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Cachoeirão do Rio Silveiras... a pé!


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PROGRAMA DE ÍNDIO NO RIO SILVEIRAS

O Rio Silveiras é um desconhecido curso dágua q nasce à leste de Casa Grande (sudeste de Mogi), próximo da beirada de planalto da Represa Ribeirão do Campo. Seu tortuoso trajeto rumo litoral se notabiliza não apenas pelo seu acidentado e encachoeirado curso, mas sim pq gde parte dele estar inserido no miolo da arisca Reserva Indigena Guarani Ribeirão Silveiras, lugar onde ainda gente de fora não entra sem permissão do cacique ou mta negociação com a Funai. Pois bem, graças a intercessão de alguns contatos - um gringo q vem fazendo um belo trabalho com os arredios habitantes da aldéia - recebi o convite irrecusável em andarilhar pelo lugar, espremido numa região ao sopé da Serra do Mar e a Rod. Rio Santos, já na divisa entre Bertioga e São Sebastião. Era uma rara oportunidade de adentrar neste pequeno e maravilhoso paraíso próximo da maior metrópole da America do Sul, porém reservado apenas aos descendentes legítimos e diretos dos primeiros habitantes do pais.

 

A manhã prometia, pois além do sol radiante o céu encontrava-se totalmente limpo e seco qdo eu e o Gil rasgávamos a SP-98 sentido Bertioga. Uma rápida e oportuna parada no tradicional “Posto da Balança”, no km 77, foi necessária durante o trajeto. Já previamente avisados das formalidades de praxe dentro da aldéia, compramos um “agrado” pros índios mais gabaritados e q provavelmente mandam e desmandam no pedaço: o cacique e nosso suposto anfitrião. Evocar o antigo escambo com q os potugueses cortejavam os antigos índios ainda é bastante eficaz nos dias de hj, e somente assim selaríamos de fato nossa permissão de entrada em suas terras, obtida verbalmente dias antes mediante mta negociação. No caso, nossa “moeda de troca” era um simplório fumo de corda pois qq tipo de bebida logicamente não era recomendável.

Ao ganhar a Rio-Santos zarpamos sentido litoral norte, já com o calor abafado daquela bela manhâ encharcando nossas blusas antecipadamente dentro do veiculo. Após cruzar o Rio Guaratuba e a divisa com São Sebastião, já na altura da Boracéia, atentamos pra precária e escassa sinalização indicando o sentido da arisca e pouco conhecida aldeia. Pergunta aqui e ali, pouco depois nos deparamos numa larga estrada de areião alvo já rodando sentido a verdejante muralha da Serra do Mar, cujos cumes agora estavam encobertos por uma espessa camada de nuvens, incluindo o espetacular domo rochoso vertical da Pedra da Boracéia.

Como quem tem boca vai a Roma, tropeçamos enfim na cancela e guarita q antecipa a entrada da aldeia as 10hrs. Após dar nossos nomes sob o olhar sisudo de um indião mal-encarado tivemos sinal verde e adentrar oficialmente em território indígena, aliás, uma das reservas mais fechadas de Sampa, onde o entra-e-sai de “cara-pálidas” é nulo. Turistas, nem pensar. Rodando ainda mais um tanto já se pode observar as tais ocas, enormes palhoças com alguma roça ao lado, espalhadas ao largo da estrada e separadas umas das outras por gdes distâncias. Distâncias estas vencidas de bike, moto ou mesmo a pé pelos seus transeuntes de pele vermelha, olhos puxados e rostos amendoados. Nos chamou a atenção tb o fato de preservativo não ser algo utilizado ali, tendo em vista o constante fluxo de mulheres de tds idades grávidas ou carregando crianças no colo. Contudo, diferentemente das degradadas aldeias do Rio Branco, Marsilac, Ubatuba e Jaraguá, esta aqui é bem mais preservada e cuidada, guardando boa parte de suas características originais. Não vi lixo algum, diga-se de passagem!

Após passar uma simpática escolinha e desviar de trocentas galinhas foi q chegamos na “oca de recepções”, onde nosso jovem anfitrião, “Papu”, nos aguardava. O interior da mesma era gde e espaçoso, e devia nos dar uma idéia de como seria a “oca-modelo” dali. Redes estiradas nas estremidades abriam espaço pro amplo centro, onde haviam bancos com sinais de fogueira no meio. E meu receio dum choque indisfarçável de culturas, no entanto, foi vencido verdadeiramente na raça ao longo da animada conversa.

