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A travessia Colonia Suiza - Pampa Linda - o lado selvagem de Nahuel Huapi


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O trajeto Colônia Suiza – Pampa Linda é a mais selvagem das longas trilhas habilitadas do Parque Nacional Nahuel Huapi. São 5 dias em que não se vê gente ou se vê pouca gente. Em alguns trechos não há trilha e temos pouca sinalização. A travessia foi tranquila porque tive a sorte de pegar uma janela de tempo bom. É muito bela, fazendo jus a fama crescente e a propaganda boca-a-boca que corre nos hostels de Buenos Aires.

 

Anexando algumas fotos antes do relato:

 

Vista a partir do deságue da Laguna Lluvú ou CAB: cerro bailey Willis ao fundo, por onde descemos vindo da Laguna Negra (começo do 2º dia).

 

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Laguna Lluvú ou CAB com o cerro CAB ao fundo.

 

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Corrego Lluvuco (deságue da laguna Lluvú).

 

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Vadeando a laguna Lluvú, logo antes da camera cair na água (última foto desta fiel companheira de 7 anos).

 

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Posto a seguir o relato.

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Travessia Colônia Suiza – Pampa Linda.

 

06/03/2012

 

Saindo de El Bolsón cheguei em Bariloche e fiquei na Hospedaje Victoria, na Av. Mitre. AR$ 100, quarto simples, sem café da manhã, mas com banho privado.

 

Primeira coisa: um bom banho quente. Depois tirei as coisas da mochila para secar. Em seguida fui para a rua fazer o supermercado (ressuprimento). De noite o meu critério para escolher o restaurante foi a jarra de chope (1,5 litros) em promoção por AR$ 38. Costelas de cordeiro para comer.

 

07/03/2012

 

Acordei e arrumei a mochila. Como o ônibus para Colônia Suiza só saía onze horas, fui para o CAB (Centro Andino Bariloche) ver a previsão do tempo (ótima para os próximos 4-5 dias!) e fazer o registro de trekking na sede administrativa do P.N. Nahuel Huapi (perto do Centro Cívico). Lá a guardaparque apenas me alertou que antes de chegar a Pampa Linda o rio Alerce possivelmente estaria alto. Para atravessá-lo seria necessário vadear com água pela cintura e a mochila erguida acima dos ombros.

 

Com o registro em mãos, fiz mais um pequeno supermercado e sai para a hospedaje onde paguei a conta. O ônibus para Colonia Suiza lotou e viajei em pé. Saltei no começo da trilha cerca de uma hora depois (12:20) Já conhecia esta trilha de 2007 (vide “Trekking e trapalhadas na neve”). O sendero para laguna Negra é bonito e tranquilo. Apenas a parte final, o Caracol, é mais pesado.

 

Dia lindo, um prazer caminhar dentro da floresta de Coihues, na margem direita (verdadeira) do arroyo Goye. Vários pontos bonitos para acampar. Reconheci o local em que acampei em 2007 (campamento Manolo).

 

Consegui subir o Caracol (trilha em zig-zag) em 1 hora, bom tempo considerando a mochila (algo como 20 quilos). A mochila Bora 80 sempre responde muito bem a cargas pesadas. No trajeto todo levei 3h:40 min, chegando no topo as 16 horas. O livro “Sendas y Bosques de Bariloche” estima de 4 a 5 horas.

 

No refúgio não estava a Natália (Vide a “Travessia do Nahuel Huapi”) eram outros os refugieros. Achei-os um tanto displicentes. Pedi para que me avisassem se havia alguém mais acampado lá querendo fazer o mesmo roteiro, para juntar forças. Mesma coisa que nada ter pedido isto para eles...

 

Armei a barraca, tomei um banho na laguna e deixei a roupa secando (apenas molhei-a). Especialmente para as meias é importante passar uma água para eliminar a sujeira grossa. Eu viajo com 3 pares. Assim sempre tenho uma seca. Sol bom, fiquei lendo nas pedras a beira da lagoa.

 

Mais tarde preparei a janta. Um olho na comida e outra nos arredores para ver se aparecia um camundongo mais atrevido. Não podemos deixar a comida exposta, sem vigilância, por mais de 2 minutos sem o risco de um deles roubar ou morder algo.

