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Morro do Canha - Castro (PR)


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Desmistificando o Morro do Canha

 

(16/01/2015)

 

Aos poucos a agenda montanhística deste que aqui vos escreve vai novamente evoluindo...

 

Viagem típica de férias com a família com visitas a familiares no interior do estado e, desta vez, escolhi um pequeno ataque a um cume de morro da região próxima de onde residem alguns familiares da minha esposa. Algo que pudesse ser facilmente conciliável com os “compromissos” familiares entre os churrascos e rodas de conversa típicas.

 

O Morro do Canha, o destino escolhido, não é nada pujante ou cobiçado, ao contrário de muitas das nossas montanhas aqui da Serra do Mar, mas para o povo que mora nos rincões do município de Castro a pequena elevação de cerca de 1065m (nas cartas topográficas) guarda uma mística especial e é por este motivo que se tornou conhecido e lembrado.

 

Canha, na linguagem popular pode significar mão esquerda, aguardente (cachaça), alguém que não quer compartilhar algo que come ou ainda os ferros com que se seguram toras de madeira para manuseio em serrarias. Pelo histórico da área este último significado parece ter mais sentido, como se verá.

 

Conta-se que em tempos idos, na época em que os desbravadores daqueles sertões buscavam riquezas minerais como ouro e pedras preciosas, dada a dificuldade de acesso e altitude (?) parte do ouro encontrado na área ficou escondido num baú que teria sido suspenso por correntes em uma das fendas nas encostas rochosas do morro. O tesouro, reza a lenda, estaria lá até hoje e seria inacessível, pois todos os que dele se aproximam acabam misteriosamente sendo afugentados por enxames de abelhas e cobras venenosas. Outras versões das estórias contadas sobre a área do entorno do morro envolvem onças pintadas que também protegeriam a área de curiosos.

 

Quando na roda de conversa com os familiares da região informei que tencionava ir até o dito morro o povo me olha de revesgueio e escuto novamente as estórias a respeito do ouro e dos ataques – hora de vespas assassinas, hora de cobras, hora de abelhas, hora de onças. Até mesmo estórias envolvendo “visagens” (fantasmas) associadas ao dito tesouro escondido no morro são contadas. Já estava preparado para isso, já tinha ouvido essas lendas em outras oportunidades e, educadamente, informo que não tenho interesse no tal baú (e não tenho mesmo). Tampouco temo abelhas, vespas, cobras e visagens e, como estava determinado a ir conhecer pessoalmente o tal lugar e ver com minha retina a origem de tantas lendas populares, determino que sairia no dia seguinte para chegar no cume do Morro do Canha.

 

Já tinha saído de casa municiado no GPS de um conjunto de tracklogs desenhadas nas cartas topográficas e sobre imagens do Google Earth com as possíveis estradas de acesso à área do morro. Na mochila, facão, equipo básico e lanche para uma pernada de até dois dias se preciso fosse. Planejava o ataque para uma tarde. Sairia logo após o almoço da localidade de São Lourenço, cerca de 30 Km a noroeste do morro.

Tudo certo e pronto, no dia da saída recebo a oferta de um tio que se prontificou a ir comigo para me guiar pelas estradas da região. Obviamente aceitei a oferta e ele, faceiro, combinou comigo de me encontrar logo após o almoço na casa de um outro tio ali perto, onde estávamos hospedados. Na hora combinada pro embarque, vem ele de botina e chapéu, todo faceiro, mas advertindo que somente iria para me ajudar com as estradas até lá, que não subiria comigo até o “alto”... Lá fomos. Carro baixo, estradas ruins, sou obrigado a andar devagar. Uma poeira miserável e um calor de dar inveja à muitas saunas nos acompanham durante a viagem, repleta de sobes e desces nas intrincadas estradinhas de saibro da região. Em dois momentos, em pontos altos da estrada avistamos de longe o Morro do Canha, mas não consigo fotografá-lo destes ângulos devido ao tráfego intenso de caminhões de uma mina de calcário da região. Não há como parar o carro na estrada...