“Papu” não devia ter nem 25 anos mas aparentava bem mais em virtude da vida dura na roça. Falava português fluentemente embora o sotaque não escondesse suas verdadeiras origens. Sua esposa era a simpática Ju, q ali fumava seu cachimbinho de odor peculiar, acompanhada do pequeno filho, q se escondia a td hra na nossa presença e comentava algo com a mãe num dialeto indígena ininteligível. Aliás, perceber q gente de fora entra raramente entra aqui é algo q se percebe na pele, pois tds te desferem um olhar tanto de curiosidade como de reprovação. Por educação não perguntei, mas a Ju era “ocidental” demais pra ser nativa dali, o q leva a crer q fosse supostamente uma estudante de biologia q acabou ficando e ficando. Depois a encontrei até no facebook! Isso q é não abrir da modernidade.

Pois bem, após dar nosso “agrado” ao “Papu” – q ficou feliz da vida, embora não gostasse da foto q bati dele – tomamos algum conhecimento do dia-a-dia dali. Na aldeia não falta nada em termos de tecnologia, tanto q o q mais vimos eram jovens ouvindo musica com celulares mais sofisticados q o meu! Entretanto, sobrava pros mais velhos se responsabilizarem em manter as antigas tradições e costumes dali. Maquinas de lavar e parabólicas estão onipresentes, constrastando com a rústica simplicidade das “casas”, feitas de palha, madeira, pau-a-pique e folhas de bananeira. A auto-suficencia é regra geral, com cada um plantando milho, palmito, mandioca e por ai vai, e criam galinhas. O excedente é comercializado pra fora, assim como algum artesanato. Além disso, mtos membros buscavam formação técnica nos arredores, mas é só. Convivência ou entra-e-sai de “brancos”, nunca. Salvo algumas raras exceções. E nos éramos uma delas.

“Papu” estava de “molho” devido a um mau-jeito na roça e somente por causa disso teve tempo pra nos receber, mas não teria condições de nos acompanhar na trilha. O cacique, por sua vez, não se encontrava naquela manhã pois estava no centro de Bertioga noutros afazeres “oficiais”, mas isso não nos impedia de prosseguir com nosso objetivo de atingir as cachus. “Papu” nos deu as indicações de como aceder o rio q banha a aldeia meio q preocupado conosco, tanto q queria nos empurrar um “guia”. Mas nos o tranqüilizamos afirmando q sabíamos nos virar dentro do mato e q dispensávamos qq tipo de ajuda. Nos alertou tb de tomar cuidado com as jararacas, comuns durante td verão.

Pois bem, atentando bem pras infos do astuto índio colocamos enfim nossa pernada em prática. Primeiramente tivemos q pegar o carro e tocar por uma bifurcação na estrada até o final. Uma vez lá, sem saída, abandonamos o veículo e começamos a buscar a picada. Acabamos perguntando numa oca próxima – sob o olhar desconfiado de uma velha índia emqto sua numerosa prole escondia-se na habitação – e pronto, encontramos uma vereda bem batida partindo de um punhado de bananeiras e pés de palmito. Eram apenas 11hrs qdo enfim colocamos efetivamente pé-na-trilha, desviando dos galos q ciscavam alguma coisa e vacas pastando a beira do caminho.

A pernada inicia no aberto atraves de algumas roças pra logo mergulhar em definitivo na mata fechada. Bem batida, visivel e amparada por toras nos trechos repletos de brejo, nossa marcha evidentemente costeava um enorme morro q antecedia o vale propriamente dito. Cruzamos com alguns pequenos córregos no caminho até q 15min após iniciada a pernada emergimos numa clareira, tomada por um misto de pés de palmito, um milharal seco e roça de mandioca, onde ela aparenta se perder em meio a algumas bifurcações. No entanto, o bom senso indica tomar a direção nordeste e é ali q a vereda de fato é retomada.

Num piscar de olhos desembocamos às margens do calmo e manso Rio Silveiras, q aqui marulha plácida e serenamente sem corredeira alguma, cortando bonitas praias fluviais. A vereda acompanha o lado esquerdo do rio, mas logo o cruza a outra margem atraves de uma pinguela improvisada, na verdade uma enorme arvore tombada perpendicularmente ao curso dágua. Do outro lado, nossa marcha prossegue cruzando uma floresta tomada pelo odor agridoce de jacas espatifadas pelo chão, pra então emergir novamente noutra clareira bem maior q a anterior, enorme até.

Na mega clareira a vereda aparenta se perder, mas é dali q temos uma vista do verdejante Vale do Silveiras cavando seu curso serra adentro, sentido norte/nordeste. Um gigantesco deslizamento numa das gdes encostas (esquerda, aliás) deixa amostra a face rochosa da montanha, destoando do verde escuro da vegetação e serve de referencia de q rota deveríamos tomar. Pois bem, seguindo nessa direção cruzamos a clareira em diagonal e, bingo, encontramos novamente a continuação da trilha conforme supúnhamos.

