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Viagem pela Europa - Primeiras fotos no link!!


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IRLANDA DO NORTE

Este é o primeiro dos textos que escreverei para contar a história de uma viagem: eu, minha barraca e minha mochila. Dizem que a primeira vez é sempre muito especial, inesquecível, seja pelos prazeres, seja pelas burradas ou mesmo pelos dois, afinal, qual seria a graça se não existisse em nós a vontade de descobrir, de conhecer? E se não pudesse me lembrar do dia em que resolvi aquela bendita equação aritmética na última prova bimestral (ufa!!) ou da batalha pra desabotoar o soutien (até hoje me confundo!)?

Pois assim será esta minha primeira grande mochilagem - quanto tempo? seis meses; o roteiro? Europa. Espero poder errar pouco e me divertir muito, somos responsáveis por buscar nossa felicidade, vou compartilhar a história da minha aventura com vocês. Aos que me lêem, e não imagino que passem de 20 (incluindo os parentes), sejam todos muito bem vindos.

 

Longe de ser um magnata no Brasil (longe mesmo!), a única forma possível de financiar minha viagem seria trabalhar por algum tempo na Europa. Uma oportunidade, ou coincidência do destino me levou à Irlanda, lugar que acabou se provando uma excelente opção para trabalhar e economizar uma grana, e não tão boa assim para os que gostam de sol e boa comida. A primeira parte dessa aventura foram nove meses trabalhando em todo tipo de emprego, mas principalmente na construcao civil. Muita sorte, muito esforco e -ufa!!!!- agora posso mochilar. Muito bem, vamos aos fatos.

A ilha da Irlanda é dividida em dois países: República da Irlanda (Eire) e Irlanda do Norte (Northern Ireland - NI). Este último, ainda vinculado à Coroa Britânica, tem o sterling como moeda oficial embora o euro seja comumente aceito em qualquer estabelecimento comercial. Não deixe de checar o fator de conversão nestes locais, geralmente é melhor trocar no banco. Sobre como trabalhar na NI sei pouco pois só fui a passeio. Belfast é o melhor destino, o custo de vida e tão alto quanto o de Dublin e, depois de todas as contas e conversões, para um mesmo tipo de emprego, o que se economiza é o mesmo. Quem se decidir por Belfast deve se informar sobre as oportunidades de trabalho e a rigidez da fiscalização, seja para trabalho ilegal, seja para a jornada semanal (em cada país é possível trabalhar até X horas por semana, dependendo do tipo de visto).

Por outro lado, uma vez na ilha, Belfast vale a pena ser conhecida. Para chegar lá, trem e confortável, rápido e caro (www.irishrail.ie); ônibus é o melhor custo/benefício pra quem vai pagar (www.dublinbus.ie) e alugar carro é uma opção pra quem está com a galera - muitas empresas têm postos de retirada e/ou entrega por toda a ilha (www.avis.com). Agora, imbatível mesmo, é a carona. Raras foram as vezes em que paguei para viajar por aqui - no Eire é ainda mais fácil! - várias pessoas até se desviaram de suas rotas pra me mostrar um novo lugar.

No geral, fuja dos restaurantes, são caros e com pratos repletos de batata e legumes cozidos. Carne é uma rara relíquia. Agora, se quiser pagar pra ver, procure as promoções tipo Early Bird, preços menores em horários de menor movimento. McDonald's sempre quebra o galho, mas o melhor é fazer sua própria comida.

Um hostel barato e bem localizado, com gente de todo mundo, é o Linen Hostel, com preços a partir de 8£ ou 12?. Fica próximo à Biblioteca Municipal, ao final do calçadão central que, aliás, é um ponto de visita inevitável, o coração da cidade, onde as principais lojas se concentram, assim como o Centro de Informações Turísticas. Tomado de gente durante o dia, fica assustadoramente deserto depois das 18h. Na outra ponta do calçadão, fica o City Hall (prefeitura), um dos prédios mais bonitos que você vai encontrar, junto com a Belfast Cathedral, entrada gratuita. Além dos museus (como sempre!), outro belo lugar é a Queens University, 15 minutos à pé do centro. Na Queens, o negócio é chegar entrando em todos os lugares e salas, até que algum guarda lhe peça gentilmente pra dar o fora. Poucos sabem, mas o Titanic, bem como a maioria dos grandes e famosos navios ingleses (Olympic, Brittanic) foram construidos em Belfast, no Harland and Wolff shipyard, se sua praia e essa, va ao local e bata um papo com os marujos.

