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Cachoeira da Fumaça - Chapada Diamantina (Relato)


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  • Colaboradores

Aproveitando a "inauguração" do novo tópico sobre trilhas, vou colacar um texto que escrevi sobre a primeira trilha que fiz na vida, na Cachoeira da Fumaça, na Chapada Diamantina. O texto e a viagem já tem quase 10 anos! Desde então me empolguei com esse negócio de trilha e mochila! Relendo o texto achei até engraçado em ver como eu era mole e despreparado, rs. Se fosse fazer a Fumaça hoje novamente tudo seria diferente. E eu até gostaria de refazer essa trilha para curtir um pouco mais e sofrer um pouco menos. Mas são tantos novos destinos a conhecer e tão pouco tempo... quem sabe um dia. Quando eu escrevi esse texto nem sabia que esse site existia. Então não está muito no "formato" que a gente costuma utilizar aqui hoje, sempre cheio de dicas. É mais um relato pessoal daquela experiência. Porém, se alguém estiver a fim de encarar a Fumaça, ainda me lembro de muita coisa e depois voltei outra vez pra Chapada Diamantina pra fazer o Pati, então qualquer dúvida é só perguntar. Bom, segue o relato. Dêem um desconto nos exageros e reclamações, afinal eu estava começando, rs.

 

Abs

Lojudice

 

A Fumaça por baixo

“Não é fácil”. Esta é a frase-conselho que mais se houve dos nativos e turistas que já enfrentaram a “Trilha da Fumaça”, em Lençóis, na Chapada Diamantina. A caminhada de três dias passando por morros, vales e leitos de rios leva à queda da segunda maior cachoeira do país, com 460 metros de altura, e faz penar turistas com bom preparo físico e larga experiência em acampamentos e trekkings.

 

A aventura para a Fumaça começou em Lençóis, a “capital” da Chapada Diamantina, localizada no coração da Bahia. A região, que há menos de dez anos vivia do garimpo de diamante, atrai amantes da natureza vindos de todo o mundo, do Japão a Noruega, porém, paulistas e americanos ainda são a maioria.

 

É a partir da cidade que se pode conseguir grupos para chegar até a Fumaça. Existem duas formas de visitar a cachoeira. A menos difícil e mais utilizada é ver a queda por cima, onde o turista encontra facilmente um grupo em qualquer agência de viagens da cidade e a chega ao local em poucas horas. A outra, e muito mais interessante é ver a queda por baixo, em uma trilha que leva três dias e quase 40 quilômetros de caminhada.

 

Era justamente essa que eu queria. A dificuldade começou ao procurar pessoas dispostas a me acompanhar na aventura, já que eu precisava de um grupo para poder dividir as despesas da expedição. O jeito foi espalhar pela cidade inteira a notícia de que eu estava procurando um grupo para fazer a trilha da Fumaça por baixo. Agências, pousadas, bares, restaurantes e comércio em geral, não esqueci ninguém.

 

Depois de alguns dias de expectativa, a estratégia começou a dar certo e uma agência me avisou que um paulista também estava procurando um grupo para a trilha. No mesmo dia fui apresentado ao Fernando e antes mesmo de começarmos a sonhar com a trilha fomos avisados que um casal de australianos e uma japonesa, que tinham acabado de chegar na cidade, também queriam fazer o trekking.

 

Depois de termos sido apresentados ao casal Paul e Lyane e a japonesa Momo, combinamos de sair depois de dois dias. Partimos às sete horas da manhã de uma quarta-feira de sol. Cada um com cerca de 15 quilos nas mochilas que carregavam equipamentos de camping, roupas e comida. Dois guias nos acompanhavam.

 

O início foi fácil, estávamos todos descansados e começamos andando por um bosque. A caminhada de uma hora e meia foi interrompida para um banho no Ribeirão do Meio, uma cachoeira em forma de escorregador natural que ajudou a recompor o fôlego para a parte “pesada” do primeiro dia da trilha.

 

Logo que saímos do Ribeirão já começamos a subir o Morro do Veneno. O guia alertou logo de cara: “Não olhem para cima”, mas esse é o tipo de conselho que ninguém resiste a não seguir. A visão era desalentadora, não conseguíamos ver o fim da subida. O morro, coberto de cascalho, tinha uma vegetação que se alternava entre a caatinga com seus cactos e o cerrado, com arbustos pequenos e galhos retorcidos.

 

O nome, Veneno, foi dado pelos antigos garimpeiros, em virtude das cascavéis que freqüentavam o lugar. Os turistas, porém, atribuíram um novo significado: “subir isso aqui é um veneno para qualquer um”, dizia Carlinhos, um dos guias. Foram três horas de subida sob um sol escaldante. Mas poderia ser pior, na chuva o lugar fica um sabão, diziam os guias.

