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Por aí... Uma aventura solitária II


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  • Membros

Nicarágua, Costa Rica, Panamá, Colômbia e Venezuela (Caribe)

 

Por aí... Uma aventura solitária II

 

 

Sou um pouco de todos que conheci,

um pouco dos lugares que fui,

um pouco das saudades que deixei,

sou muito das coisas que gostei.

Entre umas e outras errei,

entre muitas e outras conquistei.

Ramon Hasman

 

 

Por aí... Uma aventura solitária II

 

 

À minha esposa

Janaina,

aos meus filhos

Dylan Thomas e Ana Paula

à minha mãe Maria

e a meus irmãos Adailton, Jailton e Roseli

 

 

 

Agradecimentos

 

Sou grato às minhas amigas Silvana Granato e Nayra de Oliveira e a meu amigo Telmo Siqueira

 

 

 

Homenagem:

 

Para Romilda (in memorian)

Que seu sorriso e o brilho de seus olhos continuem iluminando onde quer que você esteja.

 

 

PREFÁCIO

 

Assim como a primeira viagem, realizada em 2010, onde explorei solitariamente boa parte da Bolívia, Peru e Chile, e que acabou virando um livro (Por aí... Uma aventura solitária, editado pela DIOESC) [acesse o relato através do seguinte endereço: por-ai-uma-aventura-solitaria-pelo-peru-bolivia-e-norte-do-chile-t49087.html], esta também se deu da mesma forma, ou seja, foi realizada solitariamente, com uma mochila nas costas. Nela ousei conhecer lugares que não estavam no planejamento inicial e com isso pude enriquecer, ainda mais, este relato que compartilho com você, a partir de agora.

Estas descobertas, por certo, se deram graças a ímpetos que me ocorreram durante a viagem, uma vez que não costumo “engessá-las”, pois caso o fizesse certamente deixaria de conhecer lugares e coisas interessantíssimas ao longo desta jornada que perdurou por quase vinte dias.

Quando me decidi a fazer esta segunda viagem internacional, dei início a uma busca virtual por lugares exóticos e pontos turísticos nos países e cidades escolhidas. A internet é uma ferramenta fantástica neste e em outros sentidos. Através dela pesquisei o que conhecer, que passeios fazer, o quê e onde comer, beber, hospedar-me e como me deslocar de um local a outro.

Desta vez, não me preocupei tanto com o deslocamento, o que foi um erro, pois fui surpreendido em dado momento da viagem. Igualmente, na prática, não segui à risca o planejado, pois como disse, não costumo “engessar” minhas viagens com predefinições e arranjos limitados, com exceção da data de ida e volta.

Resolvi conhecer Caracas na Venezuela, Manágua na Nicarágua, San José na Costa Rica, Cidade do Panamá no Panamá e Bogotá na Colômbia (nesta ordem) e se houvesse tempo suficiente conheceria, ainda, Quito e as Ilhas Galápagos no Equador. Com as referidas pesquisas e os reajustes nas datas em função do carnaval, aumentei os dias de viagem e, com isso, pude desfrutar ainda mais os países percorridos.

A adrenalina desta viagem iniciou com a obrigação (que era a única certeza) de começar por Caracas, Venezuela e terminar em Bogotá, Colômbia, com data e hora marcadas para, então, tomar o avião de retorno ao Brasil, mas não sem antes peregrinar por parte da América Central.

A idéia inicial era chegar à Venezuela e, de lá, partir para América Central, cruzando assim a Nicarágua, Costa Rica e Panamá até retornar à América do Sul, entrando pela Colômbia. Com isto muitas cidades seriam visitadas e, o mais importante, conheceria o Caribe, que seria o ápice desta aventura que, com entusiasmo, compartilho através deste relato.

Desta forma convido os leitores a percorrerem novas aventuras pela América Latina e, juntos, desbravarmos o que há de mais fantástico nestes lugares.

Apronte a sua mochila...

 

 

12-03-2011 (sábado) – Brasil

Conforme programado, eu e minha esposa, Janaina Telles, por conta da necessidade de estar no aeroporto com três horas de antecedência, por se tratar de um voo internacional, acordamos às 04h30min. O voo para Caracas partiria às 08h e, após despedir-me de meus filhos que queriam nos acompanhar, mas estavam sonolentos e preferiram continuar dormindo, seguimos rumo ao aeroporto Hercílio Luz em Florianópolis.

A poucos quilômetros de casa nosso carro resolveu ferver o motor. Paramos num posto de combustíveis, pusemos água no reservatório e seguimos por mais alguns quilômetros até que a luz de STOP (pare) acendeu novamente. Tudo isto antes mesmo de cruzarmos uma das pontes que ligam o continente à nossa linda Ilha da Magia, como é carinhosamente conhecida a cidade de Florianópolis, Capital de Santa Catarina. O tempo foi ficando cada vez mais curto e, naquela altura, o relógio já marcava 06h30min. Com isso, infelizmente, tivemos que nos despedir ali mesmo e cada um tomou um táxi – eu para o aeroporto e minha esposa de volta à nossa casa, para mais tarde resolver o problema técnico do nosso velho e guerreiro carro que até então nunca tinha nos “deixado na mão”. Uma despedida nada programada, pois pensei em tomar um café da manhã no aeroporto e conversarmos um pouco mais antes de partir.

Enquanto aguardava o embarque, a forma encontrada para amenizar a ansiedade e tentar esquecer os contratempos ocorridos foi iniciar a leitura de uma das apostilas da pós-graduação em Gestão Pública que estava cursando no Instituto Federal de Santa Catarina – IFSC. As duas apostilas, juntamente com meu velho e companheiro MP4 seriam meu passa-tempo durante toda a viagem.

Também fiquei pensando que caso eu fosse supersticioso teria desistido da viagem devido a tantos contratempos que a antecederam. O problema com o carro e com o terceiro pododáctilo (terceiro dedo do pé) por causa de uma madeira que caiu sobre meu pé e resultou numa unha quase arrancada às vésperas da viagem, são apenas dois exemplos destes contratempos.

Persistente e confiante de que tudo aconteceria conforme planejado, deixei, sem muita opção, a responsabilidade com minha esposa e, às 8h embarquei rumo a cinco países da América Latina, afinal não poderia iniciar mais uma aventura senão pensando no melhor e sendo otimista de que minha esposa, como sempre, contornaria os problemas da melhor maneira possível.

Passei a refletir sobre quantas novidades estariam me aguardando nos países que resolvi conhecer. Entre elas, segundo minhas pesquisas, destacar-se-iam o Parque Nacional Morrocoy na Venezuela; a Ilha Ometepe na Nicarágua; o Parque Nacional Manuel Antônio na Costa Rica; San Blas e o Canal do Panamá no Panamá e, por fim, o bairro Lá Candelária, a Catedral de Sal e o extravagante restaurante Andrés Carnes de Rês na Colômbia. Lugares como a Cordilheira de Mérida, localizada na cidade de Mérida na Venezuela, onde Charles Chaplin viveu por muitos anos e onde se encontra o mais alto e extenso teleférico do mundo e a Mitad del Mundo (Metade do Mundo) e Ilhas Galápagos no Equador dependeriam de tempo para que eu pudesse conhecê-los.

Parti de São Paulo para Caracas às 11h de uma manhã chuvosa num voo que durou seis horas. Senti, logo na decolagem, um “aperto no coração” e um “embrulho no estômago” ao pensar que estaria, novamente, me distanciando dos meus amados filhos, esposa, família e amigos, para lugares distantes e desconhecidos, numa viagem solitária que duraria quase vinte dias.

Compreendia que estava indo ao encontro de lugares interessantes e que a viagem me conduziria a outras terras, outros mares, outras eras e outros ares. Sabia que haveria algo mais a ser descoberto, provado ou sentido, sem saber exatamente o quê. Contudo deixava novamente o Brasil em direção a mais uma inesquecível aventura.

 

 

12-03-2011 (sábado) – Caracas, Venezuela

Cheguei a Maiquetia às 16h e, diferentemente de São Paulo, fazia um lindo dia. Após enfrentar quase duas horas de cola (fila) no Aeroporto Internacional Simon Bolívar para carimbar o passaporte e registrar a minha permanência na Venezuela, troquei alguns dólares por bolívares (moeda venezuelana) no câmbio negro, pois assim consegui sete bolívares por cada dólar enquanto que no câmbio oficial conseguiria apenas três e meio.

Ao chegar pensei em me dirigir imediatamente a Tucacas, mas com o tempo perdido no aeroporto chegaria somente à noite e resolvi dormir em Caracas. Embarquei num micro-ônibus esquisito que parte do aeroporto nacional que fica anexo ao internacional e parei próximo da Praça Bolívar, imaginando que conseguiria com facilidade um hostel (albergue) ou hotel pelas imediações. Depois de muito procurar, somente às 21h encontrei um hotel, se é que se pode denominá-lo assim, a alguns quarteirões da Praça Bolívar. Ao perguntar à atendente, uma adiposa senhora, se havia vaga no hotel ela simplesmente me ignorou e continuou suas anotações de cabeça baixa. Fiquei no balcão parado e olhando-a pacientemente, esperando a resposta, até que ela me olhou firmemente e perguntou rispidamente: “¿O que passa?”. Perguntei novamente se havia vaga e quanto custava a hospedagem e ela, com a "sutileza de um colibri", respondeu:

- Cento e oitenta bolívares.

- Mas no cartaz diz 130 (disse eu).

- Cento e oitenta.

- Mas no car... (tentei dizer).

- Cento e oitenta. De cento e trinta não há mais.

Em face da dificuldade de encontrar hotel, da dor no pé devido a unha machucada, do peso da mochila e do risco que correria caso voltasse a procurar hotéis àquela hora da noite, principalmente com uma mochila, resolvi ficar ali mesmo.

Ao entrar no quarto levei um susto com seu tamanho e aspecto. A quantidade de mosquitos nas paredes e no teto eram algo assustador e, para piorar, a única tomada elétrica existente no aposento não funcionava e, devido a isso, não pude ligar o aparelho de inseticida contra mosquitos que levava na bagagem. A solução foi expulsar os mosquitos com a toalha de rosto (única que tinha) e atear fogo numas folhas de um jornal de dias atrás que estava sobre uma velha escrivaninha para que, com a fumaça e a porta aberta, os indesejáveis insetos desocupassem aquele quarto. Isto feito, comprei um jornal local (tática que utilizo para tentar disfarçar a condição de turista) e fui dar uma volta para telefonar para casa e comer algo. Depois de tentar telefones públicos, celulares (que os ambulantes alugam) e em telefônicas (que fecham às 18h) desisti e fui à Praça Bolívar onde estava finalizando uma espécie de carnaval, onde poucas pessoas ainda permaneciam com suas fantasias estranhas perambulando pela praça.

Em seguida, fui a um bar no andar térreo do hotel, bebi duas cervejas Polar - hechas en Venezuela (feitas na Venezuela) antes de subir e tentar dormir naquele pardieiro. Depois de um gelado banho, cuja água não saia de um chuveiro e sim de um cano, procurei descansar devido à necessidade de acordar muito cedo. De subito, minutos depois, já sonolento, recebi uma “visita” desagradável. Em princípio fiquei paralisado ao sentir que ela começou por acariciar meu tornozelo, em seguida, continuou a subir vagarosamente pela minha perna como se quisesse explorar cada centímetro do meu corpo, até chegar no joelho. Despertei e num refléxo a estapeei jogando-a contra a parede. Assim afastei aquele invertebrado que ao cair no chão ainda conseguiu esconder-se atrás de um velho e moforento roupeiro. Tratava-se de uma cucaracha (barata), tão adiposa quanto a atendente, que com suas grandes antenas e pernas serrilhadas, deu-me as boas vindas e a sua contribuição para que eu passasse aquela noite mais alerta que dormindo. As baratas são divididas em cinco famílias com aproximadamente três mil e quinhentas espécies, assim não é difícil imaginar e entender que “ali” pudesse ter uma ou mais delas a me recepcionar e importunar minha noite.

Com o ocorrido, é claro que perdi o sono. Liguei a "TV", conectada a uma gambiarra no teto do quarto, e fiquei assistindo um programa venezuelano que, na verdade, fazia mais propaganda do governo Hugo Chaves do que apresentava a própria programação.

Mais tarde, ao tentar dormir novamente, tentando esquecer que a barata continuava à espreita, fui atacado pelos malditos mosquitos que conseguiram tornar aquela noite ainda mais longa e cansativa.

Mas nem tudo era desespero. Debaixo do lençol passei a pensar no dia seguinte, quando partiria para Tucacas para conhecer o Parque Nacional Morrocoy e aproveitar meu primeiro dia no mar do Caribe.

 

 

13-03-2011 (domingo) – Caracas, Venezuela.

Programei o relógio para despertar às 06h30, mas acabei acordando antes do horário previsto com diversos mosquitos “zumbizando” em meus ouvidos. Naquela altura tinham aumentado em tamanho, peso (fizeram a festa comigo) e em número, pois deviam ter entrado por uma pequenina janela, sem tela e sem vidro, que havia no alto do quarto. Arrumei a mochila e tentei sair do hotel, coisa que não se consegue com facilidade no hotel Manaure, pois a porta de saída, uma esteira gigante, fica trancada. Há um cartaz escrito num castelhano torto com a seguinte frase: “Por medidas de seguridad “NO” se permite la entrada y salida despues que se cierra la puerta principal. No insista. No moleste. No se abre la puerta principal... ¿okey?” (“Por medidas de segurança “NÃO” permitimos a entrada e saída depois que se fecha a porta principal. Não insista. Não perturbe. Não abrimos a porta principal... certo?”). Vejam se pode uma coisa dessas!!!

Se algum hóspede precisar tomar um avião muito cedo é melhor não se hospedar naquele hotel sob pena de perder o voo ou ter que enfrentar uma séria confusão com o vigilante ou com aquela “simpática” atendente que me recepcionou na noite anterior...

De qualquer forma consegui sair cedinho e apanhar, próximo à Praça Bolívar, uma buseta (ônibus pequeno) com destino ao terminal La Banderas, onde se toma outra buseta para Valência, que é uma cidade que parece viver uma fantasia, ou seja, grande parte de sua arquitetura, em estilo russo, é construída com pequenas torres parecidas com as do castelo de Aladdim – clássico da Disney. Alguns comerciantes chegam a pôr o nome Aladdim em seus estabelecimentos como panaderias (padarias), gomerias (borracharias), entre outros. De Valência tem-se que apanhar uma terceira buseta para Tucacas, onde fica o Parque Nacional Morrocoy, numa pequena e bonita viagem que dura aproximadamente três horas. Este último trajeto inclui um rally no asfalto, pois o motorista desce radicalmente ultrapassando os 120 km/h, rasgando a imensa serra que separa estas duas cidades. No percurso passa-se pelas cidades de Marabobo, Maracay e San Diego.

Em Tucacas, logo que saltei do microônibus, experimentei plátano frito, que é uma espécie de banana frita cortada em tirinhas, salgada e servida em saquinhos plásticos como batatinha inglesa. Em seguida subi na carroceria de uma camioneta que partia rumo ao parque Morrocoy, ou seja, rumo às praias, rumo ao Caribe. Este meio de transporte é o único que faz o percurso entre o ponto final em Tucacas e a praia Ponta Brava, no parque Nacional Morrocoy.

Chegando à praia soube que as lanchas, que levam até cayo Sombrero e outros pequenos cayos (pequenas ilhas geralmente inabitadas devido ao seu reduzido tamanho e falta de água potável) no mar das Caraíbas, não partem daquela praia e sim da entrada do parque, que fica a poucos metros de onde eu estava quando saltei do microônibus. Retornei, então, numa outra camioneta e me dirigi aos trapiches, onde funciona uma espécie de marina, para tomar uma lancha que me conduzisse aos cayos, objetivo este que me levou a sair de Caracas e percorrer tantos quilômetros. Perguntando, me indicaram o embarcadero (plataforma de barcos) Virgem de Carmo onde tentaram me cobrar "apenas" 400 bolívares (R$ 100,00) para me levar e buscar no cayo Sombrero. Como já havia pesquisado na internet, sabia que o preço estava fora da realidade e resolvi perguntar se outras lanchas faziam o mesmo percurso. Ao perceberem que eu desistiria, tentaram negociar por 300 bolívares. Como não suporto este tipo de atitude, ou seja, quando o sujeito percebe que não conseguirá explorar o turista tenta diminuir a oferta inicial, saí sem sequer responder, correndo o risco de não conhecer os cayos caso fosse somente eles que fizessem o transporte. Dirigi-me a um outro trapiche, que ficava a uns cem metros daquele e antes mesmo de chegar lá fui abordado por um rapaz que me ofereceu um tour, que me conduziu a vários cayos, inclusive o Sombrero, por 150 bolívares, ou seja, R$ 35,00.

Como ainda tinha alguns minutos antes da partida, me hospedei num hotel próximo, com uma linda vista para o mar, troquei de roupa, apanhei a máquina fotográfica, comprei umas latinhas de cerveja que foram postas num saco plástico com gelo (nos cayos é permitido o consumo, mas não a venda de cervejas) e me dirigi ao trapiche, onde outros turistas já estavam a postos aguardando a saída.

Diria que, não a aventura, mas o bom da viagem começou ali e afirmo que valeu cada quilômetro percorrido, cada centavo gasto e até mesmo o medo causado pela velocidade do microônibus, pois o passeio naquele mar é extremamente encantador e recompensa qualquer esforço. Este tour inicia-se a “mil por hora!” O barqueiro, pelo menos aquele, não quer saber se seu chapéu vai voar da cabeça, se os óculos também vão voar de seu rosto ou se você tem medo da alta velocidade. O sujeito acelera tanto a lancha que parece estar participando de um campeonato. Vai desbravando as ondas e batendo com o casco da mesma com tanta força que parecia querer destruí-la. Experiente, vai serpenteando os canais entre os cayos, passando muito rente à vegetação e tirando verdadeiros finos de outras lanchas que surgem do nada em sentido contrário. Os canais parecem rios, perfazendo inúmeras curvas até chegar nas várias praias dos quase vinte cayos existentes naquela região. Na verdade se trata do próprio mar do Caribe, que antes de virar mar aberto é salpicado de ilhotas dando a sensação de se estar num labirinto gigante.

Todos os cayos têm suas próprias características e belezas, mas nenhum se compara ao cayo Sombrero que, além de grande, é totalmente arborizado e oferece duas lindas e cristalinas praias cujo azul turquesa, que ainda não tinha visto nada igual, permite ver o fundo do mar com muita clareza. O local é ideal para a prática de snorkling.

Como disse e repito, ali começou a minha viagem, pois, afinal, estava no mar do Caribe pela primeira vez e me sentia muito bem por isso, mas não totalmente satisfeito, pois gostaria de compartilhar aquele momento com minha esposa e meus filhos. Impossibilitado de compartilhar aquele momento, resolvi aproveitar as poucas horas que ainda me restavam, pois o barqueiro retornaria para nos apanhar às dezesseis horas.

Percorri todo o cayo, fotografei o que pude e mergulhei naquelas águas transparentes feito vidro. Enquanto caminhava por uma das praias daquela ilhota juntei alguns corais que ficam espalhados na areia da praia, como as conchinhas nas praias brasileiras, e os trouxe de recordação da minha primeira visita ao mar do Caribe.

Lagostas cozidas acompanhadas apenas de limão e, claro, uma cervejinha bem gelada, foram meu almoço. Comer lagostas frescas, ao menos em cayo Sombrero, é um luxo excepcionalmente barato, pois por apenas 100 bolívares (R$ 25,00) degustei duas deliciosas lagostas sob exuberantes coqueiros e com vista para uma das paias mais lindas que já vi na vida.

O tour incluiu também uma rápida passagem por outros cayos, onde muitas lanchas atracam para que as pessoas se refresquem e até passem o dia inteiro descansando e aproveitando o local. O inusitado fica por conta de lanchas que são verdadeiros restaurantes ambulantes, que se aproximam das lanchas com turistas para oferecer as mais variadas opções de comida e bebida. Além destas lanchas/restaurantes há ainda outras que oferecem, especificamente, água de coco, cocada, batidas, etc. Há também diversos ambulantes que vão de lancha em lancha, andando por dentro da água, oferecendo óculos, roupas, moluscos e muito mais. É um verdadeiro comércio fluvial ambulante.

Conforme combinado, o guia voltou para nos apanhar às 16h e, “rasgando o mar”, retornou ao trapiche muito mais cedo do que imaginei. Com isso tentei cancelar minha hospedagem em Tucacas para voltar logo a Caracas e ganhar tempo para poder conhecer o máximo possível da capital da Veneza Sulamericana, como foi batizada por Américo Vespúcio que em 1499, ao explorar a costa daquele país juntamente com Alonso de Ojeda e Juan de La Cosa, encontraram nativos cujas casas construídas sobre estacas de madeira fixa (palafitas) no lago, hoje conhecido como Maracaibo, eram semelhantes às da cidade de Veneza, Itália e, por isso, batizou o país como Venezuela, ou seja, Pequena Veneza. Existem outras versões a respeito do nome, mas esta é, sem dúvida, a mais aceita e divulgada no País e no mundo.

Como a ordem da casa é não devolver dinheiro em caso de desistências, a recepcionista do hotel não quis negociar. Portanto, para não ter que pagar duas diárias (aquela e outra em Caracas), resolvi ficar em Tucacas que, além dos passeios pelos cayos, pouco ou nada tem a oferecer aos turistas, principalmente à noite. Tomei um banho frio (não tinha outra opção) e fui caminhar pela avenida Libertador, que é a principal da cidade, até a via Moro, que corta Tucacas e leva até a cidade de Coro, procurando ganhar tempo até anoitecer quando fui pro hotel descansar deste dia cansativo, mas agradável. Antes porém, percorri a pequena cidade à procura de algo interessante, mas tive que me conformar apenas com uma pequenina praça em forma triangular com uns poucos bancos e uma estátua de Simon Bolivar com oferendas e flores onde fiquei uns poucos minutos, para depois me dirigir à uma arepera ou areperia (local que vende arepas) e degustei uma reina pepeada que é uma arepa servida com ensalada de pollo y aguacate con mayonesa (salada de galinha e abacate com maionese) enquanto observava os embarques e desembarques de venezuelanos que se utilizavam daquelas camionetas que me conduziram até o Parque Morrocoy.

A programação do dia seguinte seria acordar bem cedo, tomar um ônibus para Santiago de Léon de Caracas, conforme foi batizada em 1567 pelo explorador espanhol Diego de Losada, hoje conhecida apenas como Caracas, para descobrir o que aquela cidade poderia oferecer e, com isso, tentar mudar a imagem negativa que tive na noite em que cheguei. Um dos objetivos de deixar o mar do Caribe e retornar à capital era conhecer o teleférico Warairarepano, hoje conhecido como teleférico de Caracas, localizado no Cerro (morro) El Ávila e, de lá, conhecer o tão famoso poblado (povoado) de Galipan. Só não sabia que este plano seria completamente alterado e, com isso, outras surpresas, talvez melhores, estavam por acontecer.

