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Aberta a temporada de caça em Michigan!


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Havia chegado o tão aguardado dia. Estava empolgado. Iria hoje, juntamente com minha família americana, caçar veados – os quadrúpedes, é claro! Em Michigan, durante alguns poucos dias do ano, é legalizada a caça. Eu não tinha quaisquer esperanças de verdadeiramente caçar – achei que iria acompanhar meu pai talvez - mas, contrariando o fato de ser ilegal para um intercambista carregar uma arma de fogo nos Estados Unidos, fui confiado com uma potente espingarda calibre 12’’... Bastava agora saber se faria jus à responsabilidade a mim delegada.

Acordar cedo naquele dia não foi nada fácil, mas admito, estava extremamente animado. Tinha a oportunidade de carregar uma arma de fogo; ainda por cima, uma “12”, sonho de qualquer adolescente inconseqüente... Os preparativos começaram cedo, muito antes de o sol nascer. Provavelmente, aquele foi o dia mais frio que enfrentei em toda a minha vida, e talvez ainda seja até hoje. Os termômetros marcavam -20º Celsius. Para complicar ainda mais, iríamos ficar durante longas horas expostos a esse frio, longe de qualquer tipo de calefação.

Não tenhas dúvida de que a indumentária foi volumosa: duas calças, três jaquetas, espessa bala clava, duas meias, botas e luvas. Fato interessante que deve ser salientado é que o caçador é obrigado por lei a vestir pelo menos uma peça visível na cor laranja. Isso se faz necessário, pois existem inúmeros caçadores nas florestas ao mesmo tempo e, muitas vezes, próximos uns aos outros. Dessa forma, sendo a roupa de cor chamativa, evita-se que ocorram disparos acidentais que possam atingir os caçadores. Podes estar te perguntando: a cor chamativa não causaria o afugentamento do veado, tornando impossível que o caçador se camuflasse? Seguramente que não; o espectro visual do veado é muito limitado. Ele somente vê em tons de cinza e, por esse motivo, a cor laranja passa despercebida.

Estava nervoso. Caçar era algo totalmente inovador para mim. O fato de estar carregando uma arma altamente letal nas minhas jovens e imprudentes mãos me assustava. Mas estar indo caçar com exímios profissionais da área era ainda mais amedrontador. Meu avô americano havia lutado na guerra da Coréia, como operador de metralhadora de aviões. Meu pai americano foi atirador na marinha durante vários anos. Não participou de combate efetivo, mas teve extenso treinamento militar. Seu irmão, que também nos acompanhava, havia sido atirador de elite na guerra do Vietnam, onde perdeu suas duas pernas devido à explosão de uma granada. Minha vasta experiência com arminhas de pressão passou despercebida...

O incrível é que, mesmo após perder suas duas pernas, meu tio não deixou de praticar sua paixão – a caça. Locomovia-se com o auxílio de cadeiras de rodas, mas não apresentava qualquer dificuldade. Seu rifle, ao contrário da minha espingarda, possuía inclusive mira telescópica.

Minha família americana havia caçado todos os anos, sem exceção, durante as últimas décadas. Impressionou-me que, mesmo com toda essa experiência, pareciam muito confiantes em deixar uma arma em minhas mãos, mesmo sabendo que não tinha os conhecimentos básicos para manuseá-la; não me deram instruções de como a utilizar, só salientavam que deveria sempre deixá-la apontada para o chão. Reconheço que estava feliz com a irresponsabilidade da minha família americana. Era graças a ela que estava ali, carregando cuidadosamente o cartucho para dentro do longo cano da espingarda.

Minha arma era muito simples, nem mesmo possuía trava de segurança, mas seu poder destrutivo era o mesmo das demais... Levei comigo somente uma bala, talvez esperando que não tivesse que utilizá-la contra qualquer ser vivo; já estava feliz somente pelo fato de estar fazendo algo tão incomum; pelo menos, para os padrões brasileiros.