 

A subida do Veneno foi ruim, mas pior foi saber que teríamos que descê-lo pelo outro lado. Antes, porém, paramos para comer um delicioso pão com queijo e goiabada de sobremesa... A fome disfarçava bem o sabor real do sanduíche.

 

Meia hora de descanso e começamos a descer até o Vale da Capivara, para então começarmos uma nova subida, dessa vez pelo morro da Toca da Onça, no meio de um matagal que batia no peito e não nos deixava ver o caminho pelo qual pisávamos. Os guias eram obrigados a responder uma dúvida que inquietava a todos: “tem muita cobra nessa região?”. A resposta era sempre negativa, mas sempre ficávamos com a sensação de que essa não era toda a verdade e por isso alguém sempre repetia a pergunta depois de cinco minutos.

 

Ao chegarmos no pico do monte descansamos alguns minutos para iniciarmos uma nova descida. Os 15 kg iniciais das mochilas já pareciam mais de 100 kg. Após três horas de sobe e desce, chegamos enfim ao Vale do Palmital, era por ali que seguiríamos quase que por uma linha reta até a Fumaça.

 

Antes, porém, paramos para um mergulho na cachoeira do Palmital. O dia já avançava pelas quatro da tarde, o sol continuava nos acompanhando, a água da cachoeira, porém, mais parecia gelo recém derretido, o que de certa forma era bom para esfriar um pouco o calor provocado pela trilha.

 

Retomamos nosso caminho pelo leito do rio, e mais duas horas foram suficientes para chegarmos a Última Toca, onde passaríamos a noite acampados. O abatimento era geral, todo mundo reclamava de dores e cansaço. O pior eram os joelhos, depois de tanto sobe e desce achei que os meus nunca mais voltariam a ser os bons e velhos amortecedores que tinham sido até então.

 

Montamos o acampamento no meio do mato, um pouco afastado do rio para evitarmos uma surpresa com uma tromba da água. Tomamos banho no riacho que resulta da queda Fumaça, já ansiosos por vê-la no dia seguinte. O jantar ficou por conta dos guias e comemos um delicioso frango na brasa com macarrão e arroz piemontese... Novamente o paladar foi prejudicado pela fome desesperada que sentíamos após o dia extenuante. Deitamos cedo, o que não quer dizer que dormimos: o desconforto do acampamento e a ansiedade não deixaram ninguém dormir direito.

 

No dia seguinte todo mundo acordou cedo para o café, feito com água do rio. As dores e reclamações da noite anterior já tinham passado e todo mundo estava louco pra chegar no pé da cachoeira. Esse dia foi o mais tranqüilo de todos, pois não precisamos carregar as mochilas. Deixamos o acampamento montado e seguimos por duas horas pelo Vale da Fumaça, cruzando pela Mata dos Duendes, onde muitos turistas afirmam ter visto os anõezinhos.

 

A mata fechada não nos deixou ter uma visão da cachoeira até estarmos praticamente nela. Quando chegamos, porém, entramos para um seleto clube de seres humanos que vislumbraram uma das vistas mais bonitas do Brasil.

 

Com seus 460 metros de queda a cachoeira era estonteante e causava vertigem só de olhar para cima. A queda era um pequeno fio d’água, que não tinha volume suficiente para cair até o solo, formando um véu que chegava no chão praticamente como uma névoa. Mas o melhor de tudo era a sensação de ter conseguido chegar até ali. Nos instalamos em uma pedra e fomos nadar no poço que se formava na queda. O pequeno lago mais parecia uma enorme xícara de chá mate, por causa da coloração escura causada pelo minério de ferro presente no leito.

 

Só de olhar já dava para desconfiar que a água era gelada, já que por causa dos paredões em que a cachoeira se formava, o sol batia ali apenas por poucos minutos durante o início da manhã. Porém, a temperatura do lago estava muito pior do que eu poderia imaginar... nunca tinha nadado em uma água tão gelada, a ponto de após alguns minutos não sentir as pernas por causa do frio.

 

Ficamos por umas três horas ali embaixo, apreciando a paisagem e tirando fotos. Após um breve lanche, voltamos para o acampamento pelo mesmo vale que tínhamos vindo. Passamos o resto do dia descansando e reunindo forças para subir mais um morro, o pior de todos, no dia seguinte.

 

Como nesse dia o cansaço havia sido menor, à noite conseguimos nos reunir para conversar um pouco em volta da fogueira e olhar as estrelas. O céu estava maravilhoso, mas aos poucos as nuvens começaram a tomar tudo e em pouco menos de uma hora começou uma chuva que duraria a noite inteira e atrapalharia o sono de todos, depois de inundar as barracas.