 

 

14-03-2011 (segunda-feira) – Caracas, Venezuela

Ainda escuro, saí do hotel e, caminhando na extensa rua que liga o Parque Morrocoy à Avenida Libertador, me dirigi a um ponto de ônibus e tomei o primeiro que partiu com destino à Valência para, então, tomar uma segunda condução com destino a Caracas. Aquele ônibus, como todos os outros, não importa a hora ou o itinerário, tocava reggaeton, com volume extremamente alto, desrespeitando completamente aqueles que queiram dormir, ler ou simplesmente gozar do direito do silêncio e não ter que compartilhar aquela poluição sonora. Mas lá é diferente! Ninguém reclama das músicas e nem do volume do som. Conseguem ler, dormir, conversar sem se importar com o barulho. Os altofalantes, twiter e amplificadores, em sua maioria, ficam instalados na parte superior da cabina dos ônibus, ou seja, literalmente sobre as cabeças dos motoristas, que definem as músicas e o volume do som.

Aproximadamente três horas depois cheguei no Terminal de pasajeros de Valência (Terminal de passageiros de Valência), Capital de Carabobo. Este terminal é extremamente barulhento devido à disputa dos cobradores e motoristas dos autobuses e microbuses (ônibus e microônibus) que tentam, de todas as formas e a todo custo, chamar a atenção dos passageiros na tentativa que estes façam a viagem com eles. Tal atitude me deu a impressão de que estes veículos são particulares ou que eles ganham comissões pela quantidade de pessoas que transportam, tamanha disputa por passageiros. Para se ter uma idéia o motorista do ônibus que me conduziu a Caracas “gritava” umas setenta vezes o nome Caracas em menos de um minuto. A altura e a pressa eram tamanhas que a palavra Caracas era compreendida como craca, craca, craca, craca... e os sons dos demais motoristas na tentativa de chamar a atenção dos passageiros mais pareciam vindos de um bando de gralhas. O ônibus em que viajei era super velho, mas ainda assim o motorista não aliviou a velocidade e a altura do volume do som, o que não me deixou dormir, coisa de que muito precisava devido o horário que acordei.

Ao chegar no terminal La Bandera, próximo a Caracas, resolvi tomar um táxi para passar pelo Campo de Carabobo onde aconteceu a batalha de Carabobo, que assegurou a independência da Venezuela. Naquele local de imensos jardins, árvores e uma extensa avenida, onde são realizados desfiles militares e que a população utiliza para, entre outros objetivos, caminhar e praticar esportes, tomei um grande susto. Ao sair do táxi para registrar uma foto o taxista informou que daria uma volta no Campo, pois não é permitido estacionar naquele local e, com isso, levou junto minha mochila que, além das roupas, continha alguns dólares e meu passaporte. Como não o avistei mais no entorno do Campo e, sobretudo, pela demora, imaginei que fugira com meus pertences. Meu coração disparou e aqueles três ou quatro minutos pareceram uma eternidade, até que o vi retornando vagarosamente com seu táxi branco por entre as árvores. O taxista, chamado Miguel é um sujeito muito tranquilo e me ajudou, ainda que sem sucesso, a procurar um hostel indicado por alguém através da internet, mas acabei por me hospedar noutro hotel, próximo ao Panteón Nacional. Antes, porém, o taxista me levou (sem cobrar nada a mais) para mostrar a entrada do teleférico Warairarepano que conduz ao Volcán (Vulcão) Ávila.

Como o teleférico encontrava-se cerrado (fechado) para manutenção, Miguel me deu várias dicas turísticas para visitar em Caracas naquela tarde chuvosa e acinzentada, já que não seria possível subir o Ávila e almoçar no povoado de Galipan – conhecido como Jardim de Caracas, cujos imigrantes das Ilhas Canárias são famosos pela produção de flores e frutas. Para minha infelicidade este não seria o único local que planejei e não consegui conhecer nesta viagem, mas que abriu espaço para que conhecesse outros tão interessantes quanto.

Uma vez hospedado noutro hotel, muito mais decente do que me hospedara na primeira noite em Caracas, tomei aquele que seria o primeiro banho quente da viagem e parti para conhecer o Panteón Nacional – igreja onde estão os restos mortais de Simón Bolivar. O local é bonito e rico em histórias, com um enorme largo que, certamente, deve ser utilizado para encontros e manifestações. A igreja é bem conservada e o local super limpo, mas sem outros atrativos que justifiquem tamanho destaque entre os pontos turísticos da cidade, salvo pela sua relevância histórica. Afinal, guardar os restos mortais daquele que é considerado o maior herói na América Latina, pois liderou vários países na luta pela libertação, é algo de cobiça de qualquer país latinoamericano. A adoração a este mártir é tamanha que, em homenagem a ele, praças, ruas, avenidas, estádios de futebol, museus, teatros, comércios e muito mais levam seu nome. O próprio nome do País foi alterado para República Bolivariana de Venezuela, por Hugo Chaves.

Manquitolando devido ao dedo machucado, resolvi cruzar todo o calçadão de Caracas à procura de camisa e souvenires da Venezuela. Não deu para entender como um país tão nacionalista não oferece, com facilidade, camisas e objetos com temas venezuelanos. Depois de muito andar me dirigi à Praça Bolivar, onde fiquei observando uns bichinhos pretos parecidos com esquilos e que comiam pipoca nas mãos dos transeuntes. Estes bichinhos são muito rápidos e espertos e fazem o maior sucesso numa figueira enorme que tem naquela praça.

Ainda na praça, além de alimentar estes bichinhos, também resolvi sentar-me para apreciar um pouco das características e costumes dos caraquenhos (como são chamados os habitantes de Caracas). Experimentei a chicha de arroz – bebida doce e suave feita com arroz cozido e leite, muito apreciada por todos os venezuelanos, independente da idade; papelon com limon que, se não me engano, significa açúcar mascavo com limão – bebida de rapadura com limão, muito refrescante e de sabor marcante e comi arepas (espécie de panqueca feita de milho e recheada com carne, frango, entre outras iguarias).

Ainda em busca de camisas e souvenirs continuei andando, agora por outro calçadão e, sem querer, cheguei numa zona muito movimentada do centro de Caracas e avistei, de longe, os bondinhos que ligam a parte baixa da cidade às favelas “encravadas” nas encostas dos morros ao entorno da cidade. Comprei um par de chinelas de dedo para substituir os tênis que estavam machucando ainda mais meu dedo e, mesmo com a informação de que seria muito perigoso subir, não me contive, e quando percebi já estava cruzando todo o maciço das favelas, sentado num dos bondinhos do teleférico que o governo Hugo Chaves implementou e disponibilizou gratuitamente à sociedade caraquenha. O trajeto facilita muito a vida daquelas pessoas que agora não passam mais tanto trabalho subindo e descendo escadarias para ir trabalhar, passear ou simplesmente comprar pão, como foi o caso de Marcos – um garotinho que entrou com um pacote de pães no mesmo bondinho em que eu me encontrava. Recentemente pude perceber que foi implementado no complexo do Alemão no Rio de Janeiro – RJ o mesmo meio de transporte.

A tarde estava passando rapidamente e no entardecer, agora de metrô, me dirigi ao Shopping Sambil para conhecer o Hard Hock Café Caracas. Trata-se de um bar reconhecido mundialmente, que oferece ambiente sofisticado, cozinha internacional e bons shows de rock. Na verdade foi um choque de cultura, pois em menos de uma hora saí de uma enorme favela para um enorme shopping center, mas na verdade era esse mesmo o objetivo da viagem, conhecer de tudo um pouco e Caracas oferece esta disparidade com muita naturalidade e transparência.

Às vinte e uma horas retornei ao hotel para arrumar a mochila e descansar, pois no dia seguinte o Miguel (taxista) me apanharia às 4:30 da madrugada para me levar até o aeroporto em Maiquetia quando partiria para a América Central para desbravar um pouco da Nicarágua, o segundo país desta segunda aventura solitária.

No hotel, enquanto arrumava a mochila, fiquei pensando no que havia lido a respeito de Caracas, ou seja, que ir naquela cidade e não subir o teleférico de Ávila é como ir ao Rio de Janeiro e não conhecer o Corcovado (Cristo Redentor), coisa que acredito, mas que, naquela situação, me levou a conhecer um pouco mais da realidade daquela irreverente cidade sulamericana.

Caracas realmente me lembrou o Rio de Janeiro, pois há um movimento intenso de pedestres e automóveis (principalmente em Chacao, onde está localizado o shopping Sambil). As pessoas são animadas e existe um certo apartheid (separação) entre zona norte e zona sul.

A Venezuela é super politizada e Hugo Chaves (Presidente) faz questão de deixar claro e explícito que sua política está acima de qualquer coisa, pois ao viajar pela capital ou interior pode-se avistar com muita intensidade placas, outdoors, faixas, etc. com frases como “liberdade ou morte”, parecendo querer incutir uma lavagem cerebral na população. Não pude evitar a comparação que naquele momento me ocorreu, entre a popularidade de Hugo Chaves e Lula, que não precisou nem precisa destes artifícios para ser o que é e conquistar o que conquistou, muito pelo contrário.

Aquela Federação é repleta de belezas e contrastes. Com exceção de Caracas, as demais cidades da Venezuela são tranquilas e o país oferece muitos pontos turísticos interessantes que valem a visita. Andar por sua costa apreciando o mar do Caribe é algo sensacional. Pode-se, ainda, visitar os Andes e vislumbrar paisagens impressionantes. Los Roques e Ilhas Margaritas são outros pontos turísticos que devem ser visitados, mas para isso precisa-se de muito mais tempo do que dispunha naquela oportunidade.

 

 

15-03-2011 (terça-feira) – Caracas, Venezuela

Acordei às 4h e fui apanhado pelo Miguel às 4h40min, conforme combinado. O preço das corridas de táxi devem ser tratados antes do início do embarque, sob pena de se ser explorado por taxistas mau caráter que se aproveitam das oportunidades para se darem bem. Com esse taxista acertei o preço em 120 bolívares, o que foi razoável devido ao horário e, segundo pesquisas, os preços das corridas de Caracas ao aeroporto de Maiquetia oscilam na casa dos 150 bolívares.

Durante o trajeto disse a ele que o indicaria no mochileiros.com o que o deixou super animado pois, segundo ele, deixaria de ser um simples taxista para se transformar num taxista internacional e dava risadas com a idéia. O Miguel me pareceu muito competente e honesto e pelo seu profissionalismo paguei-lhe 150 bolívares o que o deixou ainda mais contente. Afinal, depois do susto que levei no Campo Carabobo, quando pensei que ele tinha fugido com minha mochila, dar-lhe uma gorjeta era uma forma de alívio diante do que poderia ter acontecido.

Não é nada fácil trocar dinheiro em Caracas, principalmente bolívares por dólares. Tentei, sem sucesso, trocar os 350 bolívares que naquele momento me sobravam e parti pro aeroporto certo de que teria que voltar pro Brasil com aquele pequeno montante. Quase não há casas de câmbio e nas poucas que existem o dólar vale 50% menos que no câmbio negro. Nem mesmo uma casa de câmbio oficial que existe dentro do aeroporto aceitou fazer a troca em função do valor. De qualquer forma foi pura sorte não conseguir o câmbio, pois é necessário pagar 190 bolívares para deixar o país e 30 para taxa de bagagens, coisa que até então desconhecia. Pagas as taxas, comprei alguns chaveiros e tomei um café com o restante dos bolívares. Claro, deixei alguns para levar como lembrança e presentear meu filho Dylan que já colecionara algumas moedas e notas do Peru, Chile, e Bolívia, países visitados na minha última viagem. Naquele momento fui abordado por um cidadão que, em troca de alguns bolívares, propôs alterar a minha passagem da classe econômica para primeira classe, o que recusei imediatamente. O sujeito, que me pareceu participar de algum esquema ilícito com os empregados da companhia aérea, se chateou e depois de resmungar algo, que não entendi, me apontou o balcão da companhia e se retirou rapidamente para abordar outro passageiro.

 

 

15-03-2011 (terça-feira) – Panamá City, Panamá

Desembarquei no Aeroporto Internacional de Tucumen, na Cidade do Panamá, e circulei pelo hall que possui poucas lojas, mas curiosamente todas de grandes marcas, como La Coste, Tommy, Johnny Walker, etc.

Poucos minutos depois já estava de volta ao avião e me deparei com um fato que não entendi e não quis entender. Eis que o comissário de bordo da Taca Airline me informou que meu assento havia mudado e me alojou na primeira classe. A única coisa que fiz foi me certificar de que estávamos indo à Nicarágua, o que me foi confirmado. Com direito a algumas “frescuras” como cobertor, travesseiro e até paninho úmido e quente para limpar as mãos (recusei tudo), me acomodei na enorme poltrona individual da aeronave e resolvi curtir uma de “doutor”. Degustei o almoço executivo que consistia em salmão grelhado ao molho de maracujá, creme de batatas, fatias de lombo de porco grelhadas e torta fria, além de sobremesa e um bom vinho servido numa linda taça de cristal. Depois do almoço resolvi esnobar e deixar a vida de mochileiro para quando aterrissasse, pois teria que cruzar boa parte da América Central (Nicarágua, Costa Rica e Panamá) de ônibus ou trem, até cruzar a fronteira com a Colômbia, na América do Sul. Reclinei a poltrona, pedi uma dose dupla de whisky e fui curtindo aquele momento, sobrevoando a América Central e apreciando lindos cenários da natureza como o Caribe e vulcões, que naquela estreita extensão territorial são mais de quinze.

Mais tarde acreditei que a troca do assento deve ter se dado em função da alteração do trajeto, pois não estava previsto que eu iria a San Salvador, El Salvador, para só então retornar à Manágua, Nicarágua. Possivelmente me acomodaram na primeira classe para que eu não reclamasse, estratégia esta que surtiu efeito, muito embora não fosse reclamar, em absoluto, mesmo porque seria mais um país na lista dos conhecidos... Também pode ter acontecido algum mal entendido entre o sujeito que me oferecera aquela regalia, a qual recusei veementemente, e os tripulantes da empresa aérea. De qualquer forma não quis saber e apenas aproveitei a cortesia oferecida.

Fiquei pouco tempo em solo salvadorenho e no trajeto entre os dois países aproveitei os mesmos privilégios da ida enquanto contemplava a imensidão de florestas que separam El Salvador da Nicarágua e pensava como poderia ser a minha estada na Nicarágua, que é o país mais pobre da América Central e não tinha encontrado boas recomendações a respeito do mesmo. Alguns colegas, inclusive, me questionaram o fato de querer conhecer a América do Sul e Central em detrimento dos Estados Unidos ou Europa. Respondo sempre que viajar é estilo e que prefiro conhecer primeiro esta região para, depois, quem sabe, conhecer o continente africano e, por último a Europa e os Estados Unidos.

 

 

15-03-2011 (terça-feira) – Manágua, Nicarágua

Em solo nicaraguense, uma coisa muito me agradou, pois o que se tem à disposição logo que se entra no aeroporto é uma casa de câmbio e a atenção e clareza das atendentes é algo extremamente profissional, totalmente diferente de Caracas, Venezuela. Ali não há o stress de ter que desviar-se de doleiros, nem tão pouco tê-los em seu encalço insistindo para que você troque seus dólares com eles. Surpreendeu-me também o fato dos taxistas não abordarem as pessoas com tanto afinco como em outros aeroportos.

Saí do aeroporto com aquela boa impressão e me dirigi à rodovia para tomar um ônibus para ir pro centro de Manágua, quando um senhor que estava caminhando pela calçada parou e me orientou a tomar um táxi alegando que ali, por ser muito isolado, poderia ser perigoso permanecer sozinho. Achei tudo isso muito exagerado, mas resolvi “dar ouvidos” aos conselhos daquele senhor e parei um taxista, questionei-lhe quanto seria a corrida e paguei-lhe 100 cordobas (moeda nicaraguense), algo em torno de R$ 8,00 (oito reais), para o cidadão me deixar próximo à Catedral Metropolitana Inmaculada Concepción de Maria – considerada a mais moderna do mundo e que se destaca pela sua arquitetura e por sua torre que mede aproximadamente 40 metros. Ali, visitei um bonito centro comercial e suas imediações, fui até à Catedral que fica num imenso vazio a uns 500 m do “centro” de Manágua.

A entrada principal da catedral se dá por uma rua ladeada de palmeiras imperiais, que mais parecia a entrada de um palácio do que de uma igreja e que, naquele momento, estava quase deserta não fosse a presença de alguns pedintes. Lá, fui abordado por um jovem que chegou apressado e me perguntou de onde eu vinha, para onde iria, se já tinha hotel, etc., depois ofereceu-me sua casa para me hospedar. Primeiramente recusei com educação e, tentando ignorá-lo, tirei da pochete a máquina fotográfica para registrar a Catedral, quando percebi que o jovem, curioso, tentou ver o que tinha dentro da mesma aproximando-se ainda mais. Na tentativa de intimidá-lo, num tom grosseiro, pedi licença e recusei a oferta, pois parecia se tratar de alguém mal intencionado. O jovem, então, saiu sem dizer nada e eu fiquei mais tranquilo, muito embora com certo peso na consciência, pois o garoto não tinha “pinta” de malandro e estava uniformizado, segurando cadernos e livros e que parecia se tratar de alguém que realmente só queria ajudar. De qualquer forma não estava em condições de arriscar, pois o que ouvira falar e ler sobre Manágua não me dava à condição de confiar em qualquer um, mesmo porque tinha recém chegado à cidade e ainda estava me situando.

Registrei umas fotos e segui caminhando até o centro comercial à procura de uma agência de turismo para obter mais informações sobre Manágua e região, bem como, tentar ligar para casa e para minha querida mãe que, segundo meu filho, estava chateada comigo por não ter me despedido dela, muito embora houvesse me pedido para não despedir-me, pois ficaria muito preocupada, mas acredito que tenha esquecido deste detalhe. Como não havia nenhuma agência naquele local, obtive informações com taxistas da região. Feito isto, me hospedei próximo ao centro comercial num simpático hostel, que fica situado em dois endereços, ou seja, a parte mais simples numa quadra e a “menos simples” noutra. Como preferi um quarto com acomodações melhores do que o que me foi oferecido no primeiro endereço, paguei, peguei a chave e me dirigi à outra quadra. Depois de devidamente hospedado, tomei um daqueles característicos ônibus escolares, que tem aos montes em Manágua, e fui conhecer o Parque Histórico Nacional Loma de Tiscapa - um local alto de onde se pode avistar de um lado a Manágua antiga e do outro a nova, além de uma linda vista do Lago Nicarágua.

No Parque Loma de Tiscapa há um imenso monumento de madeira e um museu com pertences, souvenires e artigos sobre a história de Augusto César Sandino, considerado o maior líder revolucionário nicaraguense; símbolo da resistência à dominação dos Estados Unidos. Sandino foi capturado e executado pelo General Anastásio Somoza García em 1934. É um lugar agradável, muito embora seu passado obscuro remonta a prisões e execuções de revolucionários ligados a Sandino. Há pouco tempo, tornou-se um ponto turístico que além de história oferece esportes como o canopy que cruza a laguna de Tiscapa produzindo muita adrenalina aos que ousam arriscar-se em tal aventura.

De lá, mesmo mancando devido à inflamação no dedo quase sem unha, fui caminhando até o Lago Nicarágua onde há uma boa infraestrutura de bares e restaurantes. O local é muito agradável e fica muito próximo dos principais pontos turísticos de Manágua, como a antiga Catedral de Santiago – símbolo do século XX; a praça, onde há um monumento conhecido como Concha Acústica – um enorme palco construído no Central Park onde o Papa João Paulo II rezou a missa quando em visita à Manágua; o Palácio Presidencial; o Museu Nacional da Cultura, entre outros.

Manágua é uma pequena cidade, instalada às margens da grande rodovia que a interliga a Granada. Dividida em duas partes pelo Parque Nacional Loma de Tiscapa possui uma parte que é considerada como velha Manágua, que é muito interessante e rica em história, e a outra considerada nova Manágua que, na verdade, trata-se da parte comercial da cidade, mas que pouco tem a oferecer em termos turísticos e culturais.

Tinha poucos dias reservados para minha estada na Nicarágua e precisava adequar meu tempo às melhores coisas a fazer e ver naquele inusitado país. Inicialmente resolvi conhecer a cidade de Masaya, que fica próxima a Granada. Antes, porém, fui ao Volcán (Vulcão) Masaya, que fica às margens da estrada e ao qual chega-se numa caminhada de mais ou menos uma hora, a partir da saída da rodovia principal. Durante a caminhada por entre árvores e depois por savanas ganhei uma carona de ida e volta com uma família de franceses que estavam conhecendo o mundo em dois furgões.

O vulcão é baixo, mas possui uma imensa cratera fumegante onde, segundo recomendações descritas numa placa instalada aos pés do mesmo, não se deve ficar por muito tempo devido a seus gases tóxicos.

Fotografei aquele cenário surreal e retornei com os franceses até a rodovia para tomar um ônibus até Masaya (a família se dirigia à Manágua), mas, alterando o plano inicial, fui direto a Granada. Chegando lá, bastante exausto devido às caminhadas, me surpreendi com a arquitetura da cidade e, num rompante, cheguei a procurar hotel para me hospedar, pois me pareceu muito melhor que Manágua. De qualquer forma, como já estava anoitecendo e pouco daria para ver, resolvi retornar a Manágua para “recarregar as baterias”, pensando em, no dia seguinte, retornar a Granada para poder conhecer melhor a cultura daquela que me pareceu ser uma das melhores cidades da Nicarágua, juntamente com Leon Santiago de Los Caballeros, conhecida apenas como Leon, a 70 km de Manágua e que é considerada o centro intelectual do País.

Retornei um tanto quanto indignado, pois deveria ter pesquisado melhor sobre a Nicarágua para saber que Granada seria a melhor opção para me hospedar. Afinal, com o pouco tempo que tinha naquele país, se pernoitasse em Granada ganharia mais tempo para conhecer a Ilha Ometepe, que fica a umas duas ou três horas daquela cidade.

