Cerveja Artesanal: 12 ao redor do mundo que vale a pena visitar

Desde pequena fui doutrinada a estudar bastante para tirar boas notas, ingressar em uma faculdade renomada, construir carreira em uma grande empresa, crescer, crescer, crescer! Atingir certo status significaria felicidade. E lá estava eu, expatriada em Nova Iorque pela multinacional dos meus sonhos universitários, com uma carreira em finanças promissora. No entanto, me sentia incompleta, consumida em incertezas, estressada com as longas jornadas de trabalho, apática às conquistas e muito impaciente.

Cervejeira caseira, decidi então profissionalizar um hobby e apostar na paixão pela cerveja, largando tudo o que havia conquistado ao longo desses 10 anos de carreira e uma vida de dedicação. Continuar na inércia seria como um amante de cervejas especiais ignorar os outros estilos existentes e beber apenas Heineken – uma cerveja American Premium Lager de qualidade, equilibrada, com boa drinkability e um interessante amargor de lúpulo.

Contudo, estaria perdendo a explosão de aromas de uma IPA, o mistério de uma Saison, a vivacidade de uma Sour e o conforto que só uma Stout pode trazer.

A minha meta do sabático cervejeiro é conhecer o maior numero possível de cervejarias, brewpubs e cervejas no Brasil e no mundo, na esperança de que ao descobrir novos sabores e lugares vou me surpreender e me encontrar também.

De março de 2014 até agora, já visitei mais de 150 cervejarias e brewpubs(que produzem e vendem a bebida no próprio local) em mais de 20 países, com direito à degustação de acima de 2.000 rótulos.

E aí vão as 12 melhores cervejarias que visitei nesse período:

1. Denali Brewing Co, Alaska, EUA

A cervejaria está inserida em meio a um cenário mágico das paisagens do Alaska, com seus fiordes e geleiras deslumbrantes. Confesso que não esperava encontrar cervejas tão boas em Talkeetna, uma cidade de 700 habitantes! Minha favorita foi a sazonal Slow Down Brown, marrom escura, corpo alto, sabor intenso de chocolate, malte e avelã.  Super aromática, leva adições diversas especiarias como cominho, coentro, erva-doce, cardamomo cravo e pimenta de Caiena e canela. E ainda de quebra, a viagem terminou com as luzes da Aurora Boreal brilhando majestosamente na noite escura. Para mim elas pareciam estar dançando, mas isso pode ser pelos 8 pints que tomei!

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2. Funky Buddha, Florida, EUA

A Funky Buddha é um brewpub descontraído e agitado, com cervejas curiosas e de ótima qualidade. Seu maior atrativo é a audácia de suas receitas, que trazem sabores jocosos e tentadores. É possível encontrar cervejas arrojadas como a ‘Piña Colada Wheat Ale’, com infusão de coco e abacaxi em natura e a ‘Tell Reece Peanut Butter Cup Brown Ale’, com aroma e sabor do chocolate da empresa Hershey’s. Além de várias outras inusitadas como a de batata doce & mashmallow, torta de maçã, e uma que leva pepino em sua composição.

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3. Altstadthof, Nuremberg, Alemanha

A parte mais interessante da visita a Altstadthof são os impressionantes 25.000 metros quadrados, distribuídos em 4 andares de cellars (adegas), a quase 20 metros de profundidade. Foram construídos desde o século 14, com o intuito de armazenar cerveja. Lá, soube que, no ano de 1380, havia uma lei pela qual todos que quisessem produzir e servir cerveja deveriam ter um cellar para melhor acondicionar a bebida. Durante a Segunda Guerra Mundial, esses espaços se tornaram exemplos concretos de que cerveja salva vidas: em cidades na Alemanha devastadas por bombardeios, a mortalidade atingiu em média 40 a 50 mil pessoas. Em Nuremberg, estima-se que cerca de 6.000 pessoas morreram, número bastante inferior à média nacional, devido à proteção dos cellars de cerveja!

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4. Pilsener Urquell, Plzen, República Tcheca

Tomar a primeira Pilsen do mundo, feita da mesma forma há 172 anos, antes do processo de filtração? Somente visitando a Pilsener Urquell em Plzen na República Tcheca! “Urquell” em alemão ou “Prazdroj” em tcheco, ambos significam “a fonte ancestral”. Isso porque a Urquell foi a primeira cerveja do estilo Pilsen – de baixa fermentação, coloração clara – produzida no mundo em 1842 pelo mestre cervejeiro Josef Groll e mantém até hoje suas tradições.

Atualmente, cerca de 70% de toda cerveja consumida no mundo é do estilo, o que deixa evidente a importância histórica da cervejaria. A fábrica é enorme, tanto que alguns trechos do tour são realizados em um ônibus. Os cellars utilizados para ‘lagering’ (armazenagem) da cerveja realmente impressionam com seus 9km de extensão. Apesar do processo ter sofrido modernizações desde 1842, a empresa ainda mantém uma produção da forma antiga a fim de comparar e garantir que a cerveja continua com a mesma qualidade e sabor desde os primórdios! E é essa contra-prova que temos o prazer de degustar!

