A verdadeira felicidade não necessita de mais nada, basta a si mesma

Boécio ao escrever “A consolação da Filosofia”  vem trazer um tema que sempre despertou o interesse do homem: a felicidade. (…)

Nos seus escritos, Boécio procurava sempre invocar alguém do qual pudesse tirar a autoridade. Nesta obra é a Filosofia (que representa a consciência) que o consolará em seus infortúnios. Por isso é a Filosofia que o conduzirá neste árduo caminho para se chegar à compreensão da felicidade.  A Filosofia no diálogo começa a dizer que todo ser humano tem atividades que visam a um fim, o qual para ele é a felicidade: “Esta é o maior de todos os bens e encerra em si todos os demais, de tal modo que, se algum lhe faltasse, já não seria o maior, porque ficaria fora dele alguma coisa que poderia ser desejada”  É uma felicidade que não necessita de mais nada, basta a si mesma. Pois, caso se houvesse tal possibilidade, ela deixaria de ser o bem maior desejado por todos, mas haveria, além dela, algo que pudesse ser desejado. Portanto, a felicidade é perfeita, uma vez que não carece de mais nada. Depois de ter dado a definição formal da felicidade, ele procurará em seguida dizer aquilo que não é a felicidade.

Uma vez que todo homem tende para o bem, corre-se o risco de um desvirtuamento, ou seja, de muitos procurarem o bem em falsos bens. Neste sentido, ressalta Cleber Duarte Coelho: ”Sendo a felicidade o objeto de todos os mortais, o erro destes consiste em buscá-la nos lugares errados”. “(…) de fato, na vontade de todos, encontra-se ínsito um desejo natural para o bem, embora o erro muitas vezes a descaminhe, levando-a para falsos bens”.

Em seguida, Boécio mostra algumas possibilidades que fizeram e fazem as pessoas encontrarem falsos bens e compreenderem como possíveis modos de ser feliz, são elas: riqueza, honra, poder, glória, prazer. Isso quer dizer que, os homens movidos pelo desejo natural de buscar a felicidade, eles equivocam-se, crendo que ela consista nestes bens. No entanto, esses cinco bens não possuem possibilidades de alcançar a felicidade, porque esta deve ser o fim ultimo e não itinerante de cada homem.  Ressalta a “Filosofia”: “(…) se alguém prefere uma coisa a todas as outras é porque julga que ela é o bem supremo. Mas nós definimos acima que o sumo bem é a felicidade e, por conseguinte, cada um julga que a felicidade se encontra naquele bem ou naquele estado que ele preza sobre todos os demais.”

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A vida do homem sobre a terra é uma intensa busca da felicidade é um constante caminhar, pois o homem sabe o que é a felicidade, mas fica oscilando pelo caminho por não conseguir voltar para casa, como se estivessem embriagado, atordoado, ou como se possuísse vendas nos olhos, como comenta Coelho:

Os homens vivem como sonâmbulos ou ébrios, que não conseguem encontrar o caminho para a própria casa. Isso ocorre porque não sabemos onde se encontra aquilo que procuramos (…). Com efeito, todos os homens desejam a felicidade, mas a ignorância humana os desvia para os falsos bens. Quando nos lançamos ao mundo exterior, ávidos por encontrarmos nele a felicidade, cimos em erro e engano (…).

A seguir, Boécio passa a refutar todas aquelas possibilidades que aparentemente pareciam demonstrar ter encontrado a felicidade.

A primeira, a riqueza, não pode ser a felicidade, porque a pessoa que a possui , tem o medo de que ela seja roubada, daí precisa de algo de fora para supri-la, deixando-a, desse modo, de ser auto-suficiente. Quanto mais riquezas um homem tem, mais preocupações ele terá. Portanto, as riquezas não conseguem liberar o homem da necessidade e torná-lo auto-suficiente, embora fosse isto que pareciam prometer. (…) o dinheiro não tem, por natureza, a prerrogativa de não poder ser tirado do dono contra a vontade deste.