Cheguei ao hostel por volta das 21h, cansado e com fome, pois estava sem comer desde o almoço no avião (aquele da primeira classe) e percebi que a chave não abria a porta do meu quarto. Chamei a moça que ficava de plantão que, por sua vez, chamou o proprietário – um canadense que me disse que aquela chave era de um outro quarto. Conduzido até o outro (pequenino) quarto, sem banheiro privado e mal cheiroso, cuja entrada se dava por fora do hostel e a subida por uma escada caracol enferrujada me recusei a aceitá-lo, pois paguei por um quarto melhor e mais confortável onde havia deixado meus pertences e que tinha uma boa cama, banheiro privativo e TV. O proprietário disse que se eu quisesse aquele quarto teria que pagar mais 20 cordobas. Questionei-o sobre o fato, muito embora o valor fosse uma ninharia, sobre meus pertences e como que eu havia entrado naquele quarto se a chave que me foi entregue não o abria mais. Eis que ele explicou que possivelmente estava aberto quando entrei e, por isso, não percebi que a chave não entrava na fechadura e que quando saí, possivelmente, travei apenas a fechadura por dentro sem a necessidade de usar aquela chave e com isso não percebi que a mesma estava trocada. Gerada a confusão, aborrecido e deixando muito clara a minha insatisfação, afirmei que precisava de meus pertences e que não mudaria de quarto, ainda que tivesse que pagar a diferença. Para minha surpresa e mais indignação o proprietário me disse que eu deveria ir até o outro endereço para pegar a chave do quarto desejado, o que me recusei energicamente. Mais de uma hora de discussão, ele, então, louco pra voltar a dormir, ligou pro outro endereço e me trouxeram a chave correta. Chateado com o episódio e muito mais por não ter dormido em Granada, fui arejar a cabeça numa agradável área do hostel coberta com palhas, onde há mesinhas, redes, televisão e até uma mesa de sinuca. Ali fiquei conversando com um mochileiro de Toronto, Canadá e um casal de americanos (do Texas) e acabei indo dormir sem jantar, mas torcendo que aquela noite passasse rapidamente para, no dia seguinte, bem cedo, retornar a Granada e conhecer melhor a cultura e arquitetura daquela agradável cidade. Naquela altura, em função do tempo, conhecer a Ilha Ometepe, conforme planejado, parecia estar fora de cogitação. No entanto, outras situações inusitadas me aguardavam no dia seguinte e dali pra frente quase toda a viagem foi uma surpresa nada planejada...

 

 

16-03-2011 (quarta-feira) – Masaya, Nicarágua

Por volta das seis horas da manhã me dirigi a Masaya. Então, às sete horas, faminto, afinal não havia jantado na noite anterior, fui convencido por uma comedora de yuca (mandioca) – como são conhecidos os habitantes de Masaya, dona de um quiosque instalado na praça principal, a experimentar uma das comidas mais tradicinais da América Central. Então, lá estava eu, numa praça em Masaya, às sete horas da manhã, comendo Gallo Pinto – prato típico da Nicarágua, que consiste em feijão com arroz, plátano (espécie de banana) frito, huevos hevueltos (ovos mexidos) com cebola e tomate e uma generosa fatia de queijo branco aquecido na chapa. Na Nicarágua este prato é extremamente consumido nas primeiras horas do dia. Outro prato típico, também muito consumido pela manhã, é o Vigorom (salada de carne de porco), que é feito com yuca, chicharones (carne de porco), col (repolho) e outras iguarias locais que são enroladas numa folha verde, parecida com as de bananeira, e cozidos por muitas horas.

No ponto de ônibus pedi e ganhei uma carona numa carroça que me levou até Granada. O percurso demorou muito, pois percorri uns quinze ou vinte quilômetros naquela velha carroça puxada por um velho pangaré e guiada por um senhor de poucas palavras que quase não conversou comigo, limitando-se apenas a responder uma ou outra pergunta que lhe fiz.

Passear por Granada é como retroceder, no sentido saudoso da expressão, ao século passado. A cidade mais antiga das Américas, fundada em 1524 por Francisco Hernandéz de Córdoba, foi muito maltratada, não sei a razão, e veio a ser incendiada pelo britânico Willian Walker em 1857. A cidade é pequena e em apenas um dia pode-se conhecer seus principais pontos turísticos, como a praça principal, a linda Catedral pintada num amarelo ouro lindo, o Centro Cultural dos Três Mundos – uma espécie de museu, passear de charrete observando a bela arquitetura hispânica da cidade ou, ainda, passear no Lago Manágua.

Isto feito, restava-me apenas parte daquela manhã e o restante do dia para explorar um pouco mais da Nicarágua. Ainda tinha duas opções interessantes que era conhecer Léon e a Ilha Ometepe, mesmo sabendo que o correto seria ficar pelo menos um dia em cada uma. Mas tinha que decidir e não me restava muito tempo, pois as horas voavam e não queria mais ficar ali parado.

Próximo das 11h, caminhando, decidi, num daqueles rompantes, ir ao terminal de onde partem os ônibus para Rivas onde, por sua vez, se toma uma embarcação para a Ilha Ometepe, que por falta de tempo havia retirado do meu roteiro principal, mas não de meus pensamentos. Esta pequena caminhada revelou uma outra face de Granada. Uma face obscura, de pobreza e de possível violência, ainda que não tenha sofrido nenhuma. Como não fui pela rua principal e sim por uma secundária, onde estava acontecendo uma enorme feira, confesso que por um momento fiquei bastante apreensivo e inseguro, pois tive que passar por entre a feira que tinha apenas um pequeno corredor e as pessoas se esbarravam para poder passar entre as centenas de barracas, grudadas umas nas outras, onde eram oferecidos os mais variados artigos, inclusive alimentos, como ovos, peixe, carne de boi, frango, porco, etc., tudo sem acomodação ou refrigeração adequada.

Contornado aquele episódio, me dirigi ao “terminal” do ônibus, que fica num terreno baldio e, claro, sem nenhuma estrutura, para tomar um ônibus a Rivas. Lá, naquele local empoeirado, permaneci das 11h às 12h aguardando o ônibus lotar para, só então, seguir pro meu destino principal na Nicarágua: a Ilha Ometepe. Fiquei conversando com duas suíças que “mochilavam” juntas, sendo que uma das moças fala português fluentemente, conhece Florianópolis, Rio de Janeiro e muitas outras cidades brasileiras. Também fiquei observando os habitantes locais e me impressionei com o quanto eles vendem e consomem alimentos dentro dos ônibus. É oferecido hamburquesas (hamburguer), palomitas (pipocas), donas (roscas), refrescos (vendidos em saquinhos com gelo), ensalada de pollo (salada de frango), vigoron e muitas comidas exóticas além, claro, de doces e refrigerantes. Na parte superior daqueles velhos ônibus da empresa Blue Bird Body/CO que são, ou pelo menos eram, fabricados em Fort Valley – Geórgia/USA, são transportados frutas, bicicletas, balaios e artigos em geral, que são comprados em Granada ou Masaya e revendidos em cidadezinhas como Tipitapa e Ticuantepe, por exemplo. O cenário é bastante curioso e remete a cenas interessantes.

Então, depois de muita espera e uma longa viagem, consegui chegar a Puerto San Jorge em Rivas, bastante atrasado. Com isso, tomei, apressadamente, um grande barco que faz a travessia do lago Nicarágua, também conhecido como lago Cocibolca, com destino à Ilha Ometepe. Durante a travessia fui conversando com Cristian, um morador da ilha Ometepe, mais precisamente de Moyogalpa – uma pequena cidade com cerca de quatro mil habitantes que é a porta de entrada da ilha, e com poucos minutos de conversa já me oferecera a sua casa para que eu pernoitasse. Expliquei-lhe que, infelizmente, por falta de tempo, ficaria na ilha apenas até o retorno do último barco para, depois, tomar o último ônibus de Rivas para Manágua, pois na manhã seguinte daria sequência à minha viagem pela América Central. Na oportunidade, Cristian me informou que é acostumado a recepcionar muitos turistas em sua casa e que numa ocasião havia um grupo de dezesseis suíços hospedados durante cinco dias. Contei-lhe o ocorrido sobre o jovem que, no dia anterior, oferecera sua residência e ele me garantiu que essa é uma característica dos nicas (como gostam de ser chamados os nicaraguenses), fato este que me pesou a consciência, pois agira de forma grosseira com o rapaz que, pelo visto, só queria ajudar.

Com Cristian conversei muito sobre os costumes locais. Me deu dicas de restaurantes e como chegar no Ojo de agua (Olho d`água) – uma fonte cristalina que forma uma imensa piscina natural. Conversamos ainda sobre motos e ele me narrou sua aventura quando, sozinho, foi até a Guatemala.

Cheguei na ilha e almocei uma deliciosa tilápia, pescada no Lago Nicarágua. Um peixe extremamente saboroso, de carne branca e tenra, que foi servido com arroz e salada, proporcionando um excelente almuerzo (almoço), que foi acompanhado por uma Toña – a cerveja mais tradicional da Nicarágua.

A ilha Ometepe é a maior ilha do mundo em água doce, consequentemente a maior das duas ilhas do lago Cocibolca. Na língua nahuati, Ometepe significa Duas Montanhas. Esta ilha é de origem vulcânica e é composta por dois vulcões com origem na mesma base: o Madera, já extinto, e o Concepción, ainda ativo. A ilha tem muito a oferecer aos turistas. O Ojo de agua e o vulcão Concepcion são as duas principais referências turísticas, mas muitas outras atratividades podem ser aproveitadas naquela grande ilha, como alugar um quadriciclo ou um cavalo para conhecer suas praias de água doce e seus pequenos povoados.

No regresso a Rivas, com os fones do MP4 nos ouvidos ouvindo Beto Guedes, Djavan, Adriana Calcanhoto, Zé Geraldo, Legião Urbana, Coldplay, Yes, Super Tramp e muitos outros cantores (as) nacionais e internacionais, fui contemplando aquele lindo final de tarde enquanto o vulcão Concepción que estampava um exótico “pano de fundo”, numa paisagem de tirar o fôlego, fumegava como uma locomotiva a vapor, emprestando ao cenário uma participação especial, enquanto seu irmão, o dorminhoco Madera, fazia o pepel de coadjuvante. O barco transportava, além de umas poucas pessoas, um automóvel e um caminhão carregado de plátanos. Neste percurso, que durou aproximadamente uma hora e meia, imaginei que o esforço de me deslocar até Rivas valeu a pena. Conhecer um pouquinho da ilha me deixou satisfeito e certo de que a ida à Nicarágua me fez perceber que, ainda que seja considerado o país mais pobre da América Latina, é um país de muitas opções turísticas e que merece ser explorado com mais tempo.

Em Rivas tomei o último ônibus para Granada. Este ônibus, assim como os demais, tocava músicas nicaraguenses extremamente altas e foi parando em todos os vilarejos possíveis e imagináveis até que, à noite, cheguei em Manágua, onde fiz um lanche e rumei pro hostel à procura de descanso, que era o que precisava naquele momento. Aquele hostel pode ter lá as suas falhas na sua administração, mas até aquele momento ainda não tinha dormido num colchão tão confortável quanto aquele. Nesta noite reencontrei os colegas de albergue e, enquanto conversávamos na área comum do hostel, “derrubamos” uma garrafa de Jack Daniel's. Mas logo me recolhi, pois o ônibus da Tica Bus partiria às 07h da “matina” e eu, ansioso, não via a hora de embarcar e conhecer aquelas estradas e, claro, as maravilhas naturais da tão sonhada Costa Rica.

A Nicarágua possui uns 40 vulcões e é o maior país da América Central, banhado a oeste pelo Oceano Pacífico e a leste pelo Mar das Caraíbas, também conhecido como Costa dos Mosquitos. Nos outros extremos faz fronteira com Honduras e Costa Rica. De natureza exuberante e com boas estradas, agrega condições suficientes para o turismo e deve ser uma delícia explorá-la de motocicleta.

 

 

17-03-2011 (quinta-feira) Entre Nicarágua e Costa Rica.

Às 5h30min da manhã, quando a noite não se foi totalmente, o dia ainda não era dia e a madrugada cedia lugar ao sol, saí do hostel e, caminhando, me dirigi ao terminal da Tica Bus para tomar o ônibus com destino à Costa Rica. Naquele amanhecer a única companhia que tinha nas ruas eram os sanates que, em bandos enormes, despertavam toda a cidade com seus estridentes cantos. Sanate é um pássaro semelhante ao Pássaro Preto, também conhecido com Chupim ou Vira Bosta. Os machos possuem penas pretas e olhos azuis e as fêmeas penas marrons. São grandes, ariscos e muito espertos.

Devidamente acomodado em minha poltrona, iniciei a viagem com previsão de dez ou onze horas de duração que contornaria o lago Nicarágua, cruzaria a fronteira (Peñas Blancas), atravessaria os Parques Nacionais Guanacastes e Santa Rosa, e passaria próximo à cidade de Puntarenas, próxima ao Oceano Pacífico, numa estrada sinuosa e linda, até chegar na Capital, San José.

A expectativa de chegar na Costa Rica era grande, mas não a ponto de impedir que lampejos preocupantes sobre a minha família ressurgissem a todo instante em meu pensamento. Não sabia ao certo os motivos, mas fui tomado por sensações ruins sobre minha mãe e meu filho. Os tais lampejos traziam à memória cenas de acidente, doença e até mesmo morte. Sem entender direito o porque daqueles horríveis pensamentos, involuntariamente meus olhos lacrimejaram enquanto trilhava aquelas intermináveis estradas que cruzavam rios, povoados e florestas, dentro daquele gelado ônibus – é, os homens também choram!

O último contato com minha família havia sido na Venezuela, pois desde de que cheguei na Nicarágua, não consegui contatos, haja vista que foi uma correria só e não encontrei nenhuma telefônica, bem como, não havia possibilidades de realizar ligações a cobrar. Por isso não via a hora de chegar em San José para saber notícias de todos. Na tentativa de burlar a péssima sensação e me distrair com outros pensamentos, passei a assistir um filme na TV do ônibus, ouvir músicas, rever o roteiro da viagem e buscar informações com um ou outro passageiro sobre a melhor forma para chegar ao Parque Nacional Manuel Antônio e, assim, treinar um pouco o meu limitado castelhano.

Quanto a chegar ao Parque Nacional, as duas primeiras informações foram de que seria melhor ir a San José e, de lá, no dia seguinte, seguir para Puerto Quepos, onde fica localizado o referido parque. De repente, ao perceber que o ônibus parou às margens da estrada entre as cidades de Quatro Cruces e Macacona, próximo a Puntarenas, para deixar alguns passageiros, me dirigi ao motorista, pois estava insatisfeito com as primeiras informações, e questionei a respeito do assunto e ele me recomendou saltar naquele local e tomar um táxi até Puntarenas, de onde partiria um ônibus para Quepos. Contudo, me alertou que já eram 14h50min e que o último ônibus partiria, de Puntaneras para Quepos, às 15h. Então, sem tempo para uma tomada de decisão mais reflexiva, arriscando pernoitar numa cidade que estava totalmente fora do planejamento, peguei a minha mochila, embarquei num táxi e segui para Puntarenas para tentar pegar o que seria o último ônibus do dia para Quepos, confirmado pelo motorista do táxi. Como o taxista sabia que o referido ônibus já havia partido de Puntarenas, cortou caminho e me deixou próximo a um hospital, em um lugar que não me recordo o nome, onde o ônibus passaria em alguns minutos. Caso já tivesse passado, o jeito seria dormir em Puntarenas e seguir viagem no dia seguinte. De qualquer forma evitaria ir a San José e retornar boa parte da viagem até Quepos.

Para meu alívio, minutos depois, o ônibus passou e parti rumo ao Parque Nacional Manuel Antônio, numa viagem cansativa onde fiquei de pé naquele ônibus lotado pelo menos umas três ou quatro horas até chegar na cidade de Parrita quando, enfim, consegui um lugar para sentar. Fui apreciando a paisagem e as imensas fazendas com gigantescas plantações de Palma Africana – árvore que fornece frutos estranhos, parecidos com pinhas das araucárias, mas que, na verdade, servem para fabricar óleo de cozinha e, segundo o dono do hotel Coco Beach, no qual me hospedei, é mais cultivada que a banana que antes dominava as fazendas da Costa Rica. Neste pequeno e cansativo trecho da viagem fui tomando água de coco servida em saquinho plástico com um pedaço de coco dentro, o que achei muito refrescante e original para a ocasião.

A primeira coisa que fiz em Quepos foi falar com minha mãe, minha irmã, minhas “jóias preciosas” (meus dois filhos) e minha esposa, que me informou estar num velório de uma senhora chamada Lauriana, mãe de um dos meus concunhados. Dona Lauriana estava com oitenta e dois anos e era uma amiga muito próxima da família. Lamentei muito o ocorrido e me assustei um pouco com a intuição desconfortante que sentira durante a viagem e que naquele momento parecia se explicar.

Quepos é uma cidade extremamente internacionalizada, onde encontra-se mais turistas que costariquenhos ou costarrisences como são conhecidos na América Central. Os americanos e europeus dominam a região e por onde quer que se ande encontra-se um deles.

Já era noite quando cheguei e, sem conhecer nada, tomei um táxi de um senhor estiloso, cheio de “marra”, com seu rabo de cavalo, correntes, pulseiras e anéis de prata, que falava muito e corria pouco, pois dirigia a 20 Km/h por ser portador de necessidades especiais. Com isso fomos conversando tranquilamente pelo curto e sinuoso trecho entre Quepo e Manuel Antônio, à procura de um hotel e acabei por me hospedar num indicado pelo taxista, que destacou a comida feita pela própria dona, uma chinesinha miudinha e com cara de poucos amigos. Durante o percurso o taxista recomendou ainda um tour de catamaram para ver golfinhos, tartarugas, e fazer snorkel. Ligou para seu filho, passou-me o celular e agendamos para a manhã seguinte.

Enfim, hospedado num hotel limpo, agradável e com um bom atendimento por parte do esposo da chinezinha, tomei um banho quente e desci para experimentar a comida daquela senhora, conhecida como dona China cuja antipatia superava, em muito, seu tamanho e peso.

O senhor me ofereceu, e eu aceitei experimentar, a cerveja costariquenha Imperial, que foi acompanhada por um filé de Dourado com arroz ao alho e salada. Achei a cerveja boa e o prato maravilhoso, o que comprovou o que o taxista havia comentado a respeito dos dotes culinários da dona China, mesmo porque passei o dia inteiro comendo biscoitos e tomando agua de pipa (água de coco), aquela servida em saquinho plástico.

O hotel fica numa pequena encosta e o restaurante a uns cinco metros de altura da estrada, totalmente aberto nas laterais, de forma que podia-se ouvir o barulho das ondas da praia Manuel Antônio, que logo foi abafado pelo barulho da chuva, que me prendeu naquele simples restaurante onde permaneci atualizando este relato e conversando com o proprietário até às 22h.

Havia agendado com o filho do taxista para me apanhar às 06h e, portanto, precisava mesmo descansar e deixar para explorar o local durante o dia, depois do retorno do tour que prometia ser a sensação do lugar além, é claro, do próprio parque.

Com o contato feito com minha família, a única coisa que me preocupava naquele momento era o fato de não ter conseguido adaptador de tomadas para recarregar as pilhas da máquina fotográfica e, talvez, não conseguir registrar o passeio. O adaptador se fazia necessário tendo em vista que na Costa Rica, ou pelo menos em Quepos, as tomadas elétricas permitiam apenas pinos chatos e não cilíndricos como as do Brasil. Com isso conversei com o proprietário que me garantiu não ter adaptador, mas tentaria me trazer, conforme solicitação minha, um pequeno pedaço de fio para que eu mesmo confeccionasse o tal adaptador. Como já passava das 23h e o tal senhor não trouxera o fio, resolvi, com a pinça do cortador de unhas, desaparafusar a tomada da parede e, por trás dela, encostar os pinos do recarregador de pilhas nos pólos (neutro e fase) da mesma. Esta prática deu certo e as pilhas foram recarregadas. Não imaginava, no entanto, que aquela prática recarregaria também a fúria da dona China.

Resolvido o problema do contato familiar e do recarregador de pilhas, me restava, naquele momento, resolver dois problemas: a minha unha que ainda não me deixava calçar confortavelmente, mas que parecia que enfim me deixaria, e uma maldita afta que nascera no Brasil e se internacionalizara, pois viajou pela Venezuela, foi a San Salvador, atravessou a Nicarágua e estava, firme e forte, em terras costariquenhas.

Passava das 22h quando a chuva cessara e eu estava muito contente e relaxado por ter conseguido chegar ao Parque Nacional e estar hospedado num hotel simples, mas razoável, de forma que subi com umas latinhas de Imperial e fiquei na sacada do hotel ouvindo o suave barulho das ondas da praia Manuel Antônio. Pesquisei e me inteirei muito na internet antes de iniciar a viagem e, por isso, estava ansioso para que o dia amanhecesse para poder vislumbrar o local. Naquele momento, inevitavelmente, passei a pensar, novamente, em cada uma das pessoas que convivo e com saudosismo refleti sobre a qualidade de cada uma delas, lamentando não poder compartilhar aquele momento, em especial com minha esposa e meus filhos. Pensei também que naquela noite meus amigos do futebol das quintas-feiras no Roçado, São José/SC – bairro em que morei desde criança até pouco antes de casar, mas que ainda convivo e tenho grande apreço, jogaram nossa tradicional “pelada” e deveriam estar jantando o tradicional churrasco...

Próximo da meia noite, num silêncio absoluto, quebrado apenas pelo uivo de um macaco, resolvi descansar, pois no dia seguinte, cedo, partiria para um passeio no Oceano Pacífico que prometia muita adrenalina, novas aventuras e descobertas. Imaginei várias coisas a respeito daquele passeio, mas não pude imaginar que enfrentaria também, repito, a irritação da dona China.

 

 

18-03-2011 (sexta-feira) – Parque Nacional Manuel Antônio, Costa Rica

Despertei cinco horas da manhã, retirei o recarregador de pilhas da tomada, peguei a máquina fotográfica e, curioso, me dirigi à praia, cuja entrada (caminho) principal ficava a menos de quinhentos metros do hotel. No trajeto avistei alguns macacos prego, macacos de cara branca e uma ou outra pessoa que me cumprimentaram com a curiosa saudação “Pura Vida?”, à qual, eu, empolgado, respondia “PURA VIDA AMIGO! PURA VIDA!”. Esta expressão nada mais é que perguntar se está tudo bem, mas surte um efeito mágico como se as pessoas não estivessem apenas cumprimentando umas às outras e sim desejando algo além... Caminhei pela linda praia, contemplei lindos pelicanos em seus vôos rasantes, registrei algumas fotos e retornei ao hotel onde encontrei a dona Chica e a cumprimentei com a expressão “PURA VIDA?” Sem resposta ao cumprimento, a chinesinha se limitou apenas a parar e lançar um olhar cortante que até então não havia entendido – eu heim! Mesmo assim degustei o reforçado desayuno (café da manhã), o primeiro da viagem em hotel, que consistia em fatias de queijo e presunto sobre ovos fritos, torradas e suco de laranja.

Em seguida fiquei aguardando a van do filho do taxista que me levaria até o local para participar do primeiro tour marítimo na Costa Rica. Com o atraso pensei em desistir, afinal seria um tour pelo mar e, pensei, mar é o que não me falta em Florianópolis... Com a desistência visitaria, ainda naquela manhã, o Parque Nacional Manuel Antônio e anteciparia minha viagem para San José.

Neste ínterim conversei com o Oscar sobre a possibilidade de me devolverem uma das duas diárias que paguei antecipadamente na noite anterior, exigência de dona China, mas ele me respondeu que finanças eram com a própria. Conversando com a chinesa, que amargamente respondeu, em alto e bom tom, um NÃO, mas pensou melhor (acredito que tenha refletido sobre algo) e me ofereceu a metade da diária para que eu deixasse seu hotel. Concordei, porém, naquele momento a van chegou e fui para o tour que encerraria às 12h. Informei que retornaria para pegar os meus pertences, aceitando a proposta daquela senhora, mesmo sentindo que ela não deveria falar comigo daquela maneira, afinal eu nada tinha feito de errado.