 

Depois fui para o refúgio beber uma cerveja artesanal e examinar as fotos que eles tinham do trajeto Laguna Negra - Pampa Linda. Na verdade eram fotos do Google Earth com o traçado da rota em hidrocor. Procurei memorizar o que via. Saí de lá no escuro e fui para a tenda dormir.

 

08/03/2012

 

Noite tranquila. Acordei cedo, desarmei a barraca e arrumei a mochila. De onde estava vi um casal do outro lado da laguna, contornando-a, indo rumo ao Cerro Bailey Willis. Provavelmente fazendo a travessia do Nahuel Huapi, indo para o refúgio López (penúltima etapa). Deviam ser ingleses, pois estavam acampados numa tenda da marca Terra Nova.

 

Feita a mochila, parti. Trajeto fácil até o cerro. Alcancei o pessoal na crista, onde é usual fazer uma parada para descanso, após a subida, e contemplar o Tronador. Conversei com eles e para minha surpresa iam fazer também o mesmo roteiro. Eram o Nigel (holandês) e a Sally (inglesa). Um casal muito simpático. Disseram que souberam da trilha num hostel de Buenos Aires. Os refugieros não me avisaram que eles pretendiam ir para Pampa Linda.

 

Começamos a descida para o vale do arroyo Brazuco. Primeiro por um carreio de terra e pedra até um pequeno platô formando uma bacia, caminho marcado por pircas. Depois uma descida mais íngreme no meio de uma floresta (já abaixo da linha das árvores). A descida não é difícil mas exige atenção para não escorregar na terra. Provavelmente os tombos são inevitáveis depois de uma chuva e terra molhada.

 

Sally descia lentamente com receio do escorregão. Eu me adiantava e esperava-os adiante. Depois de vários dias fazendo trekking eu estava muito bem de forma física, assim podia desenvolver um bom ritmo. Apesar do Nigel ter dito para ficar a vontade e ir em frente, para não me atrasar, não segui em frente. Se formamos um grupo é interessante não ficarmos afastados, pois no caso de uma torção do pé ou algo assim estamos juntos para ajudar ou sermos ajudados. E, afinal, não estava numa competição ou corrida de aventura.

 

Ao pé da ladeira, depois de quase uma hora de descida desde a crista, o arroyo Brazuco (se fosse Brazuca colocava uma Bandeira do Brasil no local!). Estudei o melhor lugar para passar. Não era um arroyo grande, difícil de cruzar. Apenas escolher o melhor lugar para não molhar as botas. Descobri um ponto um pouco rio acima e atravessamos. Me agachei para beber água. Nisto escorreguei numa pedra com limo e caí de bunda. Desci um morro inteiro sem escorregar e caio de bunda num córrego! As pedras de um rio sempre merecem atenção.

 

Retomamos a trilha do outro lado, que continuava descendo, agora na margem direita verdadeira do Brazuco. Com 15 minutos alcançamos o encontro com o arroyo La Chata. O nome é devido ao fato de que Camilo Goye, que tinha uma fazenda na região, fez ali um abrigo onde o teto era uma chata (embarcação), invertida. Não resta nada desde abrigo.

 

Logo antes de chegarmos na margem algo curioso. Num galho, pendurados, uma camisa verde (marca Rip Curl), meias, cuecas e uma bermuda secando. Alguém acampando ou nadando, pensei. Mas não encontramos ninguém. Estranho... Fiquei de reportar isto para os guardaparques em Pampa Linda. Ou foi esquecimento ou alguém se acidentou e não pode recuperar suas coisas. Mas esquecer as roupas?!

 

Cruzamos o rio pouco abaixo da junção com o La Chata. Paramos na outra margem para um lanche. Era cerca de meio dia. No local havia indício de acampamentos, creio que de pescadores. Havia lixo amontoado em local onde foi feita uma fogueira (duas infrações!). A margem era ocupada por um bosque de caña colihue.

 

Marcas vermelhas indicavam a continuação da trilha. A primeira parte através da floresta é mais inclinada, passando por cima de vários troncos. Cansativa. Depois de meia hora saímos num descampado, de vegetação rasteira. O livro explica que a diferença em relação a vegetação da outra encosta do vale (por onde descemos, com muitas árvores) é devido a maior exposição ao sol. A encosta onde estávamos, lado Sul, é muito mais exposta ao sol.