Apesar das disputas político-religiosas na região, ou Os Problemas (The Troubles), terem se abrandado nos últimos anos, Belfast ainda é uma cidade tensa, de ar carregado. Existem bairros, pubs e costumes católicos (Republicans) e protestantes (Loyalists), como o orgulho de se vestir de verde ou laranja, respectivamente. Só quem é do lugar conhece bem um ou outro, por isso, se pisar em terreno hostil (aconteceu duas vezes comigo!) e tiver algum problema mais sério, o que é incomum mas pode acontecer, diga que é brasileiro, turista, Zen-budista e que entre o Celtic e o Rangers você prefere mesmo é o Juventus da Mooca. Pra quem se interessa pelo tema, voce nao pode deixar de fazer o Black Cab Tour, 6£, um taxista vai te levar pra conhecer estes locais e te dar um pouco de historia - as vezes com relatos pessoais.

Na segunda maior cidade da NI, Derry (católicos) ou Londonderry (protestantes), o destaque fica para o bairro de Free Derry City, onde aconteceu o Bloody Sunday - massacre de católicos pela polícia em 1972, tema da famosa música do U2 - além das muralhas antigas da cidade, de 1619, que se transformaram numa espécie de símbolo da divisão de um mesmo povo. Conversar com os moradores desta região é uma experiência única, eles são a memória viva de uma disputa que ainda existe mas a qual não se comenta.

No extremo norte da NI, um lugar merece ser visitado: The Giants Causeway. É um conjunto de formações rochosas perfeitamente hexagonais, algumas em forma de coluna com mais de 3m de altura, logo a beira-mar e rodeadas por costões verdes e escarpados. As pedras são tão perfeitas que, à primeira vista, é difícil acreditar que sejam naturais. O nome do lugar, por sinal, vem de uma lenda, segundo a qual um gigante decidiu construir um caminho de pedras cortando o mar para poder alcançar sua amada... na Escócia!!! Não sei se o caminho avança mar adentro ou se o gigante morreu afogado com tanta chuva, mas que o lugar é bonito, isso é. O ônibus que parte de Belfast vai costeando todo o litoral norte oferecendo belas paisagens, dá pra tirar umas fotos durante as paradas. Há poucas opções de acomodação barata, e nem vale a pena se estender muito por lá, algumas horas são suficientes para conhecer o local. Por cultura gastronômica e para esquentar os ossos, tente a sopa da casa com pão, no restaurante próximo aos Giants.

Bom, é isso, em breve falarei um pouco sobre a República da Irlanda, separando o conteúdo em Dublin e Interior do país. Um abração!

Thiago de Sa

 

DUBLIN - PARTE 1

A República da Irlanda, ou Eire, é um país de 4 milhões de habitantes, dos quais 1,5 milhão em Dublin, terra do verde, da Guinness, dos leprechauns e dos arqueiros medievais, lugar onde a paixão nacional é beber (tanto dos homens quanto das mulheres), os assuntos do dia-a-dia são o clima, as trapalhadas do governo (são muitas!!) e os esportes nacionais são o Gaelic - misto de futebol e o Rugby, similar ao futebol australiano - e o Hurling (variação do Gaelic, joga-se com tacos), ambos praticados apenas no Eire.

Belas paisagens e povo hospitaleiro são encontrados aos montes, sobretudo no interior; o interior será tema do próximo texto. Se o objetivo é morar, estudar ou trabalhar, seu destino é a capital, Dublin. A cidade oferece alguns pontos turísticos como o Trinity College, universidade bem no centro, que abriga o Dublin Experience - apresentação multimídia da história do país, desde os Vikings até os dias de hoje - além de uma bela biblioteca, onde é possível ver o Livro de Kells, manuscrito de 800 d.C. Também encontra-se, ao lado do Parque St. Stephen's Green, a melhor opção pra quem quer paz e silêncio e fugir da confusão do centro. Outros lugares que merecem ser visitados são:

- Fábrica da Guinness, onde, por vários andares, pode-se acompanhar a história e o processo de fabricação do Black Stuff - o passeio custa 10 euros, com direito a 1 pint no pub, que é todo espelhado e no topo de uma chaminé, e oferece uma bela vista da cidade;

- Phoenix Park, maior parque urbano do mundo e reduto dos boleiros nos finais de semana;

- St Patrick's Cathedral, do legendário padroeiro do país, graças a ele em 17 de março há uma das maiores festas do ano em qualquer país de língua inglesa;

Nos arredores da cidade, para um belo dia de caminhada ao ar livre, pegue o DART (trem urbano) sentido norte, pare na estação Howth e faça a trilha em volta da península de mesmo nome, ou sentido sul em direção à Bray, dar um role na praia.

