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Cachoeira da Fumacinha - sem guia e com chuva!


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Fumacinha, a Intocável

A Fumacinha era um destino certo desde a primeira vez que eu comecei a namorar a Chapada Diamantina, ainda nos planos, ainda nos sonhos. Quando fui a primeira vez à Chapada, no entanto, não tinha nem como cogitá-la, pois eu ainda não sabia como as coisas funcionavam por lá na Chapada, não planejei alugar carro, e foi então que descobri que a Fumacinha estava bem escondidinha, lá no Sul do Parque. Eu sabia, então, que ela requisitava um estudo e planejamento só pra ela.

 

Um ano mais tarde, eu voltei à Chapada, isso já em 2014, com a ideia certa de conhecer, em uma viagem só, de 5 dias, a Fumaça por Baixo (passeio de 3 dias) e a Fumacinha (passeio pesado de 1 dia só). Mas aconteceu o que acontece com seres humanos: não aguentamos o tranco: fizemos a Fumaça por baixo, mas arregamos em fazer a Fumacinha - As energias estavam esgotadas quando chegou a vez dela.

 

E agora, depois de ter feito a Fumacinha em 2015, eu e Paulo (amigo que me acompanhou nesse grande reconhecimento da Chapada durante já 3 expedições em 3 anos) chegamos a conclusão que fizemos uma excelente decisão em ter postergado esse passeio para 1 ano depois: Jun/2015.

 

A Fumacinha requisita um planejamento, mas não só isso: ela requisita que você poupe energias para conquistá-la. Sem gasto de energia você não vai conseguir.

 

 

Então foi que dessa terceira vez que planejei a Fumacinha, todo o planejamento da viagem rodou ao redor dela. O planejamento foi todo feito em cima dela, de forma a que nada pudesse atrapalhar a sua realização. Desde o aluguel do carro, desde o posicionamento da trilha em um dia em que estívessemos descansados, o planejamento do translado até Baixão e a possibilidade de acampar já adiantados na trilha, próximos a Baixão.

 

Saiba que Fumacinha não é um desses passeios que se faz de improviso. É preciso sim deixar as coisas prontas e planejadas, caso contrário você tem muitas chances de não obter sucesso, ou abortar o passeio - talvez mesmo antes de começar.

 

Programamos o aluguel do carro, programamos o que faríamos no dia anterior, e onde estaríamos na véspera do Dia D. A ideia era dormir em Baixão e começar o passeio o mais cedo possível. A Fumacinha é um passeio que não dá pra você só falar da trilha em si, é necessário falar de toda a programação do dia anterior (...como se a trilha por si só não bastasse. Se basta…)

 

 

Então a nossa jornada começa no dia 05 de Junho, uma sexta-feira, fizemos um passeio light na Cachoeira Buracão (que já tínhamos visitado em 2014), saímos de Buracão direto para Baixão. A vantagem dessa logística é que o Parque de Buracão fica na metade do caminho entre Fumacinha e Ibicoara. Poupamos uma viagem de ida e volta para Ibicoara além do que iriamos começar o passeio muito mais cedo (dormindo em Baixão) do que quem dorme em Ibicoara (a 30km de estrada de terra do início). Tudo isso para evitar o fracasso de uma trilha que, já sabíamos, seria difícil.

 

Antes de pegar essa estrada, é necessário um flashback importante….

 

 

No dia anterior (dia 04 de junho, quinta feira) quando chegamos à Ibicoara, já tínhamos um guia contratado para fazer Buracão conosco na sexta-feira. Mas , assim que chegamos a Ibicoara o guia nos sugeriu trocar o passeio de Buracão com Fumacinha (isto é, fazer Fumacinha primeiro pra depois fazer Buracão). Ele sugeriu isso por duas razões: pois ele sabia que nossa prioridade era Fumacinha (ele já sabia que conhecíamos Buracão) e porque ele havia nos informado que a previsão para sexta era nublado, mas que para sábado era de chuva.

 

O que acontece é que a Fumacinha com chuva é um passeio bem complicado. Recebemos a notícia apreensivos, mas… o que podíamos fazer?

 

 

Dia 04 de Junho - A Véspera do Dia D

Nesse dia 04 que chegamos à noite em Ibicoara tinha sido o dia em que tínhamos vindo direto desta trilha - a trilha mais estressante de todos os tempos. Não estávamos cansados só fisicamente, mas também psicologicamente. Era impraticável cogitar a ideia de emendar Fumacinha já no outro dia por causa da previsão de chuva. Se uma chuva no sábado atrapalhava os planos, o nosso estado na quinta feira simplesmente inviabilizava a troca dos passeios Buracão e Fumacinha.

 

Foi por essa razão que apesar de o universo estar conspirando contra todos os nossos passeios nesse reconhecimento 3 , em 2015, da Chapada, nós batemos o pé e mantivemos o nosso planejamento: TINHA que ser Buracão na sexta (pra relaxar e abastecer o tanque) e Fumacinha no sábado quando estivéssemos 100% novamente, apesar da provável chuva.

 

Na sexta-feira fizemos o passeio de Buracão, tranquilos e sem pressa, a trilha é curta e usamos o passeio mais pra “descansar” (Apesar que ficar curtindo a Buracão é algo cansativo, pois é um poço com muita correnteza e muito gelado - se gasta muita energia também). Mas depois de curtir a Buracão ficamos um tempo na Cachoeira das Orquídeas (cachoeira anterior a Buracão). Esta, muito mais tranquila, com poço raso, sem correnteza, com sol batendo, e locais para se descansar.

 

Ficamos um pouco lá (com o nosso guia morrendo de fome, doido pra voltar pra sede do parque enquanto a gente nadava e tirava fotos) acumulando energia para o dia que estava por vir. Saímos cedo ainda do complexo do Buracão, algo próximo as 16h, porque queríamos chegar ainda com luz do dia na bucólica vila de Baixão.

 

A Bucólica vila de Baixão

Confesso que eu estava muito curioso para chegar nessa vila. Uma vila esquecida pela tecnologia, sem telefone, sem internet, com apenas TRINTA habitantes (segundo a dona Bia que mora lá), palco de um dos maiores tesouros do Brasil. Eu queria chegar cedo em Baixão também porque eu não sabia muito bem como as coisas funcionavam lá. Eu sabia apenas que era uma vila pequena, que tinha alguém lá que oferecia comida e TALVEZ estadia.