No grande catamaram que partiu lentamente à procura de golfinhos, fiquei imaginando o que poderia ter deixado aquela senhora tão brava comigo. Pensamento este interrompido pelos tripulantes quando avistaram os primeiros golfinhos. Ficamos por aproximadamente uma hora perseguindo os mamíferos e, com isso, voltei a prestigiar o passeio e a admirar as malabarisses daqueles lindos e espertos animais. Uma vez vistos, fotografados e filmados partimos para fazer snorkel, uma prática esportiva de mergulho, o que fez valer a pena o passeio. Mergulhei junto a peixes exóticos, ouriços, corais e estrelas do mar de tentáculos compridos. Simplesmente fantástico! Em seguida o catamaram foi atracado próximo a uma ilha enorme cheia de pelicanos, onde foi servido um almoço super original com frutas, macarrão e espetinho de peixe.

Além dos golfinhos, snorkel e o almoço, outra coisa que muito me satisfez foi a possibilidade que o comandante costariquenho me oferecera de conduzir o enorme catamaram no regresso do passeio, o que fiz com extrema satisfação. Tal oferta só me foi dada, pois afirma o comandante gostar muito dos brasileiros. Havia ao menos uns trinta turistas naquele catamaram, mas por incrível que pareça toda a tripulação conversava mais comigo e curiosos perguntavam sobre carnaval, mulheres e futebol...

Depois do passeio me dirigi a Quepos para comprar a passagem de ida a San José cujo horário é único, ou seja, às 18h; conheci um pouco da cidade, telefonei para casa novamente e, de transporte coletivo, retornei ao Parque Nacional.

O parque me surpreendeu muito haja vista que imaginava ser um parque fechado com animais encarcerados num espaço ainda que grande, mas não, trata-se de um parque de preservação natural onde os animais vivem de fato livres na natureza. O que me frustrou um pouco foi a dificuldade de avistá-los, pois imaginei que veria com mais facilidade uma série deles o que, na prática, não é bem assim. O acesso se dá por um portal onde paga-se o ingresso e, se quiser, contrata-se um dos muitos guias que ficam naquele local aguardando grupos de turistas para conduzi-los, por uma estrada larga, e mostrar-lhes os animais através das lentes de suas poderosas lunetas.

Um tanto quanto sem saber o que fazer nem para onde ir, fui seguindo um grupo de alemães guiados por uma profissional que fora contratada por eles na entrada do parque. Infiltrado entre os deutsches (alemães em alemão) aproveitei para ver alguns animais me valendo da luneta da guia. Seguindo o grupo fui observando que os guias informavam uns aos outros a localização dos monos (macacos), osos perezosos (bichos-preguiças), entre outros animais que, para enxergá-los, os turistas necessitam das suas lunetas já que a olhos nus praticamente não dá para vê-los, pois geralmente ficam nas copas das grandes árvores daquele parque, fato que me desagradara, pois não tinha viajado tanto para avistar animais selvagens através de lentes.

Naquele momento, sem saber onde daria e o que veria, arriscando a me atrasar para seguir viagem, resolvi, sozinho, seguir uma trilha com a intenção de sair daquela estrada cheia de grupos de turistas e tentar descobrir alguma coisa que valesse a pena o esforço de me deslocar até lá. Para a minha surpresa a trilha finalizou numa linda e pequena praia de água cristalina e uma vista espetacular. Com satisfação fui contemplado com uma cena pra lá de excitante. Flagrei com admiração o esforço incondicional de uma linda mamãe preguiça que atravessava dependurada num cipó que se prendia de uma árvore à outra, com seu bebezinho agarrado em sua barriga, a apenas três ou quatro metros acima de onde eu me encontrava. Aquele flagrante, sim, foi prazeroso, afinal, aquele momento era só nosso – meu, da mamãe e do filhotinho – e me proporcionou uma fantástica surpresa ver aquela travessia perigosa e arriscada, mas de muita competência e responsabilidade da mamãe preguiça. Um momento especial que a natureza me reservou e que valeu muito ter saído do trivial, da mesmice e me separar do grupo e dos guias com suas lunetas. É por estas e outras razões que não costumo, repito, “engessar” as minhas viagens, pois se assim o fizesse perderia momentos tão especiais quanto aquele que presenciei no meio da mata da Costa Rica.

Em contrapartida, na mesma praia que tanto me impressionou com a beleza da natureza e o “respeito” do homem para com os animais, me surpreendi com o que poderia se transformar numa atrocidade. É que, por curiosidade, fui até um pequeno barco que acabara de chegar à praia e percebi, com surpresa e indignação, que dentro do mesmo havia duas tartarugas ainda enroladas numa rede e com os cascos voltados para baixo. Depois de conversar com o pescador, um sujeito atarracado, mas simpático, soube que a captura acontecera por acaso, mas não deixaria de ser seu jantar naquela noite. Pensando como fazer para libertá-las, sem entrar em conflito com o pescador, tentei explicar-lhe sobre a importância daqueles animais, da sua possível extinção e a pouca quantidade de carne que ele aproveitaria, como se ele não soubesse. Minutos depois, mas somente com uma contribuição “espontânea” de 10 dólares, ele permitiu que eu as libertasse e as devolvesse ao mar. Aquele episódio me remeteu a uma passagem que me ocorreu há muitos anos atrás quando passeava com minha esposa (na época minha namorada), na praia dos Ingleses em Florianópolis. Fomos contemplar a chegada de um barco de pescadores e avistamos, próximo ao rancho onde guardam as canoas, uma pequena tartaruga nas mesmas condições daquelas, ou seja, com o casco voltado para baixo e as barbatanas a cortar o ar numa tentativa agonizante de virar-se. Sem pensar nas consequências, escondi a tartaruga debaixo da minha camiseta e saímos andando discretamente, depois mais apressados e então corremos pelas dunas que separam a praia dos Ingleses da praia do Santinho. Chegando à praia, uns 20 minutos depois de ter “raptado” a tartaruga enquanto os pescadores encontravam-se distraídos com o barco que acabara de chegar, eu e ela reanimamos a pobrezinha com a água do mar até que tivesse força suficiente para seguir sozinha. O impressionante é que ao ser devolvida ao mar aquele quelônio mergulhava e levantava a cabeça como que se despedindo ou agradecendo por arriscarmos as nossas vidas para salvar a dela. Foi realmente uma cena muito gratificante e inesquecível que fora revivida com a que presenciei no parque Manuel Antônio na Costa Rica.

Depois das agradáveis e exclusivas cenas proporcionadas pela mamãe preguiça e da prazerosa libertação das tartarugas, ainda pude ver vários macacos das espécies prego, de cara branca e bugios antes de retornar, apressadamente, ao hotel, apanhar minha mochila e ir a Quepos, pois, às 17h tomaria o ônibus com destino a San José.

Cheguei no hotel às 16h e fui conversar com a dona China para receber a meia diária, afinal não pernoitaria naquela noite e havíamos combinado a devolução. Ao conversar com a chinesa, rabugenta, sobre a devolução da diária a mesma esbravejou e ficou tagarelando em espanhol uma série de coisas que mal entendia, mas pela aspereza do tom da voz percebi, logo, que não eram elogios. O pouco que entendi foi que: “quem eu pensava que ela era”; que “desliguei o frigobar e molhou todo o piso do apartamento”; que “eu poderia causar um curto-circuito com aquela tomada aberta”; que “não devolveria diária nenhuma”; e que “deveria ir embora naquele momento”... Eu, em contrapartida, achando graça da situação me limitei a falar: “Que passa dona China? Que passa? – Pura Vida! Pura Vida!” e sem mais a dizer me retirei do hotel rindo daquela senhora estressada, baixinha e folgada que ficou resmungando (acredito que em mandarim) enquanto eu deixava seu hotel sem o dinheiro e me dirigia à praia que, para chegar, caminha-se entre várias tendas de artigos artesanais onde comprei umas lembranças legais da Costa Rica, até chegar nuns restaurantes onde fiquei contemplando o visual daquela linda praia – que até mesmo no google maps é difícil localizar, dos artesanatos, dos esportes, das pessoas, enquanto aguardava o ônibus para Quepos.

O ônibus atrasou e já estava escuro quando parti de Quepos. As fazendas de Palma africana estavam iluminadas por milhares de vagalumes. De quilômetro em quilômetro, de curva em curva, ia me distanciando daquele lugar bacana que, com exceção da dona China, oferecia um astral digno da expressão tão utilizada na Costa Rica – “PURA VIDA” A estrada, conforme ia se afastando de Quepos e se aproximando de San José estreitava-se cada vez mais, ao ponto dos retrovisores dos ônibus e caminhões quase se tocarem. Algumas pontes do percurso possuem apenas uma faixa, de forma que os motoristas devem ceder a vez e aguardar para passar. Em algumas há até semáforo!

Percorridos cento e setenta quilômetros, aproximadamente três horas de viagem, por uma estrada extremamente sinuosa, movimentada e, consequentemente perigosa, sobretudo pela sua altura, que passa dos mil metros acima do nível do mar, cheguei em San José. Ainda na “rodoviária” fui informado que não conseguiria hotel na cidade, pois estavam acontecendo as festividades do dia de São José. O local, ao menos naquela hora, era um tanto ou quanto sinistro e como só restava eu (todos os outros passageiros tomaram táxis ou foram apanhados por parentes ou amigos), fui abordado por um taxista que se apresentou mostrando seu crachá e afirmando que conseguiria um hotel. Como não via outra opção naquele momento, entrei no seu táxi velho e aguardei enquanto ele fazia uma ligação para um hotel para saber se havia vaga. O hotel queria cobrar em torno de duzentos e cinquenta reais a diária, o que recusei de imediato. Com isso ele ligou para um amigo que informou que só havia hotéis disponíveis em Alajuela – cidade a sessenta quilômetros de San José. Pedi para que aguardasse enquanto refletia sobre o que faria no dia seguinte. Observei o planejamento da viagem que naquela altura já não seguia mais à risca, mas que servia de referência e constatei que Alajuela seria mesmo a cidade que iria (de ônibus) no dia seguinte para subir o vulcão Poas. Acertamos o preço e partimos.

No caminho o taxista me informou que passaria na casa de sua cunhada, pois sua esposa estava cuidando do sobrinho que estava doente. Pelo clarão das luzes da cidade de Alajuela percebi que ele estava se distanciando do destino e embrenhando-se num bairro estranho e escuro. Falei-lhe que o aguardaria numa pracinha que passamos, mas me disse que ali seria perigoso permanecer sozinho aquela hora da noite. Indaguei-lhe do por que não ligou para esposa para saber notícias e ele me respondeu que um carro bateu num poste e danificou a linha telefônica daquela região. Perguntei-lhe do por que não passar na volta, pois poderia conversar com mais calma e ele me respondeu que o retorno seria bem mais longe pois teria que desviar em muito o caminho. Diante de tantas desculpas juro que pensei que seria assaltado pelo taxista quando, de repente, a rua terminara e só havia uma estrada de chão batido que adentrava num grande terreno baldio que parecia uma fazenda abandonada. Ali meu coração acelerou, o sangue esquentou, o cérebro imaginou muitas coisas negativas e, mesmo assustado, ao ver a ponta de um porrete atrás de seu banco me veio à lembrança um provérbio africano “Fale com suavidade e tenha na mão um grande porrete”. Discretamente pus a mão esquerda no porrete para me garantir, mesmo consciente de que não se deve reagir em casos de assalto, mas, graças a Deus, naquele momento, ele disse que tínhamos chegado e buzinou em frente da última casa da rua. Falou rapidamente com a esposa e seguimos para Alajuela, onde ele me deixou num hotel simples e antigo, mas bastante aconchegante e limpo. No trajeto falei que me preocupara com o ocorrido e que estava pronto para reagir caso ele tentasse adentrar naquele local. Ele sorriu e afirmou ser uma boa pessoa, que estava trabalhando e que não tinha coragem de fazer mal à ninguém. De qualquer maneira penso que fui ludibriado pelo taxista que, imaginei, precisava é saber da esposa e queria que algum “trouxa” bancasse o combustível, pois acredito que havia, sim, hotéis disponíveis em San José.

Nesta noite dei uma pequena volta pelas redondezas de Alajuela – cidade natal do herói da Costa Rica: Juan Santamaría – que é uma agradável cidade de aproximadamente quarenta e cinco mil habitantes e possui localização estratégica para quem vai à Costa Rica, pois fica próxima ao aeroporto e é base para quem quer conhecer o vulcão Poas que possui a maior cratera do mundo, fato este que me fez destacá-lo como um dos pontos turísticos da Costa Rica a ser visitado.

 

 

19-03-2011 (sábado) – Alajuela, Costa Rica

Sete horas da manhã já estava me dirigindo ao centro principal da cidade que, em termos turísticos, resume-se numa praça e numa catedral, mas possui um comércio tão aquecido que não fecha nem mesmo aos sábados e domingos. Na praça fiquei conversando com uma simpática senhora jornaleira que, sentada em sua banquetinha, cumprimentava todas as pessoas que por lá passavam. A senhora me garantiu que na cidade não havia terminais da TicaBus nem mesmo da TropoBus – empresas que fazem o percurso Costa Rica/Panamá, desmentindo o taxista que me garantira que próximo ao hotel teria um terminal TicaBus. A jornaleira gentilmente conseguiu descobrir o telefone da empresa de ônibus, em San José, para onde liguei para saber se funcionava nas tardes de sábado, pois, caso contrário, teria que viajar para o Panamá somente na próxima segunda-feira. Conversei um pouco mais com a jornaleira, contei-lhe a história da viagem (coisa que a surpreendeu) e agradeci por ter conseguido o número do telefone da TicaBus. Ela, muito simpática e generosa, diferentemente da Dona China, se despediu, desejando-me sorte e proteção divina dizendo “Adios e que Dios te lo bendiga Ronei” (Adeus e que deus te abençoe Ronei). Retornei ao hotel e fiz a ligação onde me confirmaram que tanto o terminal quanto o hotel TicaBus, que funciona no próprio terminal, permanecem abertos todos os dias da semana. Assim sendo, poderia deixar para comprar a passagem no período da tarde e fui à garagem de onde parte o único ônibus para o vulcão Poas, que sai às 09h30min e retorna às 14h.

O Poas, na verdade, é um estratovulcão, pois seu formato é em forma de cone formado por magma extravasado – rocha fundida debaixo da superfície da terra que, quando expelida, dá origem à lava que dá a forma cônica ao vulcão. O Parque Nacional Vulcão Poas é bastante interessante pois, além da altura, que passa dos 2700 metros, há muitas alternativas de trilhas que conduzem às suas duas crateras, sendo que numa delas, a ativa, os visitantes não podem descer devido à fumaça tóxica de ácido sulfúrico, enquanto que na outra, a extinta, formou-se a lagoa Botos. Seu nome se deve a uma tribo indígena com mesmo nome, que habitava as proximidades da cratera. Este vulcão possui a maior cratera vulcânica do mundo, com 1,3 quilômetros de largura e 300 metros de profundidade, onde já foram registradas aproximadamente 39 erupções desde 1828.

No parque, a exemplo do Parque Nacional Manuel Antônio optei por caminhadas solitárias onde fotografei várias espécies de plantas e pássaros. O destaque ficou por conta de uma planta que possui folhas enormes, maiores que um guarda-sol, cujo nome popular é sombrinha de pobre por poder abrigar, facilmente, duas pessoas. O outro destaque se deu por conta de um casal de beija-flores cujo tamanho da fêmea não atingia três centímetros e do macho não passava de quatro (incluindo a calda) o que me fez lembrar do nosso caçula que é considerado o menor pássaro brasileiro. O quetzal – uma ave com plumagem colorida de cauda grande e brilhante também chamou minha atenção devido a sua beleza. Há vários tipos de quetzais como o de crista, cabeça-dourada, pontas-brancas, pavão e resplandecente, mas não saberia distinguir quais destes estava pousado sossegadamente à minha frente, mas que ao perceber meus movimentos voou sem deixar-se fotografar.

Às quinze horas já estava de volta ao centro de Alajuela, me dirigindo à rodoviária da TicaBus em San José. Lá chegando, deixei meu nome na lista de espera do ônibus que partiria para o Panamá à meia noite. Feito a reserva, resolvi conhecer o centro da capital e, se valesse muito a pena, pernoitaria no próprio hotel da empresa de ônibus e embarcaria para o Panamá somente no dia seguinte.

Fui então conhecer o Museu Nacional, o Teatro Nacional, o Mercado Modelo (patrimônio histórico) e a feira, onde comprei uma série de souvenires. Visitei ainda duas praças, incluindo uma onde os nicas (nicaraguenses), imigrantes do país vizinho, costumam se reunir, e perambulei pelo bonito calçadão onde encontrei algumas esculturas de Botero feitas em bronze, o que muito me chamou a atenção pela particularidade das obras. Estas esculturas estão expostas, em especial, em Medellin e Bogotá na Colômbia, cidade que seria meu ponto de retorno pro Brasil.

Uma vez explorado o centro de San José, resolvi, às 23h, retornar ao terminal para tentar embarcar e, com isso, adiantar a viagem para poder aproveitar, com mais tranquilidade, o Panamá e a Colômbia que, segundo minhas pesquisas, tinham muito a ser explorado por este solitário mochileiro. Lá, obtive a informação que eu seria o número 1 da lista de espera e que bem provavelmente poderia, sim, embarcar naquela noite, porém tal confirmação só se daria às 23h30min, ou seja, meia hora antes da partida.

Quanto ao turismo propriamente dito, não há muito o que se fazer em San José haja vista que a Costa Rica oferece muitas outras melhores opções, principalmente ecoturísticas, no interior do país. Nem por isso deixa de ser um importante local para se conhecer naquele belo país que, cercado de um lado pelo Oceano Pacífico e do outro pelo mar do Caribe, muito se pode prestigiar e fazer, uma vez que a fauna e a flora da Costa Rica são realmente muito conservadas e oferecem muitas possibilidades de se praticar os mais diversos esportes radicais, como montanhismo, canopy, rafting, trekking, bang jump, mergulhos e muito mais...

Por sorte, além de conseguir a passagem, fiquei num banco duplo, “sem companhia”, o que facilitou em muito a viagem, pois, assim, ficaria muito mais à vontade para relaxar e descansar durante as 12 horas que levaria até Panamá City. Acontece que tenho grande dificuldade de dormir em ônibus e, mesmo com a regalia, passei uma noite terrível e não consegui dormir sossegado. Passei novamente a lembrar de minha família e o quanto eu gostaria de estar ali com cada um deles. Li minhas apostilas, relatei no “diário de bordo” o ocorrido neste dia e ouvi muitas músicas que aleatoriamente tocava no meu velho e companheiro MP4. Naquele momento muito pensava na minha esposa e ao ouvir uma linda música de Biquíni Cavadão (Quando Eu Te Encontrar) cuja letra descrevo a seguir, meus pensamentos me levaram de volta ao Brasil e me aproximaram telepaticamente dela.

 

Eu já sei o que meus olhos vão querer

Quando te encontrar

Impedidos de te ver

Vão querer chorar

Com riso incontido

Perdido em algum lugar

Felicidade que transborda

Parece não querer parar

Não quer parar

Não vai parar

 

Eu já sei o que meus lábios vão querer

Quando te encontrar

Molhados de prazer

Vão querer beijar

E o que na vida não se cansa

De se apresentar

Por ser lugar comum

Deixados de extravasar, de demonstrar

 

Nunca me disseram o que devo fazer

Quando a saudade acorda a beleza que faz sofrer

Nunca me disseram como devo proceder

Chorar, Beijar, te abraçar, É isso que quero fazer

Isso que quero dizer

 

Eu já sei o que meus braços vão querer

Quando te encontrar

Na forma de um C

Vão te abraçar

Um abraço apertado

Pra você não escapar

Se você foge me faz crer

Que o mundo pode acabar

Vai acabar...

 

Sem saber, me aproximava cada vez mais daquele que foi um dos melhores e mais bonitos lugares que conhecera nesta viagem. Uso a expressão “sem saber” pois por muito pouco não deixei a oportunidade passar e com isso, não tenho a menor dúvida, muito me arrependeria mais tarde, uma vez que estava substituindo este local em detrimento de outro que, quis o destino, não viria a conhecer.

 

 

20-03-2011 (domingo) – Fronteira Panamá/Costa Rica

Ainda escuro, às 5h da manhã, cheguei na Aduana Peñas Blancas, que fica na fronteira entre Costa Rica e PanamḠmas a mesma ainda encontrava-se fechada com abertura prevista para as 06h. A lua cheia e prateada estava baixa e, além dela, nada havia para se ver, nem mesmo fazer naquele lugar e, sem outra opção, tive que sentar e aguardar para ser atendido e liberado a cruzar a fronteira. Nesse ínterim fiquei conversando com um espanhol naturalizado no Panamá, com uma panamenha e uma colombiana que dividiam a viagem no mesmo ônibus e também aguardavam a abertura da alfândega para seguirmos viagem. O panamenho me deu muitas dicas do que fazer na Cidade do Panamá, disponibilizando-me, inclusive, o número de seu telefone para, se precisasse, fazer contato. Me deu ainda, dicas de hotéis e restaurantes próximos à Cinta Costera – um aterro à beira mar onde foram construídas áreas esportivas e duas enormes rodovias que interligam o Casco Viejo ao potente e moderníssimo centro comercial, bancário e administrativo da cidade. Já a panamenha que depois de tentar, se convenceu que não dava para fazer ligações a cobrar pro Brasil, me chamou a atenção para o fato de eu não ter programado ir a Bocas del Toro, uma vez que estava passando muito próximo do local que, para ela, era o mais lindo do Panamá; informação esta que coincidia com o que pesquisei sobre o lugar, mas devido ao cronograma, o deixaria para uma próxima oportunidade, já que meu principal objetivo no Panamá era conhecer San Blas e a cultura dos índios Kuna Yalas.

Uma vez aberta a aduana, foram mais três horas entre a saída da Costa Rica e a entrada no Panamá, de forma que às nove horas eu, minha unha machucada, sufocada dentro do curativo, juntamente com minha afta, entramos no penúltimo país a ser percorrido nesta aventura solitária, com destino à Cidade do Panamá e San Blas. Tal demora se deu, pois as autoridades panamenhas são bastante rigorosas com as documentações de estrangeiros. Exigem que estes tenham toda a documentação em dia. Exigem também que os turistas comprovem que possuem uma quantia mínima de 500 dólares e, o mais inusitado, que todos apresentem uma passagem de saída do país seja pra Costa Rica (terrestre) ou para qualquer outro país (aérea), caso não o tenhamos, nos obrigam a comprar uma de retorno à Costa Rica, pois, descobri ali, não há como sair do país por via terrestre para a Colômbia, ou seja, para a América do Sul, o que seria o meu propósito. Com isso tive que comprar uma passagem para a Costa Rica muito embora meu destino fosse a Colômbia, mas isto era um detalhe cujo desfecho se deu somente depois, em solo panamenho.