Mergulhamos então na mata outra vez, tendo o som audível do rio quase bem à nossa esquerda, mas a picada termina nos levando até sua margem em definitivo. Buscamos e buscamos a continuidade e nada, deduzindo assim q agora a pernada se dava atraves do leito pedregoso do regato. E foi assim q fizemos. Diferentemente do manso trecho anterior, aqui o rio era mais movimentado e, ao invés de praias de areia fluvial, tomado por pedras de tds os tamanhos represando piscinas e poços a contento.

Dessa forma fomos avançando lentamente rio acima, ganhando altitude imperceptivelmente a medida q adentrávamos caddda vez mais vale adentro. As vezes topávamos com enormes ilhas fluviais q nos poupavam saltar de pedra em pedra, mas logo este processo era retomado adiante, cada vez em nível mais e mais pesado. Ao nos depararmos com voçorocas intransponiveis de mata tombada (urtigas, principalmente) no caminho, mais precisamente ao sopé do mega-deslizamento avistado na encosta esquerda, o bom senso nos diz desviar do mesmo pela encosta oposta, menos suja de mato.

Mas nossa permanência varando mato pela encosta direita é curta pq logo nos vemos outra vez saltando pedras no rio, onde a marcha progredia bem mais rápido. E assim, na base de constante e pesada escalaminhada, avançamos em meio aquele mundo de enormes pedras desmoronadas, q demandam tanto dons de escalada como ventosas nas mãos e pés, dependendo do trecho. Uma enorme pedra surge aparentando barrar nosso caminho, mas desviando de gretas traiçoeiras, lajes escorregadias e nos enfiando no meio de chaminés suspeitas e estreitos quebra-corpos nosso avanço se mantem no mesmo compasso. Num trecho o único jeito de seguir em frente era atraves de uma pequena caverna formada por pedras desmoronadas, mas isso so era possível pq não tava chovendo.

Dessa forma ganhamos terreno e altitude gradativamente, sempre desviando de enormes poços e pequenas cachus no caminho. Suando em bicas promovidos pelo constante trepa-pedra, enfim alcançamos o sopé de um enorme lajedão inclinado onde o terreno aparentava nivelar. Ali tb podíamos avistar uma gde queda logo adiante e cujo rugido de agua despencando já era ouvido a algum tempo. E seguindo desimpedidamente pelas aderências secas do tal lajedão acabamos desembocando ao sopé do enorme Cachoeirão do Silveiras. Eram apenas 12:30hrs, estávamos na cota dos 110m de altitude e havíamos percorrido até ali apenas 4 terriveis e acidentados kms, segundo o possante GPS do Gil.

O Cachoeirão do Silveiras consiste num enorme paredão rochoso, de quase 40m um pouco inclinados, de onde a gaua do rio despenca não num único jato mas sim espalhada de forma homogênea por td superfícies da muralha rochosa. Infelizmente a baseda queda não dispõe de um enorme poço como de praxe por conta da profusão de pedras menores aflorando, dispondo apenas de uma generosa banheira. E realmente impressiona ao vivo. Ali, eu e o Nando nos presenteamos com uma merecida parada antes de dar continuidade a nossa pernada. E claro, com direito a banho de cachoeira.

Meia hora depois, refeitos e revigorados, retomamos a marcha avaliando por onde deveríamos aceder ao alto da cachu e ganhar o nível sgtte. Pela lógica decidimos ir pela encosta florestada menos íngreme, ou seja, pela direita. E assim varamos um mato inicial pra depois nos vermos escalando mato quase na vertical. Esse penoso processo foi gratificado com uma valiosa descoberta: uma trilha mais q batida q acompanhava td margem direita do rio ate então e q nos passou desapercebida. Uhúúú! Prosseguindo então por ela em nível, logo ela ganhou alguns lances mais íngremes e nos levou ao alto da cachu, de onde tivemos uma bela e prvilegiada vista do vale percorrido. Claro q por conta das pedras visguentas e escorregadias não nos arriscamos a espiar a vista de fato na beirada da cachu, apreciando a paisagem mesmo de um trecho seguro e bem aderente.