 

Estávamos preparados (MAIS OU MENOS) para dormir em barracas, de qualquer forma. O “mais ou menos” se deve ao fato de eu não ter podido levar o meu cartucho de gás para esquentar nossa comida, (pois fui de avião) e acabamos esquecendo de comprar esse cartucho em Salvador - ao que parece, único local no circuito Salvador-Andaraí-Mucuge-Ibicoara que vende esse item de camping. Não havia esse item disponível nessas cidades que passamos. Tínhamos a tiracolo apenas barras de cereais, biscoitos e um tolosco de mortadela (salvadora mortadela!) para o caso de nenhuma comidinha caseira ser oferecida para nós na tão esperada vila: Baixão.

 

O Tote, o nosso guia que tivemos contato em Ibicoara nos indicou a Bia: segundo ele, ela iria nos oferecer comida e estadia (não é hotel, nem pousada, nem albergue) é apenas a casa dela que tem quartos sobrando, e ela oferece os quartos por uma quantia a combinar com ela.

 

Como eu sabia que era uma vila pequena, sabia que a luz do sol deveria ditar bastante os horários por ali. Então eu temia chegar após as 18h e encontrar todo mundo dormindo, inclusive a Bia. Isso significaria dormir na barraca (ok, dá pra aguentar) comendo mortadela (morrer a gente não morria, mas quanto vale uma comidinha caseira e um colchãozinho gostoso?)

 

Se fossemos pensar bem, até mesmo isso impactava no sucesso de Fumacinha no outro dia. Uma boa noite de sono era fundamental! Mesmo porque, de fato Tote estava certo, consultando o climatempo (isso antes de ir a Buracão, porque depois de chegar em Buracão ficamos desconectados do mundo) indicava dia nublado o dia todo e chuva a qualquer hora para o sábado dia 06, o dia D que escolhemos para nos curvarmos à Fumacinha. “Chuva a qualquer hora” era melhor do que “chove o dia todo”, mas com certeza não era o melhor dos cenários.

 

Saímos tranquilos, então, de Buracão, direto em direção a Fumacinha. O Tote nos deu essas dicas pra tornar possível essa logística favorável e foi por isso que contratamos um guia para Buracão diretamente la na porta do parque - é que se ele tivesse vindo conosco de desde Ibicoara, nós teríamos que voltar a Ibicoara para deixá-lo lá de volta (a maioria dos guias ficam em Ibicoara) e então retornar a Baixão.

 

Tendo contratado um guia na porta de Buracão, não demos nenhuma volta, saímos do parque e fomos direto para Baixão (sem precisar voltar à Ibicoara).

 

Tenho que admitir que, apesar dos pesares dessa viagem, o dia da véspera à Fumacinha saiu perfeitamente perfeito. Tudo conforme o esperado. Er, bem, quase tudo. Tirando o fato de que arranhamos o carro depois de uma derrapada fora dos planos na estrada de terra do Buracão (e sofremos até o final da viagem achando que íamos pagar o olho da cara - mas não pagamos o/ [não corra na estrada de terra!]) e o fato de na saída de Buracão eu ter esquecido a minha carteira no teto do carro, saímos fora e de repente eu vejo uma coisa preta voando ao lado da janela? Não sei como eu chutei que era alguma coisa minha mesmo. Recuperei a carteira, eta carteira aventureira!!! Mas tirando esses dois insanos itens, sim, foi tudo perfeito! E chegamos em Baixão aproximadamente às 17h.

 

A estrada não é complicada, qualquer um consegue te explicar, são poucas as bifurcações confusas. Não precisamos parar nenhuma vez no meio para perguntar outras pessoas. Passamos o Brejão e então chegamos à Baixão.

 

Chegando lá, vimos 3 senhores de mais idade sentados na “calçada” em frente a algum comércio qualquer (o único da vila, obviamente). Paramos ali e perguntamos por Bia. Eles logo apontaram para trás e disseram que era “naquela casa amarela”. Bem, não tinha muito como errar por ali. Na direção apontada só havia uma casa, não era amarela, mas estava na direção que eles apontaram. Era a primeira (ou quase, eu acho..) casa da vila. De lá saia uma animada e sertaneja-brega música. Pelo jeito deveria ser lá, pois na porta da casa tinha algumas mesas de plástico como se ali fosse uma espécie de bar, mas sem nenhum cliente por ali. Será que aquilo enchia mais tarde? Afinal , era sexta-feira!

 

Chegamos e logo Bia apareceu à porta. Muito simpática, parece que já esperando por visitantes de Fumacinha. Não é uma cachoeira que fica entupida de gente - talvez porque ainda é pouco conhecida e porque é difícil de chegar - mas ao que parecia Bia estava acostumada a receber visitantes.

 

Ela logo comentou o que tinha a oferecer: como Tote havia comentado, realmente havia a tão sonhada comidinha caseira (se fosse só a comidinha já era meio caminho andado!) mas ela disse também que realmente oferecia quartos para dormir. Nós não tínhamos planejado esse gasto, mas eu decidi que ali seria um bom momento para realizar o “gasto surpresa” , aquele gasto que vc esquece do bolso e faz com gosto, pelo bem do passeio. Se existia um passeio em que eu queria investir para que ele saísse o melhor possível era a Fumacinha.

 

Eu perguntei qual era o preço para Bia, pois eu não tinha ideia de o quanto ela cobraria por ali. E a princípio ela me ofereceu quartos por um preço muito alto. Eu prontamente tive que declinar, lhe disse que por aquele preço não dava. Eu não estava querendo ser chato e não estava barganhando, apenas era um preço aquém do que o meu “esquecimento de bolso” poderia arcar. A gente esquece, mas tudo tem um limite. Eu confesso que esperava que ela fizesse uma contra-proposta mesmo. Ela comentou que na vila existem mais duas casas que oferecem estadia. Eu perguntei curioso “é mesmo? mas percebi prontamente que ela ficou preocupada com a minha curiosidade e ofereceu um preço muito mais em conta para os quartos na mesma hora. Eu juro que não perguntei “é mesmo” como chantagem do tipo “se você não abaixar o preço vou para outra casa então!” Juro que não foi! Mas sem querer soou assim, eu fiquei um pouco sem graça, e lhe comentei que nós estávamos preparados para dormir na barraca, que não queria incomodá-la, e que se não fosse possível fazer aquele preço mais acessível (e que eu podia pagar) que não haveria problema algum, ficaríamos, já, muito satisfeitos só com a comida caseira, seria o máximo!

 

Mas ela insistiu e disse que não tinha nada, continuou 100% simpática, e que ali não tinha disso não, que o que pudéssemos contribuir estava valendo!