Entretanto, menos de uma hora depois, quando o ônibus parou em David, cidade próxima da fronteira, pensei melhor e sem mensurar se deveria ou não ou se seria viável ou não, alterando completamente meu planejamento, pedi pro motorista apanhar minha mochila e, seguindo a sugestão daquela moça, me dirigi ao terminal de ônibus para apanhar uma van com destino a Almirante e, de lá, seguir de barco até Bocas del Toro, afinal, não estava certo se aquela oportunidade voltaria a acontecer outra vez em minha vida.

O transporte para Bocas del Toro, a partir de David, só é feito por vans e leva aproximadamente umas quatro ou cinco horas, cortando o Panamá de sul a norte, ou seja, do Oceano Pacífico ao Mar do Caribe por uma estrada extremamente linda que serpenteia por entre o Bosque de Proteção Palo Seco donde pode-se contemplar lindas paisagens. Ao chegar na pequena rodoviária o motorista já estava fechando a porta da van e, um tanto quanto apressado, foi jogando minha mochila no porta malas do automóvel e me acomodou no último assento disponível que, na verdade, era do cobrador que, insatisfeito, foi de pé a viagem inteira. A van estava lotada das mais diferentes nacionalidades (turistas que se dirigem diariamente a Bocas del Toro), além de índios da Comarca de Ngöbe-Buglé, que é a maior Comarca indígena do Panamá, com extensão territorial de 6.968 km² e fica localizada na região ocidental do país. Uma curiosidade que percebi ao chegar próximo da laguna de Chirique foi que as casas destes índios são construídas acima do solo, erguidas sobre madeiras que, penso, servem para minimizar a entrada de cobras, escorpiões e outros bichos peçonhentos.

Em Almirante, obtive as informações necessárias e me dirigi até uns trapiches velhos e mal acabados para tomar um barco com destino a Isla Colón (Ilha Colón) que, com seus 61 km², é a principal ilha do arquipélago de Bocas del Toro, no Mar do Caribe e a quarta maior do País, onde me hospedei. O local de partida é extremamente estranho e sujo, com inúmeras palafitas sobre um rio escuro e totalmente poluído em decorrência do não tratamento dos esgotos despejados diretamente em suas águas. Tal cenário não possibilita imaginar que a menos de uma hora dali encontra-se parte do paraíso em forma de mar.

Naquele momento eu estava na metade da viagem e já gastara dois terços do dinheiro que levei. Em função disto, tive de economizar o máximo possível e me hospedei no hostel Calipsu que me cobrou 10 dólares para ficar sozinho num quarto com banheiro privativo, coisa que prefiro, muito embora esta ação não condiz com um mochileiro, já que mochileiros dividem quartos e não se importam com o fato de, a qualquer momento do dia ou da noite, estranhos adentrarem e se alojarem no mesmo apartamento.

Uma vez hospedado resolvi conhecer um pouco daquela interessante ilha com “ares” jamaicanos. Caminhei pela avenida e ruas adjacentes, parei num bar à beira mar e, do trapiche, onde experimentei uma Balboa (cerveja panamenha) me impressionei com a quantidade de peixes que, com a maior tranquilidade, como se interagissem com as pessoas ali sentadas, exibiam seus coloridos sem demonstrar qualquer preocupação. Confesso que pensei numa tarrafa e numa frigideira. Ainda durante a caminhada sentei num balcão do Bocas Book Histore Bar onde degustei uma outra cerveja panamenha e fiquei conversando com o inglês – dono do bar – que “arranhava” um espanhol com sotaque made in Inglaterra. Chamou-me a atenção umas notas vermelhas dentro de um recipiente de vidro sobre o balcão que servia para pôr propinas (gorjetas). Pedi licença para ver e constatei que eram dólares de Trinidad & Tobago. Ao final fui presenteado pelo inglês com três daquelas notas e retribui-lhe com uma nota de dois e outra de cinco reais, que muito lhe agradou e lhe chamou a atenção. O inglês, cujo nome não me recordo, saiu mostrando as notas aos colegas que lá estavam repetindo a cada um deles a palavra Wonderful (maravilhoso).

O Books Bar é um simples bar de madeira com um balcão que comporta apenas três ou quatro pessoas e umas poucas mesinhas dispostas a céu aberto. As instalações são precárias e a cerveja, gelo e refrigerantes são mantidos em isopores. O “barato” do bar é que, como o nome sugere, tem uma biblioteca bastante improvisada mas bem diversificada e é frequentado basicamente por turistas europeus e americanos.

Naquele fim de tarde comprei um cartão internacional e consegui ligar para casa e conversar tranquilamente com minha esposa. Pus a conversa em dia, contei-lhe as principais novidades da viagem, admitimos o quanto nos amamos e precisamos um do outro e choramos juntos, cúmplices do amor e reféns da saudade que, naquele momento e mais do que nunca, tomava conta de nossos corações... Confesso que estava muito contente e feliz por estar ali, em Bocas del Toro; por possuir a coragem de me aventurar, de me dar o direito de explorar, de não me permitir aceitar o básico. Não sei ao certo se devo classificar como qualidade ou defeito mas, enfim, tais atitudes me levam a ousar e, com isso, a conhecer novas situações que por vezes são acertadas. No entanto me sentia num circo vazio e a alegria era triste pois preferia estar compartilhando aquele momento, como tenho repetido várias vezes, com minha família.

Durante parte da noite perambulei pela ilha levantando informações de como ir aos lugares mais famosos e interessantes de Bocas del Toro que começa a ser conhecida como a nova Galápagos. Comprei algumas lembranças, contratei um tour para o dia seguinte e experimentei a cozinha panamenha, que é bastante cheirosa e leve com temperos e especiarias de origem creóle, introduzidos no país por negros vindos do Caribe para a construção do Canal do Panamá. A base de toda a culinária é a banana mas não faltam arroz, castanhas e leite de coco. Tem purê de banana, banana frita, assada, refogada, recheada e até banana sautée com acompanhamento de carnes, aves e pescados.

Para não comprometer ainda mais o planejamento da viagem, haja vista que queria muito conhecer San Blas, não pude contratar o tour completo que leva dois dias e tive que me consolar com isso pois são roteiros completamente diferentes de forma que o que se vê e se faz em um, não se vê e não se faz em outro.

De qualquer forma fiquei na varandinha do hostel ouvindo Coldplay e atualizando este relato enquanto percebia que Colón ia, aos poucos, entregando-se ao silêncio da noite, o que me trouxe certa nostalgia e passei a lembrar de minha família, mãe, irmãos e amigos.

Passava da meia noite quando resolvi dormir para descansar, pois no dia seguinte teria que estar em forma para, segundo o que pesquisara, encarar o que de melhor aconteceria na viagem até aquele momento.

 

 

21-03-2011 (segunda-feira) – Bocas del Toro, Panamá

Com a mochila devidamente arrumada, saí em direção ao cais para tomar o barco que me conduziria às ilhas Bastimentos, Cayo Coral e Punta Hospital. Este meio de transporte é muito utilizado pelas comunidades locais para, entre as ilhas, deslocarem-se para escola, hospital, trabalho, mercado, etc.

Acomodados, eu e alguns turistas, num pequeno barco, deu-se início ao passeio que começava com a busca por golfinhos, frustrada em função da chuva que nos tomou de surpresa e pela ausência daqueles mamíferos que resolveram não dar o ar da graça naquela manhã. Ao término da busca fomos a um restaurante, daqueles sobre palafitas e com cobertura de palha, no melhor estilo caribenho, para fazermos a reserva do almoço. Diferentemente de tudo que conhecemos, a espera pelo preparo do almoço se dá de uma forma muito inusitada, ou seja, fazendo snorkel nas águas rasas, tranquilas e muito transparentes do Mar do Caribe, apreciando arrecifes e dezenas de espécies de peixes coloridos que com muita tranquilidade ficam nadando à sua volta, parecendo querer mostrar as suas belezas diante das curiosas e estranhas criaturas humanas.

Enquanto os turistas degustavam suas lagostas, filés de peixes ao molho de camarão, e outras iguarias eu, discretamente, comia biscoitos, pois a grana já estava escassa e todo e qualquer gasto extra poderia comprometer o final da viagem que, repito, estava apenas na metade. Dentre os países visitados nesta aventura solitária, o Panamá é o único que adota o dólar como moeda corrente, logo os preços das coisas são mais altos. Há o Balboa, mas circula apenas em forma de moeda de no máximo 1 Balboa que corresponde a 1 dólar. Não fui o único a não sentar nas mesas, pois havia outros dois mochileiros – um irlandês comendo chocolate e uma outra moça, cuja nacionalidade não saberia dizer, degustando barras de cereais – e, portanto, fiquei mais à vontade sentado num trapiche virado de costas para o restaurante e de frente para a linha do horizonte do lindo e inesquecível Caribian Sea (Mar do Caribe), enchendo, se não meu estômago, mas minha visão com os mais lindos e coloridos peixes que já vira até então e que vinham comer comigo os biscoitos que atirava no mar para vê-los com mais proximidade.

O snorkel ou snorkeling é um esporte que eu ainda não tinha praticado e nem sequer conhecia, por isso, me cobrei por este fato, pois morando numa cidade que oferece diversas praias com águas cristalinas e com boas condições de praticá-lo, deveria, ao menos, conhecê-lo. Ao pôr o equipamento, que nada mais é que uma máscara com lentes de vidro temperado e um tubo de respiração – conhecido como snorkel – simplesmente a pessoa é transportada a um mundo de pura beleza natural, silêncio e tranquilidade; um mundo de paz e serenidade, que pode ser vivenciado por qualquer pessoa, independente da idade. Se com a experiência vivida no Pacífico eu já me tornara adepto do snorkeling, imagine com a vivida no Caribe. Peixes das mais diversas espécies, tamanhos e cores, estrelas, ouriços e arrecifes de corais são apenas algumas das atrações subaquáticas que se pode vislumbrar nesta prática de esporte que pretendo adotar e compartilhar com minha família.

O Sol voltou a brilhar e após o “almoço”, nos dirigimos à marina de um hotel na praia Red Frog ou Rã Vermelha. Ali, os pobres mortais caminham por uns dez minutos até chegar numa linda praia de águas cristalinas e agitadas, enquanto que os “iluminados” hospedados no spa fazem o trajeto em carrinhos movidos a bateria e guiados por funcionários. Caminhei a praia inteira, fotografei a beleza do lugar e adentrei, sozinho, numa outra trilha à procura das tão faladas rãnas (rãs). Depois de mais de trinta minutos caminhando, resolvi retornar à praia, pois não havia encontrado nenhuma delas, o que me deixou um tanto quanto frustrado pois esperava fotografar aqueles anfíbios de coloração viva e tamanho diminuto.

Vozes de crianças vindas de dentro do mato me chamaram a atenção. Mato este que surgia de um mangue e consistia em folhas grandes muito parecidas com as bananeiras de jardins do Brasil. Curioso, tentei olhar para a parte interna daquela vegetação para verificar o que estava ocorrendo quando, instantaneamente, o som parou e ouvi, então, apenas alguns ruídos e risos abafados de crianças. Mais curioso ainda me afastei um pouco e fiquei olhando o que poderia acontecer. Eis que, de repente, vi um certo movimento nas folhas e um indiozinho surgiu abrindo as mesmas com suas maozinhas, como quem abre uma cortina, e depois de conversar com uma indiazinha perguntou-me se eu gostaria de fotografar ranas. Afirmei que sim e ele, então, chamou as donas das vozes e dos risos que ouvira anteriormente. Saíram do mato três indiazinhas que possivelmente eram da Comarca Ngöbe-Buglé.

As rãs, de um vermelho intenso, eram oferecidas aos turistas para que estes fotografassem. Então, por um dólar registrei algumas fotos daqueles bichinhos que não mediam mais que três centímetros.

Na verdade, a função do indiozinho era vigiar a área e avisar às amiguinhas quando da aproximação dos guardas florestais que fazem a segurança do local. A estratégia era evitar que estes não flagrassem as meninas com suas rãs, de forma que com um assovio, pré combinado, escondiam-se naquele lugar e só saiam quando turistas se aproximavam para exporem suas rãs e, com isso, faturarem uns trocados.

Pedi para que me mostrassem o lugar onde se escondiam e adentramos no mangue, onde pude observar que elas criaram um esconderijo com bambus e assentos feitos de palhas de coqueiros onde ficavam descansando enquanto o indiozinho fazia a ronda e dava as coordenadas. Ali as rãzinhas foram soltas e pude registrar algumas fotos. Juntos demos risadas quando pus uma rãzinha no nariz para que uma das meninas tentasse fotografar. Quando me dei conta de que poderia me complicar se os guardas flagrassem aquele turista brasileiro, dentro daquele mato, com quatro crianças, resolvi sair de lá o mais rápido possível. Fora do esconderijo o indiozinho me confidenciou que ficava trepado numa árvore e que, de lá, passava as coordenadas através de assovios e gestos às suas amiguinhas que o observam do improvisado “QG” e lhes pagam por isso.

De volta à linda praia fui ao único bar/restaurante que há no local e comi uns pastéis de carne de peixe feito com massa grossa e branca, enquanto admirava a beleza natural do local. Em seguida me dirigi à marina e lá fiquei aguardando o restante dos turistas, enquanto conversava com um panamenho que afirmou que só não conheceu três países, coisa que duvidei, mas, de certa forma, ficou aparentemente evidenciado devido à propriedade com que afirmava tal façanha e descrevia suas experiências. Disse que adorava os brasileiros e não suportava os argentinos, fazendo um gesto obsceno quando lembrou de Maradona – ídolo dos argentinos que, segundo ele, não tomará jamais o título de melhor jogador de futebol do mundo reconhecidamente conquistado por Pelé.

Depois de Bastimentos fizemos mais uma rápida parada para mergulho na pequena e linda praia de Punta Hospital, retornando em seguida à Ilha Colón. Às 16h45min cheguei no hostel, apanhei a mochila e tomei um banho, às escondidas, num banheiro que ficava conjugado à cozinha.

As lanchas para Bastimentos, que é de onde partem os ônibus para Panamá City, zarpam a cada trinta minutos. Me dirigi à pequena marina, comprei a passagem, para a lancha das 18h e telefonei para casa para contar as novidades daquele dia. Depois, comprei umas bobagens para consumir na viagem noturna, que duraria aproximadamente doze horas. Distraído, enquanto aguardava no balcão, fiquei de costas para a lancha e não percebi que a mesma fora completamente lotada, de forma que quando me dei conta não havia mais lugar disponível para aquele horário, o que me faria perder o ônibus para Capital do Panamá que partiria às 19h, pois o próximo transporte partiria somente às 18h30min e levaria quase uma hora para atravessar a Bahia do Caribe. Conversei com o condutor, expliquei-lhe o fato e o mesmo se mostrou indiferente, mas, por sorte, um tripulante percebeu a minha “choradeira” e me autorizou a embarcar em seu lugar. Com grande atraso partimos para atravessar aquele percurso. Já anoitecendo, o lancheiro parecia sentir a minha aflição quanto à possibilidade real de perder o ônibus, pois acelerava de tal forma que parecia querer que a mesma voasse sobre o mar. A lancha, com a metade do casco acima do mar, dava fortes lambadas nas ondas que, naquele momento, eram maiores do que o dia em que cheguei em Bocas del Toro, rasgando, literalmente, o mar, deixando para trás um paraíso que, por pouco, não teria conhecido não fosse a dica da panamenha.

Cheguei a Almirantes às 18h45min e tratei de tomar o primeiro táxi que passou na marina onde as lanchas são atracadas. Pedi para o motorista acelerar, mas ele me explicou que não poderia fazer isso, pois lá as pessoas (principalmente as crianças) andam nas ruas despreocupadas já que o limite de velocidade dos carros é de 40 km/h. Ao chegarmos próximo ao pequeno terminal, avistamos um ônibus da empresa Tranceibosa que acabara de partir do terminal. O motorista do táxi deu sinal de luz e eu acenei, feito louco, na expectativa de pará-lo. O ônibus parou e eu desesperado, com a mochila nos ombros, corri em direção ao mesmo e ao indagar o cobrador sobre o destino do ônibus ele me informou que aquele ônibus não iria para a Cidade do Panamá e sim o que ainda estava no terminal, mas que também já estaria partindo. Voltei correndo pro táxi, pois o motorista ficou parado olhando o meu estrafego e, enfim, cheguei a tempo de conseguir uma passagem e embarcar. Perder aquele ônibus me causaria grandes transtornos, pois teria que pernoitar naquela estranha e nada familiar cidade ou retornar a Bocas, atrasando a viagem e pondo em risco meu planejamento, muito embora já o tivesse alterado por várias vezes. Penso que para viajar há de se fazer um bom planejamento, mas há de se ser maleável e atrever-se, pois mais uma vez comprovou-se que se eu não tivesse ousado deixaria de visitar o local mais lindo que conhecera até aquele momento da viagem.

Logo no começo da viagem percebi que passaria muito frio, pois os ônibus no Panamá trafegam com o ar condicionado “a todo vapor”. A TicaBus, empresa em que vim da Nicarágua ao Panamá, dispõe de travesseiros e cobertores para os passageiros, já a Tranceibosa, empresa que faz Chirique Grande a Panamá City, não fornece. Percebi também que esquecera, no balcão da “marina”, o que comprara para a viagem, ou seja, água, barra de cereal, biscoitos e balas. Por sorte, uma ou duas horas depois de partirmos de Almirante teve uma parada para jantar num grande restaurante à beira da estrada, onde pude comprar novas guloseimas. Como tinha que garantir energia para o dia seguinte e sabendo que não consigo dormir em ônibus, fui a uma farmácia ao lado do restaurante onde consegui comprar, com facilidade, dois comprimidos para dormir. Tomei um dos comprimidos, adaptei o banco do ônibus da melhor maneira possível e só acordei na elegante rodoviária da Cidade do Panamá, onde fui surpreendido pelo tamanho e beleza da construção.

 

 

22-03-2011 (terça-feira) – Panamá City, Panamá

Cheguei no terminal rodoviário da Cidade do Panamá, que de tão grande e bonito mais parece um shopping center, às 4h da madrugada, com pelo menos uma hora de antecedência do horário informado. Com a antecipação da chegada, alterei, novamente e ali mesmo, o roteiro da viagem, embarcando num ônibus daqueles, estilo escolar americano, com destino à Praça 5 de Mayo (maio), que é de onde partiam as camionetes 4x4 que levam nativos e turistas até os barcos que fazem a travessia para San Blas. Também é possível chegar a San Blas de avião, pois existe um pequeno aeroporto numa das ilhas do arquipélago que oferece infraestrutura mínima aos que não querem conviver com a extrema simplicidade dos índios Kunas Yalas, que vivem em cabanas sem assoalho, feitas de bambu e cobertas com palhas das palmeiras locais; utilizam banheiros alternativos e nada ecológicos, feitos também de bambu sob as águas do Caribe; tomam banho de “canequinha” e dormem em macas (redes de dormir) à luz de lampião. Os Kunas foram e são uma tribo extremamente valente e, por conta disso, conseguiram manter a independência das ilhas que foram e são sinônimo de cobiça do governo panamenho e de grandes grupos empresariais do ramo hoteleiro. Uma coisa é certa, não fosse a valentia destes índios certamente o arquipélago já não estaria mais com as mesmas características que tanto encantam os turistas (principalmente mochileiros) de todo o mundo. Na atualidade, o Panamá está dividido em nove províncias e cinco comarcas indígenas, sendo a Kuna Yala uma das mais importantes e famosas.

Na praça, ainda de madrugada, procurei me informar com os transeuntes sobre as 4x4 e, juntamente com um argentino que também era mochileiro e já estava no local desde as 4h aguardado as tais 4x4 para ir a San Blas, esperamos sem que nenhuma delas aparecessem. Procuramos nos informar com taxistas e comerciantes locais que afirmaram que era exatamente dali que os carros partiam. Como normalmente partem às 5h, passamos a suspeitar do fato de não ter nenhum índio Kuna Yala no local e já pensávamos em desistir quando, enfim, às 06h30min, apareceu uma camionete guiada por um senhor chamado Macho que nos informou que o local de partida não era mais na praça e sim numa oficina, como foi identificada a sala comercial utilizada como uma espécie de terminal das 4x4, onde fomos levados para fazermos as reservas que, àquela altura, havia somente para o dia seguinte.

Extremamente cansado da viagem noturna, principalmente por ter acordado tão cedo, me despedi do aventureiro argentino e, ainda escuro, saí à procura de um hotel. Enquanto caminhava, me ericei quando ao cruzar uma esquina sinistra dei de cara com, nada mais nada menos, uma dezena de gatos pretos o que me fez lembrar dos contratempos do início da viagem, da má sorte por não poder ir a San Blas naquele dia e pensei novamente que se fosse supersticioso deveria me hospedar e não sair do hotel naquele dia.

O dia amanheceu e, só então, encontrei um hotel simples e barato nas imediações da oficina e próximo à Cinta Costera onde, imaginei, poderia desfrutar um pouco mais daquela bela e atípica cidade. Ignorando a superstição, resolvi não descansar e saí para aproveitar ao máximo aquele dia que, embora não começara da forma pretendida, prometia melhorar, pois pensei em desbravar tudo quanto fosse possível daquela, repito, exuberante cidade. Então, sem direito a descanso, calcei meus tênis que foram substituídos, quase que imediatamente, por outro par de chinelas de dedo que comprei poucos minutos depois de iniciar minha caminhada em busca de um ônibus para ir ao Canal do Panamá.

Às nove horas eu estava a postos defronte ao portão principal do Centro de Visitantes Miraflores e por apenas cinco dólares, em função da apresentação da carteira de estudante do IFSC, entrei para conhecer aquela que é considerada a mais importante e famosa hidrovia do mundo.

Preferi visitar a eclusa Miraflores, onde há uma sala de cinema especialmente montada para a apresentação do filme que conta a história sobre a construção do canal, restaurante, loja de souvenires e um museu muito interessante.

Falar sobre o Canal do Panamá certamente daria para escrever um livro, pois o idealismo, a construção e sua história são, sem dúvida alguma, muito importantes para a logística de transportes entre as nações, pois a partir de sua construção reduziu-se significativamente a distância e o tempo que os navios levavam para cruzar de um oceano a outro.

O Canal possui aproximadamente oitenta e um quilômetros de extensão, interligando o Oceano Pacífico ao Oceano Atlântico. As travessias das embarcações consistem no bombeamento de água para dentro das eclusas, que se enchem e elevam a embarcação 26 metros acima, ou seja, ao nível do lago Gatún. Depois segue-se navegando até as eclusas de Pedro Miguel, que se esvaziam até se nivelarem ao Lago Miraflores. Isto feito, seguem viagem até chegar às eclusas de Miraflores que, por sua vez, reduzem o nível da água até atingir novamente o nível do mar, desta vez próximo à cidade do Panamá, já do lado do Pacífico.

