos vistos pelo guarda que toma conta do local. Enquanto ele se distraia ouvindo musica em seu rádio e possivelmente tomava seu café da manhã tirávamos tranquilamente fotos das dependências externas da pousada fechada em outubro de 2009 através de ação judicial por lançar o esgoto em um ribeirão próximo.
Deixamos o Alsene e seguimos pela estrada que leva a portaria do Parque do Itatiaia. Poucos metros caminhados já entramos numa trilha à esquerda para cortar caminho. O conceito de atalho é que ele nos leve mais rápido a um mesmo destino ao invés de percorrer um caminho normalmente usado, porém muitos atalhos tem um custo e para este é o de ser íngreme e acidentado. E eu que pensava que aquele dia seria só de trilhas planas e descidas já começou dando uma canseira. Mas a trilha acabou logo e realmente cortou um longo trecho de estrada e saímos já perto da portaria da parte alta do parque - Posto Avançado Agulhas Negras (também conhecido como Posto Marcão).

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Deixando o Alsene

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Embargo ao Alsene

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Subindo para a portaria do PNI

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Portaria do PNI - Posto Avançado Agulhas Negras

O dia amanheceu cinzento pelo céu encoberto, não propiciando belas fotos das escarpas das serras que poderíamos ver dali.
Na portaria foi checado nossas reservas para a Travessia Rui Braga efetuada um mês antes e conseguimos autorização para o pernoite na trilha, algo que o Augusto havia solicitado na reserva, mas eles não tinham anotado. Preenchido um formulário básico com dados pessoais para controle de acesso e ciência do visitante das suas responsabilidades dentro do parque, pagamos as taxas de acesso e pernoite (R$11,00).
Mochilas aos ombros deixamos o posto às 9:55h. e tocamos pela estrada passando entre o Pico do Massena e o Morro da Antena encobertos pela neblina.
Mais à frente passamos pelo Morro do Couto à nossa direita também encoberto, vez ou outra conseguíamos vislumbrar parte destes montes rochosos quando a neblina abria um pouco.
Os únicos sons que ouvíamos eram os de nossos passos, o canto de um passarinho que eu não consegui ver e dos pequenos córregos que cruzam a estrada e vão dando corpo a um riacho que corre paralelo pelo lado esquerdo e mais à frente irá compor o Rio Campo Belo.

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Estrada próximo ao Morro do Couto

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Chegando ao Abrigo Rebouças - Estacionamento

A medida que íamos nos aproximando das imediações do Abrigo Rebouças a neblina dissipou um pouco e pudemos apreciar melhor o impressionante relevo a nossa volta. Momento em que começamos conversar sobre a formação geológica local e trocar boas informações.
Mais impressionante que a beleza cênica deste maciço com seus picos fragmentados é a natureza da sua origem e as forças imensuráveis para sua conformação.
Há aproximadamente 72 milhões de anos, ocorreu uma intrusão magmática onde hoje é o Itatiaia e a Serra Fina. A intrusão ocorre quando o magma penetra e se aloja no interior da crosta terrestre. “É uma erupção que não alcançou a superfície”. Neste caso, o magma se alojou entre as rochas metamórficas, os gnaisses, que formam a Serra da Mantiqueira e que tem cerca de 600 milhões de anos de idade.
São chamadas de rochas intrusivas, porque são originadas do magma que se consolidou no interior da crosta terrestre. Quando observado os grãos que as constituem eles revelam os minerais que se cristalizaram lentamente enquanto o magma esfriava embaixo da superfície.
Mais tarde, os blocos de rocha intrusiva afloraram pela ação dos terremotos e também da erosão. Assim nascia o Maciço do Itatiaia que, com 1.450 km² é o segundo maior do mundo com sua composição geológica, perdendo apenas para o maciço de Kola, na Escandinávia.
No vasto Planalto do Itatiaia, se destaca o pico das Agulhas Negras, ponto culminante do Estado do Rio de Janeiro, com 2.791,6 metros (IBGE/IME). A rocha do Itatiaia é chamada de alcalina, devido a sua constituição, rica em elementos químicos alcalinos como sódio e potássio.
O maciço alcalino do Itatiaia é também chamado de maciço foiaítico. Mineral abundante no Itatiaia e incomum no território nacional, constituído por silicato de sódio e alumínio. Aliás, o planalto possui fartura de bauxita, minério usado para a produção de alumínio.
Alguns estudiosos acreditam que as caneluras existentes nas Agulhas Negras, e em outras formações do planalto, são resultantes de erosão glacial. Poucos sabem, mas foram estas caneluras, paralelas e em grande número, que deram origem ao nome “Agulhas Negras”.
Ainda se encontram nas Agulhas Negras plantas remanescentes das glaciações que ocorreram há mais de 18 mil anos, cujos únicos "parentes" conhecidos estão no alto da Cordilheira dos Andes.
Parece ter sido a notável resistência da rocha alcalina, que manteve a atual altitude do Itatiaia, enquanto outras ao redor foram rebaixadas pelas forças erosivas.