 

Tudo se ajeitou assim então, ela nos mostrou o quarto, em sua singela casa, grandinha até, com quartos sem porta, só uma cortininha: coisas que só em uma vila de 30 pessoas você vai ver. Tiramos algumas coisas do carro, curtimos o visual da vilinha nas últimas horas de sol, babando principalmente no paredão típico da Serra do Espinhaço, aquele que te dá vontade de tirar fotos sem parar.

 

Lá pelas 17h, a gente escutou que a Bia estava mexendo na cozinha e não deu nem 17h30min ela perguntou: “já querem jantar?” Consultei 3 vezes o relógio, mas era isso mesmo. Janta às 17h30min!!! Ok, eu sabia que as coisas eram mais cedo na roça, mas eu não sabia que era tanto! Falei com ela que gostaríamos de jantar um pouquiiiinho mais tarde (isso pra mim equivalia no mínimo as 20h), mas eu sabia que não ia dar pra segurar tanto, pelo jeito Dona Bia ia dormir cedinho todo dia hein.

 

Arrumamos nossas coisas, e depois de mais duas chamadas pra jantar, conseguimos postergar a janta para às 19h30min (já foi uma boa vitória). Sentamos à cozinha, experimentamos uma deliciosa comidinha caseira, simples, mas gostosa, com direito a cuscuz (é isso mesmo, Paulo?) e um bifão de carne (há alguns dias que não víamos isso). Tinha um gostoso suco natural e já as 20h estávamos quase pronto era pra dormir mesmo.

 

Acho que lá pras 21h Bia já se preparava para dormir, acompanhamos o balaio, visto que no outro dia 6h em ponto deveríamos estar de pé, e botar o pé na trilha no máximo, estourando, as 7h da manhã.

 

Não tive uma boa noite de sono, porque havia muitos mosquitos ali (aliás, sofri a viagem toda em todos os destinos com mosquitos) mas dessa vez, na casa da Bia foi de besteira: no quarto tinha um mosquiteiro, mas eu esqueci de usar! De qualquer forma, deu pra descansar e então as 6h da manhã o despertador tocou.

 

O Dia D acordou feio - Quase começando a trilha

Acordei. Durante a noite escutei chover muito. Tomara que tenha chovido tudo que tem pra chover - pensei. Saí do quarto e abri a porta da casa enquanto a dona Bia já arrumava o nosso café da manhã - dentro do pacote combinado. Olhei pro céu, mas nem precisou levantar a vista muito : céu completamente nublado com muita neblina, nuvens carregadas de garoa. Not good…

 

Parece que chutamos o pau da barraca, porque a essa altura do campeonato, mesmo que já sabendo que a previsão era ruim, acho que acreditamos que ela poderia errar. Mas agora tendo visto que a previsão não errou, já estávamos nos sentindo no estilo “estamos no inferno abracemos o capeta” ou na mais literal de suas concepções: “se estamos na chuva, vamos então nos molhar!”

 

Não sei aonde foi parar o meu maior medo nessa trilha, o de uma tromba d’água. Mas talvez esse medo tenha se amenizado um pouco quando Tote, quando ainda em Ibicoara, nos deu alguns toques e recomendações. Eu lhe comentei sobre o meu medo de enfrentar uma tromba d’água, mas ele olhou pra mim e disse:

 

“Tromba d´’agua?? Ah nãão… relaxa! Lá durante a trilha tem lugares laterais de escape. Só dá problema mesmo se você estiver no ponto ‘bla’”. Ele falou o que era esse ponto blá, mas eu não me lembro mais qual era esse ponto e não tive tempo ou nem me atentei para tentar identificar qual era a parte da trilha onde essa questão era crítica. A questão é que ele disse é que havia apenas um trecho onde uma tromba d'água poderia ser fatal, de fato. E isso só aconteceria com muito muito azar.

 

Foi uma boa notícia, pois uma das coisas que mais temia nessa trilha era de fazê-la com chuva. Segundo Tote, o maior risco mesmo era de tombos e fraturas durante a expedição pelo leito do rio.

 

Eu já havia feito uma trilha sobre leito de rio em época chuvosa, o famoso Canion do Peixe Tolo e sua sombria cachoeira, há muitos anos atrás quando eu ainda nem sabia o que era uma tromba d’água. Mas agora em Fumacinha, muitos anos depois, eu sabia bem, e nunca me sai da cabeça aquele vídeo de uma tromba d´água em algum país oriental (Índia?) Matando uma família inteirinha. Eu sempre tenho na minha cabeça que ou eu morro de cobra ou eu morro de tromba d’água. Não sei qual dos dois prefiro mais…

 

Enfim, o comentário do Tote havia me deixado mais tranquilo, e sobre a caminhada sobre leito do rio, eu achava que ia tirar isso de letra. Modéstia a parte, eu tenho uma boa habilidade em andar em pedras, eu considero que é uma das minhas maiores habilidades em trilha. Não que seja difícil, mas acho que isso foi o que mais treinei em toda a minha história de trilheiro, digamos assim - se aqui conto todos os anos desde moleque onde corria o rio da Cachoeira Véu da Noiva, da parte debaixo até a parte de cima, várias vezes em um mesmo dia…

 

Tomamos o café então, com frutas, suco, um café com leite gostoso e quentinho pra começar a esquentar aquele dia… porque tava frio. Não terrivelmente, mas algo em torno de 20 graus. uma chuvinha fina….

 

 

A Trilha

As 7h em ponto nos despedimos da Dona Bia, deixamos o carro estacionado ao lado da casa dela (ela estava indo pra Ibicoara no fim de semana mas falou que podia deixar o carro lá estacionado tranquilo) e começamos a andar em direção à Fumacinha. Da casa da Bia até o início da trilha são 1,41km de estrada de terra tranquila. Decidimos fazer esse pedaço a pé também por pura muquiranice, pois a Dona Bia nos disse que lá onde se deixa o carro, o carinha que mora ao lado costuma cobrar uma taxa. Indo a pé não tem taxa. A bia falou que eram 10 minutinhos até o inicio da trilha, então achamos que pagava a caminhada a mais. Esses 1,41km dá um pouquinho mais que 10min (que a Bia falou), mas mesmo assim é tranquilo, estrada plana.

 

Começamos caminhando de boa, mas já de cara com chuva, chuva fraquinha, apenas botando um medinho sobre a possibilidade de não conseguirmos completar. Liguei o GPS e apesar do tempo horrivelmente feio e fechado, o meu bom e velho Garmin aguentou o tranco e conseguiu, durante esses 1,41km iniciais encontrar os satélites e começar a me guiar.