Nem tudo foram flores naquela imensa obra. Os franceses tentaram em 1880 e fracassaram devido às diferenças de tipo de terreno, chuvas, enchentes, desmoronamentos, doenças tropicais como a malária e a febre amarela, e à falência da companhia.

Os americanos, por volta de 1903, então presididos por Theodore Roosevelt, entenderam que a construção do canal teria importância militar e econômica consideráveis e iniciaram negociações com a Colômbia, pois o Panamá pertencia àquele país. Como o tratado foi assinado, mas não reconhecido pelo Senado colombiano, Roosevelt, com segundas intenções, apoiou a causa da independência panamenha que, depois da conquista e em retribuição, permitiu que as obras fossem retomadas e exploradas pelos Estados Unidos. Com base nos trabalhos do médico cubano Juan Carlos Finlay, a erradicação da febre amarela, que vitimara mais de vinte mil trabalhadores franceses, foi o grande trunfo dos americanos para o reinício das obras.

Então, em 1914, o canal finalmente foi inaugurado e seu controle só veio a passar às “mãos” panamenhas em 1999, com o cumprimento do tratado Torrijos-Cartes assinado em 1977 pelos presidentes dos dois países.

Os detalhes, dados e números ($) a respeito do canal são enunciados por uma funcionária do canal através de altofalantes, enquanto os turistas apreciam as travessias dos enormes transatlânticos. Ao chegarem eles desligam os motores e são rebocados, por equipamentos parecidos com tanques de guerra (em proporções menores), para dentro das eclusas que são fechadas até se encherem d`água para que, só então, os navios sigam até a próxima e assim por diante até que cheguem ao nível dos lagos para prosseguir viagem.

Tirei fotos, observei as travessias dos navios, visitei o museu e assisti ao vídeo que narra a história do Canal. Neste intermédio conheci uma família de Brusque, SC, que estava fazendo um city tour e aproveitei para saber qual o itinerário que ainda estavam por fazer. Informaram-me que o Canal fora o segundo e que ainda iriam passar pela Ponte das Américas, Calçada de Amador, Isla (Ilha) Flamenco, Mercado de artesanías (artesanatos) e, por fim, chegariam no Casco Viejo.

Por quinze dólares fechei com o guia para continuar com eles o restante do city tour que, conforme combinado, passou pela Ponte das Américas, parou no mercado de artesanías, passou pela Causeway de Amador ou Calçada de Amador e me deixou no Casco Viejo.

A Calçada de Amador é um local agradável com uma pequena rua ladeada de palmeiras, onde há diversos restaurantes e possui um charme singular. Possui menos de dois quilômetros de extensão e é um ótimo local para passeio familiar ou romântico, pois além dos bons restaurantes, possui a melhor vista da entrada do Canal do Panamá, entre outros atrativos locais. Este aterro (Calçada de Amador) liga a cidade a quatro ilhas: Naus, Culebra, Perico e Flamenco – local onde se encontra um mercado livre de alta qualidade e restaurantes requintados. De lá se tem uma vista impressionante da Cidade do Panamá e de seu exuberante centro comercial, administrativo e bancário, com prédios altíssimos e modernos, finos e compridos como lápis, alguns com mais de 70 andares. Depois, já no Casco Viejo me separei do grupo e passei a explorar aquele lindo, romântico e histórico bairro.

Casco Viejo ou Casco Antiguo, local marcado no meu roteiro como uma das prioridades a serem conhecidas no Panamá, realmente merece destaque e, no caso deste relato, um parágrafo à parte, pois trata-se de um dos locais mais interessantes do Panamá e que contrasta completamente com o novo Centro da cidade. Interligados pela Cinta Costera, o Casco Viejo fica no outro extremo da Bahia de Panamá, defronte para o elegante e novíssimo centro comercial, administrativo e bancário, deixando perceber a imensa diferença entre o velho e o novo; o antigo e o moderno; o passado e o futuro, enfim, a diversidade entre o romantismo e a badalação.

Com sua história, seus casarios antigos e arquitetura própria o Casco Viejo é a prova cabal de que a Cidade do Panamá não se resume a shoppings e zonas francas. A cidade começou a ser construída em 1671 e, vítima de ataques de piratas, teve suas construções arruinadas e as restaurações até hoje não foram concluídas o que traz ao local uma aparência de cidade histórica. De qualquer forma conhecer este local é imprescindível para quem está em Panamá City. O Parque Bolívar e a Plaza de Francia (Praça da França) são pontos de visita obrigatórios no Casco Viejo. No entanto, há que se ter muita atenção, pois, dependendo da quadra em que se adentra, pode-se correr risco já que nem tudo é confiável neste bairro, principalmente para quem está a conhecê-lo pela primeira vez e sem a companhia de outrem.

Explorado o que considerei um dos locais mais bacanas da viagem, super cansado, com dor no pé e sem almoço, caminhei horas pela Cinta Costera, indo do Casco Viejo ao Centro novo enquanto ia tirando inúmeras fotografias (que certamente ilustrarão, ainda mais, o álbum de fotografias desta viagem) daquela beira-mar que separa a Bahia de Panamá (Oceano Pacífico) da capital do país. Neste percurso entrei no mercado de mariscos onde tinha um panamenho com a camisa do Brasil e que fez questão de posar para uma foto com um enorme peixe na mão. Neste local pode-se comer Ceviche por apenas U$ 1 dólar o copo. Ceviche é uma comida de origem peruana que consiste em pequenos pedaços de peixe, camarão, caranguejo, polvo, etc, crus e marinados em limão com outras iguarias...

O Panamá é extremamente quente e durante a caminhada resolvi ficar sem camisa. Este ato me fez ser repreendido por um guarda à paisana que se utilizou de seu apito para me mandar esperar e, aproximando-se com educação, me orientou a pôr a camisa, pois no Panamá só é permitido andar sem camisa nas praias, algo que não sabia, até então. Expliquei-lhe que era turista e que não sabia todos os costumes do país e me desculpei pelo ocorrido. Ele, então, me explicou que naquele dia em especial o Panamá estava de luto pela morte de um ex-presidente panamenho e que o fato poderia ser considerado uma afronta caso eu tornasse a ficar sem camisa. Depois discorreu em falar de futebol e fazer as velhas e tradicionais perguntas sobre jogadores brasileiros...

Fiz todo o percurso sem beber nenhum líquido, pois não avistei nenhum bar na Cinta Costera, mas ainda que houvesse, não serviriam cervejas naquele dia, face ao luto no país. Sim, no Panamá, quando há luto oficial, todos os bares são proibidos de vender bebidas alcoólicas e os habitantes são proibidos de ouvir músicas, o que me pareceu ser realmente respeitado por todos.

Retornei ao hotel Latino, tomei um banho e “recarregei as baterias” antes de rondar, novamente, pelas imediações do hotel, que ficava mais próximo do Casco Viejo que do grande centro da cidade.

Como tinha que acordar às 4h para ir a San Blas, retornei cedo pro hotel, mas não antes de falar com minha família. Na oportunidade conversei, também, com minha menina (Aninha), meu garotão (Dylan) e com minha esposa, quando senti uma forte preocupação nas suas palavras e consegui “arrancar” dela a sua frustração quanto à minha ida. Afinal, estava sentindo-se extremamente chateada por estar de férias, sozinha, dentro de casa e com pouco dinheiro, pois o que deixara já tinha acabado. Mesmo à distância, resolvi a situação do dinheiro, mas senti que não poderia contornar a sua frustração quanto às suas férias, o que me despertou uma sensação de egoísmo da minha parte por estar viajando e explorando muitas coisas novas e interessantes enquanto ela estava “presa”, sem poder fazer nada em suas próprias férias senão cuidar das crianças e da casa.

No quarto do hotel passei a pensar se naquela noite eles fariam o que batizei de clube do filme, que trata-se de uma noite por semana (sempre às terças) quando alugo um ou dois filmes, organizamos, aliás desorganizamos, a sala para, juntos, assistirmos os filmes, comermos bobagens e, depois, dialogarmos sobre o que vimos e sobre nós. Esta iniciativa só faz aproximar mais a família, pois o fato de meus filhos desligarem o computador e as televisões de seus quartos para, con nosotros (conosco), participarem daquele momento me traz uma sensação agradável de união e fortalecimento familiar.

De qualquer forma, mesmo com a sensação desagradável que sentia naquele momento eu estava ansioso para que amanhecesse o dia para partir, de uma vez por todas, para aquele que prometia ser o melhor lugar a se conhecer no Panamá e consequentemente o auge da viagem – San Blas.

 

 

23-03-2011 (quarta-feira) – Panamá City, Panamá

Em razão da preocupação com o horário de acordar, acabei por não dormir despreocupado e, por conta disso, acordei várias vezes até que às 4h levantei, acomodei meus pertences na mochila e fiquei na recepção do hotel aguardando o Sr. Macho, que me levaria à “oficina”, aquela das 4x4, para partir rumo ao local onde ficam os barcos que conduzem os turistas e nativos a San Blas.

As camionetes partem às 5h, de forma que às 4h45min tomei um dos táxis que ficam estacionados defronte ao hotel, pois o Sr. Macho não apareceu e não atendeu as ligações que a recepcionista do hotel fez, a meu pedido. Por sorte gravei o caminho e conduzi o taxista sem maiores problemas.

Na oficina, me dirigi a um senhor que parecia ser o gerente do local e informei-lhe que tinha uma reserva, quando percebi, pela expressão em seu rosto, que alguma coisa não estava de acordo. Mesmo com pressa e extremamente agitado, pois os carros deveriam partir naquele horário para chegar no tempo previsto para a partida dos barcos, aquele índio, grande e pesado, parou tudo, debruçou-se no balcão de madeira e me perguntou, com muita calma e olhando nos meus olhos, quem me fez a reserva e se eu tinha recibo.

Apresentei o recibo, ele baixou a cabeça de forma inconformada e telefonou para alguém, sem sucesso, e depois, em voz alta, falando o que pensei ser o idioma Kuna Yala, reclamou com outro índio questionando o fato enquanto balançava a mão e apertava o recibo próximo aos olhos dele. Senti uma certa incipiência na organização e por isso me pareceu que algo não estava certo, mas, confiante, perguntei-lhe em quais das 4x4 poderia pôr a minha mochila. Ele, então, com semblante triste, me informou que me devolveria o dinheiro, mas não poderia me conduzir a San Blas pois a estrada estava em obras e, por ordem governamental, a polícia só estava permitindo a passagem de nativos e que os estrangeiros não poderiam, em hipótese alguma, passar pela barreira policial. Informou ainda que eu poderia ir de avião, mas que talvez, com sorte, conseguisse ir no dia seguinte pois são poucos os voos e quase sempre há lista de espera. Em voz baixa me disse, penso que para me consolar, que acreditava que nem mesmo os nativos embarcariam naquele dia, pois o mar estava muito agitado e talvez os barcos não zarpassem.

Diante de suas palavras e gestos percebi claramente que de nada adiantaria insistir e, desolado, presenciei a partida das 4x4, com seus racks lotados de bugigangas dos índios Kunas Yalas. Vi que, junto com as bugigangas dos índios, partia também a minha esperança de, naquela viagem, conhecer o que seria a principal motivação da minha passagem pelo Panamá e, repetindo, o ápice desta viagem. Desiludido, saí caminhando pelo bairro Calidonia, que ainda não recebera os clarões do dia, sem muito a fazer, pensando e me consolando, pois talvez não fosse desta vez que eu devesse conhecer um dos (se não o) últimos redutos de mochileiros na América Latina.

Naquele momento relembrei que, na minha última viagem a três países da América do Sul, também não alcancei o meu maior objetivo que era conhecer Machu Picchu no Peru devido às fortes chuvas que destruíram parte da estrada de ferro que liga a cidade de Águas Calientes a mais importante e conhecida cidade Inca. Na verdade, a impossibilidade me serve de estímulo para, um dia, retornar ao Peru, o que devo fazer de motocicleta e, quem sabe, percorrer o mesmo trajeto que Che Guevara e seu amigo Alberto Granado perfizeram em 1952 e que virou filme (Diários de motocicleta), que assisti e recomendo.

Caminhando, percebi que tinha perdido a fivela da alça da mochila e retornei ao hotel na esperança de encontrar o taxista, pois acreditei que a mesma pudesse estar em seu táxi. Aguardei um pouco e logo o mesmo apareceu, estranhando a minha presença. Encontrei a tal fivela e expliquei-lhe o ocorrido. Tentando se dar bem, senti, afirmou que poderia me levar por uma rota alternativa. A opção foi recusada por dois motivos, o preço pedido (100 dólares), que correspondia ao preço da passagem aérea, e pelo alerta que aquele senhor da oficina me dera quanto às condições do mar que, afinal, poderiam ser verdadeiras.

Resolvi, então, por em prática o plano “B” que era conhecer a maior feira livre das Américas, na cidade de Colón (a segunda maior do Panamá). Com a pesada mochila nas costas me dirigi à rodoviária e embarquei num ônibus com destino à feira. Próximo da cidade percebi o grande congestionamento e resolvi perguntar ao cobrador se naquela região havia praias que valessem a pena conhecer. Ele me informou que ali mesmo havia um ônibus que levava a Porto Belo onde há praias caribenhas muito bonitas. Pensando em ter um dia mais tranquilo que os demais e aproveitar, de fato, aquela tarde inteira numa destas praias, sem obrigações, guias ou horários a cumprir, apenas curtir a praia, comer peixe frito, beber água de coco, tomar sol e mergulhar, entrei no ônibus com destino a Porto Belo. Mais uma vez alterava o planejamento da viagem indo para um local sobre o qual nada sabia, mas, intuitivamente, lá estava eu, o único “cara pálida” naquele antiquíssimo ônibus indo, novamente, para o desconhecido, para o abstrato, sem saber o que iria encontrar, fazer ou ver.

Levei aproximadamente uma hora e meia até Porto Belo e, ao chegar, percebi que tratava-se de uma cidade muito antiga e histórica, pois vi que havia turistas com máquinas fotográficas registrando fotos do seu “cartão postal” – uma fortaleza com antigos e desativados canhões estrategicamente apontados para o mar azul turquesa, que fazia uma espécie de canal ou estreito entre a cidade e uma grande ilha localizada a uns quinhentos metros à sua frente e que escondia o mar aberto e transformava o local numa baía calma de águas cristalinas, mas sem praias. Também registravam fotos da igreja e de uma grande e antiga construção que já foi uma aduana, onde os espanhóis guardavam o ouro que traziam do Peru e que posteriormente seria enviado para Espanha. Seu pequenino centro resumia-se a estes pontos turísticos e a uns poucos restaurantes improvisados e rústicos. Almocei num destes restaurantes e comi arroz com coco e ahoyama (uma espécie de abóbora moranga) com pescado cojinua.

No entanto, Porto Belo que é uma cidade da província de Colón, é muito mais do que parece ser. Trata-se de uma das cidades mais importantes durante a colonização Espanhola, época em que embarcavam as riquezas com destino a Espanha.

Durante uma rápida caminhada para conhecer aquela antiga e pacata cidade, visitei a igreja local, o forte e a feirinha das índias Kunas onde comprei uma mola – painel de tecido bordado à mão, que tradicionalmente é utilizado para adornar as vestimentas das índias. Estas peças, de fabricação exclusiva nas ilhas Kunas Yalas (terras Kunas) – arquipélago de trezentos e sessenta e cinco ilhas que compõem San Blas, na costa panamenha, são encontradas em todo o país e comercializadas exclusivamente pelas índias que possuem estatura diminuta, lenços vermelhos na cabeça, piercing de ouro em forma de argola presos no septo nasal, contas com miçangas nas pernas e roupas multicoloridas.

A minha vontade de ir até San Blas se dava, entre outras coisas, para conhecer a cultura daquela comarca indígena e, em especial, poder passar o dia e até dormir sozinho numa das muitas ilhas do arquipélago. Sim, a grande maioria das ilhas não são habitadas, são pequenas e não há nada nas mesmas além de coqueiros sendo que em algumas há apenas um. Pode parecer loucura, mas sentia que ficar só, numa ilha no meio do Caribe, poderia ser uma experiência ímpar. Quanto a comida, se o turista quiser os índios levam. Não seria o meu caso, pois a minha pretensão era ficar na ilha apenas com uma faca, anzol, isca, fósforo e sal... A única coisa que temia era a chuva, caso não conseguisse improvisar uma barraca.

Durante a tomada de fotos conheci um senhor italiano que, além de fotógrafo, é historiador. Este senhor é profundo conhecedor da colonização européia na região sul do Brasil e sabe muito mais sobre a história da colonização portuguesa em Florianópolis que a maioria dos habitantes da nossa querida ilha, inclusive eu. Ele e seu grupo estavam indo de barco à Cartagena de Índias na Colômbia e passariam por San Blas. Juro que pensei em embarcar também, mas eles me informaram que levariam uma semana, pois partiriam somente no dia seguinte, demorariam para chegar no arquipélago, ficariam uns dois ou três dias, para, só então, partirem para Cartagena de Índias, que fica muito distante de Bogotá, que seria meu último destino antes de voltar ao Brasil, no dia 29-03. Isto me fez desistir da idéia, pois poderia comprometer o meu retorno ou, no mínimo, prejudicar a minha estada na cidade. Outro senão foi o preço, que não era nada barato.

Porto Belo vivia, naquele dia, uma excepcionalidade, pois diversos estudantes e doutores da Califórnia, USA, prestavam serviços médicos aos habitantes. Boa parte da comunidade estava reunida numa pequena praça onde era feita uma triagem para encaminhar os assistidos às salas daquela grande e antiga construção desocupada.

Muito próximo dali há uma família que mantém um macaco numa varanda. Os turistas param, fotografam e brincam com o símio. O macaco atende pelo nome de Carlitos e, segundo a proprietária – uma simpática senhora – é carente de colo, pois ficou órfão ainda bebê quando perdeu também todos os seus irmãos. Bastou um pequeno descuido da minha parte e ele se agarrou, com sua calda e depois com suas mãos na minha mochila e logo estava abraçado em meu corpo, choramingando e com a cabeça encostada em meu peito. Fedia “feito um porco” e tinha um mau hálito insuportável. Aproveitei a deixa e pedi para um turista registrar aquela troca de contato e em seguida, sem êxito, tentei me desvencilhar do pobre macaquinho que ficou tentando explorar a minha mochila abraçado a mim por pelo menos uns vinte minutos até que a dona, enfim, conseguiu tirá-lo, convencendo-o com um pedaço de pão, mas não sem antes ele gritar furiosamente com ela como que exigindo que ela o deixasse ali comigo. Foi um momento muito engraçado, pois o bichinho era, realmente, muito perspicaz.

Imaginei que poderia desbravar ainda mais o Panamá indo a outras cidades ao invés de pernoitar ali e tomei outro ônibus, agora extremamente colorido, e parti para Colón para conhecer a feira livre.

Na feira, paga-se um ingresso que não sei quanto custa, pois, como não sabia deste detalhe, me dirigi ao portão principal sem o dito cujo e o guarda, que até pediu o ingresso, me liberou após revistar minha mochila. Esta feira é de fato gigantesca e mais parece uma cidade de tão extensa. Ela não é composta de barracas e sim de lojas de grandes marcas. Lá pode-se comprar de tudo, incluindo automóveis, motos, aparelhos eletrônicos, roupas de grifes famosas e muito mais. Carros circulam pelas estradas entre as lojas, dando a impressão de se estar realmente no centro de uma grande cidade com lojas e até pequenos prédios.

Comprei apenas um relógio para minha esposa e pouco tempo depois resolvi cruzar parte de Colón para chegar no terminal de ônibus e regressar à Cidade do Panamá. Naquele percurso percebi que Colón é uma cidade pobre e perigosa, pois a cada esquina daquela avenida que liga a feira livre ao terminal de ônibus havia dois policiais fortemente armados. Ao atravessar a avenida, para fotografar uma das ruas entre os prédios da favela que me chamou a atenção devido à sujeira e ao emaranhado de fios entrelaçados que interligavam um prédio a outro, dois dos policiais me interpelaram, perguntaram de onde eu era, pediram passaporte e, depois, orientaram-me a me afastar dali e seguir até o terminal pelo outro lado da avenida, pois aquele lugar era muito perigoso e se eu entrasse não sairia (pelo menos com a mochila) e nem mesmo eles poderiam entrar para me ajudar. A mochila naquele momento se tornara um perigo, pois poderia chamar a atenção de malandros em função de eu estar saindo da feira livre e levantar suspeita quanto a seu conteúdo, ou seja, poderiam pensar que estava recheada de muambas. Um tanto quanto preocupado, passei a mochila para frente do corpo e retornei ao outro lado da avenida, procurando ficar bem próximo a uns dois caras que estavam seguindo na mesma direção e, com isso, dar a impressão de estar acompanhado. Não costumo arrepender-me do que faço, mas ir a Colón naquele dia foi uma coisa que fugiu à regra.

Enquanto retornava à Cidade do Panamá fiquei calculando quantos dias ainda faltavam para retornar para casa, pois parecia que o tempo não passava enquanto a saudade só fazia aumentar. Fiquei imaginando o dia de chegar, puder abraçar minha esposa, filhos e todos os meus próximos que tanto amo e que me fizeram tanta falta.

De volta à Cidade do Panamá me hospedei numa pousada e, no final de tarde, resolvi caminhar pela Cinta Costera até chegar no Centro Administrativo para conhecer as “internas” daquele intrigante bairro. Registrei fotos dos grandes edifícios e avistei, por acaso, a grande guitarra – marca registrada do Hard Hock Café – e percebi que tratava-se de um grande shopping center e não perdi a oportunidade de conhecê-lo.

Aproveitei para comprar um chapéu panamenho (versão feminina) para minha esposa e uns presentinhos para meus filhos e, pela primeira vez na viagem, fiquei num bar até às 21h e, lá, tomei umas cervejas panamenhas enquanto um conjunto de rock passava o som para um show que fariam mais tarde. Estava bom, mas o cansaço veio à tona em decorrência daqueles dias mal dormidos em função da vinda da Costa Rica e de ter acordado na madrugada anterior para tentar ir a San Blas, bem como, pelo dia extremamente corrido e exaustivo. Mesmo assim retornei a pé, atravessando toda a Cinta Costera que à noite é desprovida de policiamento e estava totalmente deserta, até chegar na pousada que fica próxima ao Casco Viejo.

Uma vez no quarto, arrumei meus pertences e procurei descansar para no dia seguinte, o mais cedo possível, ir à rodoviária comprar uma passagem de ônibus para a Colômbia e assim tentar antecipar a viagem, pois em Bogotá tentaria, junto à Gol Linhas Aéreas, antecipar meu retorno ao Brasil para compartilhar o que restava das férias da minha esposa. Caso não fosse possível, exploraria com mais afinco o último país desta aventura solitária pela América do Sul e Central, afinal, no Panamá eu já tinha conhecido Bocas del Toro, Casco Viejo, novo Centro, Ponte das Américas, Canal do Panamá, entre outros locais interessantíssimos e não adiantaria ficar, pois não conseguiria chegar a San Blas.