10:25h. Chegamos ao Abrigo Rebouças, local de onde sai a trilha que sobe para o Pico das Agulhas Negras e também a trilha da Travessia Mauá - Serra Negra - Rebouças (como é oficialmente conhecida) a qual havíamos percorrido nos últimos dois dias no sentido inverso e alterado o percurso no trecho final para alcançarmos o Alsene.
Seguimos em frente pela estrada... Estrada? Realmente este é seu aspecto até aqui, porém caminhávamos em uma rodovia federal, não apenas mais uma como tantas outras mal cuidadas Brasil afora, esta é especial, percorríamos a mais alta rodovia brasileira, a BR-485 instituída em 1937 pelo ex-presidente Getúlio Vargas quando da fundação do Parque Nacional do Itatiaia.

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Abrigo Rebouças e Rio Campo Belo

Mas a relação de Getúlio com esta estrada e o Itatiaia começou alguns anos antes... O ditador era apaixonado pela região e em 1932 ergueu aqui seu esconderijo entre as montanhas. Uma aconchegante casa de pedra que não deixava de ser uma fortaleza de rochas, pois seria o seu refúgio em caso de ataque ao Palácio do Governo durante a Revolução Constitucionalista.
A casa tornou-se atração turística da Estrada dos Lírios (nome dado ao trecho da BR-485 entre a Garganta do Registro e a portaria Agulhas Negras), caminho que leva ao planalto das Agulhas Negras e que foi rebatizada recentemente como Rodovia das Flores.
Fascinado bela beleza e diversidade da fauna e flora daquela região, Getúlio, em 1937, aprovou a criação da primeira área de proteção ambiental do Brasil, o Parque Nacional de Itatiaia, com 30 mil hectares. Junto ao parque, em 1944, foi inaugurada a AMAN - Academia Militar das Agulhas Negras, que funciona até hoje.
Após o Abrigo Rebouças passamos a caminhar sobre o remanescente pavimento asfáltico, neste trecho consumido aos poucos pela erosão.
Do nosso lado esquerdo o Rio Campo Belo formado diante do Rebouças já caudaloso vai encachoeirando e nos fazia parar de vez em quando para admirar sua beleza, logo passamos ao lado de sua primeira queda que recebe o nome de Cachoeira das Flores.
A neblina continuava encobrindo os picos e o maciço do Agulhas Negras se revelada apenas em breves rasgos da cortina branca.

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A rodovia mais alta do Brasil BR-485

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Cachoeira das flores

10:50h. Chegamos onde a estrada acaba completamente no planalto e oficialmente começa a Travessia Rui Braga - Rebouças - Sede.
Dali sai também a trilha que leva ao Pico das Prateleiras á direita, o qual podíamos vislumbrar parcialmente.
O caminho até aqui foi uma suave descida alternada com trechos planos, as pequenas elevações são até desprezíveis de considerar.
Tomamos o caminho da nossa trilha que começou dentro de uma canaleta criada pelas águas da chuva, mas logo ficou confusa com bifurcações que se perdiam entre o capinzal elefante. Ao longe podíamos ver a trilha bem marcada seguindo por uma encosta no lado oposto em que nos encontrávamos. Então seguimos em sua direção varando o mato e logo a alcançamos. A partir daqui a trilha não tem mais erro, segue por verdadeiros “canaletões” durante uns trinta minutos pelo leito do vale situado entre o maciço do Agulhas Negras e a Serra das Prateleiras, passar ali com chuva é arriscado ser levado por uma Tromba D’água. ::lol3::

