Entrevista com Jossano Marcuzzo

Nascido em Santa Maria, Rio Grande do Sul, o gaúcho, Jossano Saldanha Marcuzzo, desde pequeno era fascinado pelo mundo das aventuras. Muitas foram as vezes que trocou desenhos animados por documentários de Jacques Cousteau.
Tecnólogo em materiais processos e componentes eletrônicos, atualmente com 27 anos, Jossano foi professor de eletrônica em uma conceituada escola de segundo grau na cidade de Barueri, ganhando prêmio de incentivo à educação.
Em 1995 conheceu uma holandesa, se apaixonou e resolveu realizar um sonho de criança. Largou tudo, colocou uma mochila nas costas e foi viajar. Não possuía grandes recursos, mas sua habilidade de adaptação e perseverança, fez com que gastasse, em dois anos, apenas US$ 10 mil, isso para um casal e contando as passagens aéreas.
A viagem resultou em incontáveis mudanças na vida de Jossano e em um livro, que pode ajudar muitos viajantes a realizarem viagens de sonho, de uma forma barata.

O livro é dividido em duas partes:

1º PARTE – Com uma linguagem clara e objetiva conta as histórias de um viajante com pouca grana, mostrando como é o dia-a-dia de um aventureiro “caronador”. As dificuldades, alegrias, os amigos, os perigos, a interação com as culturas e povos diferentes. Os lugares, as lendas …. tudo baseado nos diários de bordo.

2º PARTE – Este não é um guia, e sim um manual para uma viagem barata. Todas as dicas necessárias para quem quer fazer uma aventura econômica. Mostra desde como comprar uma mochila e arrumar a bagagem, como conseguir descontos nas linhas aéreas, … até frases em outras línguas. Tudo baseado na experiência que Jossano adquiriu neste dois anos.

Mochila Brasil – Jossano, como tudo começou? Essa vontade de viajar e dessa maneira?

[Jossano]: Começou na infância, quando eu era muito criança e eu gostava daqueles documentários do Jacques Cousteau e queria fazer um negócio parecido, igual, viajar daquele jeito.

Só que como é que fica? No Brasil, todo mundo acha que pra viajar é preciso muito dinheiro, ser rico, milionário, ter o pai empresário e coisa e tal não é? Mas isso não é verdade.

Eu tinha um sonho, resolvi correr atrás do meu sonho, vendi tudo que eu tinha: carro, bicicleta, larguei emprego, tranquei a faculdade e fui correr atrás de um sonho meu.

Eu tinha pouco dinheiro, não sabia se ia conseguir viajar cinco meses ou dez anos. A minha única idéia era ir trabalhando e com o dinheiro que fosse ganhando iria viajando; só que não foi preciso. Viajar é uma coisa tão barata que eu acabei passando dois anos viajando com o pouco que tinha arrecadado.

Mochila Brasil – Como foi a reação da família, dos amigos?

[Jossano]: Minha mãe… Se eu chegasse para minha mãe e falasse: – Mãe eu sou gay! Ela ia entender mais.

Eu trabalhava como professor de eletrônica em uma escola municipal, tinha um bom emprego, terminando a faculdade e tudo, de repente eu paro, largo tudo e vou viajar?!

Mochila Brasil – E antes dessa viagem, você costumava viajar?

[Jossano]: Sempre gostei de viajar. Fazia viagens pequenas, trilhas de dois três dias, acampava… sempre.

Mochila Brasil – Você disse que desde criança tinha vontade de viajar mas, quando realmente bateu o “dessa vez eu vou”?

[Jossano]: Quando eu olhei para os lados e vi que eu estava deixando as coisas passarem. Estava deixando meus sonhos passarem. Tem um amigo meu que fala: – É melhor você se arrepender das coisas que faz do que das que não faz. E eu não quero estar com os meus oitenta, noventa anos, sei lá, no meu leito de morte dizendo que não fiz o que queria. Isso foi crucial, definiu. Não tenho filho, ninguém depende de mim, sabe…

Mochila Brasil – Para a viagem pelos 15 países, você foi meio “na louca” ou fez alguma pesquisa sobre os lugares?

[Jossano]: Pesquisei mais ou menos os lugares onde queria ir, mas não li muito a fundo, não procurei descobrir tudo, porque também tem o fator da surpresa né? Você lê tudo que é possível e vê todas as suas possibilidades você perde as surpresas.