 

Em todo o caso, parte da encosta oposta, do Cerro Bailey Willis, estava claramente deflorestada por um antigo(?) incêndio. Os troncos queimados eram ainda visíveis.

 

A Sally me perguntou se eu era guia de montanha, pois achava que conhecia bem a região e andava bem rápido nas ladeiras. Disse-lhe que apenas gostava muito de trekking. Quem sabe no dia em que me aposentasse, mas aí já estaria muito velho para a atividade...

 

Subíamos em direção ao arroyo Lluvuco, o deságue da Laguna Lluvú (ou CAB), que descia a encosta a nossa direita. No caminho encontramos um casal baixando, as únicas pessoas que veríamos até chegar na Laguna Ilón (4º pernoite). Ele com o braço estendido para trás, segurando a mão da mulher. Parecia que a mulher estava com receio daquela descida fácil. Fiquei observando achando que o homem poderia acenar pedindo ajuda se acaso ela estivesse passando mal. Mas não foi o caso. Apenas acenou e continuamos subindo.

 

Antes de chegarmos as margens do Lluvuco um pequeno deslizamento de terra obrigando a contornar a trilha original. Nas margens do rio subimos pela margem direita (verdadeira). O rio tinha um escorrega nas lajes que nem o de Mauá, porém este era mais radical, um escorrega suicida.

 

Em determinado ponto a trilha entra no leito do rio e subimos entre as pedras e ilhotas até que atravessamos para a margem esquerda e dali mais 10 minutos alcançamos um platô de lengas arbustivas com vários pontos para acampar. Alguns metros adiante a laguna Lluvú

 

Sentamos na margem da bonita laguna Lluvú para comer sanduíches e observar o Cerro CAB, do outro lado, tentando visualizar o caminho que teríamos de subir no dia seguinte.

 

Não existe trilha para contornar a lagoa. É necessário vadeá-la junto a margem esquerda ou direita até o seu lado Noroeste onde há outra área de acampe e a trilha continua.

 

Sugeri que ainda hoje vadeássemos a laguna e acampássemos do outro lado, para ganhar tempo. Ainda era cedo (cerca de 2 da tarde).Também disse que não gostaria de começar o dia seguinte com os pés na água gelada, pois a manhã sempre é mais fria. Além de tudo, ganharíamos meia-hora no trajeto. Eles aceitaram minha sugestão.

 

Fomos pela margem direita, como sugerida pelo livro, pois é mais perto. A caminhada é fácil, pois o fundo normalmente é arenoso e a água fica abaixo dos joelhos. Mas ao final dos 20 a 30 minutos, seus pés já estão bem frios!

 

Botamos as botas ou amarradas na mochila ou, no meu caso, em volta do pescoço, com uma amarrada a outra pelo cardaço. O único problema era um cheiro desagradável que eu não sabia da onde vinha... No meio do trajeto, Nigel e Sally me pediram para tirar uma foto dos dois. Afinal era algo meio inusitado aquela travessia. Calças arregaçadas, vadeando por um lago.

 

Saquei várias fotos dos dois. Decidi também tirar uma foto daquela travessia com a minha máquina e pedi para Sally sacar a foto. Ela tirou e na hora de me passar a máquina ela caiu na água. Tirei-a rapidamente do fundo da laguna mas um fio de água escorreu de dentro dela indicando que estava inundada. Agitei-a para tirar o grosso da água e mantive-a na mão até chegar na outra margem. Sally pediu desculpas, mas não era culpa dela. Esta passagem de equipamentos delicados de mão para mão deve ser muito cuidadosa e uma pequena distração resulta nisto.

 

A minha foto na laguna foi a última foto desta máquina. Assim as demais fotos que postar são aquelas cedidas pelos companheiros de jornada.

 

Já do outro lado, pendurei a máquina numa placa que dizia laguna Lluvú. Tirei logo a bateria e o memory stick. Calcei as botas e fui procurar por onde a trilha seguia. Achei-a do outro lado de um córrego que alimentava a laguna. Logo depois, locais de acampe. Parecia que havia um abrigo no passado, entre os arbustos de lengas. Muito espaço para armar tenda. Mas também muito mosquito.