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Início da Travessia Rui Braga

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A trilha começa por canaletas pluviais

Contextualização histórica da Rui Braga:
A Travessia Rui Braga tem uma longa história. Mais longa ainda do que a história do próprio Parque Nacional. Único acesso à região do planalto até a construção da BR-485 que veio ligar a Garganta do Registro até o planalto do Itatiaia, este trecho foi largamente utilizado pelos “desbravadores” do planalto, utilizando-a para conquistar os principais cumes que hoje atraem milhares de visitantes anualmente.
A instalação de um Posto Meteorológico pelo Ministério da Agricultura no início do século XX (década de 1910) na baixada existente ao sul da linha de rochosos que contém as Prateleiras e a Pedra Assentada fez com que todos os aventureiros que se dirigiam ao planalto do Itatiaia o utilizassem como abrigo de montanha. Para atingir o posto era necessário realizar uma caminhada de cerca de 10 horas desde a porção mais baixa de Itatiaia.
Destacam-se, nas primeiras décadas de funcionamento do Posto Meteorológico, as excursões de Carlos Spierling e Oswaldo Leal que em dezembro de 1919, acompanhados de Seraphim de Freitas morador do Posto Meteorológico, conseguem chegar ao ponto mais alto do Rio de Janeiro, o Itatiaiaçu. Neste mesmo ano é fundado o Centro Excursionista Brasileiro, o CEB, o primeiro da América Latina. Em 1920, Spierling e Oswaldo atingem o ponto mais alto do conjunto rochoso conhecido como Prateleiras. A conquista do Itatiaiaçu em 1919 e das Prateleiras em 1920 acabou por trazer para o planalto o montanhista Richard William Brackmann. Ele realizou inúmeras e variadas excursões nos anos de 1925, 1927, 1928 e 1938; sendo dele o primeiro registro de ascensão à Pedra do Couto, em 10 de outubro de 1927.
Antes mesmo da criação do parque, outro abrigo foi crucial para manter a importância desta trilha: o Abrigo Macieira, construído na década de 20. Destaca-se ainda a passagem de algumas personalidades na década de 30 que em sua juventude visitaram a região e ainda não tinham a fama que viriam a conquistar anos mais tarde: Burle Marx, Vinicius de Moraes e o pintor Alberto Guignard.
Em 1937, fruto dos pleitos de muitos naturalistas, cientistas e amantes da região junto ao Ministro da Agricultura, o botânico Alberto Loefgren simpático a causa, é criado o Parque Nacional do Itatiaia no dia 14 de junho através do Decreto Federal 1713 assinado por Loefgren, tornando-se oficialmente o criador do PNI.
A partir da década de 40, o PNI ganha um grande impulso na visitação, chegando a mais de 10 mil visitantes no ano de 1947, tendo outro “boom” no ano de 1952, quando chega a 30 mil visitantes.
Este aumento na visitação fez com que a administração do parque na época construísse dois abrigos, sendo chamados de Abrigo Rústico e Abrigo dos Excursionistas. Mais tarde foram batizados carinhosamente, prestando homenagens a dois ilustres personagens da história do Itatiaia: Abrigo Rebouças e Abrigo Massena construídos em 1950.
Como a travessia Rui Braga era o caminho mais rápido para o planalto, ela foi mantida e conservada até os anos 70. Com a utilização cada vez maior da BR-485 a partir da Garganta do Registro até o Abrigo Rebouças para se chegar ao Agulhas Negras diminuiu a importância da travessia, que lentamente foi sendo abandonada.
A Rui Braga foi perdendo interesse do público e ganhando descaso da administração que voltaram suas atenções para outras duas travessias que foram ganhando destaque durante os anos 80 até meados dos anos 90, a Travessia Rebouças-Mauá (via Rancho Caído) e a Travessia da Serra Negra.
Tomada pela vegetação e erosão a trilha Rui Braga foi fechada oficialmente em 1990 e reaberta em 24 de setembro de 2007. A trilha está muito boa, porém os abrigos Massena e Macieira encontram-se em avançado processo de deterioração, necessitando de amplas reformas como eu e Augusto tristemente constatamos.
Após 1:30h aproximadamente de caminhada chegamos em um ponto de trilha alagada, olhando pra direita vimos alguns totens sobre grandes pedras, entrando por entre o capim alto pelo charco encontramos um caminho mais fácil por onde contornar o trecho inundado.