O Panamá é um país extremamente lindo e que vale muito ser explorado, pois tem muito a oferecer aos turistas e é um dos países mais diversificados da América Latina. Tem uma capital que é uma das cidades mais internacionalizadas das Américas e, ao mesmo tempo, inúmeras opções de se conviver com um passado ainda preservado, como é o caso de Bocas del Toro, San Blas, Casco Viejo ou ainda o Panamá Viejo, isso sem contar com as Províncias de Darién, Coclé, Herrera, Los Santos, Veraguas e suas respectivas comarcas indígenas.

O que conheci, ou seja, as Províncias de Panamá, Colón, Chiriquí e de Bocas del Toro foram o suficiente para perceber que este país é, de fato, destino obrigatório para qualquer pessoas que queira conhecer e entender um pouco mais da cultura antilhana.

Cada Província e cada comarca indígena possuem suas próprias peculiaridades. A Província de Panamá tem como principal atrativo turístico a capital do país que oferece um excelente centro de compras e o Canal do Panamá. A Província de Darién possui a maior extensão territorial, sendo a menos habitada do país e oferece uma das maiores reserva biológica da América Central assim como a Bahia Pina, Rio Tuira e Punta Patiño. A Província de Colón dispõe da maior zona franca e zona livre do hemisfério ocidental, além de espetaculares praias cristalinas. Já a Província de Coclé, no sudoeste do país, tem o Vale de Antón como atração, onde pode-se avistar rãs douradas e desfrutar de águas termais advindas de um enorme vulcão. Herrera que é a menor província do Panamá possui uma grande riqueza natural e folclórica. Na Província de Los Santos os turistas podem desfrutar também de muito folclore com destaque para los carnavales (os carnavais) de Las Tablas que é a capital e de suas lindas e harmoniosas praias. Veraguas é a única província que possui costas nos dois oceanos (Atlântico e Pacífico) o que lhe proporciona inúmeros rios e cachoeiras além de praias paradisíacas, com destaque para de Santa Catalina, uma das mais famosas do mundo para a prática do surf. A província de Chiriquí, onde tomei a condução em David para Bocas del Toro, recomenda-se visitar El Valle de La Luna (O Vale da Lua), suas praias e montanhas com uma diversidade imensa de fauna e flora com destaque para o Vulcão Barú que é o mais alto de toda a América Latina (3.475 metros sobre o nível do mar) de onde se pode avistar os dois oceanos que banham o istmo. Por fim, a província de Bocas del Toro ubicada (localizada) no Caribe panamenho, mais precisamente na entrada da Laguna de Chiriqui, cuja maior parte esta envolvida por selva, traduz o que tem de melhor no Panamá quanto a praias, cultura, costumes, gastronomia, música, dança e muitas outras manifestações das Antilhas.

 

 

24-03-2010 (quarta-feira) – Panamá City, Panamá

Muito cedo eu já estava indo pra a rodoviária e a impossibilidade de comprar a passagem de ônibus para Colômbia ratificou o que eu soubera na aduana e me surpreendeu a ponto de se tornar uma das coisas que mais me intrigou nesta viagem, ou seja, ter certeza de que a América do Sul não possui ligação rodoviária com a América Central, ou seja, para ir do Panamá à Colômbia, ou vice-versa, só é possível por via aérea ou fluvial.

Cruzar a pé, uma terceira opção, sugerida por um mochileiro que conheci na rodoviária e que também estava buscando passagem de ônibus, levaria uma semana ou duas. Esta idéia estava fora de cogitação, afinal, se não comprometi meu retorno indo à Colômbia de navio, não seria andando no meio daquela inóspita região, conhecida como Darien, sem ter a certeza de que chegaria vivo em meu destino, que o faria. Sou aventureiro, mas não sou maluco.

A interligação das Américas através da Ruta (Rota) 5 ou Panamericana, como é mais conhecida não se deu em função da presença das FARC – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, presentes em quinze ou vinte por cento do território colombiano, principalmente nas selvas do sudeste e nas planícies localizadas na base da Cordilheira dos Andes. As FARC é uma organização que luta pela implantação do socialismo na Colômbia e opera mediante táticas de guerrilhas.

Diante da surpresa me dirigi à avenida Espanha onde, segundo informações, teria uma agência da Copa Airline. Às 9h fui atendido e consegui uma reserva para o vôo das 11h50min. O problema era que, como se tratava apenas de uma reserva e como era voo internacional, àquela hora eu já deveria estar no aeroporto.

Tomei o primeiro táxi que passou na avenida Espanha e acertei o preço para o taxista me levar na pousada e no caminho acertei para me levar no aeroporto sem, claro, alertá-lo da minha pressa, sob pena de querer se beneficiar da minha aflição, afinal, determinados taxistas olham os turistas (em especial os atrasados) como uma cifra ambulante. Enquanto o sujeito me aguardava, subi correndo e desci “voando” as escadarias da pousada. Passei, pela última vez naquela viagem, pela Cinta Costera contemplando aqueles enormes arranha-céus e contemplando ainda mais, também pela última vez naquela viagem, o Oceano Pacífico.

Minutos depois já estava no Aeroporto Internacional Tocumen onde pude fazer meu check-in e confirmar meu embarque, o que renovou as esperanças de antecipar meu retorno para o Brasil. Tamanha vontade de voltar não condizia com a viagem, que estava cada vez mais interessante, mas, pura e simplesmente, por querer estar junto da minha família novamente o mais rápido possível. Assim, às 12h, estava deixando o último país que visitei na América Central, indo em direção à Colômbia que seria o último país a ser visitado na viagem.

 

 

24-03-2011 (quinta-feira) – Bogotá, Colômbia

Às 14h, com grande satisfação, eu já estava em solo colombiano. Este país sempre me inspirou curiosidade. Não sei ao certo o motivo, mas só o nome “Colômbia” já soava como algo inatingível, algo fora da minha realidade, algo que me instigava a querer conhecê-lo...

Contornei o terminal internacional para chegar no nacional, que fica anexo, e tomar um microônibus que é o meio de transporte mais utilizado naquele país (muito embora o sistema Transmilênio de altobuses [ônibus] tenha sido recentemente implantado e é o meio de transporte mais eficiente) e me dirigi à La Candelaria – um dos barrios (bairros) mais tradicionais de Bogotá, frequentado por turistas do mundo inteiro.

Lá, andei por entre as ruas daquele charmoso e antiquado bairro à procura de um hostel mais em conta, afinal a grana estava, literalmente, no limite e não poderia me dar ao luxo de gastos excessivos. Nos três primeiros hotéis que me informei sobre preços os valores foram: 125, 150 e 180 mil pesos, enquanto que no hostel que fiquei a diária custou apenas 20 mil pesos, ou seja R$ 20,00. Diferentemente do colchão que dormi no hostel em Manágua, Nicarágua, o deste hostel era incrivelmente duro a ponto de me obrigar a solicitar um outro ao atendente, que me ofereceu uma espuma para por sobre aquele que mais parecia uma tábua. A localização do hostel é excelente, haja vista que fica a duas quadras da praça Bolívar, próximo à iglesia (igreja) da Candelaria e de todos os demais pontos turísticos do bairro como o Museo Botero (museu dedicado a Botero – renomado escultor e pintor colombiano), Museo del Oro (Museu do Ouro), Juan Valdez Café, Santuário de Monserrate, entre outros.

As primeiras casas de Bogotá, fundada por Gonzalo Jiménez de Quesada em 1538, foram edificadas em La Candelaria, que é um bairro tombado como Patrimônio Nacional. Suas ruas estreitas, sua arquitetura e os casarios coloniais nos remetem ao passado e nos conduzem a um dos bairros mais bem conservados da América do Sul. A história e cultura aguçam os artistas, intelectuais, historiadores e muitos empreendedores estrangeiros. Museus, teatros, cafés, faculdades, pizzarias, pubs e muitas outras atratividades são algumas das opções naquela zona completamente tomada por pessoas alegres e descontraídas.

O sol bem que tentou disputar com as nuvens que afinal venceram e tornaram aquela tarde cinzenta, chuvosa e fria. Larguei a mochila no hostel e, passando muito frio, me dirigi à praça Bolivar, que considerei uma das mais interessantes praças que conheci nos oito países que já percorri na América Latina, muito embora, não haja uma única árvore plantada na mesma. No entanto, é impregnada de história e cultura, pois possui antigas e belas construções, ou melhor, obras primas da engenharia hispânica e barroca, como a Alcadia (Governo de Bogotá), Congresso Nacional, Colégio Mayor de San Bartolomeu – obra de 1604, Casa do Presidente, Santa Cúria Colombiana, Catedral Primada de Colômbia e o Palácio da Justiça, onde encontra-se esculpido na sua fachada a expressiva frase: “COLOMBIANOS: LAS ARMAS OS HAN DADO INDEPENDENCIA LAS LEYES OS DARÁN LIBERTAD” (COLOMBIANOS: AS ARMAS LHES DERAM INDEPENDÊNCIA AS LEIS LHES DARAO LIBERDADE).

Com o aumento da chuva e a queda de temperatura, que naquele momento baixara para 6°C, me obriguei a comprar uma jaqueta e, pela primeira vez nesta viagem, me agasalhei como se estivesse no apogeu do rigoroso inverno do Sul do Brasil. Antes, porém, parei num botequim e degustei o tão famoso café colombiano. Neste momento experimentei um tipo de pão de queijo cujo nome é Buñuelo, com gosto de “bolinho de chuva” e aparência de ovo recheado (aqueles que se vendem em lanchonetes no Brasil).

Devidamente agasalhado busquei por uma lan house e acessei o site da Gol Linhas Aéreas para tentar antecipar meu vôo de retorno ao Brasil, fato este que não foi possível pois não havia assento disponível para qualquer um dos dias desejados. Dali mesmo liguei para casa e “matei” aquela que estava me “matando” – a saudade.

Noite chuvosa e fria, mesmo cansado, solitário e faminto, me neguei a ir para o hostel àquela hora, pois certamente isso não seria a melhor opção e só faria aumentar a minha angústia, pois o quarto era pequeno, sem televisão, janela ou computador. Me dirigi, então, a um dos diversos restaurantes do bairro La Candelária, experimentei uma sopa de frango com três tipos de batatas, conhecida como Ajiaco Bogotano; acompanhado de arepas de carne (aquelas que comi na Venezuela e que na Colômbia é apreciada em todas as refeições). Para beber, mesmo naquele frio, optei por Club-Colômbia – cerveja colombiana que considerei tão gostosa quanto as cervejas brasileiras e ali permaneci atualizando este relato e passando o tempo, tal como o fiz na noite anterior quando estava no Hard Hock Café Panamá.

De volta ao quarto, percebi que a campânula, popularmente conhecida como campainha, com volume tão alto que parecia estar instalada dentro do meu quarto, era acionada por todos que ali chegavam seja para hospedar-se, retornar ao hotel ou para obter uma simples informação e, com isso, as horas se passavam sem que conseguisse dormir, pois cada vez que quase adormecia a “maldita” campainha era acionada; o coração disparava num susto sem tamanho e o sono, é claro, ia embora e assim foi por mais alguns longos minutos até que, enfim, adormeci, mas não sem antes pensar nas opções que teria para conhecer no dia seguinte sem, no entanto, ter a definição do que fazer, mas, confesso, curioso para conhecer o restaurante Andrés Carne de Rês em Chía ou a Catedral de Sal em Zipaquirá.

 

 

 

25-03-2011 (sexta-feira) – Bogotá, Colômbia

Acordei mais cedo que o programado graças aquela campainha, tomei um banho quente e sugeri ao dono – um judeu – que, em substituição daquele som, instalasse uma lâmpada que ficasse piscando (ao menos à noite) para chamar a atenção do recepcionista sempre que alguém quisesse entrar no hostel.

Como tinha recém chegado a Bogotá e muito embora eu soubesse que tinha muitas opções de entretenimentos a serem exploradas nos três dias que antecediam meu regresso ao Brasil, não esquecia a possibilidade de retornar e aproveitar estes dias em casa. Não sei se seria um erro ou acerto, mas era essa a sensação que sentia naquele momento. Com a possibilidade do regresso descartada pela Gol procurei obter informações com o atendente do hostel sobre os destinos que escolhi para conhecer, sendo que a possível ida a Chía para conhecer o mundialmente famoso restaurante Andrés Carnes de Res, a Zipaquirá conhecer a Catedral de Sal ou o Santuário de Montserrat ou Monserrate, ali mesmo em Bogotá seriam definidos a partir da hora que eu saísse do hotel para ver o clima, já que o quarto não possuía janela.

Com as informações atualizadas, calcei meus tênis, muito embora a danada da unha ainda incomodasse bastante, de forma que somente com curativo era possível calçá-los e fui ao Juan Valdez Café onde degustei arepas de frango com café colombiano. Aquela quinta-feira amanheceu nublada e pouco se via do cerro (morro) de Monserrate, de forma que resolvi descer pela cidade, passando pela Praça Bolivar até chegar no Ferrocarriles Nacionales (Ferroviária Nacional) – local de onde partem os trens com destino à cidade de Zipaquirá, em que localiza-se a primeira maravilha da Colômbia: a Catedral de Sal. Duas coisas me chamaram a atenção neste percurso: a primeira foi um largo onde havia diversos ambulantes com celulares acorrentados em suas vestes, que eram alugados aos transeuntes por dois pesos o minuto, ou seja, vinte centavos de real/minuto. Por vezes um único ambulante tinha umas duas ou três pessoas, simultaneamente, falando nos tais celulares. A outra foi a quantidade de policiais e a educação e presteza nas informações. Sim, Bogotá atualmente é uma cidade segura!

Na estação, fui informado que os trens só partem à Zipaquirá nos finais de semana, mas que as reservas devem ser feitas com antecedência sob pena de não conseguir assento. Fiz a reserva para domingo uma vez que o atendente me garantiu que era o melhor dia, pois aos domingos o trajeto é realizado com uma velha Maria Fumaça enquanto que aos sábados ocorrem com um trem mais moderno.

Ao retornar percebi, de longe, que o nevoeiro em torno da colina de Monserrate estava se dissipando e o Santuário – um composto curioso de pureza e nobreza começava a dar o ar da sua graça, oferecendo uma bela paisagem como que convidando-me à subir o morro para conhecê-lo.

Aceitei o convite e caminhando em paralelo ao corrimão da Transmilênio, utilizado apenas pelos ônibus daquela empresa, segui morro acima até chegar à estação de onde partem tanto os bondinhos quanto os funiculares que conduzem os turistas e fieis ao alto do Santuário. Na parte da manhã sobe-se e desce-se apenas de funicular e à tarde apenas de bondinho.

Monserrate, a mais de três mil metros acima do nível do mar, é um local de peregrinação para muitos turistas e bogotanos, pois lá é realizada a Via Sacra – ato litúrgico celebrado pela Igreja Católica na Semana Santa. Ao longo da colina há imagens dos personagens representando os atos vividos por Jesus Cristo quando carregava a cruz na Via Dolorosa em Jerusalém. No interior do Santuário há uma talha do Cristo Caído de Monserrate, do século XVI, de Albarracín e Pedro de Lugo que os fiéis crêem ter poderes de cura e de purificação coletiva.

Bogotá foi fundada por Jiménez de Quesada em 1538, a 2.640 metros sobre o nível do mar, num vale da Cordilheira Oriental dos Andes. A vista da cidade a partir do alto de Monserrate é sensacional e imperdível. Opções a serem realizadas la no alto não faltam. O turista pode, entre outras atividades, caminhar, orar, comprar artesanatos, almoçar num dos lindos restaurantes ou apenas sentar e contemplar a vista do belo cenário daquela que é considerada a capital cultural, política e econômica da Colômbia. Tudo isso com som ecumênico que surge dos altofalantes distribuídos ao longo das calçadas que levam desde a saída do funicular até o alto do Santuário.

Como havia subido de funicular – bondes puxados por cabos de aço que circulam sobre trilhos, resolvi esperar e retornar depois das 12h, para descer de bondinho e tentar registrar fotos mais privilegiadas do local, já que o funicular, a partir de uma certa altura, segue por túnel até chegar no cume do morro. Almocei e voltei caminhando em direção à La Candelaria quando, sem saber, me deparei com a Quinta de Bolívar – casa de campo usada por Simón Bolívar e que foi transformada em museu. Em seguida me dirigi à praça Bolívar e lá permaneci boa parte daquela tarde cinza e fria, assistindo shows folclóricos e participando de uma feira indígena que chamava a atenção das pessoas para a importância da preservação da Madre Naturaleza (Mãe Natureza).

Retornei ao hostel para descansar um pouco, pois voltou a chover e o frio começava a incomodar. No início da noite fui à Zona Rosa que, segundo informações, é a parte onde se concentra uma grande variedade de bares e restaurantes. A Zona Rosa é a face moderna de Bogotá, assim como a Zona T. Suas ruas são planejadas, as praças iluminadas e muito bem limpas e percebe-se que trata-se de um bairro rico, pois só há casas, lojas, cafés, bares e restaurantes chiques e bem frequentados. Como estava chovendo, não fiquei vagando à procura do melhor ou do mais atraente bar ou restaurante e acabei entrando no primeiro que vi e lá fiquei somente o tempo necessário para tomar duas doses de Whisky e comer uns petiscos típicos, pois estava preocupado com o retorno já que o local era distante do hostel e retornar de táxi oneraria muito e de ônibus quanto mais tarde mais perigoso. Então, às 21h30min retornei à La Candelaria, mesmo porque depois das 22h não é recomendado perambular sozinho no bairro, principalmente nos finais de semana. Viajar só, traz esse tipo de empecilho.

O pequeno quarto do hostel, com apenas uma escrivaninha e uma pequena cama de solteiro, era nostálgico e dava a sensação de se estar numa cela de prisão, porém sem janela. Estava sem sono e acabei por não conseguir mudar a sensação de arrependimento por estar tanto tempo longe de casa. Lá fiquei, deitado naquele colchão mal cheiroso, pensando que, ao menos, não podia reclamar do café da manhã, da televisão, do ar-condicionado ou do luxo, pois nada disso era oferecido naquele pequeno e sombrio apartamento mas que, de qualquer forma, me serviu pois o preço foi bastante satisfatório coisa que, naquela altura, equilibrou meus gastos.

Para completar aquela nostalgia, me veio à memória que o meu espírito aventureiro e a minha vontade de conhecer novos países se deve, em parte, à minha falecida irmã Romilda. Ela conheceu parte da Europa e da América do Sul e sempre que podia me enviava postais com frases me instigando a conhecer outros lugares. Lembrei que ainda guardo, com carinho, os postais e um LP – long play de Bob Dylan, que ela me trouxe da Espanha e que na capa traz a seguinte mensagem: “Ronei, você é levado em sua vida pela criatura viva de seu interior, um ser espiritual brincalhão que é o seu verdadeiro ser. Não dê as costas a possíveis futuros antes de ter certeza de que não terá nada a aprender com ele... esteja sempre livre para mudar de ideia e escolher um futuro ou um passeio diferente. O mundo está para você... España, julho de 1988.”

Opções não faltavam para fazer no próximo dia, mas teriam que ser bem planejadas para que eu não viesse a me arrepender de deixar de fazer uma coisa em detrimento de outra, pois não haveria tempo para reverter a situação. Com isso pensei em fazer os passeios culturais nos diversos museus que La Candelária oferece ou ir à Zipaquirá ou ainda à Chía e em um destes lugares comprar um presente especial para minha filha e esposa pois, os que comprei para elas e a outros parentes e amigos havia perdido no Panamá. Acredito que esqueci no táxi ou na pousada, na hora da correria para chegar no aeroporto.

Adormeci sem imaginar que a minha ida à Chía para conhecer o restaurante seria, juntamente com o momento vivido com a mamãe preguiça, a libertação das duas tartarugas no Parque Manuel Antônio na Costa Rica e o mergulho (snorkeling) em Bocas del Toro no Panamá, as coisas mais interessantes que aconteceriam nesta viagem.

 

 

26-03-2011 (sábado) – Chía e Bogotá, Colômbia

Conforme previsto na noite anterior, este dia foi totalmente tomado por muita cultura em Bogotá. Cedinho embarquei num Transmilênio, e segui ao Portal Norte onde fica o ponto final e, de lá, tomei um outro ônibus – conhecidos como alimentadores – com destino a Chía, uma pequena cidade localizada ao Norte de Bogotá, para conhecer o Restaurante Andrés Carne de Res.

Cheguei na cidade às 09h30min e como estava muito cedo fiquei perambulando e percebi que a cidadezinha possui quatro portais de entrada e saída como que delimitando os pontos cardeais os quais levam à praça principal, um local agradável localizado no coração do centrinho. Sentei numa das mesinhas de uma das lanchonetes da praça onde fiquei observando os costumes dos cidadãos daquela cidade provinciana. Ali tive a ilustre companhia de um senhor mexicano, nacionalizado na Colômbia, que pediu licença e sentou-se comigo como se aquela fosse sua mesa cativa ou estivesse sentando com um velho amigo, já que havia outras mesas desocupadas ou ocupadas com nativos que certamente seriam seus conhecidos. Com senilidade, ligou seu rádio a pilhas que estava enrolado num grande saco plástico, introduziu um pente de memória (!) e ficou ouvindo músicas mexicanas enquanto eu saboreava, mais uma vez, o típico café colombiano que me fora servido com açúcar mascavo por um garçom bestalhão que vivia com o polegar apontado para cima em sinal de positivo.

Chía possui um comércio reduzido, porém aquecido, com destaque para os açougues. Numa pequena distância percorrida enquanto caminhava pelas imediações contei uns doze! O inusitado fica por conta que todos mantêm as peças de carne expostas sem a devida refrigeração ou proteção adequada.

Telefonei para casa, conversei tranquilamente com a esposa que àquela altura me pediu para eu voltar logo, bem como com meus filhos e minha irmã Rose. Tentei falar com meus outros irmãos (Jailton e Adailton), mas não consegui. Mais uma vez a saudade apertou e um tanto quanto emotivo, devido às ligações, saí andando por Chía com o objetivo de chegar logo ao restaurante para poder confirmar o que lera a respeito do mesmo.

Enquanto aguardava a abertura do estabelecimento, que se dá somente às 12h, registrei algumas fotos externas daquele restaurante com aparência de ferro velho, pois muitas quinquilharias ficam instaladas ao longo de sua grande fachada, mas que, sem dúvida, é o restaurante mais original da Colômbia e por que não dizer do mundo. Lá estão expostos vários objetos como vacas multicoloridas feitas em resina em tamanho real, calçadas com sapatos femininos, saia e cachecol, grandes hélices giratórias iluminadas, tampas de panelas de todos os tamanhos dependuradas numa árvore que, por sua vez, tem um dragão enorme feito de latão abraçando-a, zebras de madeira indicando as faixas de pedestres, brinquedos de parque infantil, telefone antigo, quadriciclo, escada e muito mais. Ao registrar o ambiente externo fui abordado por um policial que pensou que eu estava fotografando-o. Pediu para ver as fotos e como não constatou nenhuma anormalidade pediu para que eu parasse de fotografar em sua direção. Mal sabia ele que em meio a tantos objetos eu nem o tinha reparado.