 

Tocamos mais alguns quilômetros e chegamos na localidade chamada “Olho D’água do Canha”, bem nas costas do morro, onde paramos para nos informar sobre o acesso até próximo do morro. Informações desencontradas e olhos arregalados quando informo que minha intenção é subi-lo. Novas estórias repetindo as crendices no tal baú de ouro, correntes, fantasmas, abelhas, etc, etc. Vamos que vamos. Dada a inutilidade das informações dos locais decido seguir uma das rotas que tracei em casa pela imagem de satélite da área, que creio ser a mais conveniente. Havia desenhado outras, secundárias, caso essa principal não desse certo.

 

Logo o tio da minha esposa, que me acompanhava, lembrou-se da entrada de uma fazenda por onde passávamos e me disse que provavelmente por ali conseguiríamos entrar para acessar o morro, já que a fazenda fica localizada numa das suas encostas. Olhei no GPS e concordei, pois realmente cortaríamos um pouco do caminho que havia traçado. Passamos por uma porteira e rodamos cerca de 800m até divisarmos à nossa direita toda a encosta sudeste do Morro do Canha, muito próxima de nós. Mais alguns metros e alcançamos uma sede com algumas pequenas casas e galpões onde uma senhora nos recebeu, informando que precisaríamos conversar com seu marido, capataz da fazenda de reflorestamento, que estava no campo plantando mudas de eucalipto. Saltamos do carro e seguimos pelo campo no rumo indicado pela mulher e encontramos a cerca de uns 500m o capataz da fazenda, que após alguns minutos de conversa se revelou filho de um conhecido do meu guia. Prosa vai, prosa vem, mais algumas estórias e o cidadão, além de nos autorizar a subir o morro, me indica o caminho que segundo ele seria o mais fácil para chegar até o cume e me informa que seu filho, de 14 anos, já tinha subido algumas vezes até o alto, dizendo ainda que provavelmente ele iria gostar de me acompanhar.

 

Voltamos até a casa da sede e realmente o Josiel, filho do capataz, muito interessado, imediatamente agarra um facão feito de aço de mola de trator e calça um par de botas de borracha. Voltamos de carro uns 400m pela estradinha de acesso e deixo o carro numa ampla sombra de um grande bosque de pinnus onde o tio me aguardaria voltar. Eu e o Josiel tomamos o rumo de um campo limpo, fruto de uma recente destoca de eucaliptos, onde já estavam sendo plantadas novas mudas da mesma árvore. A trilha, pelo que ele me contava, era bem óbvia: entraríamos pela mata de encosta subindo pela nítida linha de crista de um pequeno morrote que se liga diretamente à vertente nordeste do Morro do Canha. Dali, já bem no alto, seguiríamos então pela crista, agora do próprio Morro do Canha, subindo em direção ao seu cume principal, rumo sudoeste. Andamos por cerca de 500 m até a borda do mato e começamos a procurar uma entrada, segundo meu guia, de uma trilha aberta há alguns anos e que subiria o primeiro morrote.

 

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Após alguma análise da área ele toca o braço no facão e começa a abrir uma picada. Eu, mais atrás, vou seguindo mas aviso que à direita o terreno e a vegetação parecem mais favoráveis. Logo topamos com um gigantesco formigueiro, que percebemos apenas quando as formigas já começavam a subir nas botas. Putz! Ferrou, penso logo de cara. Nem começamos a andar e já temos uma mancada. No entanto escapei ileso das formigas, o que não posso dizer do meu guia, cuja bota estava rasgada no calcanhar. Mas o piá era macho e se fez de valente, não reclamou, matou as formigas e continuou, agora desviando pelo rumo que eu indicara minutos antes. Logo achamos uma pequena clareira e logo depois um rastro de trilha com marcas de facão antigas. Começamos a segui-la, hora apenas abrindo no peito, hora cortando bambuzinhos e arbustos endurecidos no facão. A trilha não era nada sutil e seguia direto para cima. O calor de mais de 35ºC medidos no termômetro do meu relógio nunca pareceu tão real e insuportável. Algumas pausas para respirar e beber água foram necessárias.