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5. Fuller’s, Inglaterra

É uma cervejaria bastante tradicional da Inglaterra, fundada em 1845 por John Fuller, Henry Smith e John Turner. Os prédios datam do século 19 e, durante a visita, você se sente voltando no tempo. A visita à cervejaria Fuller’s é uma verdadeira aula sobre as famosas Real Cask Ales e a história da escola cervejeira inglesa. 75% da produção é da cerveja London Pride e 2/3 da produção é de ‘Real Cask Ales’: cervejas fabricadas com ingredientes tradicionais onde a carbonatação é formada em um processo chamado de fermentação secundária que ocorre no próprio recipiente em que a cerveja é servida (casco, barril ou garrafa). É este processo que torna a Real Ale única entre as cervejas e desenvolve sabores e aromas.

No ponto de consumo, são tiradas manualmente com o uso de uma grande alavanca (hand pull pump), e não sofrem carbonatação forçada como na maioria das chopeiras que necessitam da pressão do gás para fazer a cerveja sair do barril. Curiosidade sobre uma Real Cask Ale: é adicionado um produto chamado ‘Isinglass fining‘ a fim de reduzir a turbidez da cerveja, cuja matéria prima tem sua origem, na sua maioria, no peixe. Ou seja, ao pé da letra, os vegetarianos não poderiam beber uma real cask ale da Fuller’s.

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6. Harviestoun, Escócia

Para chegar na cervejaria Harviestoun, são necessárias 2 horas de trem/ônibus a Alva, em meio a uma paisagem bastante pitoresca!

A cervejaria foi fundada há 30 anos e tem em seu portfólio Lagers e Ales, todos os estilos produzidos com o mesmo tipo de fermento – o que quebra bastante tudo o que você aprendeu nos livros sobre levedura de alta e baixa fermentação!

Em seu portfólio, exibem 7 estilos em garrafa, 3 em cask, 3 em kegs. Os destaques para mim foram as Ola Dubh. São feitas a partir da Old Engine Oil, depois de aumentar seu teor alcoólico de 6% a 10.5% abv – dando origem a Old Engine Oil Engineers Reserve – mais adocicada, deixando o amargor e o álcool menos perceptível do que o líquido de origem. Em seguida, a cerveja é maturada em barris de Whisky da Destilaria Highlands Park por 6 meses. As versões de 12, 16 e 18 anos se referem à idade do Whisky anteriormente lá maturado.

12 anos – possui aromas mais perceptíveis de madeira, carvalho, tosta;
16 anos – mais balanceada, boa para quem não está acostumado com os aromas e sabores intensos de Whisky;
18 anos – sabor mais intenso de Sherry, mais ácida e complexa.

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7. Orval, Villers-devant-Orval, Bélgica

São atualmente 10 mosteiros autorizados a produzir e comercializar cervejas com autenticidade trapista: 6 na Bélgica, 2 na Holanda, 1 na Áustria e 1 nos Estados Unidos. Tive a oportunidade de visitar 8 deles e ficar hospedada em dois – a Orval sendo um deles. Um dos momentos mais aguardados da minha viagem, superou todas as expectativas. Confesso que não sou das mais beatas, mas ao pisar no mosteiro Trapista da Orval, é impossível não se emocionar. O lugar é fascinante: presenciar os monges entoando o canto gregoriano dentro da catedral é de encher o corpo de arrepios. À noite, o cheiro do ar é de mosto cervejeiro, e as luzes baixas iluminando as paredes do labirinto dos edifícios é inebriante e até assustador.

A estadia é desfrutada em silêncio e as refeições em comunidade com espírito de cooperativismo e servidão.. E o melhor, sempre regadas à cerveja e queijo trapista da Orval, ambos produzidos aqui dentro!

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8. Cantillon, Anderlecht, Bélgica

A Lambic é uma cerveja produzida pelo processo de fermentação espontânea, ou seja, com os microorganismos do ar, na região do Vale do Rio Sena. A produção de cerveja na região surgiu da necessidade de empregar os trabalhadores das fazendas nos tempos de inverno, pois nesse período ficavam ociosos. Antigamente havia mais de 100 produtores de Lambic, contudo, atualmente restam apenas cerca de 9 devido às Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Isso porque muitas foram bombardeadas e outras tiveram seu maquinário roubado pelos soldados alemães em busca de cobre para transformá-lo em munição.

Em amostras de Lambic, pesquisadores da Universidade de Leuven encontraram cerca de 100 cepas de levedura distintas, 27 variedades de bactéria acética e 38 de bactéria láctica! Por ser uma cerveja de fermentação natural, como era feito nos primórdios, sazonalidade é um fator importante. Ela só pode ser produzida no inverno na Bélgica (fim de outubro a março).