 

Um pouco antes de chegar até a porteira onde a trilha se inicia um carro passou por nós, e era de Salvador, muito provavelmente - pensei então - não seríamos os únicos malucos a fazer aquela trilha naquele feio dia. Isso era uma boa notícia, pois sofrer um acidente no meio da Fumacinha, sem gente pra apoiar, não deve ser das coisas mais agradáveis.

 

Eu tinha o track da trilha, passada por um amigo meu (ainda difícil encontrar esse track na internet) e então começamos bem. Logo chegamos na cancela que a Bia havia informado que tínhamos que virar. Batia com o que estava no GPS mas mesmo assim confirmamos com um senhor que estava na casa ao lado (provavelmente o cara que cobra a estadia de carros) e ele confirmou a passagem.

 

Não era uma cancela, era uma porteira. mas vai saber, devem chamar cancela e porteira tudo igual. Esses primeiros metros da trilha eram uma trilha com muito mato, era uma passagem de carro mas visivelmente há muito tempo não usada. Até mesmo para andarilhos o mato estava alto. A lembrança da cascavél da trilha de 2 dias atrás ainda reinava minha mente, assim que fomos com calma. Mas esse matinho chato durou pouco, só até encontrar com outro braço da trilha já logo nesse início. E nesse braço encontramos certinho com o grupo do Carro de Salvador, como previsto. Isso foi bem no comecinho mesmo.

 

Eu achei ótimo termos companhia, pois podíamos precisar sim.

 

Desde os primeiros segundos já tinha dado pra perceber que era um guia que estava à frente do grupo, devido a seu linguajar e palavras de incentivo ao resto do grupo, formado por mais 3 pessoas (um casal de jovens , e uma mulher de uns 30 e tantos, me parece).

 

Nós ficamos na frente do grupo e então íamos ouvindo/pescando algumas coisas que o guia ia falando sobre a tirlha. Disse ele que eram 3km de trilha normal antes de começar a pular pedra. E ele estava indo num ritmo bom, então assim fomos também em um ritmo forte nesse começo até que chegamos na primeira travessia do rio.

 

Importante comentar que a primeira travessia do rio é uma quebrada de trilha à direita que pode sim confundir. Não há placas, e desavisados podem seguir direto (como quase nós seguimos - só não , por causa do GPS e confirmação do grupo com guai que vinha logo atrás). Acredito que a trilha que segue direto deve ir a outra cachoeira, muito provavelmente a Cachoeira Véu da Noiva (mas nõa tenho certeza.)

 

Chegamos ao rio e aí veio um primeiro testinho, uma passagem pelo rio, mas molhando os pés. Tiramos os tênis e atravessamos ele com uma pequena dificuldade. Não estava cheio o rio, mas também não vazião. O grupo com o guia teve alguma dificuldade para atravessar, nós passamos mais rápido e seguimos viagem. Não queríamos que parecesse que estávamos bicando o guia, pois nós não pagamos, e eu acharia falta de educação fazer isso. Estávamos lá por conta própria. Nesses primeiros minutos de contato com o grupo, deu pra perceber que o guia não estava muito aberto a nos ajudar, de fato. Pelo menos isso foi o que ficou transparecendo.

 

Logo depois da travessia do rio, andamos mais um pouco de trilha e então chegamos mais uma vez ao leito do rio. Chegamos antes do grupo e eu presumi que ali já tínhamos que atravessar o rio novamente. Cruzamos sobre pedras mas logo chegou o grupo atrás e o guia tomou outra direção, subindo o leito do rio rente a borda direita mesmo, sem atravessá-lo. Bobos que não somos prontamente voltamos para a borda direita do rio (nessa parte não molhava os pés, pois tinha muitas pedra altas) e subimos mais um pouco.

 

Aqui aconteceu algo que se repetiu algumas vezes durante o passeio. O guia dava uma paradinha qualquer dizendo que o grupo tinha que olhar não sei o que, ou pra descansar, ou pra tirar alguma foto, e nos deixava passar dizendo que “estávamos em um passo melhor e mais rápido”. De fato estávamos mais rápidos mesmo. Mas na segunda vez, aconteceu de novo que tentamos investir em uma passagem pelo rio que não estava dando resultado e um pouquinho mais a frente o grupo nos alcançava de novo e então o guia mostrava algum canto muito mais rápido de se ir. Nós parávamos , voltávamos a segui-lo. Então o guia parava o grupo, deixava a gente passar e íamos por conta própria à frente novamente.

 

A sensação que tínhamos é que o guia não queria nos mostrar o caminho correto. Pois ocorreu algumas vezes de estarmos bem a vista dele, ele ver claramente que estávamos indo pra algum lado errado, ele nada falava e então só sabíamos que estávamos errados porque ele já estava indo com o grupo por outro lado.

 

É importante salientar que nesse comecinho de investida no leito do rio, ainda há alguns pedaços onde há algumas trilhinhas significativas na parte direita do rio que podem ajudar a ganhar um tempinho. Mas isso é só mais no comecinho mesmo.

 

Quando falo “lado errado”, não pense que existem muitos lados pra se ir. Na verdade, chegado o segundo encontro com o rio, não tem muito pra onde fugir. É só seguir o leito do rio. Mas isso dito assim pra quem imagina a trilha abstratamente, imagina um leito bonitinho onde é só ir subindo sem nenhum problema.

 

Mas não é bem assim. No começo erramos 2 vezes antes de chegarmos ao nosso primeiro grande erro.

 

O 1o. grande erro

Dai, um pouquinho mais a frente chegamos em um primeiro ponto importante da trilha. Um super poço, grandão, onde na parte direita havia um paredão de pedras - impossível passar - e a parte esquerda que parecia oferecer uma passagem. Não pensamos duas vezes, e atravessamos então o rio para a parte esquerda, para tentar atravessar o poção - primeiro obstáculo significativo da trilha.

 

Fomos indo, subindo pedra, passando pela lateral, até que….. fim da linha. Chegamos em um ponto alto, uma pedrona grande e alta, que não permitia continuar de forma segura até o fim do poção. Enquanto isso, imagina o que acontece..? Isso mesmo. O grupo com o guia nos alcançou novamente e começa a atravessar o poço por onde…. ? Pelo impossível paredão da direita. COMO??? (pensamos ambos ali, estupefatos enquanto voltávamos pernadas atrás para corrigir o erro).