A vida noturna é bem agitada, em qualquer dia da semana, mesmo com os pubs fechando à 1h30 e o pint a 4 ou 5 euros! Para o irlandês, 6 a 10 pints é a média (fora algumas doses de vodka com coca-cola), portanto se quiser acompanhá-los, prepare o engov e agüenta o rombo no orçamento. Aí vão algumas sugestões de pub: Arlington Hotel (tradicional dança e música irlandesa, todo dia às 21h), Mezz (reggae, ao vivo, às quartas), Whelan's e Phantasm (rock), Brussels (hard rock), Odeon e 4 Dame Lane (lounge, dance) e Fitzsimon's ou Turk's Head (pop, Britney, Espirro, Cristina Narguile e outros). Para ver o que está acontecendo, os principais eventos, confiram esse site, www.dublinks.com.

Não só a balada, mas o custo de vida de um modo geral é bem alto em Dublin. Acomodação em casa de família não é uma boa opção porque você vai pagar caro, comer batata com feijão doce e não ter tanta liberdade. A principal vantagem, que seria morar com falantes da língua inglesa, obtem-se dividindo um lugar com outras pessoas, sempre há alguém procurando, é fácil achar, seja apenas cuidadoso na escolha, principalmente se tiver que pagar depósito (uma semana ou um mês adiantado) e assinar contrato, o que ocorre na maioria dos casos. Comece a procurar por isso já no Brasil, aqui vão dois sites bem eficientes (www.daft.ie, www.livinginireland.com) - tenha um bom mapa da cidade ao seu lado pra saber a distância do lugar. Se quiser seu próprio quarto, perto do centro, lá se vai uma pequena fortuna (90 a 140 euros pppw, ou seja, per person per week); quanto mais longe, mais gente e mais velho, mais barato é o barraco (é muito difícil achar algo mais barato que 40 euros pppw). Você pode ainda contatar o Jacob's Inn, hostel perto da Busarass (Rodoviária), eles oferecem um preço semanal de 60 euros (menos de 10 euros por dia é muito barato para um hostel) - o telefone é 00 353 1 8555660, pode ser uma boa de início, te dará um tempo pra procurar algo melhor.

Para comer, espere gastar de 10 a 20 euros por semana, sem regalias e fazendo sua própria comida (supermercados baratos: Tesco, Audi e Lidl). Os produtos de marca própria são bem melhores que os produtos Carrefour, pode comprar tranqüilo. Um lanche simples na rua não sai por menos de 2 euros. Só compre em Spars e Centras em caso de muita necessidade.

Por último, locomover-se em Dublin é muito fácil, a rede de ônibus funciona relativamente bem (o ticket semanal para estudante custa 15,50 euros) e para os lugares ao longo da costa há o DART, o qual já mencionei acima. Agora, a cidade é bem plana e com algumas boas ciclovias, assim bicicleta é uma ótima opção! Tudo bem, a chuva vai te pegar ás vezes, mas em compensação, vai chegar mais rápido e economizar bastante (bicicleta usada, em boas condições, custa entre 40 e 70 euros).

É isso aí pessoal, no próximo contato falarei sobre trabalho em Dublin, dêem uma olhada. Qualquer dúvida, me mandem um e-mail.