 

Antecipamos a janta. Devido aos mosquitos, Sally pegou um saquinho de roupas confeccionado com com uma tela fina e colocou-o invertido por cima do chapéu e ficou com um chapéu de apicultor perfeito! Anotei a ideia. Preciso de um item multipropósito assim!

 

Tomamos banho no córrego. Até o momento, 9 dias acampado, não fiquei sem banho um dia sequer.

 

Crepúsculo lindo na laguna, com o sol se pondo atrás do Cerro Bailey Willis. A água estava um espelho. Pena que não tinha mais a câmera! Estava em processo de secagem. Não fiquei tão aborrecido pela queda da máquina na água pois ela já tava velhinha: tinha 7 anos e apenas 7 megapixels. Estava meio que na hora de comprar outra. Lançaram modelos recentes outdoor, com o dobro de megapixels e a prova d'água!

 

09/03/2012

 

Hoje seria o dia mais difícil. Teríamos a subida do Cerro CAB e do Cerro Cristales até chegarmos em nosso destino, Laguna Crettón.

 

Após o bosque de lengas entramos num mallín onde a trilha era indicada por estacas finas. O caminho passa a subir por um empedrado com marcas vermelhas pintadas em algumas pedras, fraldeando o cerro CAB rumo Sul – Sudeste. Chegamos na crista, a esquerda do pico do cerro CAB, em cerca de uma hora. Eles tiraram fotos. Do outro lado se via, imediatamente embaixo, direção Sul, o começo do vale do arroyo Claro. Na verdade seguiríamos fraldeando o cerro CAB, agora por trás, rumo Sudoeste, para um contraforte por onde se baixa para o mallín Mate Dulce.

 

Baixamos por uma canaleta, a partir do qual iniciamos a jornada por um talus de grandes pedras. Mais adiante temos um lajeado. Algumas grandes marcas, como se fossem um alvo pintado em vermelho nas rochas, indicam a direção geral, além de uma série de pircas.

 

Quando estamos imediatamente ao Sul do pico CAB algum cuidado é necessário. As pircas conduzem para um precipício, caminho errado, exceto para escaladores que queiram descer por aquele atalho, possivelmente rapelando. A fotocópia do livro que eu possuía alertava que deveríamos seguir contornando a montanha, rumo Oeste, até chegarmos a um contraforte que baixava mais suavemente rumo Sul, para o mallín Mate Dulce. Assim fizemos. Lá embaixo notamos que a trilha indicada pelas pircas, que evitamos, era uma descida realmente difícil, quase vertical, por um diedro estreito, especialmente com uma mochila pesada nas costas.

 

Lanchamos antes de atingirmos o mallín. Tentamos descobrir por onde subiríamos o Cristales, com ajuda de um monóculos. O mallín tem locais adoráveis para acampar e tomar banho (embora não permitido). Ali você tem mais de uma opção para subir o cerro Cristales, o que de início causa dúvidas. A esquerda, uma crista aparenta ser o caminho mais direto e empinado para o passo, mas também aparenta ser mais exposto. O da direita, por um contraforte do cerro, mais suave porém mais longo. Sally deu a deixa ao dizer que a subida da direita era uma “gentle slope”.

 

Subida mais acentuada no inicio e que depois fraldeava o cerro mais suavemente até atingir um primeiro passo, onde se encontrava com a crista que era a outra opção de subida. Descansamos e vimos a grande distancia percorrida desde o dia anterior, baixando do Bailey Willis.

 

Continuamos fraldeado para a esquerda do Cristales deixando para cima e para trás o pico. O terreno, agora pura rocha, era mais acidentado, exigindo algum cuidado, mas nada de escalada. Alguns poucos manchões de neve eram visíveis. O passo não era exatamente no colo, ponto mais baixo da crista entre o cerro Cristales e o cerro Bonete. Mas não havia dúvida que era ali, pois a trilha continuava baixando pelo outro lado. Nigel reparou que ainda havia pircas que continuavam adiante pela crista, como que indicando que a descida seria mais ao Sul. Mas a marcas oficiais do parque, pinturas vermelhas, estavam ali.