 

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Logo vencemos o desnível de pouco mais de 100m entre o início da trilha e o topinho do primeiro cocoruto, no que consumimos pouco mais de 1 hora. Dali, em meio ao bosque de pinnus já enxergávamos a crista do Morro do Canha e uma trilha batida que seguia pelo seu dorso em meio à vegetação rala da crista. Nos desvencilhamos de duas cercas de arame farpado e tocamos pela crista, percorrendo em pouco tempo toda a extensão que liga os 3 cocorutos que formam o Morro do Canha, com algumas pequenas pausas para fotos, água (sob o sol agora escaldante depois da saída da mata).

 

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Percorrida toda a extensão de seus cumes, numa linha de crista bem estreita e definida queríamos fugir do sol que impiedosamente nos castigava. Providencialmente uma densa nuvem parou por alguns minutos sobre o morro e o sol nos deu uma pequena trégua, que nos permitiu alguns momentos de contemplação além de um rápido lanche num pequeno castelinho de pedras próximo do cume principal, de 1097m de altitude (GPS). Dali não se divisa nenhum outro morro tão alto nas proximidades, quiçá num raio de 30 ou 40 km no entorno. Realmente uma bela visão da região toda, que a propósito, fica num grande baixio, o que torna o Morro do Canha, apesar de sua pequena altitude, bastante proeminente em relação aos terrenos próximos.

 

Lamentavelmente, nota-se que em uma grande extensão de terras predominam na região os reflorestamentos de pinnus e eucaliptos, que hoje ocupam o lugar de enormes extensões de matas nativas que recobriam toda a região. Uma visão triste e monótona.

 

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Logo somos obrigados a voltar à realidade, pois a nuvem passara e o sol voltou a nos assar vivos. Sem nenhuma sombra tocamos pela crista morro abaixo até chegarmos na relativa proteção do bosque de pinnus, onde a sombra amenizava um pouco a nossa situação. Agora era só tocar prá baixo. Rapidamente descemos a encosta pelo meio da mata e, antes do que gostaríamos já estávamos tostando novamente sob o sol até chegar no ponto onde deixamos o carro estacionado. Entre ida e volta 3300m de extensão e quase 200m de desnível vencidos numa tórrida tarde de janeiro.

 

De volta ao carro, fui levar meu guia e parceiro de caminhada em sua casa onde fomos recebidos com muita água gelada para saciar nossa sede e baixar nossa temperatura.

 

Das estórias que se contam sobre o Morro do Canha nenhuma se confirmou. Apesar do leve ataque de formigas no início da trilha, segundo fontes confiáveis que moram no sopé do morro há mais de 20 anos e percorreram todas as trilhas possíveis e imagináveis da área o tal baú cheio de ouro suspenso por correntes não existe e muito provavelmente nunca existiu, assim como qualquer resquício de mineração nas encostas do morro, que encobre algumas fendas e pequenas grutas de pedra, nada mais. As abelhas, vespas e marimbondos, apesar de frequentes na região não são exclusividade dali, assim como cobras venenosas, que segundo consta são atualmente muito raras de se observar devido ao manejo dos reflorestamentos. Onças, então, não são vistas na região há pelo menos 30 anos, quando ainda eram frequentes as fazendas de gado na área, atualmente dominada pelas florestas comerciais.

 

Enfim, uma tarde com boas doses de desafio, belas paisagens e boa conversa, onde o tesouro é o mais puro exercício de montanhismo, qual seja, subir a montanha. Por quê? Porque ela está lá!

 

Bons ventos!

 

 

[info]Dados técnicos:

Localização: Zona rural a cerca de 50 Km do centro do Município de Castro (PR) – distrito de Abapã, localidade chamada “Canha”, perto das localidades conhecidas como “Herval do Xaxim” e “Olho d’água do Canha”. Acessível por estradas de terra, recomendável uso de veículo 4x4 especialmente em épocas de chuva.

Altitude: medida no GPS – 1097m[/info]

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