Entrevista com Duda Tawil

* Na foto que abre o post, Duda entre Jorge Amado e Grande Otelo em Paris – Foto: D.T

Por Claudia Severo
…..Jornalista, guia de turismo e mochileiro (este último, mais precisamente quando viveu por 14 anos na França. Amigo da família Amado, Duda Tawil é um decendente de sírio-libaneses pra lá de baiano, um misto que só o Brasil pode proporcionar. Com um tom “à la Caetano”, ele dá uma aula de Bahia (durante o pouco tempo que viajamos com ele enquanto nos guiava por diversos pontos do Estado) e fala com emoção sobre os momentos em que conviveu com o escritor Jorge Amado.

Confira o bate-papo!

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Mochila Brasil – Duda, conte pra gente então como começou seu contato com Jorge Amado.

Duda: Em 84, resolvi me aventurar na França, sem bolsa de estudos, nem planos, era um sonho conhecer a França. Como sou jornalista sai com uma credencial para quando houvesse algo interessante lá, sobretudo ligado ao Brasil, eu cobriria e isso seria pago como free-lance. Em setembro de 84 fui. Em maio de 85 houve uma palestra dada por Jorge Amado no centro Jorge Pompilu.

…..Por coincidência, o editor chefe do jornal para o qual eu trabalhava estava em Paris, me escreveu uma carta dizendo que queria se encontrar comigo. E fomos almoçar, acabei sendo guia dele lá. Ele, sendo muito amigo de Jorge Amado, também membro da Academia de Letras da Bahia falou: ‘Duda, Jorge fará uma palestra e pediu uma matéria para o jornal’.

…..Quando ela (matéria) ficou pronta, mandei para Jorge, para o hotel onde ele ficava hospedado em Paris e então começamos a ficar amigos. Eu o chamava de senhor e tudo. Ele considerava a França seu segundo país, até pelo fato de ter ficado exilado lá, publicava um livro lá eu tava junto pra cobrir; ficamos amigos , amigo da família. Mais tarde nos encontramos em Salvador. Foi almoçar em minha casa algumas vezes, fizemos comida árabe, que ele adorava.

……Em 90. Voltei para o Brasil e consegui uma bolsa para fazer um mestrado de turismo na França em 98. Em 90 Jorge foi presidente do Carnaval da cidade de Nice, onde eu morava. Passamos 13 dias juntos e aí a amizade perdurou.

Mochila Brasil – É sabido da representatividade que o escritor tinha no mundo das letras e cultura e para o povo baiano, o que ele representa na sua opinião?

Duda: Jorge…O povo beijava a mão dele nas ruas. Jorge é uma identidade ao povo da Bahia. Toda a obra de Jorge Amado, com raras exceções se passam na região do Cacau, contam a “saga do cacau”, a outra parte é Salvador e seu povo, a vida dos negros, a história do candomblé, da nossa riquíssima e deliciosa culinária afro-brasileira. Esse povo achou uma identidade neste homem, que era de uma simplicidade que ao ponto de você ver, em vez de assumir o “eu sou um ‘literato’ ” ele dizia, “eu sou um filho desse povo e de tudo que sou, devo tudo a eles”; aos capoeiristas, às baianas do acarajé, aos meninos de rua (no livro Capitães de areia, conta bem isso) e esse povo se reconhecia nele. Então quando ele andava nas ruas de Salvador eles paravam e beijavam a mão dele, alguns ficavam de joelhos – uma coisa impressionante.

…..E você vê que ele fez uma obra popular, baseada no povo, contando a história e a luta do povo. Gente que, ou não sabia ler nem escrever, não tendo acesso à leitura, ou que não tinha nem dinheiro para comprar o livro. Como a obra dele foi muito adaptada para televisão (várias novelas) esse povo viu Tieta em casa, Gabriela em casa; viu séries da Globo como A morte de Quincas Berro d’água, Tenda dos milagres… e a popularidade dele cresceu ainda mais. Uma obra próxima do povo, com quem ele conviveu a vida toda, respeitando todos.

…..Era um gênio, um visionário. Veja que 1937 esse homem escreve um livro sobre as crianças de rua! Hoje o problema persiste, ainda pior que antes, infelizmente. Em 78 escreve um romance ecológico, Tieta do Agreste, quando Ecologia não era nem uma “moda”. Todo visionário é um gênio, como Caetano e Gil são gênios, eles estão à frente da gente.

Mochila Brasil – Os livros de Jorge Amado foram traduzidos para 48 idiomas?

Duda: Sim. 32 livros escritos, para 48 línguas. Não tenho certeza, mas acho que ele está no Guines book (livro dos recordes) não como quem mais publicou, mas como o autor que mais teve obras traduzidas no mundo.

Mochila Brasil – Antes de morrer ele estava escrevendo algo?

Duda: Estava escrevendo o livro “Boris o vermelho”. Uma história que se passa nos anos 70, na época da ditadura, movimento estudantil, tudo se passando em Salvador; mas infelizmente só as primeiras páginas foram escritas. Nos últimos anos de vida ele foi acometido pela falta de visão, só tinha 30% da visão e isso para um escritor é como se fosse uma morte. Ele não podia mais ler os jornais que sempre lia de manhã, via televisão com muita dificuldade e essa falta de visão causou uma forte depressão nele – quase quatro anos desta maneira. Ele era diabético, teve dois infartos, tinha um marca-passo e a vida que levou na juventude, segundo os médicos, não o ajudou muito – ele fumava muito, era um boêmio.

Mochila Brasil – Você sabe se esse livro vai ser continuado por Zélia Gattai?