 

Iniciamos a descida íngreme com os bastões de trekking na máxima extensão. Primeiro um scree e terra solta, exigindo cuidado, e depois pedras. Num ponto a trilha parecia sumir e havia aparentemente várias opções para descer, todas ruins, por pequenas canaletas úmidas e gramadas, onde escorriam filetes d'água. As descidas eram empinadas. Eu desci na frente e avisei a Sally e Nigel que eles precisariam usar pés, mãos e bunda. Cortei o dedo numa pedra mais afiada.

 

Finalmente lá embaixo, descansamos num platô de onde ainda baixaríamos mais um pouco até o fundo do vale. Entendi porque haviam mais pircas na crista: mais ao Sul a descida ficava bem mais suave por um scree/terra que provavelmente permitiria descer deslizando. Não sei se ao continuar na crista Cristales-Bonete, mais um pouco rumo Sul, encontraríamos passagens difíceis, mas provavelmente vale a pena. Fica a sugestão para os leitores que tentarem esta travessia.

 

Lá embaixo caímos num mallín chato que encobriu as botas com lama. Errei numa primeira subida para a laguna Crettón. Na verdade era um trecho com erosão que parecia uma trilha. Várias pegadas indicavam que diversas pessoas erraram o caminho. Inclusive um headphone de iPod estava no chão, arrancado pelos galhos das lengas baixas que fechavam o caminho adiante.

 

Finalmente descobrimos a subida certa e cheguei com fome e exausto na laguna Crettón. Fica no circo entre o cerro Bonete (2.257 m) e a arista para o cerro Punta Negra (2.166 m). Não havia lugares abrigados para acampar no platô onde estava a laguna. Procuramos mas nada agradou. Resolvemos descer.

 

Encontrei o local de acampe num bonito bosque de lengas baixas. E através de uma pequena trilha através da matinha cheguei a beira do rio (arroyo Victoria (?)) que deságua da laguna Crettón. Lá havia uma maravilhosa cachoeira com um poção de águas cristalinas. Um dos locais mais bonitos que já vi na Patagônia! A vista para o Norte era o Brazo de la Tristeza do Nahuel Huapi, para onde se dirigia o arroyo.

 

Depois que armei a tenda fui tomar um banho lá. Foi um dia bem duro, cerca de 8 horas de caminhada puxada. Partimos 8:30 da manhã da laguna CAB e chegamos aproximadamente 16:30 na laguna Crettón.

 

Fiz a janta e depois fui procurar o Nigel e a Sally pois cada um resolver descer da laguna por um lado do rio e acabamos nos desencontrando. Eles resolveram acampar no platô da laguna. Deixaram de montar a tenda deles num cercado de pedras para ceder o espaço para montar minha tenda, tipo túnel. Disse-lhes que já havia achado o local indicado pelo livro rio abaixo. Achei o local meio ventoso. Nenhum de nós estava disposto a desmontar e remontar a barraca em outro local. Assim acampamos em lugares distintos.

 

No dia seguinte eles iriam partir cedo, direto para Pampa Linda. Não iriam pernoitar na Laguna Ilón (pernoite sugerido no guia). Como pretendia ficar nesta laguna, não precisaria acordar cedo. Nos despedimos e talvez pudéssemos nos reencontrar em Pampa Linda ou no refúgio Otto Meilling.

 

10/03/2012

 

Enquanto desmontava a barraca vi a silhueta de Nigel e Sally na crista rumo a laguna Azul. Deviam ter saído uma meia hora antes. Teria sido um prazer ir com eles mas estava cansado e queria realmente acordar mais tarde. E também tínhamos planos diferentes. A laguna Ilón não era distante e queria pernoitar ali enquanto eles iriam para Pampa Linda (posteriormente soube que na continuação da viagem eles subiram os vulcões Villarica e o Lanin).