Mochila Brasil – Você deve ter inúmeras histórias pra contar sobre a viagem, mas qual foi o primeiro impacto no primeiro local onde chegou?

[Jossano]: O primeiro lugar onde cheguei foi a Holanda. De São Paulo fui direto para Amsterdã. Dos vôos para a Europa, esse era o mais barato porque tinha passagem para estudante.

Para estudante, tem algumas passagens para a Europa e eu queria uma passagem para um ano, porque eu não sabia quanto ia ficar; então queria uma passagem para ficar bastante tempo.

O que acontece? Normalmente a passagem de uma ano é muito cara, mas para estudante não, era barata e o que se encaixava no que eu queria. Foi para Holanda, mas se tivesse para outro lugar eu ia.

Mochila Brasil – E o primeiro impacto que teve chegando lá?

[Jossano]: A língua né? O primeiro impacto era a língua porque você não sabe compra um pão na padaria.

Mochila Brasil – E aí, como você se virava?

[Jossano]: Pé, mão, mímica… você se vira, você aprende. Língua não é empecilho para ninguém, se fosse, surdos e mudos morreriam de fome.

Mochila Brasil – Você poderia passar algo curioso de algum lugar por onde esteve?

[Jossano]: Todo mundo fala que o povo europeu é frio, todo mundo gelado, ninguém faz ou fala nada. Tudo mentira! O povo europeu é tão hospitaleiro quanto nós. A única coisa é que eles são mais reservados sabe. Também não são, como é que eu vou te falar… tão “perna aberta” pra todo mundo. Aqui no Brasil chegou estrangeiro: Oh!!! Lá: Eu sou turista! Ok!

Mochila Brasil – E na Índia, como foi?

[Jossano]: A Índia é um mundo a parte. Ela é o avesso do que você imagina. Todos os conceitos que você aprende (aqui) desde criança, lá não existem. É tudo oposto.

Mochila Brasil – Por exemplo…

[Jossano]: O estilo de vida das pessoas. Enquanto aqui uma pessoa que tem pouca coisa tem aquele negócio de ganância – Ah eu preciso de dinheiro para comprar um carro, preciso ter o carro do ano. Se eu não comprar aquele modelo do ano com o farol redondo, não fico feliz com o meu farol quadrado.

Então, é esse tipo de coisa que lá não existe. É difícil explicar, você tem que estar lá pra ver. Se você vai lá com os conceitos (que a maioria) que você tem daqui, ou você ama ou você odeia, não tem meio termo. Mas também você só vai odiar se não estiver com a cabeça aberta. Para qualquer lugar do mundo que você vá tem que estar de cabeça aberta. Até em São Paulo você tem que ter a cabeça aberta, se não você não aprende nada.

Mochila Brasil – E pela América do Sul?

[Jossano]: Só não passei pela Colômbia, Venezuela e Guianas.

Mochila Brasil – Durante a viagem, você encontrou muitos mochileiros viajando como você?

[Jossano]: Muitos, muitos. Posso afirmar que 90% das pessoas que viajam, viajam assim.

Mochila Brasil – E brasileiros?

[Jossano]: Não. muito pouco. Brasileiro vai fazer um tour pela Europa.

Mochila Brasil – Na sua visão, porque a maioria dos brasileiros só viajam com pacote?

[Jossano]: Porque o Brasil não tem essa cultura viajante. Aqui o que impera é o comércio, é o mercantilismo mesmo. Então quer dizer, o que interessa para as empresas? Ganharem dinheiro! É pacote e não se fala em outra coisa.

Mochila Brasil – E por falar em hotéis, e as hospedagens?

 

[Jossano]: Dizem que o tal dos Albergues da Juventude são a coisa mais barata que tem lá fora. Mentira! Albergue da Juventude é caro! Os daqui são mais baratos que os de fora. Eu falo que Albergue da Juventude é roteiro para mochileiro playboy. Tem albergues que custam US$ 50, US$ 20.

Existem vários tipos de acomodação. Os albergues são mais voltados aos brasileiros e latinos, eles usam muito.

O pessoal estudante na Europa, que viajava e te pouca grana, fica em pensões. Por exemplo, se um albergue numa cidade custa US$ 15 as pensões custam US$ 5.