 

Assim... não foi nada demaaais esse erro, mas começamos a perceber que cada errinho em cada parte do leito do rio ia acumulando, e isso podia custar muito caro ao passeio. O que estava me deixando completamente tranquilo é, que se o grupo do guia - que estava muito mais lento - ia chegar, nós com certeza também íamos chegar, então não tinha tanto problema assim.

 

Perdemos 10minutos nessa brincadeira de tentar atravessar o poção pela esquerda, voltamos e alcançamos o grupo no começo do paredão à direita. Mas eu estava muito curioso pra saber como é que ele ia fazer pra atravessar a segunda parte do paredão que simplesmente não oferecia apoio pra continuar sem que se nadasse no poço. Será que era nadando???? Eu não lembrava disso nos relatos, mas parece que ia ser assim!

 

Em uma parte do paredão era preciso se agachar e era preciso ir com bastante cuidado pra não cair na água. Não era perigoso, pois qualquer coisa caía no poço, mas era bem perigoso pra todos os meus itens eletrônicos xD. De jeito nenhum que eu poderia cair! Logo depois dessa passagem pela “pedra rachada” (ponto clássico da trilha) chegou a hora H! Quero ver passar agora, seu guia! (pensei eu). E então ele diz: Agora é só pisar aqui:

 

PLEC.

 

Tchanaaaaam! Mas o que???? Quem diria?? Colado ao paredão, tinha um chão “secreto” submerso, mas invisível, porque a água de fumacinha é muito escura e não permitia ver. Só mesmo conhecendo aquele pedaço pra saber que tinha um chão fininho, uma espécie de passarela colado ao paredão, tipo, poucos metros, cerca de 10 metros de chão invisivel submerso, certinho pra atravessar o resto do poço!!!

 

Nessa hora eu pensei comigo mesmo: “Como eu ia saber que era aqui ??? NUNCA!” Foi nessa hora que tive raiva do meu amigo Wiliam que não me falou desses trechos complicados da trilha?? Segundo relatos que li , todos diziam “é só seguir o leito do rio”. Como assim “só”? É 1 rio só mesmo. Mas não é simples. Pelo menos não estava sendo! Como se o leito do rio fosse uma passarela?? A questão é que cada errinho daqueles impactava no passeio. Bom, mas o pior não era isso. O pior era ter constatado que se aquele guia não estivesse ali, teríamos gastado MUUUUITO mais tempo pra ter descoberto aquela passagem secreta! Sério. Pra mim, aquela passagenzinha foi tipo um empurrão em uma parede no jogo Wolfeistein 3D, achando uma passagem secreta! Muito difícil de ver!

 

Enfim, ultrapassamos o guia de novo na já conhecida tática dele de nos deixar passar. Passamos pelo poço, subimos uma seguinte passagem onde havia uma corda para ajudar a subir a pequena queda d’água daquele poço e continuamos subindo.

 

Logo depois, matutando com os meus botões, de repente, me veio algo a mente. É que eu percebi que estávamos muito lentos, muito mesmo, afinal estava chovendo fraco e todas as pedras estavam totalmente molhadas e bem escorregadias, não dava pra botar quinta marcha. Eu julguei que NUNCA que aquele grupo chegaria a tempo em um dia só. Foi aí que eu comecei a desconfiar que aquele grupo não iria fazer um bate- volta para Fumacinha, mas sim que iriam dormir no meio do caminho. Nessa hora eu confesso: me bateu um desespero. É porque eles poderiam estar preparados para pernoitar por ali, mas nós não estávamos.. Então se eles àquela velocidade iam pernoitar, nós precisávamos andar a uma velocidade muito maior do que a deles!

 

Sei lá se foi isso que de repente fez a gente errar menos. A questão é que depois deste grande erro no primeiro poção da trilha nós disparamos na frente. Ficamos calculando eu e Paulo se eles de fato iriam acampar? Não estava com cara! Porque nenhum deles estava levando muita coisa e o único que estava levando um mochilão era o guia, mas mesmo assim não tinha muita coisa. Parecia apenas uma mochila um pouco maior com alguns primeiros socorros. Só se eles fossem acampar em algum lugar sem mochila! (só ao teto do luar, estilo tinham feito os pernambucanos na Toca da Capivara, 1 ano antes, la na trilha da Fumaça…)

 

Pelos meus cálculos, era isso aí. Qualquer hipótese estava um pouco estranha: tanto o guia ter uma barraca mágica a tiracolo que cabia 4 pessoas, tanto quanto aquele grupo topar acampar sem barraca (o grupo não estava com cara que ia encarar esse tipo de coisa) tanto quanto chegar a tempo pra só um bate-volta! A aquela velocidade, sério: eles não iam chegar nunca!

 

Mas nós vamos! E foi assim que continuamos, então, rio acima! Depois desse poção seguimos, lentos, mas seguimos. Tivemos mais alguns pequenos erros. Mas aquele grande erro no primeiro poção nos deixou mais ligadões, eu acho. Para duas coisas importantes: A primeira é olhar com mais cautela antes de tentar o que parecia mais óbvio “Nem tudo que reluz é ouro”. E o segundo acreditar que o que parecia impossível talvez não fosse.

 

Erramos pouco e assim seguimos bem por uma boa parte do leito do rio, sem mais surpresas. E depois que passamos o primeiro poção, não teve outras trilhinhas significativas não. Foi tudo mais ou menos em cima do leito do rio mesmo e aos poucos eu já estava percebendo uma coisa que eu já suspeitava desde o princípio: o GPS não ajudava muita coisa sobre o leito, devido a uma necessária micro-localização, dentro de um canion e com o dia nublado? Sem chance. Não tinha micro-localização. A única coisa pra que o GPS servia naquele momento era pra confirmar que estávamos no rio certo (heheheheheheheh - mas iremos lembrar desta risada mais tarde).

 

Mesmo assim, virava e mexia eu dava uma olhadela no GPS pra confirmar que estava tudo ok por enquanto. Já eram 9h30min e ainda estávamos muito, muito longe de Fumacinha. Pelos meus cálculos, apesar de nossa bela velocidade, não ia dar tempo. Cada vez mais eu me convencia que apesar da improvável hipótese, ela é que parecia ser mais provável: o grupo do guia TINHA que acampar por ali, pois não iam conseguir de jeito nenhum!

 

Numa dessas olhadelas no GPS, bateu um levezinho desespero quando percebi que por alguma razão que não sabia qual, a última parte do track até Fumacinha não tinha subido (ou o GPS tinha dado pau). Nada demais já que era só seguir o leito do rio A NÃO SER Pelo fato de que eu sabia que mais adiante o rio se dividia em dois!