 

Parti quase 10 horas. Subi para o platô da laguna Crettón e dali, ao invés de rumar para ela, dobrei para a direita, subindo o filo que liga o cerro Bonete a outro filo, que por sua vez liga o cerro Punta Negra ao cerro Capitán. Estava acima da linha das árvores. A subida é suave. Com meia hora atingi o mirante da laguna Azul (também conhecida como Callvú) majestosamente assentada num vale glaciar ao Sul do mirante. Lindíssima laguna de águas de um perfeito azul. Apenas nas margens rochosas o tom verde dado pelas pedras no fundo e, logo depois, o azul escuro, indicando águas profundas. No lado Leste da laguna um paredão de rocha na encosta do cerro Bonete. Não havia praia neste lado. Do lado Oeste uma pequena floresta interrompida por grandes rochas e uma pequena península. Umas áreas abertas indicavam locais de acampe. A descida para a laguna é abrupta mas é possível. O mapa indicava inclusive uma trilha que sai do deságue da laguna e vai até o rio Manso, ao Sul, que desemboca no lago Mascardi.

 

A andada pela crista é magnífica. Meia hora depois a pequena laguna Jujuy, também a esquerda da trilha, no formato de um “y” mal feito, com águas cor de cimento. No pequeno riacho de deságue desta laguna cercas de pedra indicavam que pessoas acampam ali. Finalmente, com mais 20 a 30 minutos de subida, atingimos o passo entre o cerro Punta Negra e o cerro Capitán, ultimo passo desta travessia. Uma vista muito ampla para o Tronador e suas grandes geleiras. Os picos Internacional e Argentino do Tronador bem visíveis neste dia ensolarado e agradável.

 

La embaixo o mallín de Ricardo, onde vi o Nigel e Sally parados, provavelmente lanchando, a beira de um riacho (o deságue do mallín). A Noroeste consegui ver uma coluna de fumaça saindo do vulcão Puyehue, o mesmo que assisti a uma erupção dezembro de 2011 (vide relato). Só que agora o vento soprava para Sudoeste, levando a fumaça e as cinzas para longe.

 

Do monóculos consegui ver o que pareciam ser 3 construções na encosta do Tronador, perto do glaciar Castaño Overo. Deveria ser o refúgio Otto Meilling. Não dava para ver ainda a laguna Ilón pois ficava escondida atrás de um contraforte do cerro Punta Negra.

 

Desci para o mallín. Lá a marcação é ruim. Os paus que marcam a direção estavam caídos, derrubados pelo vento. Mas não foi difícil adivinhar a saída, junto ao deságue deste brejo, numa margem onde há um empedrado. Pircas de pedra confirmaram que ali continuava a trilha. Parei também para almoçar.

 

Com mais uma hora e meia atingi a laguna Ilón. O trecho é mal sinalizado mas não há muito como errar o caminho. Na dúvida escolha à esquerda e descendo. Cheguei a tempo de ver entre as árvores a Sally e o Nigel ao longe, na praia da margem Sudeste da laguna, preparando-se para sair. Ao chegar lá já haviam partido.

 

Passei pelo refúgio Papá Manuel. Tinha 3 por 4 metros e telhado bem inclinado, para não acumular neve. Paredes de tabuas pintadas de branco. A porta e as janelas são amarelas. Parece uma casa de boneca. No frontispício o símbolo do CAB, um brasão com uma piqueta (modelo antigo) e um ski entrecruzados. Dentro 4 beliches ao redor de um fogão de ferro batido. Como deve ter sido trabalhoso carregar o fogão até ali.

 

Embora fosse bonita a floresta de coihues onde ficava o refúgio e houvesse espaço de sobra para acampar, decidi ir adiante, pois não havia uma praia boa. Cruzei o rio onde uma ponte mais atrapalhava que ajudava a atravessar, pois as madeiras de suporte da ponte dificultavam a passagem com uma mochila.

 

Na praia, mais adiante, descobri outra área de acampe entre as árvores e, logo depois, mais afastado da margem , uma clareira com gramado, bem abrigada dos ventos e que oferecia privacidade. Lá montei a barraca.