A segunda, a honra, não poderá fazer o homem feliz, uma vez que ela não muda o caráter do indivíduo, perdendo pelo fato de que depende do olhar do outro. O que adianta a uma pessoa ser cônsul em uma dada região e um dia ir morar entre povos bárbaros. Ele não será reconhecido, ou seja, uma coisa não implica a outra.

Ora, se este efeito fosse natural aos cargos, estes não perderiam sua função em nenhum lugar, tal como o fogo que, em qualquer lugar do mundo, nunca deixa de aquecer. Porém, como as dignidades não recebem honra por algo que lhes é intrínseco, e sim pelas falsas opiniões dos homens, elas se esvaem de imediato, quando deparam-se com povos que não as reconhecem como tais.

Já a terceira, o poder, também não poderá ser a felicidade, uma vez que não se conserva em si mesmo, por estar condicionado ao lugar que se pode controlar. Sendo a parte que controla menor e a que não controla maior isso não o faz feliz, porque ele fica constantemente com medo de perder esta pequena parte que possui. A exemplo de um rei que fica constantemente com medo de ser assassinado, então procura seguranças para protegê-lo. Sendo desse modo limitado, por mais que o tenha o poder. E a partir do momento que este poder acaba, inicia-se a tristeza do soberano. “Um tirano, conhecedor dos perigos de sua condição, representou o medo de quem comanda, por uma espada suspensa sobre a cabeça. Que poder é este, então, que não consegue expulsar a dor da preocupação e evitar o tormento dos temores?”

A quarta, a glória, se procede da mesma forma que os outros anteriores, não poderá ser a felicidade, uma vez que ela é limitada, dependendo sempre do olhar do outro, pois muitos podem conquistá-la pelas opiniões errôneas dos mesmos. Ela não acrescenta nada ao sábio que não pode se deixar levar pelos rumores das opiniões do povo. Além disso, é algo passageiro e não tem origem na pessoa que a possui, mas nos outros que a fazem famosa. “(…) Muitos obtiveram grande reputação devido á superficialidade da opinião pública, a coisa mais ignominiosa que se pode imaginar, pois, os que são exaltados pelas virtudes que não têm, são os primeiros a envergonhar-se dos louvores que não merecem(…).”

A quinta, o prazer, acompanhará os antecedentes, não podendo ser a felicidade, por ser algo momentâneo e limitado, e se o homem afirmasse que o prazer é a felicidade, então também os animais seriam felizes, por estes estarem condicionados a natureza, no entanto ela (felicidade) é própria dos homens, pois o homem não está condicionado à natureza. “Admitindo-se que estes tragam a felicidade, não vejo porque os animais não possam ser chamados de felizes, pois sua inclinação está totalmente voltada a satisfazer as exigências do corpo.”  No entanto a felicidade é própria dos homens, pois eles não estão condicionados á natureza, ele a transcende dando significado às coisas. As pessoas almoçam uma comida deliciosa e depois do almoço por mais que aquela comida seja gostosa ele não sentirá vontade de comer, pois está farto, deixando ela desse de trazer o prazer.

(…) todos esses bens, no entanto, não tornam o homem plenamente satisfeito, não dão ao homem uma felicidade completa. Ora, a verdadeira felicidade é completa em si mesma e os homens só buscam estes bens por considerarem que eles os preenchem. Mas os bens terrestres não dão ao homem aquilo que prometem. Eles não tornam o homem ausente de perturbações e ainda geram novas necessidades, tornando-nos mais dependentes de outras contingências exteriores.

 

Buscar a felicidade na riqueza, na honra, no poder, na glória e no prazer é fragmentar a felicidade. Felicidade verdadeira e perfeita torna auto-suficiente, poderoso respeitável, famoso e alegre quem a possui. Sendo ela, portanto, uma felicidade plena, ou seja, esta não necessitará de mais nada, uma vez que tudo está contido nela. A partir deste ponto Boécio e a Filosofia chegam à conclusão de que a felicidade não é deste mundo, está no transcendente(…).   –  Texto: Ildeu da Cruz Sílvio

” Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso; viver não é preciso“.  Quero para mim o espírito [d]esta frase”
-Fernando Pessoa

As imagens do post são cenas do Filme:  Na Natureza Selvagem

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