 

Sim o rio se divide. Eu sabia que sim! Tinha até marcado o lindo ponto “Bifurcação Y” no track, mas o ponto sem linha nada informava! Eu tinha estudado a bifurcação no mapa. Só queee… so queeee… eu não sabia pra qual dos dois lados eu deveria ir. Não não não mesmo! Não decorei porque “pra decorar se eu tinha o track!” Bateu sim um levinho desespero mas decidi omitir essa informação do Paulo, porque eu precisava do otimismo de alguém na trilha visto que o meu , minuto a minuto estava começando a morrer. Eram 9h50min, e ainda estávamos muito longe do destino final.

 

Pelo meus cálculos, nós deveriámos estar na Fumacinha no MÁXIMO até as 11h da manhã. Isso daria 4h de trilha, botando + 4h pra voltar, isso nos daria o privilégio de 1h curtindo a Fumacinha e assim chegando ainda com luz do dia em Baixão as 17h , tranquilos.

 

Eu confesso que antes de começar a andar no rio, achei que íamos estar muito mais rápidos do que de fato estávamos indo. Eu estimava que íamos sim conseguir a trilha em 3h30min, abaixo da média 4h que se ouve por aí. Mas pelo andar da carruagem, não era bem isso que estava se desenhando.

 

Apesar do meu otimismo estar morrendo de gota em gota, tipo a chuva que não parava de cair, continuamos muito bem e num ritmo forte, apesar de lentos, pois estávamos sobre um leito de rio com pedras grandes, molhadas e bem escorregadias. Levamos alguns tombos, mas poucos, e nenhum deles significativo. Eu ia descalço e Paulo de meias, acho que a melhor forma de encarar esse rio. Ir calçado não é a melhor estratégia, pelo menos penso eu.

 

A Bifurcação do Rio

Foi então chegada a hora de encarar o unidunitê. Bem.. não foi exatamente um unidunitê porque felizmente o GPS deu uma noção mais ou menos da direção que eu tinha que tomar. Só que não havia track pra lá. Eu parei, esperei o GPS “estabilizar”, pois àquela altura do campeonato eu já tinha percebido que o GPS estava perdendo o sinal de satélite várias vezes XXX foto. Então agora era torcer pra que naquele momento da decisão ele estivesse OK e não apontando uma direção errada - o que não era tão impossível assim.

 

Também, pela vazão de água, parecia mais provável que a queda estivesse a esquerda mesmo. Falei para o Paulo: “vamos para a esquerda” e então fomos.

 

Eu não estava muito confiante. Eram 10h30min. Eu não tinha a ideia precisa de quantos quilômetros faltavam para Fumacinha (nem parei pra ver na hora), mas no olho eu sabia que faltava muito. (Agora, no pós viagem olhando o mapa, eu medi que faltavam 1,46km). Sim, uma distância ainda incrível para uma trilha sobre leito de rios. Se bem se lembram , uma média de velocidade geral que se faz sobre leito de rios é 1km/h. A velocidade de alguém em condições normais sobre um leito de rio é essa aí (mais ou menos a nossa também). Então, 10h30min + 1,46h de trilha, a gente não ia chegar antes de meio dia. Só isso.

 

Aliada a essa ideia de que ainda faltava muito estava a descrença de que eu tinha escolhido o lado certo. Isso porque a cada hora que eu olhava o GPS pra confirmar a direção correta, o GPS ficava louco e desenhava qualquer coisa. O GPS estava perdido, perdendo freqüentemente o sinal dos satélites.

 

Uma coisa que deu um certo ânimo nessa segunda parte sobre o leito do rio foi que a trilha ficou mais rápida, numa parte do rio onde dava quase pra correr, tava fácil e plano. Poucos metros assim, mas deu uma adiantada.

 

Logo apareceu um poção grande e uma queda significativa e conseguimos passar rápido por ela, pela direita (se bem me lembro). Paulo perguntou se eu não queria tirar fotos? Eu falei que não. Realmente eu estava bem preocupado com o horário. Na verdade, eu estava pronto pra desistir a qualquer momento. Não é drama. É porque eu sabia que tava longe. Era mais de 1km, eu sabia que não havia a menor possibilidade de chegarmos lá as 11h. E quanto mais eu olhava pro GPS mais eu agonizava. Sempre parecia que a gente tinha escolhido errado. Paulo continuou forçando pra seguirmos.

 

Eu perguntei a ele se ele estava preparado para más notícias?

 

- Eu estou preparado sim, bora!

 

Eu tive certeza aquela hora que se eu estivesse sozinho, eu não teria conseguido. O Paulo me puxou naquela hora que eu tava quase desistindo mesmo. A minha moral e o meu psicológico começaram a definhar, isso porque quanto mais eu olhava pro GPS e pro horizonte a frente, mais eu tinha certeza que eu tinha errado o unidunitê. É que o canion parecia que estava se ABRINDO. NENHUM sinal de que ele estava se fechando como mandava o figurino! Eu lembrava a todo momento do relato feito pelo Antonio, amigo meu, dizendo que aos poucos a Fumacinha ia aparecendo ao fundo, com o canion se afunilando. Mas cade o canion se afunilando?? O canion tá se abrindo!

 

Esses próximos 200m eu já estava preparado para dar um pulo naquela queda intermediária como um premio de consolação. Mas eu estava disposto a tentar Fumacinha de novo no domingo, agora acertando o lado que eu tinha amargamente errado!

 

Falei pra Paulo que o nosso tempo estava começando a chegar em uma fase crítica. Ainda havia tempo, mas agora era chegar ou chegar.

 

Fim da linha

Eu tentaria mais 15 minutos e daria por finalizada a tentativa de chegar a Fumacinha. Até que chegamos ao segundo poção depois da bifurcação. Uma respeitável cachoeira com uma vazão interessante. Em condições normais de pressão e temperatura eu teria já pulado no poço e tirado muitas fotos. mas tínhamos que passar. E cogitamos ir pela direita. Fomos passando até que…. FIM. Havia uma passagem possível, mas bem perigosa, pelo menos pelos meus cálculos, onde era necessário se pendurar em uma pedra com o poço a direita com algumas pedras. Cair era um belo tombo capaz de terminar com qualquer brincadeira.

 

Sério, pra mim era o fim da linha. Dadas todas as condições do trajeto naquele momento, para mim infelizmente a brincadeira tinha acabado. Eu já estava pensando na tentativa do dia seguinte ou até mesmo na próxima expedição em 2016. Nada feliz, é claro. O meu psicológico morreu ali mesmo. Mesmo mesmo.