O albergue não é ruim, é muito caro. O único em que fiquei foi em Madri (Espanha), porque era mais barato. Acampava muito em postos de gasolina 24h, que têm banheiro, mercadinho; Normalmente na Europa, se você está quieto, sem fazer bagunça, ninguém te enche.

Mochila Brasil – E as caronas?

[Jossano]: Europeu em geral dá carona. Eu tive um pouco de problema na Espanha, na época do ano em que eu fui era inverno e lá foi o lugar que eu mais esperei por uma carona: cinco horas.

Em países como a Escócia e Inglaterra eu entrava na estrada e já tinha carro parando. Não tinha nem graça pedir carona.

Mesmo na América do Sul não tive dificuldades. Mas tem amigos meus, viajantes que conheci, que chegaram a ficar três dias no mesmo lugar esperando carona. Foi uma questão de sorte.

Mochila Brasil – Afinal, como foram utilizados os US$ 7,50 por dia?

[Jossano]: Eu saí do Brasil não foi para gastar US$ 7,50, foi para gastar pouco. Eu queria me divertir e para isso vou me divertir gastando pouco. Não deixei de comer, de fazer as coisas que eu queria, de beber vinho, de ir em bar mas, não esbanjava.

Quando você compra comida no mercado já sai barato, se você usa camping já sai barato.

Mochila Brasil – Durante a viagem você teve algum problema com relação à segurança?

[Jossano]: Não. Só temporais: tempestades de neve, frio, inundações essas coisas. Humanas não.

Mochila Brasil – Em algum momento você disse não deveria ter vindo aqui? E qual foi o lugar?

[Jossano]: Marrocos. Não gostei do Marrocos. Eu fui numa época totalmente errada. Foi na época do Hamadã. O Hamadã no islamismo é o mês em que pessoas fazem penitências. Entre o nascer e o pôr-do-sol eles se privam de prazeres corporais: não comem, não fumam, não fazem sexo, nada.

Imagina a neura que o cara fica; aquele cara que fuma três maços de cigarro por dia. O cara pira, com fome. O povo tá todo neurótico, você fala alguma coisa o povo: éh. Então não foi uma época boa. Marrocos também não é muito seguro. Ouvi histórias que grupos de turistas têm que ser escoltados se não são roubados mesmo.

Mochila Brasil – E um lugar que você disse aqui eu deveria ter vindo antes ou aqui eu quero ficar?

[Jossano]: Galápagos. Em Galápagos eu moraria lá. Lá é maravilhoso, foi o lugar mais próximo da natureza em que estive. É puro isolamento, mas vale a pena.

Mochila Brasil – Você antes e depois da viagem, o que mudou?

[Jossano]: Não tem nada a ver. Não tem como comparar. Jossano antes da viagem é uma coisa, depois é outra totalmente diferente.

Jossano hoje é muito mais humano, mais prestativo, muito mais solidário que o Jossano de antes.

Vivi 10 anos em dois. Se tivesse dinheiro estava viajando até agora, não teria voltado para o Brasil.

Mochila Brasil – E o livro?

[Jossano]: O livro eu escrevi porque tem muita gente que quer viajar e não sabe como. Têm milhões de empecilhos para viajar. Viajar é uma coisa barata, fácil, só depende da pessoa.

Mochila Brasil – Então o que eu conto no livro…

[Jossano]: Uma pessoa normal, como outra qualquer, um ser humano, mortal que vai no banheiro, que come, que precisa de emprego e resolve viajar, sem patrocínio, sem nada.

As dificuldades, as alegrias, as coisas engraçadas, interessantes e tudo ali eu conto.

Mochila Brasil – Você chegou a procurar patrocínio e a planejar o livro?

[Jossano]: Não. Fiz a viagem e quando cheguei, muita gente me perguntava as mesmas coisas sobre a viagem. Então falei, vou escrever um livro, vou ajudar muita gente e o livro tem uma parte que é um guia, mesmo guia de sobrevivência para quem está fazendo uma viagem barata, pra que você aprender como se dar bem lá fora.

Mochila Brasil – E a próxima viagem?

[Jossano]: Ahh!! A próxima viagem ainda é segredo, mas eu conto pra vocês quando tudo estiver certo!

Foto do autor

Silnei L Andrade

Webmaster desde 1997 e blogueiro acidental. As vezes inventa coisas úteis como o Mochileiros.com.

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