 

Acordamos no dia seguinte ainda com chuva e preocupados com o caminho, que deveria estar escorregadio por causa d’água. Mas, antes mesmo de começarmos a andar a chuva já havia parado. Iniciamos então a subida do Morro do Macaco, a parte mais temida e difícil de toda a trilha.

 

O monte tem esse nome porque em seu cume tem uma enorme cabeça de um primata esculpida pela natureza. Porém, assim como no Veneno, os turistas justificam o nome de outra forma: para subir o morro é necessário andar como um macaco, ou seja, praticamente de quatro, sempre com o apoio das mãos no chão.

 

A subida foi traumática. Caminhávamos por uma trilha escorregadia e com pedras soltas ao lado de um precipício. A mochila, novamente nas costas depois de um dia de descanso, incomodava e atrapalhava ainda mais a escalada. Após quatro horas de tensão chegamos enfim a um planalto onde conseguimos caminhar normalmente, havíamos vencido o Macaco. A vontade de gritar era irresistível e o eco e o vento ajudavam a espalhar nossas vozes por todo o vale.

 

Não precisamos caminhar muito para chegarmos novamente a Fumaça, dessa vez pelo lado de cima. Ali, pode-se deitar nas pedras e colocar a cabeça no precipício, avistando o lago lá embaixo, onde havíamos nadado no dia anterior. As chuvas durante a noite haviam aumentado a vazão da queda, e neste dia o véu já se constituía numa cachoeira de verdade, com a água caindo diretamente no poço.

 

Depois de muitas fotos começamos a descer o morro em direção a uma das paisagens mais lindas da região, o Vale do Capão. A descida mais parecia uma avenida, comparada às trilhas que enfrentamos nos dias anteriores, o que facilitava a observação da paisagem e da linda vegetação cheia de flores.

 

Depois de três dias, a chegada no Capão foi de uma alegria fantástica, por tudo o que tínhamos visto e vivido, e principalmente por aquela sensação de que todo mundo que gosta de trilhas já sentiu um dia e que pode ser traduzida em duas palavras: “eu consegui”!

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  • Membros

Parabéns, lojudice! Belo relato!

 

Foi minha primeira trilha também, mas fiz saindo do vale do capão e retornando para o mesmo, dando uma volta em torno de todo o Vale da Fumaça. Foram 3 dias também.

Não tenho costume de fazer relatos sobre minhas viagens, após ler o seu vou passar a fazer os meus também.

Deve ser engraçado ler o que escrevemos após alguns anos.

hehehe...

 

Grande abraço

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  • Colaboradores

Luciano,

 

É engraçado mesmo. Principalmente pq como foi a primeira, rolou um sofrimento absolutamente desnecessário por desconhecimento de várias coisas, falta de equipamento e preparo físico. Isso deu um tom dramático ao relato, rsrs. Quem não conhece pensa que a dificuldade é a do Everest, rs.

 

Abs

Lojudice

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  • 2 semanas depois...
  • Membros de Honra

Desde a primeira reportagem que vi da Fumaça, há uns bons 15 anos, tenho vontade de conhecer. Há outro relato por aqui de alguém que fez ela por baixo (Ram_Alen? PAulo Motta?) e eu achei fantástico. Só falta umas fotos, certo, lojudice?

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  • 5 semanas depois...
  • Membros

Muito interessante seu relato, parabéns.

 

Estou indo para a chapada agora em outubro, somos um grupo de 4 pessoas, dois, eu e mais um, temos curso de sobrevivência na selva com o pessoal do COE - Comando de Operações Especiais, em busca e salvamento na selva, porém tenho uma dúvida:

somente podemos fazer essa trilha com guias ou podemos ir só?

 

obrigado

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  • Colaboradores

Danilo,

 

Acho que é fria se meter ali sem guia. Talvez um gps e algumas clareiras até te mostrem a maior parte da trilha. Mas o problema é o conhecimento do local que só os guias tem. Isso implica em saber qual o melhor ponto para atravessar um rio, qual trilha escolher porque o mato estará menos fechado, reconhecer uma possível tromba d'água (tem gente que morre lá por causa disso), dentre outros vários problemas que você poderá ter por lá. Como vocês estão em 4 pessoas e vão na baixa temporada, um guia ali não vai sair caro e é um ótimo investimento pra poder curtir a trilha com tranquilidade. Se você quiser, posso até te indicar o guia que foi comigo. Ele é muito gente boa, conhece trilhas na Chapada que não são tão famosas, mas valem a pena, e ainda vai contado histórias engraçadas o caminho inteiro. Ele chama Carlinhos e o celular dele é o (75) 9966-1168.

 

Abs

Marcelo

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  • 4 meses depois...

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