Paulo estava vivo ainda. Pendurou na agarra da pedra e conseguiu subir com facilidade até, para a pedra que levava para o além, do poço, TEORICAMENTE. Perguntei se ele estava vendo Fumacinha, ele disse que não, que ia ver se dava pra atravessar o poço por ali. E que voltava já. Assim que ele andou, eu não tinha mais ângulo de visão para avistar o que ele estava tentando, mas tudo bem então.

 

Me contentei em esperar um pouco, certo de que ele voltaria dizendo que talvez daria, mas que não tinha certeza, pra mim seria o suficiente para eu sepultar de vez a ideia e voltarmos, é claro, sem moral alguma, já esperando encontrar o guia na bifurcação, rindo de nossa cara pois havíamos errado o que nunca poderia ter sido errado: só a bifurcação mais importante e mais fácil da trilha. Ou talvez quem sabe ainda daria pra seguir eles? Ou veríamos eles armando a barraca antes da bifurcação e teríamos que dizer que não chegamos? Vai se saber, de qualquer forma seria bem chato..

 

Passaram-se sei lá, 3 ou 5 minutos, mas parecia mais, e o Paulo não voltou. A única coisa que eu pensava agora é que pra completar o fiasco da tentativa é que Paulo, na sede de chegar, tivesse caído em algum lugar e agora estava gritando e eu não podia escutá-lo. Bateu um desespero e então eu decidi ir atrás dele. Eu tirei a mochila das costas pois tinha noção da dificuldade que seria subir aquela agarra para a pedra de cima.

 

Eu logo pendurei na agarra, mas já com a experiência de perrengues passados onde quase levei tombos fatais em pedras, eu calculei se eu conseguiria voltar sozinho para de onde estava vindo? E já parecia um tanto ruim. Hesitei demais, e pulei de volta para a pedra inclinada que era o único que me parava antes do chão. Caí de cotovelo me ralei todo indo parar, na parte certa, mas caí de costas, apenas um pequeno susto. Só que eu tinha hesitado. Agora não sabia mais o que fazer.

 

Alguns minutos depois o Paulo voltou e disse:

 

-Eu acho que é por aqui - disse Paulo.

-Você consegue DESCER de volta? - perguntei provavelmente com um semblante muito negativo.

 

Eu tinha a certeza absoluta que ali não passava ninguém, ERA perigoso, e fiquei com medo de Paulo ter dificuldades de voltar. Eu só iria se primeiro ele testasse a volta.

 

Ele desceu com alguma certa dificuldade devido a altura, mas deu certinho o pé. Tendo ele testado a descida então, subiu de volta e me convenceu - quase que a contragosto - de continuarmos por ali.

 

Eu não estava acreditando que a passagem para Fumacinha apresentava aquele grau de dificuldade. Ainda não conseguia conceber a ideia que aquele grupo atrás de nós em uma velocidade e habilidades muito menores iriam ter que passar…. AQUI?? Nesse lugar que eu estou hesitando?

 

Era mais que certo que sozinho ali eu já teria desistido a muito tempo. Entreguei a minha mochila ao Paulo. Subi pela agarra sem pensar na volta e agora estava na pedra de cima. Era agora.

 

 

A Reta Final

Não tinha como ser por ali. Eu tinha certeza que aquela empreitada final não ia dar em nada. Combinamos agora mais 15 minutos de tentativa ou voltaríamos, tendo já estourado o nosso tempo. Já eram aproximadamente 11h20min e nada de Fumacinha a vista!

 

Depois dessa parte difícil, a trilha continuou no leito do rio, não difícil, só lento como sempre.

 

As 11h40min, então, avistamos o afunilamento. De bem longe dava pra ver ela caindo. Eu juro que não acreditei. Já fazia mais de meia hora que eu tinha perdido completamente as esperanças. Eu ia sendo puxado pelo Paulo arrastando o meu psicológico morto pelas pernas. E daí quando eu vi a Fumacinha lá no fundo o psicológico ressuscitou.

 

O tempo tava completamente estourado, mas não tinha como parar ali, é óbvio.

 

Falei que ainda íamos demorar 30min pra chegar até a base dela, e foi quase isso. Continuamos, agora já querendo tirar um milhão de fotos daquela visão: estonteante, é claro. A gente já sabia que ia ser estonteante, e aquilo não decepciona de jeito nenhum.

 

No afunilamento final, havia uma subida de pedras inclinada que investimos. Eu tive a impressão que não era por ali mesmo, foi um pequeno erro final. Voltamos e reinvestimos no meio do leito do rio até que chegamos.

 

A chegada em Fumacinha é triunfal. Sim, eu fiquei arrepiado. Por tudo o passado até aquele momento, e por aquela chegada magnifica. Continuava chovendo, até pareceu que tinha começado a chover mais forte. Eu pensei que será que era ali o ponto fatal para tromba d’água? Mas até que não. Quase na base da fumacinha existe essa subida lateral esquerda que pode ser usada caso o rio suba. A parte fatal deve ser mais pra trás, mas eu não me lembro onde era, não consegui detectar essa parte.

 

Nos últimos 50metros, até chegar a base de fumacinha, tem uma passagem lateral por pedras que apresenta alguma pequena dificuldade, mas nada comparado ao vencido até ali. Só tira uns preciosos minutinhos mesmo.

 

Eram 12h05min. 5h05min de trilha!!!!! Inacreditável! Eu achei que daria pra fazer em 3h30min, ou em 4h no pior dos casos - errei feio, errei rude! Com a natureza não se brinca! Fizemos num tempo limite relatado pela “literatura cachoeirística”. Nos relatos o que eu tinha visto era algo entre 4h e 5h. Fizemos nesse limite. Já estourados no que eu tinha calculado de tempo com margem de segurança. A margem já estava sendo gasta agora.

 

Fizemos tudo muito rápido. Tiramos muitas fotos. Fiquei só de sunga rápido e pulei naquela poçãozão inóspito, gelado, sem sol quase sempre e com uma pancada de água caindo. Não tive tempo pra sentir frio. Pulei sem acostumação primeiro. Cumprimentei a Fumacinha. Tentei me aproximar dela, mas ela não deixou. Forte, poderosa, imponente, estava brava. Cumprimentei-a de longe.

 

Fumacinha, a Intocável.

 

Eu estava radiante. Somando tudo do passeio: a dificuldade + a recompensa: aquilo era uma vitória e tanto. Depois recuamos os 50m pra comer algum lanche forte pra volta. 5h de ida e 5h de volta, pra ficar 40 minutinhos na cachoeira. Não é algo leve.