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Vale entre o Agulhas Negras e Prateleiras

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Caneluras causadas talvez no Período Glacial

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Prateleiras ao fundo

Depois de mais 30 minutos descendo tranquilamente pelo vale fomos contornando a encosta a nossa direita, na curva em que ela converge para entrarmos em outro vale atrás da Pedra Assentada e Serra das Prateleiras avistamos distante uma edificação no alto de uma colina a nossa frente, estávamos próximos do nosso primeiro objetivo nessa trilha: chegar no Abrigo Massena. Seguimos agora mais determinados e curiosos rumo àquela construção. Pois desconfiávamos que ela ainda não fosse o Massena. Seria talvez um mirante ou um antigo posto de pesquisa como o Augusto havia lido em um relato.

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Construção no alto da colina

Após atravessarmos um grande campo de capim elefante que chegavam a nos cobrir começamos subir a colina, logo chegamos ao alto onde a trilha bifurca, seguimos pela direita rumo à construção a qual podíamos ver agora mais claramente, paredes sólidas em blocos de granito, porem sem teto, portas ou janelas e plantas dominavam seu interior.
Caminhando para aquela construção em ruínas avistamos em outro morro próximo outra construção semelhante e na base deste morro algo grande de cor clara nos chamou atenção, mas não podíamos definir o que era, pois aparecia embrenhada por entre árvores.

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Capim elefante fechando o caminho

12:30h. Entramos nas ruínas e constatamos que se tratava do antigo Posto Meteorológico criado entre 1910 e 1920. Nada restou além de alguns batentes, parte de uma pia da cozinha e das sólidas paredes com mais de 30 cm de espessura.

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Ruínas do Posto Meteorológico

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Ruínas do Posto Meteorológico

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Ruínas do Posto Meteorológico

Retornamos até a bifurcação e seguimos pelo outro caminho que vai em direção as outras construções que avistamos no morro ao lado.
Passamos por um pequeno trecho encharcado na trilha onde do lado esquerdo mina água entre touceiras de capim.
Seguimos por mais alguns metros por entre uma mata e às 12:40h. chegamos no Abrigo Massena. Ele era aquilo que nos chamou atenção de cor clara que aparecia por trás das árvores.
Depois de passarmos pelo único abrigo ainda funcional do parque, o Rebouças e por uma edificação em ruínas com quase 100 anos não há quem não se impressione com as dimensões e o estado em que se encontra este velho abrigo. Uma construção ampla edificada com blocos de granito, avarandada em toda sua frente, ao centro uma grande sala com lareira, vários quartos, banheiros e uma espaçosa cozinha.

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Abrigo Massena

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Sala do Abrigo Massena

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Corredor e quartos do Abrigo Massena

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Um dos quartos do Abrigo Massena

Ao compararmos com o Rebouças concebido para abrigar 21 pessoas podemos dizer que o Rebouças é um modesto alojamento diante deste abrigo que hospedava confortavelmente até 70 pessoas.
Exceto por uma grande mesa, dois bancos improvisados com grossas vigas de madeira e uma pequena estante para mantimentos na sala os demais cômodos encontram-se vazios.
Todos degradados, a maioria já destelhados, com o vigamento de sustentação do telhado comprometido, assoalhos apodrecidos e afundados, marcas de vandalismo por todos os lados e a vegetação tomando conta do espaço.
Enquanto explorávamos aquele ambiente desolado minha emoção se alternava entre a tristeza e a felicidade me imaginando naquele ambiente em seu auge, entre os muitos montanhistas que ali se abrigavam entre idas e vindas pelas trilhas da montanha.
Dos fundos do abrigo sai uma trilha curta que sobe um pequeno morro onde em seu alto encontra-se outra construção que havíamos visto anteriormente do Posto Meteorológico.
Esta construção em alvenaria era uma Estação Retransmissora de sinal de uma emissora de televisão. Seus quatro cômodos e banheiro encontram-se também em avançado estado de degradação.