Caçar é muito similar a pescar. Você fica ali, por horas, aguardando sua presa dar o primeiro movimento. Em noventa e nove por cento do tempo a espera se resume a tédio, mas o um por cento remanescente é pura emoção! Faz seu coração bater em disparada, compensa todo o restante.

Como havia muitos caçadores ao meu redor, o barulho de disparos era constante; o que não me deixava muito tranqüilo. A probabilidade de ser alvejado acidentalmente era pequena, mas não diminuía meu medo; a cada disparo me encolhia em direção ao chão. Não pude deixar de imaginar como deve ser a estressante vida dos veados nessa época – praticamente, uma guerra mundial, com certeza!

Após pegar minha arma com meu avô americano rumei à floresta; sozinho, somente com minha potente espingarda e uma única bala carregada. Andei por um longo período até decidir que estava no local adequado para executar meu plano maligno - tirar a vida de um pobre animal. O lugar propiciava uma vista panorâmica para um vasto campo sem árvores que lembrava um campo de futebol em que a grama não era cortada há meses. A visão, além de panorâmica, se dava de um ponto um pouco mais alto, o que tornava possível uma extensa visão, muito além da capacidade de alcance da minha espingarda. Sentei ali, num buraco, tentando ficar o mais imóvel e camuflado possível. A qualquer momento, poderia aparecer uma possível presa.

Já aguardava há mais de uma hora, sem qualquer sucesso. Nem mesmo havia avistado veados à distância. Estava enraivecido! O mais próximo da emoção que tinha chegado foi devido aos intermináveis disparos ao meu redor. Começava a pensar que seria em vão minha longa espera...

Foi quando ouvi um forte estampido. Era o disparo de uma arma de fogo; muito próximo de onde me encontrava. No mesmo instante, olhei na direção do estrondo e foi quando o avistei; o grandioso animal galopante. Estava a talvez 500 metros de distância de onde me escondia. O disparo, que havia escutado segundos atrás, certamente tinha como alvo o veado que agora via correr, ainda ileso. Corria velozmente pelo campo logo a minha frente. Cruzava centenas de metros incrivelmente rápido, diretamente em minha direção. Meu coração disparou. Havia chegado a hora. Deitei meu corpo sobre o úmido e gelado chão, coberto de neve, e apoiei a espingarda sobre uma pedra, para dar maior precisão ao disparo. Não tinha certeza quando atirar; a arma que possuía era potente, mas não a ideal para alvos distantes; ele ainda estava muito longe. Aguardei o máximo que minha afobação permitiu. O veado certamente já estava a menos de 50 metros. Tinha certeza que iria acertá-lo em cheio. Disparei! O forte soco da arma sobre meu ombro passou despercebido; a adrenalina amaciou o impacto. Para minha surpresa, o animal continuou correndo, ileso... havia errado o alvo. Continuava a correr na minha direção e por alguns momentos pensei que se vingaria. Chegou talvez a 3 metros de mim. Vi em seus olhos cintilantes, mesmo que de relance, o desespero; o pedido de socorro. Corria desgovernado, sem saber para onde fugir. Sem escolha, tomou seu caminho em direção a outra floresta, onde, inevitavelmente, teria em breve seu cruel fim.

Fiquei decepcionado em ter errado o alvo. Porém, ao mesmo tempo, estava aliviado. Na verdade, não queria matar aquele vigoroso veado. Após retornar ao grupo e contar o ocorrido, descobri que meu tio americano havia alvejado dois deles, que agora, pendurados numa árvore, eram preparados para o corte. Percebi que se tivesse matado aquele belo animal, caberia a mim retirar suas entranhas e, muito mais do que sentir repulsa, carregaria a culpa de ter tirado sua vida. Agradeci imensamente o fato de ter errado o alvo. Mais do que nunca, estava feliz com minha má pontaria...

 

 

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