 

O que tínhamos para o almoço? Um pão de sal e um tolosco de mortadela: huuuuuuuuuuuumn. Sr. Gourmet! DETONAMOS a mortadela. Comi uns biscoitos , tomamos muita água e….. 13h, bora!

Sabíamos que ia cansar, mas tinha que voltar!

 

Obrigado, Fumacinha

Começamos a volta no mesmo ritmo da ida. Forte. Depois de 100 metros, com quem é que encontramos? O grupo com o guia! Eu nem olhei pra cara dele, pra falar a verdade. Tomei antipatia. E senti assim como se a nossa chegada por conta própria fosse a nossa revanche pela não-simpatia que ele teve conosco. As vezes pode ser que eu esteja sendo injusto, mas essa foi a sensação. Os outros passaram. Achei bizarro ele estarem chegando à queda as 13h! Era muito tarde!!! Eles tinham começado no mesmo horário que nós. Se demoraram 6h pra voltar, mesmo que ficassem apenas 1minuto na cachoeira iam chegar as 19h em Baixão! Supondo que ficassem meia hora, que já é pouco la.. faça as contas da luz do sol!

 

Realmente não sei qual foi o truque do guia pra voltar. Talvez pararam menos na volta, sei lá. Sei que quando passou a menina, ultima do grupo eu perguntei: “vcs vão acampar aqui?” E ela respondeu “Não, vamos voltar pra Ibicoara”. Pensei num “boa sorte” mas não falei. Era certo que os ultimos quilômetros iam ser feito a noite, por eles. A ultima travessia do rio era bem no inicio da trilha. Não deve ser muito bom atravessá-lo de noite.

 

Mais 100 metros a frente, cruzamos com mais dois grupos! Um grupo de 3 caras, sendo que um parecia um guia mais experiente. Ele perguntou se havia outro guia a frente? Respondi que sim. Esse guia estava com a cara fechada, como se estivesse ali a contra-gosto. Ele falou “eu nem queria vir, mas eles insistiram” (se referindo a um casal de amigos logo atrás) “nós só vamos dar uma cuspida ali e voltamos. “ - fazendo referência ao tempo estouradíssimo e apertado, dando tempo suficiente apenas pra acenar pra Fumacinha e voltar.

 

De fato, chegar as 13h é um pouco pesado demais. (eu já achei pesado chegar as 12!)

 

Logo depois um grupo de mais 3 pessoas, a mulher me perguntou que horas eu tinha começado a trilha, parecia também um pouquinho preocupada. Mas pelo menos havia, no total, 10 pessoas na Fumacinha, mais nós 2, que estávamos voltando. Um número considerável para uma trilha pesada dessas, ainda mais em um dia chuvoso e fechado.

 

Lamentei um pouco pensando que poderia ter curtido mais tempo na cachoeira, se soubesse que havia 10 pessoas atrás de nós. Mas deu pra curtir relativamente bem (40 minutos lá). Voltamos num pé bom.

 

A volta pela pedra da agarra foi feita com muita cautela, mas não tivemos problemas em voltar. Tudo estava mais calmo agora. Só precisávamos fazer a última travessia do rio com luz do sol, o resto (2km e pouco) poderíamos fazer com lanterna, não tinha problema.

 

Voltamos bem, e praticamente sem erros. Chegamos à bifurcação Y novamente, demos uma breve paradinha ali naquela parte amena e plana. Comemos e bebemos rapidamente e continuamos.

 

Seguimos praticamente sem paradas. Algumas partes da trilha nós não lembrávamos direito onde tínhamos passado na ida. No poço anterior ao “poço da pedra rachada” fizemos uma passagem perigosa pela esquerda (e só depois nos lembramos que era pela direita). mas não aconteceu nenhum problema. Mais pro final da trilha o sol apareceu pela primeira vez e deu a breve gentileza de secar algumas pedras. Era MUITO melhor ir com as pedras secas, deu pra sentir. Pena que foi só no final.

 

Chegamos no poço da pedra rachada, gravamos e fotografamos a parte difícil, passamos com tranquilidade. Achamos a trilha à esquerda saindo do rio. Paulo desenhou setas sinalizando a trilha (muito mal sinalizada em quase toda a sua totalidade). Botamos as botas, andamos rápido já aí às 17h20min aproximadamente.

 

Finalmente chegamos à ultima travessia do rio. Tiramos as botas e percebemos que o rio estava significativamente mais alto, batendo na altura da cintura (na ida estava na altura das canelas). Penso que existe o risco de se ficar preso ali caso chova muito.

 

Mas passamos sem dificuldades. Depois disso, fizemos os 2km finais fáceis frente à um longo trecho de leito de rio. Andamos bem e terminamos à trilha exatamente as 18h já com o fim da luz do sol, chegando em Baixão.

 

Ainda chovia. Chegamos no escuro na vendinha ainda aberta naquele sabadão (fechava às 19h). Na vendinha havia uma senhora, um pai com o seu filho bebê em cima da mesa de sinuca jogada por ninguém e o dono da venda onde tínhamos comprado um biscoito de morango no dia anterior.

 

Pedi meio sem esperanças uma coca-cola. TEM. Gelada! Pedimos duas!

 

Nos sentamos no bar, abrimos o pacote de biscoito de morango e brindamos a coca-cola felizes. Pedimos informações de como chegar à Itaetê, praticamente sem energias, mas tínhamos que ir pra lá.

 

O bebê olhava pra nosso biscoito. Oferecemos um. A menina tinha algum problema com doces, não podia comer muito. O pai aceitou o biscoito, agradeceu, e disse ao bebê: “mas só esse, tá??”, e a criança comeu.

 

Agradecemos, saímos da venda no escuro total - em Baixão não há luzes na rua. Chegamos no carro, já tiramos as botas inutilizáveis quase como nossos pés, botamos os chinelos. Carro ligado e partimos pra Itaetê.

 

 

-----

Um agradecimento especial ao Paulo pelo apoio e muito positivismo que foi indispensável pro sucesso desta difícil trilha. Agradecimento tortuoso ao guia do grupo 1 também, que apesar da má vontade, acabou mostrando alguns trechos complicados de se achar passagem.

 

Obrigado Fumacinha, e até um dia!

 

Este relato está no artigo com todos os detalhes pra fazer este passeio, no blog dos Caçadores:

http://trilhados.blogspot.com.br/2015/09/cachoeira-fumacinha-por-baixo-chapada.html

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