Às 12h, quando abriu o restaurante, fui o primeiro a entrar e pude constatar que a decoração entre kistch e barroco dá uma excentricidade especial ao local. São tantos objetos que não se sabe, ao certo, se se está num restaurante ou num manicômio. Mesmo que a parte externa apresente um ar extremamente extravagante, não dá para imaginar tudo o que tem lá dentro. Na verdade chega a ser difícil de expressar em palavras o que se sente e o que se contempla naquele enorme e exótico restaurante de cozinha internacional e, repito, reconhecido mundialmente. Para que se tenha uma idéia, segundo informações, numa só noite aproximadamente duas mil pessoas visitam o lugar, que possui em torno de seiscentos empregados, incluindo seguranças, cozinheiros, garçons, recreadores, animadores, artistas, etc.

Antes de me acomodar, percorri cada um dos diversos corredores e ficava cada vez mais estupefato com tantas coisas milimetricamente colocadas em todos os espaços possíveis. Naquele momento lembrei de meu querido cunhado, que considero tanto quanto um irmão, César Assunção, pois imagino que aquele seria um lugar que ele adorará conhecer na viagem que cogitamos fazer, de moto, pela América do Sul. Múmias, ogivas, manequins dependurados nos tetos, caveiras, bruxas, imagens religiosas, garrafas de vinho cheias e vazias, paredes decoradas com tampas de garrafas, outras com velas de todos os tamanhos, forno à lenha com grandes velas acesas dentro, máquina de costura, rabo de sereia, panelas, lamparinas, tigre de resina em tamanho real, estátuas e muito..., muito..., muito mais coisas que, como mencionado anteriormente, seria difícil descrever neste relato. No entanto, a disposição das mesas, a quantidade de garçons e garçonetes, o atendimento e, sobretudo, a comida, realmente são qualidades fantásticas daquele exótico e extravagante restaurante onde durante o almoço, dependendo do prato solicitado, sem cerimônias nem perguntas, eles vestem no cliente um babador de papel gigante. Os talheres são grandes e a conta vem numa caixa de madeira enorme com caneta, lupa e lanterna, para não ter desculpas de não enxergar o valor da conta.

É tudo muito animado e torna-se perceptível que as pessoas transformam-se, pois o local proporciona um clima realmente diferenciado, digno da fama e das recomendações...

Minutos depois da abertura os clientes, quero dizer, os curiosos, tomam conta de todo o ambiente. Observei que durante toda a tarde continuam chegando mais e mais pessoas para conhecer aquele restaurante que foi uma das coisas mais interessantes que conheci nesta viagem.

Atravessando uma pequena rua na parte de trás do Andrés Carne de Res há ainda uma extensão do restaurante, não tão excêntrica quanto o da frente, mas não menos exótica, onde são atendidas as crianças.

Aproveitei o momento e sanei a vontade de degustar uma suculenta costela bovina, muito saborosa, de tamanho generoso e que veio acompanhada por molho vinagrete, um tomate recheado com uma massa estranha cujo sabor não identifiquei, queijo em cubos, batatas cozidas, fatias de uma massa parecida com pizza e uns tomatinhos amarelos.

Retornei a Bogotá com a certeza de que o deslocamento foi compensado pela satisfação que tive com a experiência vivida. Cheguei às 16h e fui diretamente conhecer o Museu do Ouro da República da Colômbia, fundado em 1939 quando o Banco da República passou a proteger o patrimônio histórico e arqueológico colombiano. O museu possui uma das coleções de ourivesaria mais importantes do mundo. Um dos maiores destaques é a famosa Balsa Muisca – uma peça votiva, fundida em ouro de alta qualidade. Na sequência visitei La Casa de La Moneda (A Casa da Moeda) onde é possível ver em funcionamento uma antiga máquina de cortar moedas e o Museu Casa Botero.

O Museu Casa Botero é interessantíssimo. Foi inaugurado no ano 2000 e trata-se de um museu de artes visuais que fica no coração do centro histórico e cultural de Bogotá – La Candelária. Seu surgimento se deu a partir de uma doação de obras de arte feitas pelo pintor e artista plástico colombiano Fernando Botero ao governo do seu país. Logo na entrada há uma escultura de uma mão que chega a estar desgastada de tão utilizada como ponto principal para registros de fotos pelos turistas que por lá passam. As artes de Botero estão distribuídas pela Colômbia e por outros países como a Costa Rica, por exemplo. Em Medellin, na própria Colômbia, há uma praça com dezenas dessas esculturas. Já no museu, com exceção daquela mão, os demais objetos são em tamanhos reduzidos. Os quadros sim, são diversos e todos se destacam por figuras rotundas e há de se perceber uma certa crítica social, sobretudo, no que diz respeito à gula do ser humano.

Ao anoitecer fui numa lan house, gravei as fotos num pen-drive, li meus e-mails, depois jantei pizza e retornei ao hostel, pois nos finais de semana o bairro fica bem menos movimentado, fato este explicado pelos alunos das dezenas de faculdades que retornam para suas casas. Com isso, andar nas ruas, sozinho, depois das 22h, não é recomendado.

No pequeno quarto, organizei a mochila e tentei descansar daquele dia atribulado, afinal, no dia seguinte, cedo, estaria embarcando no trem – o primeiro da viagem – para conhecer a Catedral de Sal. Naquele ambiente fiquei pensando que, embora o Panamá tenha me oferecido os melhores momentos da viagem, ser um país realmente interessante e dar uma boa estrutura ao turista, antecipar a viagem à Colômbia foi uma medida acertada, pois é reduto cultural extremamente rico e as opções turísticas são vastas. Na verdade, seriam necessárias umas três semanas para conhecer bem aquele país cujas cidades históricas como Cartagena de Índias – de estilo colonial, fundada em 1533, localizada no litoral do Caribe e cercada por muros nos séculos XVII e XVIII para protegê-la dos piratas do Caribe e denominada Patrimônio Mundial da UNESCO em 1984 ou a tão famosa Medellin – fundada em 1675 por colonos espanhóis, famosa pela amabilidade de seus habitantes e por sua beleza cultural são opções turísticas que não devem, ou pelo menos não deveriam, ser deixadas de lado quando se está na Colômbia.

Foi naquele claustrofóbico quarto que passei a minha última noite em Bogotá de Santa Fé e a minha última noite em terra antes de retornar ao Brasil, pois a noite seguinte passei no ar, dentro de um avião, em direção a São Paulo para, na manhã seguinte, retornar a meu querido Estado; à minha querida cidade; à minha harmoniosa casa e à minha adorável cama... e, devido a maldita campainha, custei a dormir, mas não antes de pensar no dia seguinte e em como seria conhecer a tão comentada Catedral de Sal de Zipaquirá e, claro, na possibilidade de fazer uma viagem de trem que me gerou muita satisfação e agradáveis surpresas.

 

 

27-03-2011 (domingo) – Zipaquirá, Departamente de Cundinamarca, Colômbia

Acordei às 06h30min, pus a mochila nas costas, comi uma arepa num café próximo à praça Bolívar e fui caminhando por uma outra parte da cidade até chegar no Ferrocarril de onde parte o trem para Zipaquirá. Cheguei em cima da hora, deixei a mochila na lanchonete da estação Gran Sabana (Grande Savana) e às 08h30min parti numa Maria Fumaça “idosa”, lenta e, como não poderia deixar de ser, fumacenta, no entanto “charmosa” e confortável, para conhecer a primeira maravilha da Colômbia, ou seja, a Catedral de Sal de Zipaquirá, último ponto turístico que conheci nesta viagem.

A passagem do trem é um espetáculo à parte, esperado e apreciado por muitos bogotanos, que moram, ou não, próximo aos trilhos. São casais com seus filhos em jardins, idosos e idosas nas janelas dos apartamentos, casais enamorados e muitas crianças que, por vezes, chegam a parar o futebol para prestigiarem a locomotiva, acenando ou aplaudindo na tentativa de expressarem uma certa sensação – talvez gratidão ou orgulho – sentida e demonstrada através destes gestos.

Considerando as paradas nas estações de Usaquén e La Caro, onde outros passageiros são apanhados e a locomotiva é abastecida com água e carvão, o percurso leva quatro horas e meia até chegar em Zipaquirá. Dentro do trem servem-se, entre outras curiosidades, o Tamal Bogotano – espécie de pamonha – um cozido em forma de massa com frango ou carne e acompanhamentos envolvidos em folha de plátano. Também há apresentação de mariachis, que fazem a festa dos turistas mais entusiasmados.

Acomodado, em princípio, na última janela do último vagão, escolhido propositadamente, para poder registrar fotos de um ponto estratégico do trem, fui apreciando a linda paisagem da savana entre Bogotá e Zipaquirá. Durante este percurso fui registrando inúmeras fotografias e ouvindo músicas, entre elas, Encontros e Despedidas de Milton Nascimento, selecionada para a ocasião, cuja letra é a seguinte:

 

Mande notícias do mundo de lá

Diz quem fica

Me dê um abraço venha me apertar

Tô chegando

Coisa que gosto é poder partir sem ter planos

Melhor ainda é poder voltar quando quero

Todos os dias é um vai-e-vem

A vida se repete na estação

Tem gente que chega pra ficar

Tem gente que vai pra nunca mais

Tem gente que vem e quer voltar

Tem gente que vai querer ficar

Tem gente que veio só olhar

Tem gente a sorrir e a chorar

E assim chegar e partir

São só dois lados da mesma viagem

O trem que chega

É o mesmo trem da partida

A hora do encontro é também despedida

A plataforma dessa estação

É a vida desse meu lugar

É a vida desse meu lugar, é a vida

 

A cidade de Zipaquirá foi vista apenas de relance, pois assim que o trem para na estação os passageiros são orientados e encaminhados a entrar nos microônibus que conduzem os turistas à Praça do Mineiro cujas atrações, além da Catedral de Sal, são o Museu do Sal, monumentos em homenagens aos mineiros, restaurantes, lojinhas e vendas de esmeraldas de valores variados e até paredões artificiais para escaladas.

Acredito que esta Catedral de Sal seja sui generis (única em seu gênero). Trata-se de uma gigante igreja esculpida a cento e oitenta metros de profundidade numa mina de sal desativada e visitada por mais de 300 mil pessoas/ano onde são rezadas missas semanais e comporta, segundo informação que um guia prestava a um grupo de turistas, em torno de três mil pessoas. É dividida em três seções: via-crúcis, cúpula e naves. Percorri a via-crúcis – que trata-se de um verdadeiro labirinto com altares e imagens esculpidas nas rochas de sal daquela enorme mina e, sozinho, contemplei as demais seções da catedral. No final de alguns corredores há altares e imagens sacras. Estes corredores também levam à grande cúpula, onde localiza-se o que imagino ser o altar principal. Há ainda um outro grande e alto espaço cujo paredão de fundo, iluminado por diferentes tonalidades de luzes, é quase todo encoberto de sal parecendo uma grande cachoeira congelada, semelhante às que, no inverno, estamos acostumados a ver em São Joaquim, Urupema, Urubuci e em outras cidades da nossa linda serra catarinense.

Após ter terminado de visitar a Catedral, percorrer todos os seus corredores, comprar souvenires e registrar muitas fotos retornei à Praça do Mineiro para apreciar o local, escalar o paredão artificial, contemplar a cidade de Zipaquirá a partir do mirante e fotografar os monumentos lá expostos, como a escultura gigante de um mineiro e uma grande caçamba antes utilizada no transporte do sal e que hoje serve como “cartão postal”, exibindo a frase “Catedral de Sal de Zipaquirá Primeira Maravilha da Colômbia”.

Em seguida retornei ao microônibus e parti em direção a Cajicá, para almoçar num restaurante típico colombiano. É nesta cidade que se toma o trem de retorno a Bogotá. Enquanto aguardava a partida fiquei imaginando que ainda naquela noite, super animado, embarcaria de volta ao Brasil.

O retorno, a bordo daquele trem, é tão especial quanto a ida. As pessoas fazem da sua passagem um programa de família e chegam a pôr cadeiras de praia para apreciar a elegante travessia do que mais parece um desfile da maior personalidade da Colômbia.

Cheguei de volta na estação La Sabana às 17h45min e tomei o maior susto, pois a lanchonete estava fechada e não consegui pegar a minha mochila com facilidade. Os donos da lanchonete tinham saído e o guarda não sabia nada a respeito. Para minha sorte um outro guarda me avisou que ainda tinha alguém no interior da lanchonete e que eu deveria insistir. Isto feito fui atendido por uma empregada que me repassou a mochila sem maiores problemas. Como ainda me restava tempo o bastante para chegar no aeroporto, resolvi caminhar um pouco mais por outro ponto do bairro La Candelária para conhecer um pouco mais daquele que foi uma surpresa agradável, principalmente no que tange a cultura propriamente dita.

 

 

27-03-2011 (domingo) – Bogotá, Colômbia

Com tempo suficiente para chegar ao aeroporto, tomei um Transmilênio até a calle (rua) 26 e, de lá, uma buseta para o Aeroporto internacional El Dorado aonde cheguei tranquilo e com as três horas de antecedência necessárias para vôos internacionais. Com tempo disponível, liguei mais uma vez para casa e, com grande satisfação, pude mencionar as palavras “estou embarcando daqui a pouco e amanhã cedo estarei em casa”. Depois de dezessete dias viajando solitariamente, estas palavras soaram como um alento para a noite que ainda teria que enfrentar dentro do avião antes de poder rever as pessoas que mais amo.

Cheguei à conclusão de que a Colômbia, que já foi um país bastante difamado por causa do narcotráfico, hoje é bastante tranquilo e bem policiado, livre, inclusive, dos Cartéis de Cali e Medellin. Seu povo é hospitaleiro e há muitas coisas boas a serem exploradas...

Um quarto de dia me separava do Brasil e, ao contrário da partida, quando segui viagem com destino a um mundo abstrato e incógnito, estimulado pela família e por queridos amigos como a Nayra e Telmo que trabalham comigo há vinte e três anos, estava retornando ao meu mundo, à minha realidade. À realidade de um país com tantas distorções, com tantas diferenças e indiferenças, e outras tantas pejorações, mas, acima de tudo, um país etnicamente diversificado, de gente trabalhadora e alegre, de natureza exuberante, de multiculturas, arquitetura e história invejáveis.

A noite no avião foi razoável, mas só consegui dormir um pouco lá pelas 3h da madrugada e ainda assim graças a um trio de acentos vazios que ocupei logo após o fechamento das portas, na esperança de transformá-los em cama para amenizar as dificuldades que certamente sentiria na viagem. Então, desconfortavelmente “deitado sobre as nuvens”, cruzei a América do Sul de Leste a Oeste, ou seja, de Bogotá a São Paulo naquelas três poltronas que, por certo, não foram desenhadas praquele fim.

 

 

28-03-2011 (segunda) – Brasil

Cheguei a São Paulo de madrugada e a ansiedade de embarcar logo, num vôo doméstico, com destino a Florianópolis era grande. Então, naquele momento, poucas horas me separavam de Santa Catarina, um estado onde se vive intensamente as quatro e bem definidas estações do ano. Onde se pode aproveitar tudo que a natureza oferece. Um lugar que mantém viva as suas raízes e tradições herdadas das mais diversas etnias que aqui se instalaram. Mas, ainda antes de embarcar, pude registrar algumas fotos de alguns jogadores da seleção brasileira de futebol, com destaque para Neymar, Elano e Victor (goleiro), bem como de Ronaldinho (fenômeno) que estavam retornando de um amistoso na Irlanda do Norte.

Cheguei em Florianópolis às 13h e fui recepcionado por minha esposa e minha filha, pois meu filho estava em prova. No percurso até a nossa casa, desta vez sem contratempos com o carro, lhes contei partes das aventuras vividas enquanto mostrava as lembranças que trouxe de cada um dos países. Depois, minha menina foi para o colégio e minha esposa para seu trabalho. Um pouco mais tarde repeti tudo a meu filho que vislumbrou as moedas e notas que lhe trouxe. Descansei e só à noite fomos a uma pizzaria comemorar meu retorno onde pude, com muito mais calma, narrar toda a viagem aos três que mais prestaram atenção nas histórias que comeram pizza.

Planejar e realizar esta viagem foi a concretização de um desejo há muito tempo guardado. Conhecer a, ou parte da, América Central e mais alguns países da América do Sul foi uma aventura extremamente positiva e rica em todos os sentidos. Cada momento vivido, cada uma das coisas vistas, cada diferente comida degustada, cada bebida experimentada são provas de que não devemos nunca nos acomodar. Devemos sempre aventurar, seja no Brasil ou fora dele, para conhecer novos idiomas, novas culturas, ver diferentes arquiteturas, perceber diferentes costumes, enfim, experimentar e viver de tudo um pouco, pois assim, valorizaremos ainda mais o que é nosso.

Creio que agora poderei sossegar um pouco até voltar a planejar e conhecer, com a família, a Argentina, Paraguai e Uruguai para depois, somente depois, voltar a pôr novamente a mochila nas costas e conhecer Quito e as Ilhas Galápagos no Equador, viagem que pretendo ir com meu filho e assim, com exceção da Guiana, Suriname e Guiana Francesa (três pequenos países ao extremo norte da América do Sul) conhecer grande parte América do Sul e, quem sabe, outros países da América Central antes de conhecer a África.

Parafraseando o Rei – Roberto Carlos, “Se chorei ou se sorri, o importante é que emoções eu vivi”, pois os erros e acertos desta empolgante aventura valeram de experiência e de exemplo para que eu quebrasse alguns paradigmas e mais do que nunca valorizasse tudo que conquistei e preservo, sobretudo, a família e a saúde.

Uma coisa é certa, além de provar novos sabores, descobrir novos lugares e sentir diferentes emoções, provei, descobri e senti algo a mais. Encontrei, portanto, o que buscava e não sabia ao certo quando parti. Provei o gosto amargo da saudade. Descobri na distância a aproximação. Que na solidão a companhia (ainda que distante) é fundamental. E que na ausência a onipresença é o que mais importa. Enfim, senti e tive a certeza de que o regresso ao seio familiar está acima de tudo. Que retornar é melhor que partir.

 

Valeu!

 

Ronei Amandio

roneiamandio@hotmail.com

 

 

Fontes de pesquisa de datas e fatos esquecidos ou não anotados durante a viagem:

http://www.colombia.travel/po/

http://www.wikipedia.org/

http://www.apolo11.com

 

 

FOTOS DA VENEZUELA

 

Vista de Caracas a partir dos bondinhos que atendem as favelas da cidade, Venezuela

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Praça Simon Bolivar no centro de Caracas

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Panteon Nacional - onde estão os restos de Simon Bolivar - Caracas, Venezuela

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Alimentando esquilos na praça simon Bolivar em Caracas, Venezuela

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Sede do governo - Caracas, Venezuela

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De Caracas para Tucacas (Caribe), Venezuela

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Em Tucacas indo à Praia Ponta Brava (Caribe), Venezuela

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Praia Ponta Brava no Parque Nacional Morrocoy em Tucacas, Venezuela

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Em Cayo Sombrero - Parque Nac. Morrocoy, Tucacas, Venezuela

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Cayo Sombrero - Parque Nac. Morrocoy em Tucacas, Venezuela

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FOTOS DA NICARÁGUA

 

Vulcão ativo próximo de Manágua, Nicarágua

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Nova Catedral de Manágua (considerada a mais moderna do mundo), Nicarágua

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Nova Catedral de Manágua (considerada a mais moderna do mundo), Nicarágua

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Antiga Catedral de Manágua, Nicarágua

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Vista do Centro Histórico de Manágua, Nicarágua

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Museo Augusto Cesar Sandino no Parque Nac. e Histórico Loma de Tiscapa - Manágua, Nicarágua

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Tomando uma Toña (principal cerveja da Nicarágua) às margens do Logo de Manágua - Manágua, Nicarágua

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Monumento Concha Acústica - Manágua, Nicarágua

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Entrada do Parque Nac. Vulcão Masaya - Masaya, Nicarágua

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Sentado na cratera do Vulcão Masaya - Masaya, Nicarágua

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Indo de expresso emergente para Granada

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Linda Catedral de Granada - Granada, Nicarágua

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Travessia de Rivas para Ilha Ometepe pelo Lago Nicarágua - Nicarágua

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Vista do Vulcão (ativo) madera e da cidadezinha Mayogalpa (Ilha Ometepe)

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Indo da Nicarágua para Costa Rica

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FOTOS DA COSTA RICA

 

Teatro Nacional - San José, Costa Rica

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Museu Nacional - San José, Costa Rica

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Parque Morazan - San José, Costa Rica

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Cratera vulcão Poas (maior cratera do mundo) - Alajuela, Costa Rica

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Praia Manuel Antonio - Manuel Antonio, Costa Rica

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Golfinhos em manuel Antonio - Costa Rica

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Praia Manuel Antonio - Manuel Antonio, Costa Rica

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FOTOS DO PANAMÁ

 

Fronteira Costa Rica x Panamá (Peñas Blancas)

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Em Almirante, indo pro Caribe (Bocas Del Toro, Panamá)

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Praticando snorkel enquanto aguardava o almoço no Mar do Caribe - Bocas Del Toro, Panamá

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Bocas Del Toro, Panamá

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Em Bocas Del Toro, Panamá ::mmm:

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Bicho preguiça descendo cipós na ilha Bastimentos - Bocas Del Toro, Panamá

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Praia Red Frog (rã vermelha) em Bastimentos - Bocas Del Toro, Panamá

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Mínusculas ranas (rãs) vermelhas em Bastimentos - Bocas Del Toro, Panamá

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Canal do Panamá - Panamá City, Panamá

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Canal do Panamá - Panamá City, Panamá

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Passeando pela Cinta Costeira entre Casco Viejo e Centro Adm. - Panamá City, Panamá

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Praça de Francia - Casco Viejo, Panamá City, Panamá

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Vendedor de groselha - Casco Viejo, Panamá City, Panamá

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Panamá City, Panamá

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Panamá City, Panamá

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Macaco Carlitos em Porto Belo, Panamá

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Molas (trabalhos artesanais das indias Kunas Yalas de San Blas) - Porto Belo, Panamá

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Fortaleza em Porto Belo, Panamá

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FOTOS COLÔMBIA

 

Uma rua qualquer no bairro La Candelaria - Bogotá, Colômbia

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Praça Bolivar - La Candelaria, Bogotá, Colômbia

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Entorno da Praça Bolivar - La Candelaria, Bogotá, Colômbia

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Cerro Montserrat - La Candelaria, Bogotá, Colômbia

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Vista parcial de Bogotá (bairro La Candelaria), Colômbia

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Cerro Monserrat - La Candelaria, Bogotá, Colômbia

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