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Ruínas da Estação Retransmissora de Televisão

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Ruínas da Estação Retransmissora de Televisão

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Ruínas da Estação Retransmissora de Televisão

Depois de dois dias sem conexão de telefonia celular, conseguimos, pois dali tínhamos visada para as cidades de Itatiaia e Rezende.
Após darmos sinal de vida para as famílias enviamos mensagem para a Márcia, esposa do Augusto que nos resgataria no dia seguinte ao final da Travessia.
A densa neblina nos vales abaixo ao sul nos impedia de visualizar as duas cidades. Mas tínhamos uma bela visão das formações rochosas a nossa volta. À noroeste as Prateleiras, Pedra Assentada e o Maciço das Agulhas Negras; à nordeste os morros Cabeça de Leão, Cabeça de Leoa e Gigante.
Voltamos ao Massena para comermos alguma coisa antes de seguirmos.

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Prateleiras e Pedra Assentada

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Pico do Gigante (esquerda) e do Ovo (direita)

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Abrigo Massena

Caçamos uma fonte de água corrente no entorno do abrigo e não encontramos. Durante os anos em que o abrigo esteve operacional seu abastecimento de água era feito por uma bomba que puxada água de um poço.
Voltamos então na trilha por uns 100 metros até aquele ponto encharcado e adentramos por entre as touceiras de capim elefante onde pudemos captar água limpa em dois pontos.
Cozinhei uma rápida refeição e após comermos partimos, desta vez pela trilha que ruma para o leste, nosso objetivo: Abrigo Macieira.
A trilha segue fácil por 20 minutos até um ponto em que atravessa uma área de charco. O primeiro a tentar contornar foi o Augusto, saiu margeando pela direita procurando passar entre touceiras de capim, mas não foi além de dois metros com um pé já atolado na lama.
Tentei contornar pela esquerda adentrando também pelo capinzal, mas também não tive êxito, aquela área toda estava um brejo.
O único caminho era mesmo seguir as muitas marcas de passos afundados na lama.
Entre pulos daqui e dali fomos avançando, pelo caminho alguns pedaços de telhas onduladas de madeira revestidas com alumínio do abrigo Massena trazidas por outros trilheiros para forrar o chão, mas não nos ajudaram muito, pois afundavam junto quando pisávamos. Este trecho tem uns trinta metros.

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Augusto atravessando o lamaçal

Saindo do atoleiro a trilha volta a ser de chão firme de terra de fácil percurso. Às 14:35h. chegamos em uma grande erosão que segue rasgando a encosta abaixo por dezenas de metros. Segundo registros do parque esta erosão iniciou-se por volta de 1981 e nada foi feito para contê-la até hoje.

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Enorme erosão iniciada em 1981

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Erosão

A trilha contorna a erosão por cima e continuamos, o desnível de descida da trilha se mantém gradual e suave, aos poucos vamos observando a transição no tipo de vegetação passando dos campos de altitude para mata atlântica.
Após entrarmos na mata passamos por quatro pequenos cursos d’água que atravessam a trilha.
Às 15:45h. chegamos no Abrigo Macieira.
Construído em 1926 junto a um pomar de macieiras e pereiras que o Visconde de Mauá, proprietário das terras mandara plantar no final do séc. XIX - talvez a única experiência bem sucedida com fruticultura na área, visto o fracasso da colonização. O bangalô de madeira, a 1.260 metros de altitude encontra-se também muito deteriorado tal qual o Massena.
Concebido para abrigar 12 pessoas ainda mantém de pé seus cinco cômodos mais um banheiro. Uma varanda percorre a frente e parte da lateral esquerda, o telhado de folhas de zinco está danificado em alguns pontos da varanda e sobre um dos três quartos um grande buraco foi aberto aparentemente pela queda de um galho permitindo a entrada de água e apodrecimento do assoalho que afundou parcialmente.
Nos quartos restam apenas as estruturas tubulares de ferro (canos) que compunham as beliches, mas sem os estrados.
Na cozinha um pequeno tanque de roupa e um fogão de lenha parcialmente destruído.