O rio aqui nivela e a picada passa a acompanhá-lo pela encosta desimpedidamente, em meio a sua florestada e íngreme margem direita. Alguns trechos de mata tombada geram confusão, a trilha se perde e é reencontrada varias vezes, ate q se perde em definitivo. Mas como basta seguir o rio optamos em ir por ele mesmo, saltando de pedra em pedra sem gde dificuldade. E assim chegamos na segunda cachu do dia, a do Tobogã ou Escorrega, as 13:40hrs e situada a 200m de altitude. A queda faz jus ao nome pq consiste num enorme escorregador de pedra q guarda mta semelhança com o Escorrega, em Maromba (RJ), porem de proporções superlativas se comparada a fundo com a famosa queda carioca. E naquele lugar paradisíaco, isolado e sem lixo ou muvuca alguma tivemos uma parada mais prolongada, com direito a lanche e mais tchibum, enqto o firmamento ameaçava se cobrir de nebulosidade mas q não passou disso, ameaça.

As 14:30hrs retomamos a marcha de volta pra aldeia trazendo a tiracolo alguns carrapatos como lembrança, claro. Nossa vontade era prosseguir ate outra queda rio acima, na cota dos 500m, q segundo o “Papu” era espetacular. Mas infelizmente não tínhamos tempo. Alem de não haver trilha ate lá, certamente o trajeto deveria ser tão acidentado e demorado qto o anterior, e não tínhamos equipo apropriado nem mto menos asas pra abreviar o percurso. Pois bem, o dia já tava ganho ao alcançar aquelas duas belas quedas do Silveiras, sentindo-me privilegiado em poder estar ali naquela regiao tão reservada e exclusiva.

A volta desta vez foi feita pela trilha q havíamos encontrado, claro, e q nos passou desapercebida na ida. A picada é bem obvia e costeia td margem direita do rio. Num piscar de olhos ganhamos o alto do Cachoeirão e passamos a descer atraves de uma larga crista descendente depois. A picada, enfim, bordeja a íngreme encosta o restante do trajeto, onde por entre as frestas de vegetação podemos observar q já estavamos na altura do mega-deslizamento avistado durante a ida. Isso em questão de menos de uma hora! Até finalmente desembocar na picada principal, ou melhor, numa bifurcação pq aquela em q andávamos era de fato a principal. A bifurcação era aquela q nos levou ate a margem do rio, após a mega-clareira. Portanto após a mesma, prestar atenção a esta ramificação pois ela leva diretamente as quedas sem a ralação nem escalaminhada q tivemos na ida. Mas se serve de consolo, pra gente resultou num ótimo exercício físico e de navegação.

Num piscar de olhos estavamos no pontilhão sob o agora manso Rio Silveiras, onde o Nando não se fez de rogado e mandou ver o tchibum de despedida. Na sequencia percorremos o restante da trilha ate finalmente ir de encontro ao veiculo, nos despedir rapidamente do “Papu”, q nos disse do cacique nem dar sinal de vida naquele dia, pra felicidade do Gil, q se apropriou do fumo de corda. Dizendo adeus, as 16:30hrs, àquela vida de índio peculiar damos, enfim, as costas à aldeia, situada em domínios do Nucleo São Sebastiao do Pque Estadual da Serra do Mar. No caminho ainda paramos num posto de conveniencia a beira da Rio-Santos pra bebemorar a empreitada. A ocasião merecia e com juros, claro. Porém com moderação pro motorista, o q não se aplicava ao carona, no caso, eu.

 

Apesar de já não existirem os estranhamentos nem de cultura nem de comunicação vividos outrora pelos índios brasilieiros com a trupe de Cabral, hj o povo da Reserva Silveiras convive perfeitamente com a proximidade da Rio-Santos, preservando sua cultura de forma simples e direta. Adotando a tática do distanciamento e da resistência a “civilização” plena, até agora conseguiram uma impressionante independência mto bem resolvida. E como em time q se ganha não se mexe a coisa deve permanecer assim por mto tempo. Sendo assim, é improvável q o “homem branco” comum tenha acesso facilitado ao bucólico paraíso q é o Vale do Rio Silvieras.

Diferente de parques nacionais, adentrar sem convite (ou na surdina) em território indígena é algo não recomendável pois seus habitantes são imprevisíveis e guardam rancor desde longa data dos chamados “cara-pálidas”, à diferença dos guarda-parques q apenas te aplicam uma multa. Aquela é propriedade particular deles e sabem mto bem disso. A defenderão a qq custo e com força se preciso. E convenhamos, ninguém gosta q invadam seu quintal e perturbem seu sossego. Particularmente, fiquei pilhado em subir o rio até suas nascentes ou até a terceira cachu, mas isso dependerá novamente da boa vontade do cacique ou de nova negociação com as pessoas certas. Dar “cambau”? Nem pensar. Mas é aquela coisa: sonhar não custa nada, assim como o eterno sonho de convivência pacifica entre os povos, seja qual for a tom de sua pele.

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