Duda: Não. Ele pediu e eles (família) respeitaram. Se você ler, no mais recente livro lançado sobre ele, “Jorge Amado: um baiano romântico e sensual”, esse é um dos pedidos. Jorge estava bastante lúcido, mas sem condições de escrever. A filha, Paloma, conta no livro que ele disse que se não terminasse o livro, que ele não deveria ser publicado.

Mochila Brasil – Em Salvador, ocorria essa “reverência” a Jorge Amado. E em outras cidade, por exemplo em Ilhéus que é onde ele viveu a infância?

Duda: Ele era um cidadão do mundo, divulgando o Brasil para o mundo. Mas essa maior reverência acontecia em Salvador mesmo. Desde 98 ele não viajou mais, ficava apenas na casa dele, bastante triste. A saudade é grande…

…..Desde 73 ele morava no bairro do Rio Vermelho em Salvador e num futuro próximo o local irá virar um memorial, com os objetos pessoais, todos os livros, fotos etc

Mochila Brasil – Duda, é verdade que você faz parte de uma das obras de Jorge Amado como personagem? Como e em qual?

Duda: Nas memórias dele, meu nome está lá, no livro “Navegação de cabotagem”, de 1992. E no que foi escrito pelos filhos e a mulher, o “Jorge Amado: um baiano romântico e sensual”, também tem uma histórinha comigo e no “A descoberta da América pelos turcos”. Nesta obra eu sou um profeta.

Mochila Brasil – Uma figura notável, sempre presente na vida de Jorge Amado é a esposa. Você poderia falar o que de Zélia Gattai?

Duda: A maior baiana de todas as paulistas, por destino e merecimento. Até data ela escolheu pra nascer. Nasceu em 2 de julho, dia da Indenpendência da Bahia. Primeira coisa: uma mulher predestinada a casar com um baiano – duas almas gêmeas. Ela se encontrou com ele em São Paulo e viveram juntos durante 56 anos; só se separaram quando ele foi embora (faleceu).

…..Zélia costuma dizer que foram 112 anos juntos, porque eles trabalhavam juntos, viviam 24 horas por dia juntos, ele escrevia os livros dele à mão ou na máquina de escrever, datilografando apenas com dois dedos; e ela “limpava” tudo e passava para o computador, uma mulher super moderna, de 86 anos, somente quatro anos mais jovem do que Jorge, embora ele aparentasse mais idade.

…..Zélia Gattai entrou pra três Academias ao mesmo tempo. Para a Academia de Letras de Ilhéus, Academia de Letras da Bahia e para a Academia Brasileira de Letras – eu fiz questão de ir à todas as posses, larguei trabalho, larguei tudo.

…..Ela só começou a carreira com 66 anos, incentivada pela filha. Até hoje ela tem 14 livros publicados, e o forte dela são os livros de memória e livros infantis. E, de maneira alguma entrou nas três Academias para preencher o lugar de Jorge Amado, mas sim por puro merecimento. Ela se tornou uma escritora queridíssima no Brasil e seus livros já foram traduzidos para cinco línguas. É uma pessoa maravilhosa, uma intelectual, poliglota; fala russo, um pouco de tcheco, o italiano que aprendeu em casa (Zélia vem de uma família de imigrantes italianos), francês, inglês e espanhol, canta em árabe e ainda quebra o galho em outras línguas.

…..Um casal inacreditável, era uma coisa impressionante, sempre juntos, não viajavam separados é como ela diz mesmo, viveram 112 anos juntos.

Nota: Depois desta entrevista, uma corrida para um banho e a ida para o Pelourinho, em frente a Fundação Casa de Jorge Amado, em 10 de agosto de 2002, para a festa do que seria os 90 anos de Jorge Amado. Veja as fotos!

 

Um pouco da história de um dos ícones da Bahia

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, no distrito de Ferradas, cidade de Itabuna, sul do Estado da Bahia. Filho do coronel João Amado de Faria e de dona Eulália Leal Amado, com um ano de idade foi para Ilhéus, onde passou a infância e cursou as primeiras letras. Fez os estudos secundários no Colégio Antônio Vieira e no Ginásio Ipiranga, em Salvador, onde viveu livre e misturado com povo da Bahia, os anos da adolescência, adquirindo então, um grande conhecimento da vida popular que viria a marcar profundamente sua obra de romancista.

Aos 14 anos, na Bahia, começou a trabalhar em jornais e a participar da vida literária sendo um dos fundadores da Academia dos Rebeldes (grupo que, juntamente com Arco e Flecha e Samba, desempenhou um importante papel na renovação das Letras baianas). Jorge Amado fez os estudos universitários no Rio de Janeiro, na Faculdade Nacional de Direito, pela qual é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (1935). No entanto, jamais exerceu a advocacia.

Em 1945, Jorge Amado foi eleito deputado pelo Estado de São Paulo, tendo participado da Assembléia Constituinte, sendo responsável por diversas leis que beneficiaram a cultura, dentre elas a lei que assegura a liberdade de culto religioso.

Viveu exilado na Argentina e Uruguai, entre 41 e 42. Em Paris, entre 48 e 50 e em Praga de 51 a 52. Foi eleito em 06 de abril de 1961 para a cadeira de número 23 da Academia Brasileira de Letras. Jorge Amado foi membro da Academia de Letras da Bahia, membro correspondente da Academia de Ciências e Letras da República Democrática Alemã, membro correspondente da Academia Paulista de Letras e “Obá do axé do opô afounjá da Bahia”. Muito premiado no exterior. Casado desde 45 com a escritora Zélia Gattai, com quem teve 2 filhos.

Essas informações são da Fundação Casa de Jorge Amado, que fica no Pelourinho, Salvador.

Foto do autor

Silnei L Andrade

Webmaster desde 1997 e blogueiro acidental. As vezes inventa coisas úteis como o Mochileiros.com.

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