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Chegada ao Abrigo Macieira

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Frente e lateral esquerda do Macieira

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Cozinha e quarto mais danificado do Macieira

Apesar do banheiro ainda possuir louças sanitárias não há água, inviabilizando seu uso.
Explorando os fundos do abrigo ouvi som de água corrente, segui um caminho tomado pela vegetação rasteira por uns 15 metros e encontrei um pequeno córrego.
Voltei ao abrigo e o Augusto havia decidido acampar do lado de fora e já preparava o local onde armar sua barraca.
Resolvi armar a minha dentro do abrigo mesmo. Devido a sujeira acumulada e a concepção da construção “bivacar” não era aconselhável, o local propicia habitat para escorpiões e aranhas armadeiras.
O projeto do abrigo segue aquela velha concepção arquitetônica de assoalho suspenso do solo para evitar umidade e consequentemente apodrecimento, o objetivo era economizar custos dispensando a necessidade de impermeabilização do solo e o tempo na conclusão da obra. Porém o vão de aproximadamente 30 centímetros é muito acolhedor à muitas espécies de insetos, aracnídeos e animais de pequeno porte.

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Barraca do Augusto em frente ao Abrigo Macieira

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Minha barraca na sala do Abrigo Macieira

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Banheiro do Macieira

Por pouco o Augusto não acabou de montar a barraca debaixo da chuva que começou a cair no finalzinho da tarde, escurece rápido dentro da mata e ali sob a sombra de uma cadeia de picos montanhosos 17:00h. já se faz noite.
A chuva caiu pesada e ventava fortemente, me deitei para dormir por algumas horas antes de jantar, mas o barulho da chuva e do vento naquelas telhas de zinco estavam tornando isto impossível.
Depois de mais ou menos uma hora a ventania e a chuva diminuíram. Quando estava começando cochilar ouvi um som estridente modulando bem baixinho, quase uma vibração... E junto sons de algo correndo por debaixo do assoalho, o que me fez reconhecer o que era. Logo os barulhos passaram a correr sobre o assoalho vindo direto até minha barraca. Um dos camundongos começou a roer o tecido enquanto outro subiu na barraca, dei um tapa por dentro jogando o bichinho contra a parede (foi só pra assustar). Eles sumiram, pra garantir peguei os mantimentos que estavam espalhados dentro da barraca enrolei nas roupas e coloquei tudo de volta na mochila. Bem fez o Augusto que já dormia tranquilo fazia tempo enquanto eu batia no assoalho dizendo pros bichinhos ficarem lá em baixo e se tentassem pegar comida o pau ia quebrar.
Como não estava conseguindo dormir mesmo, preparei o jantar e depois me deitei novamente. Acho que os ratinhos não voltaram enquanto eu dormia, pois tudo estava em ordem pela manhã.

Quinta feira 15 de julho de 2010

Após meu mingau... ::hahaha:: Desmontamos acampamento sem pressa... Deixamos o Abrigo Macieira às 10:00h.
A trilha a partir daqui segue por um caminho largo deixando nítido que caminhamos pelo remanescente de uma estrada, a velha BR-485, passamos por muitas muretas de contenção e sobre pequenas pontes quase imperceptíveis soterradas.
Depois de 1:20h. chegamos ao trecho final, onde o taquaruçu se torna um inconveniente obstruindo o caminho até o fim, ainda bem que alguém havia passado o facão recentemente.
Às 12:05h. chegamos ao final da trilha que acaba em um grande portão de ferro, mas para a conclusão da travessia ainda era preciso caminharmos mais 20 minutos por uma estradinha além do portão.