 

Voltei para a praia para um banho de lagoa. Lá chegou um casal argentino que veio de Pampa Linda e voltaria logo em seguida. Pela distância é possível ir e voltar no mesmo dia. Pessoal simpático, casal jovem passando as férias. Demoraram para chegar porque se perderam um pouco num mallín ao Sul do cerro del Viento. Queriam ir ainda para a Punta Mirada del Doctor, um mirante no cerro Mar de Piedras, ao Norte da laguna Ilón. Mas pelo horário não dava mais tempo (mais ou menos 45' de caminhada dali). O rapaz ainda tomou banho na lagoa. Uns mosquitinhos pequenos enchiam o saco. E a praia cheia de um besouro verde fedorento (que temos também aqui no Brasil). Fora isto era o paraíso. Os insetos foram criados para lembrar que não há um paraíso perfeito na Terra. Também tomei um banho. Não vale a pena nadar para longe da margem porque a água fica bem mais fria. O sol lembrava um dia de verão no Brasil. Mas a Oeste a visão nevada do Tronador lembrava que estávamos bem afastados dos trópicos.

 

Depois deitei um pouco na tenda para ler. Da barraca ouvi que chegaram mais pessoas na laguna. Encontrei-os mais tarde ao buscar água para fazer a janta. Era uma família com os pais e três filhos que iriam passar a noite ali em duas barracas. Estavam bebendo um mate a beira da lagoa. Tomei outro banho e depois peguei água num córrego que alimentava a lagoa.

 

Foi um dia belíssimo, o mais bonito dos cinco dias da travessia pelas vistas grandiosas. Inesquecível a caminhada fácil pelo filo com vistas maravilhosas em cada lado.

 

11/03/2012

 

Acordei sem saber ao certo qual seria o meu pernoite hoje. Se iria só até Pampa Linda e ali ficava ou seguiria de Pampa Linda para o Refúgio Otto Meilling, nas encostas do Tronador (mais 4 horas de caminhada montanha acima).

 

O tempo fechou e começou a chuviscar (llovizna). Isto ajudou na decisão: iria apenas até Pampa Linda pois o atrativo do refúgio era a vista e com o céu nublado daquele jeito eu não veria nada. Da praia já não enxergava direito o Tronador, envolvido nas nuvens.

 

Desarmei rápido a barraca e metia-a na bolsa canguru (o que permite você colocá-la por último na mochila. O caminho para Pampa Linda é fácil e agradável no início. O mallín, ao Sul do Cerro del Viento, onde o casal se perdeu, era fácil de atravessar, grande (tamanho de 5 quadras de futebol oficiais) e bonito. No sentido contrário (subindo para a laguna Ilón) de fato é mais difícil visualizar a saída do mallin – a entrada do bosque, porque caiu a placa que havia lá.

 

Pouco depois a trilha começa a descer para o vale de Pampa Linda, de forma abrupta. Com a chuva, exigia cuidado na descida. A vista para a Garganta del Diablo, a Noroeste, era espetacular. Cinco ou seis cascatas caindo do glaciar colgante. As nuvens e a chuva davam um ar misterioso e bonito. Já quase embaixo a trilha ficava menos acentuada. Um ponto de tomada de água e uma tubulação de aço de 6 polegadas passa a correr paralela a trilha. Deveria ser a tubulação que leva água para Pampa Linda ou para gerar eletricidade numa pequena turbina.

 

No plano, mais dez minutos cheguei nas margens do rio Alerce. O rio tinha cerca de 20 metros de largura e não tava muito convidativo. Acho que a chuvinha já havia sido suficiente para aumentar o caudal.

 

Tirei a mochila, as botas e a parte das pernas da calça convertendo-a em bermuda. Não queria atravessar de botas pois depois seria o dia inteiro para secá-la. Amarrei-as na mochila. Entrei primeiro na água para testar a profundidade, que parecia maior junto as margens. Quando a água ameaçou atingir a cintura encerrei o reconhecimento e dei meia volta. Naquele nível ameaçava atingir a parte debaixo da mochila se a colocasse nas costas, molhando o saco de dormir. Levaria a mochila acima da cabeça. Assim tive de prender também os bastões de trekking.

 

Num tronco da margem achei um rosário, que pensava ter sido esquecido por alguém. Coloquei-o no meu casaco para entregá-lo ao guardaparque em Pampa Linda.