Até logo,

Thiago de Sá

 

DUBLIN - PARTE 2

Dublin foi, por muito tempo, uma excelente alternativa para aqueles que queriam aprender inglês, conseguir trabalho facilmente e curtir a proximidade com a Europa sem ter de encarar o custo de vida de Londres. E ainda é! O problema é que ano após ano mais e mais gente percebeu isso - espanhóis, africanos, chineses a agora o pessoal do leste europeu - e essa condição não vai durar muito tempo, principalmente pela chegada de nove novos países da União Européia no dia 1º de Maio (Polônia, Hungria, República Tcheca, Eslováquia, Estônia, Letônia, Lituânia, Malta e Chipre Grego). Os imigrantes destes países já estão vindo, muitos deles com qualificação e bom nível de inglês, sem precisar de visto de trabalho a partir dessa data e igualmente dispostos a receber o mesmo que a gente. Em oito meses em Dublin, conheci mais de 40 poloneses (e menos de 10 brasileiros), só na minha última casa morei com sete - aliás, se conhecer algum, converse sobre moradia barata e emprego, eles são muito ligeiros.

Por toda essa situação, trabalhar ilegalmente não é muito recomendável porque a imigração tem começado a procurar mesmo em setores considerados "seguros" como construção civil e courier. Para trabalhar legalmente há duas opções: pedir o visto de trabalho (work permit) no Consulado Irlandês ou tornar-se estudante. Salvo casos especiais, visto de trabalho não tem sido dado há muito tempo, além do que será necessário apresentar uma carta do empregador mais uma pilha de documentos. Por isso, na minha opinião, a melhor opção seria o visto de estudante que, na teoria, permite trabalhar 20 h por semana, mas na prática quase não há fiscalização (eles estão se ocupando com os ilegais primeiro). Quando pesquisei o preço de escolas de inglês (SET/03) a mais barata que encontrei foi a City College, fica na O'Connell St, preço de 970 euros por 3 meses, 1170 por 6 meses e 1470 por um ano, confira se vale a pena pagar o curso no Brasil ou vir como turista e pagar por aqui e muito cuidado com as escolas "chinatown", certifique-se com a imigração se a escola escolhida é aceita por eles. A não ser que você tenha cara de terrorista ou gagueje nas perguntas óbvias, passar pelo aeroporto é fácil, sobretudo no verão (afinal, você é turista!). Se optar por pagar o curso aqui, aí vai sua via sacra, passo a passo:

Depois de pagar a escola, ela terá que providenciar a abertura de uma conta bancária ou no post office (correio), além de uma carta contendo seu nome CORRETO, confirmando que você é estudante FULL-TIME, do dia tal ao dia tal, a ser apresentada ao GNIB (Garda National Bureau of Imigration, fica na Eden Quay, perto da O'Connell Brigde). Quando for ao GNIB requerer seu visto de estudante tenha em mãos:

passaporte

Carta da escola (FULL-TIME, mané!)

Extrato da conta (um valor mínimo de seguranca seria 600 euros, e um cartão de crédito ajuda)

Comprovante de Residência (caso não tenha contrato, peça uma carta ao hostel ou ao seu landlord - proprietário da casa)

Passagem de volta

 

Por sorte, só me pediram os três primeiros documentos, pois eram os únicos que tinha (até hoje não tenho a passagem de volta muito menos cartão de crédito), já para meu camarada pediram tudo e ainda fizeram cara feia, portanto, não vacile. Assim como para passar no aeroporto, o fundamental é ter o discurso pronto, seja convicto - seu objetivo é estudar inglês, você tem que voltar pro Brasil por alguma razão (acha uma convincente!) e até tentará trabalhar pra ajudar seus pais a te bancarem desde que não canse muito.

Agora você deve estar pensando, Passagem (700) + Escola (1170) + Acomodação no Hostel (240 por um mês) + Comida (80 por mês) + Transporte (30 por mês) = 2300 euros logo de cara!! Se não arrumar um trampo no primeiro mês, dançou!! Então, caso não receba dinheiro dos seus pais, correrá o risco de trabalhar apenas com o visto de turista (ou seja, ilegal) por algumas semanas, talvez seja uma opção, mas não a melhor.