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Trecho nítido da estrada na mata

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Atravessando uma antiga ponte

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Trecho final dos taquaruçus

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Final da trilha

Descendo pela estradinha nos deparamos com uma jovem ornitóloga sozinha que buscando avistar belos pássaros levou um pequeno susto ao ver dois bichos feios sujos de barro carregando grandes mochilas... A situação foi engraçada.
Às 12:25h. concluímos a Travessia Rui Braga que acaba ao lado da Piscina do Maromba e diante do Posto de Controle no qual precisamos comunicar que terminamos.

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Final da travessia

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Final da travessia

Ainda descemos na Piscina Natural da Maromba, um grande e belo poço formado entres as quedas do Rio Maromba, mas não nos dispomos a entrar ::Cold:: , depois subimos até a Cachoeira Véu de Noiva, espetacular com seus 40 metros de altura.

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Piscina Natural da Maromba

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Cachoeira Véu de Noiva

Não conseguíamos falar com nosso resgate por falta de sinal celular então seguimos pela estrada até a Sede do Parque onde após algum tempo nos encontramos com a Márcia e voltamos para São Paulo.

Análise e considerações finais sobre a travessia.

O percurso total desta trilha, do Abrigo Rebouças até a Sede do Parque, é de aproximadamente 22 km, com altitudes variando de 2.325 a 1.050 m. Essa distância inclui 1.009 m de estrada, iniciando-se no Abrigo Rebouças, 8.354 m de trilha em campos de altitude e mata, e em sua parte final, 12 km de estrada no interior de uma área de Floresta Ombrófila Densa.
Entre o Abrigo Rebouças até o final da trilha na Piscina da Maromba são aproximadamente 17 km.
Na minha opinião é uma trilha relativamente fácil para praticantes do montanhismo ou travessias, podendo ser percorrida em apenas um dia com pouca carga apenas com o intuito de: “Conquista da Trilha ou manter o condicionamento físico“.
Para aqueles que não estão acostumados com longas caminhadas por um dia inteiro e para realmente aproveitar o que essa trilha tem para nos oferecer, a mesma deve ser feita em dois dias para contemplação da fauna, flora e a magnífica paisagem que o parque oferece.
Ao final do primeiro dia pode-se acampar no Abrigo Massena ou no Abrigo Macieira. Pernoitando no Massena deve-se subir até as ruínas da antiga torre de retransmissão de TV, local que se torna um ótimo mirante para as Agulhas Negras, Pedra Assentada, Prateleiras, Serra Fina, Vale do Paraíba e suas cidades próximas, a Serra da Bocaina ao fundo, a Cabeça de Leão e outros, tudo isso ao pôr do sol e ao seu nascer é maravilhoso.

E para realizar esta travessia leia as instruções do Parque Nacional do Itatiaia: http://www.icmbio.gov.br/parnaitatiaia/guia-do-visitante.html

As fotografias desse relato foram tiradas pelo Augusto e por mim, vejam todas nos endereços abaixo:

Álbum de fotos Sandro: https://photos.app.goo.gl/vdJddxtRcKrg62Qs7

Álbum de fotos Augusto: https://www.flickr.com/photos/augusto08/sets/72157657864127928


Carta Topográfica

20100808002404.jpg

Abraços e boas trilhas.

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Sandro, que belo relato ::otemo::

Muita informação, técnica, histórica, de trilha, de geologia, fantástico! ::hahaha::

Vejo o abandono das trilhas como má gestão dos administradores. Se convidasse os montanhistas para trabalhar, muitos iriam, vide trilhas bem conservadas e sinalizadas no PP (sempre vou citar como um bom exemplo, porque merece), sem custo para o Governo.

Sobre os abrigos, lamentável seu estado, pois poderiam, além de gerar renda, também servir de apoio para emergencias ou mesmo como maneiras de fazer a travessia com pessoas inexperientes ou mais velhas, que ficariam livres de carregar barracas (sempre um peso a considerar)

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  • Membros de Honra
Sandro, que belo relato ::otemo::

Muita informação, técnica, histórica, de trilha, de geologia, fantástico! ::hahaha::

Obrigado Cacius!