 

Desci para o rio. Manter a pesada mochila equilibrada sobre a cabeça foi uma tarefa difícil. A água não atingiu o umbigo mas a correnteza tava forte. Estava vendo a hora de perder o equilíbrio, pois as pedras do rio tornavam o fundo irregular. Logo que me afastei 2 – 3 metros da margem, o rio ficou mais raso. Aproveitei para botar a mochila nas costas. Não iria dar certo atravessar com ela acima da cabeça. Embora a água estivesse agora na altura do joelho, a força da água exigia cuidado na hora de tirar um dos pés do fundo e avançar uma pasada, obrigando a ter um bom balanço e equilíbrio. Me arrependi muito de estar descalço. A água gelada tornava dolorosa a pisada no fundo de pedras. As solas dos pés sofreram.

 

Quase no meio da travessia percebi que um pouco mais abaixo no rio havia um cabo de aço, de uma margem para outra, para auxiliar. Mas acho que um par de bastões seria de muito mais valia pois o cabo estava bem frouxo.

 

Cheguei aliviado na outra margem. Penso que na verdade ninguém esqueceu o rosário. Alguém deixou como agradecimento por uma passagem segura. Ou fez uma promessa que se conseguisse atravessar, deixava o rosário no local.

 

Ficou a lição: use as botas e os bastões. Nada de mochila acima da cabeça. Se acha que vai molhar algo, bote na parte superior da mochila, onde o nível da água não alcance.

 

Depois de comer algo esperando os pés secarem e esquentarem, calcei as botas e prossegui para Pampa Linda. Mas adiante, para minha surpresa, o mesmo rio Alerce na frente da trilha. Outra travessia, pelamordeDeus! O rio fazia muitas curvas. Mas não, a trilha seguia pelas margens, suspirei aliviado.

 

Trinta minutos depois cheguei a Pampa Linda. Um casal que acabava de chegar de Paso de las Nubes trocou um sorriso quando me viram. Descobri a razão. Ele usava uma mochila Bora 80 igual a minha. Disse-lhe isto ao que ele respondeu, “Very comfy, not?

 

O escritório do guardaparque estava fechado. Depositei o registro de trekking numa caixa de correspondência que está lá para este propósito. Fui par um restaurante, o mesmo que estive em 2007. Estava esfomeado e não queria perder tempo preparando comida desidratada, outra vez. Comi um estofado de carne com espaguete. Depois de 5 dias no mato esqueço qualquer prurido vegetariano...

 

No restaurante havia fotos de uma inundação ocorrida em 2001 ou 2002. Uma morena frontal de um dos glaciares (acho que do Ventisqueiro Negro) se rompeu e uma enorme massa de água represada pela morena na laguna glaciar desceu o rio. O rio Manso, de 40 metros de largura, passou a ter 400 metros de ancho e inundou a área de Pampa Linda, arrasando algumas construções e levando a ponte. O restaurante teve de ser reconstruído. Felizmente não houve vítimas

 

A chuvinha fina continuava e as vezes engrossava. Decidi ficar num camping menos estruturado porém mais barato: acampamento AR$ 10 e banho quente AR$ 10. No camping do restaurante (do CAB) onde comi, acampar seria AR$ 25 e o banho mais AR$ 15. Achei mais bonito também o lugar que escolhi.

 

Aproveitei a tarde para ir a Saltillo de las Nalcas, 40 minutos de caminhada, belo lugar. A cascata cai com força de 60 a 80 metros de altura num pequeno anfiteatro de rocha calcaria. Vale a visita.

 

Dia seguinte iria para o refúgio Otto Meilling e dali para o Paso de Las Nubes, que deixo para outro relato.

 

Como não usei a máquina depois da laguna CAB, colocarei o link para o blog de Nigel e Sally, que gentilmente autorizaram vincular aqui.

 

http://www.thejamibakerblogspot.com/

 

Abs, peter

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  • 4 semanas depois...
  • Membros de Honra

Peter,

 

Colonia Suiza - Pampa Linda está há tempos nos meus planos (como Dientes de Navarino).

 

Excelente trekking! Fotos muito bonitas, especialmente a primeira.

 

E você ainda não sabe o porque e de onde vinha o forte odor das botas? :D

 

Deve ser perrengue fazer a travessia com tempo fechado!

Poste as fotos da lightwave lá no tópico.

 

Abraços,

Edver

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  • 3 anos depois...

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