Uma volta ao mundo numa bicicleta de Bambu

Ricardo Martins está há quase um ano na estrada – parte de sua jornada de volta ao mundo pedalando uma bicicleta de Bambu. Antes desta viagem ele já havia conhecido a América do Sul de bike, saindo de casa com R$ 385. Além das incríveis experiências vividas, desta primeira viagem, nasceu seu primeiro livro, o ‘Roda América – Em busca de nossa gente’.
No projeto atual, o Roda Mundo, Ricardo cruzou quase metade da África e já tem muitas histórias pra contar sobre “uma África linda e pulsante” que ele está descobrindo e compartilhando com seus seguidores no blog, Facebook, Instagram e no canal no YouTube.
No meio do mês passado, em Zanzibar, na Tanzânia ele escreveu pra gente fazendo um resumo do projeto que ele viabiliza através de financiamento coletivo. “Viajo [pela África] com uma média de 2 dólares por dia e trabalho quando o dinheiro acaba”, revela.
Em entrevista à Revista Bicicleta, Ricardo comenta que após a primeira viagem pela América do Sul estudou mais para entender melhor a realidade que viveu. Fez outra faculdade, de Ciências Sociais (ele também é formado em Marketing) e aprofundou-se no tema ‘mobilidade urbana’, para entender mais sobre o uso da bicicleta.

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Foto: Divulgação/RodaMundo.com
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Foto: Divulgação/RodaMundo.com
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Foto: Divulgação/RodaMundo.com
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Pela África, orçamento é de US$ 2 por dia | Foto: Divulgação/RodaMundo.com

A “Dulcinéia” e outros parceiros

Carinhosamente chamada de Dulcinéia, a bicicleta de Bambu é a “estrela da viagem”. “Dulci” faz com que o público se aproxime dela e por consequência, do projeto. “Há um lindo projeto de mobilidade urbana envolvido com o pessoal da UFRJ e da ONG Transporte Ativo. Estamos estruturando formas de coletar dados sobre o uso da bicicleta como meio de transporte por todo o mundo, consultando o poder público, instituições de ensino, líderes locais e ONGs. Estamos mapeando rotas de cicloturismo em escala mundial, para munir estudos futuros”, conta à revista.
A entrevista completa está disponível aqui.
Além dos canais de comunicação citados no segundo parágrafo deste texto, você pode saber mais e ainda ajudar na empreitada acessando a página do financiamento coletivo (que já bateu a meta) do projeto, aqui.

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A Dulcinéia | Foto: Divulgação/RodaMundo.com
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Dulcinéia à sombra do imponente Baobá | Foto: Divulgação/RodaMundo.com

Seu Felipe

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Seu Felipe | Foto: Ricardo Martins/RodaMundo.com

Navegando pelos canais de comunicação do Roda Mundo buscando fotos para ilustrar esta matéria me deparei com uma bela foto e mais que isso, uma mensagem ainda mais bela que “Seu Felipe” deixou para o Ricardo e ambos, deixam para nós. Texto de Ricardo Martins:

” SEU FELIPE

Passando por uma pequena cidade em Moçambique, o gancho do meu alforge soltou da base. Droga, pensei, não vou encontrar onde consertar isso… Ao fundo de uma confusão de pessoas emaranhadas, vi o mercado local, cheio de becos, tendas mil para coisas mil, desde barbeiro até comida e eletricista. Perfeito, havia esperança.

Ao fundo, avistei um senhor sem as duas pernas consertando uma bolsa. Seu ajudante parecia ser surdo mudo, pela forma que se comunicava. A cena me provocou um certo choque, mas o senhor sem as pernas abriu um sorriso tão lindo pra me receber que esqueci a razão para qualquer estranhamento. Senti vergonha de ter sentido vergonha. O senhor viu meu alforge arrebentado e pediu pra ver.

– Qual é seu nome?
– Ricardo, o do senhor?
– Felipe. Não tenho o arrebite pra essa bolsa, mas dá costurar e reforçar.
– Será que vai funcionar?
– Melhor que funcione, você não tem outra opção, né!

Ao dizer isso, Seu Felipe riu gostosamente. Explicou em gestos pro ajudante o que era pra ser feito, depois começamos um papo levíssimo. Me senti tão bem que já até havia esquecido do infortúnio que me havia trazido até ali. Seu Felipe me mostrou o alforge consertado, um belíssimo trabalho, com um cuidado e detalhes impressionantes. Perguntei quanto sairia o serviço.

– Precisa pagar não – Disse seu Felipe, ainda sorrindo. O material que usei era sobra de outra bolsa!

Não soube o que responder. Tive vontade de chorar, vejam que bobo. Tirei uma foto e me despedi de Seu Felipe e seu ajudante. Comprei sanduíches e um suco, depois voltei para comermos os três juntos. Seu Felipe agradeceu, comia com a mesma felicidade que tinha pra consertar a minha bolsa e me receber. Comia com a mesma felicidade com que vivia.

Seu Felipe conserta bolsas, conserta o mundo, e faz isso com simplicidade. Moçambique se revela mais bonito a cada quilômetro e a cada pessoa como ele.”

Viajar enriquece mesmo a alma.

Foto do autor

Claudia Severo de Almeida

Jornalista, há 20 anos escreve sobre Turismo Backpacker/Mochileiro e viagens independentes. Participou do corpo de júri especializado do Prêmio 'O Melhor de Viagem e Turismo' (categoria Hospedagem - Hostel). Cocriadora do site Mochileiros.com.

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