O conhecimento precisa ser compartilhado. Quando as pessoas detêm o poder do conhecimento elas passam a valorizar mais o que é seu e assim as mudanças acontecem.

 

Vejo o abandono das trilhas como má gestão dos administradores. Se convidasse os montanhistas para trabalhar, muitos iriam, vide trilhas bem conservadas e sinalizadas no PP (sempre vou citar como um bom exemplo, porque merece), sem custo para o Governo.

Sobre os abrigos, lamentável seu estado, pois poderiam, além de gerar renda, também servir de apoio para emergencias ou mesmo como maneiras de fazer a travessia com pessoas inexperientes ou mais velhas, que ficariam livres de carregar barracas (sempre um peso a considerar)

Voluntariado especializado existe Cacius e faço questão de mencionar alguns grupos que sem os ótimos trabalhos efetuados por eles, pela paciência e persistência não teríamos "entre outras" as reaberturas das Travessias e da área de camping no Abrigo Rebouças.

 

Federação de Montanhismo do Estado de São Paulo – FEMESP.

 

Federação de Esportes de Montanha do Estado do Rio de Janeiro – FEMERJ.

 

Grupo Excursionista Agulhas Negras - GEAN.

 

Câmara Técnica de Montanhismo e Ecoturismo – CTME.

 

Academia Militar das Agulhas Negras – AMAN.

 

Conforme você poderá constatar nas ATAS de reuniões abaixo:

 

ATA da reunião da Câmara Técnica de Turismo de Montanha do Parque Nacional do Itatiaia – CTTM.

Em 16 de outubro de 2006.

“Informes sobre os projetos de travessias”.

http://www4.icmbio.gov.br/parna_itatiaia/admin/download.php?id_download=83

 

ATA da quarta reunião da Câmara Técnica de Montanhismo e Ecoturismo (CTME) do Conselho Consultivo do Parque Nacional do Itatiaia (CCPNI).

Em 04 de junho de 2009.

“Vistoria Técnica no Abrigo Macieira, feita pela SIEsp/AMAN em 14 de maio de 2009”.

http://www.icmbio.gov.br/parna_itatiaia/download.php?id_download=259

 

ATA da quinta reunião da Câmara Técnica de Montanhismo e Ecoturismo (CTME) do Conselho Consultivo do Parque Nacional do Itatiaia (CCPNI).

Em 01 de agosto de 2009.

“Reforma emergencial do Abrigo Massena e camping no Abrigo Rebouças”.

http://www.icmbio.gov.br/parna_itatiaia/download.php?id_download=261

 

ATA da 4ª Assembléia Ordinária do Conselho Consultivo do Parque Nacional do Itatiaia- CCPNI.

Em 11 de dezembro de 2009.

“MANIFESTO PÚBLICO - CBME / FEMERJ / FEMESP”.

http://www4.icmbio.gov.br/parna_itatiaia/download.php?id_download=270

 

Podemos constatar também a frustração desses grupos em virtude da apatia com que a administração do PNI trata as questões do montanhismo.

 

Abraço.

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  • Membros de Honra

Muito bom Sandro.

Gostei do relato misturado com um pouco de história.

 

É muito bacana entender como o PNI chegou ao que é hoje.

Já que por muitos anos ele foi um lugar somente para pesquisadores.

 

Que bom que hoje em dia podemos fazer essas travessias e ver que as coisas estão mudando aos poucos, mas pelo menos já é uma esperança.

 

 

Abcs

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  • 2 meses depois...
  • 1 mês depois...
  • 2 semanas depois...
  • Membros de Honra
Caramba! Depois da trilha você vasculhou os arquivos do parque? ::hahaha::

Onde você conseguiu tanta informação histórica?

 

Parabéns pelo seu relato, bem escrito e bastante completo!

Muito bom mesmo...

 

Abraços

Marco

Olá Marco.

Digamos que o estudo de história, geologia, biologia e outras ciências fazem parte natural do meu cotidiano. :wink:

 

Abraço.

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