A Cantillon foi fundada em 1900 por Paul Cantillon e é até hoje gerenciada pela família. Faz uso de equipamentos e métodos tradicionais do século 19 e matéria prima 100% orgânica. Produzem cerca de 1700 hectolitros por ano – volume irrisório se comparado ao total de 18 milhões de hectolitros de cerveja produzidos na Bélgica.

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9. Garage Project, Wellington, Nova Zelândia

Fundada em 2011, num posto de gasolina desativado, tem seu nome dado não só porque começou em uma garagem, mas também porque é a mentalidade pregada por seus cervejeiros & proprietários. A ‘Garagem’ é um lugar onde a criatividade não tem limites, onde debutam várias bandas, surgem diversas idéias – um mundinho onde não há julgamento e repreensão. Isso é refletido na arte dos rótulos e com certeza nas cervejas que produzem. E é um ‘Projeto’ pois é uma cervejaria em andamento, ainda em constante desenvolvimento, que busca arquitetar novas receitas, desafiar as teorias, e incorporar ingredientes extravagantes que passam a quilômetros de distância da ‘Reinheitsgebot’ (lei de pureza alemã). Quando começaram, eram tão pequenos que não se enquadravam nem na categoria de micro cervejaria.

Inauguraram com uma cozinha de 50 litros, e hoje já produzem cerca de 500.000 litros por ano. E não é ao acaso. Beber suas cervejas é mais do que um simples copo, é uma experiência que desorienta e entretém o seu paladar. Estão, com certeza, dentre as mais memoráveis que já provei.

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10. Brouwerij ’t I, Amsterdã, Holanda

*Brouwerij ’t IJ, cervejaria fundada em 1985 por Kasper Peterson, está localizada ao lado do moinho de Gooyer, em Amsterdam. A experiência já começa durante o caminho sobre os canais da cidade, com paisagens encantadoras que parecem retiradas de quadros de pintura.

Ao chegar na cervejaria, o ambiente é descontraído e a carta traz estilos diversos das escolas Belga, Inglesa, Alemã – apesar da maioria ser Belga, região onde Kasper se especializou na arte cervejeira. A cerveja Columbus, uma Belgian Strong Ale com 9% de ABV, surpreende com seu dulçor de malte, chocolate, frutado, balanceados com o alto amargor de lúpulo.

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11. Firestone Walker, Califórnia, EUA

Se você ainda não tomou uma Firestone e é amante da cerveja artesanal, coloque-a na sua lista. Todas as cervejas que degustei são insanas e a cervejaria possui uma história muito bacana.

Apesar de hoje estar bastante na mídia devido a suas inúmeros premiações em campeonatos mundiais, foi fundada em 1996 e embargada em 2001 por problemas financeiros. Ficou fechada por vários meses sem ação dos proprietários. Reza a lenda que Matt Brynildson, previamente cervejeiro da Goose Island de Chicago e SLO Brewing Company da Califórnia, pulava os portões da Firestone a fim de manter as cervejas na temperatura correta. Tanto que, quando finalmente Adam Firestone e David Walker puderam retomar a cervejaria, as cervejas estavam em excelentes condições. Atualmente, Matt permanece sendo o mestre cervejeiro da empresa.

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12. Moon Dog, Victoria, Austrália

Uma cervejaria me encanta quando possui uma trajetória inspiradora regada a boa cerveja. E os cervejeiros da ‘Moon Dog’, em Melbourne, são exemplos de que quem ousa ter um projeto em sua vida, largar tudo para buscá-lo, acabará conseguindo.

Os irmãos Jake e Josh Uljans e o amigo Karl van Buuren não tinham dinheiro quando fundaram a cervejaria – compraram todos os equipamentos no Ebay de fazendeiros e produtores do segmento agropecuário e aprenderam no YouTube como transformá-los em panelas para produção de cerveja! Além disso, para economizar o dinheiro do aluguel, se mudaram para o local onde seria construído a planta e passaram a dormir sob colchões de espuma no chão.

Felizmente os tempos de hoje mudaram e suas cervejas estão nos melhores bares da cidade – e também aqui no seu próprio Brewpub. O lugar é simples e despojado, todo decorado com móveis de brechó. A mistura do sofá com estampa de casa de vó, cadeiras avulsas sem combinação, abajures e candelabros cafonas, misturados aos barris de carvalho e tanques de fermentação, conseguem transformar o lugar num ambiente burlesco e sedutor!

Possuem em seu portfólio cervejas audaciosas e encorpadas, algumas feitas em parceria com duas das minhas cervejarias favoritas: americana ‘Rogue’ e a neozelandesa ‘Garage Project’.

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Texto: Roberta Tsustsui/Dastrips.com.br
Fotos:
© Roberta Tsustsui

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