Muito bem, de posse do seu passaporte com o visto de estudante, da carta da escola e do comprovante de residência vá ao Wellfare Social Office da região em que mora e peça seu PPS number (Personal Public Service Number), que é o número de cadastro para pagamento de impostos, entre outras coisas. A maioria dos empregadores vai te pedir o bendito, mas já comece a procurar emprego antes, diga que está na espera (leva de 3 a 20 dias pra chegar). Antes de ir à caça do seu ganha-pão, arranje um número de telefone irlandês para pôr no currículo (isso é fundamental, o ideal seria comprar um celular ou um chip, como a TIM faz no Brasil) - quanto aos CV's, solte sua imaginação e minta à vontade, ninguém vai conferir mesmo, e sua experiência junto com o nível do inglês serão decisivos. Seria legal ter pelo menos três tipos de currículo, por exemplo, uma para waiter/waitress and floor staff (garcom/garconete e coletor de copo), um para attendance (atendimento) e um para kitchen porter/chef (auxiliar de cozinha/chef), que são as vagas mais comumente oferecidas, e pagam de 5 a 8 euros por hora). Limpeza e Babá pagam um pouco melhor, de 7 a 10 euros por hora só que não é tão fácil conseguir porque a maioria das vagas são vinculadas a agências de emprego, que podem pedir o work permit. Não deixe de procurar também na sua própria área, caso tenha (nunca se sabe, por que não?), há uma carência enorme em vários setores, principalmente na área da saúde e assistência social. Construção civil paga muito bem e também há vagas, se quiser tentar via agência ou nas próprias empreiteiras, terá que mentir que tem o visto de trabalho e realizar um curso chamado Safe Pass, oferecido por muitos locais, custa no mínimo 100 euros. A outra opção é ir a obras bem menores e perguntar diretamente - essa estratégia, aliás, deve ser aplicada a todo o momento, não deixe de perguntar em todo lugar se há trabalho, seja feira, posto de gasolina, obra, pergunte sempre! Existem ainda centros de apoio ao desempregado chamado FAS onde qualquer um pode procurar por todo tipo de trabalho no computador, imprimir os dados e ligar de lá mesmo, tudo gratuito.

Procurar emprego é, sem dúvida, a parte mais desgastante da viagem ao exterior, não desista! Bata perna o dia inteiro, procure por cartazes, converse com pessoas, vá à internet, enjoe de ouvir NÃO e reze pra ter a sorte de ouvir um TALVEZ ou SIM, que pode vir em dois dias ou em um mês. No texto passado (Viagem pela Europa - Dublin, parte 1) eu me esqueci de citar como bons lugares para procurar acomodação os murais da USIT e do Trinity College.

É isso ai, o tema do próximo relato será o belíssimo interior do país e o próximo destino será Wales!

Até logo

Thiago de Sá

 

WALES

Ola pessoal,

bom, depois de muito tempo sem escrever sobre a viagem propriamente dita, vamos dar uma geral sobre o que passou ate agora.

Depois de oito meses de muito frio, chuva e trabalhando como um camelo na Irlanda, parti no dia seis de marco rumo a Europa, com a grana que havia economizado. De ferry, minha primeira parada foi o norte de Wales, no Parque Nacional de Snowdonia (e nao poderia ter havido inicio melhor). Montanhas, montanhas e montanhas, vales assustadoramente grandes e lindos e um povo saudavel, tranquilo e feliz - vivendo ali, nao e por menos. Por la, se escuta o Welsh em qualquer lugar, e e impressionante como essa lingua, mais velha que o latim, ainda sobrevive! Caronar e facil, pode-se acampar livremente e ha hostels para todo o lado, um inclusive na saida principal para Snowdon, o maior pico do Reino Unido depois dos Highlanders, na Escocia; subi-lo e relativamente facil e ha tres trajetos principais, vale a pena comecar por um e terminar por outro - no verao, e possivel chegar ao topo de trenzinho - de la de cima deu pra ver a Irlanda!!! Para os mais corajosos, por que nao um banho refrescante nos lagos do degelo? Verdade e que foi uma surpresa muito agradavel descobrir essa parte de Wales, um pais cujas unicas informacoes que tinha antes eram as de que sua capital e Cardiff e sua selecao havia perdido por um a zero pro Brasil nas quartas de final em 58 (gol de Pele, furando uma retranca mais que britanica).

De Snowdonia, segui em direcao a Brecon Beacons, outro parque nacional mais ao centro do pais. Caronar por la foi um sofrimento cristao porque ha uma centena de pequenos vilarejos pelo caminho e o povo de Wales vai se tornando menos e menos amigavel a medida em que se aproxima da Inglaterra (coincidencia?). Brecon Beacons nao e tao belo quanto Snowdonia e a maioria dos pontos que valem a pena serem vistos sao de dificil acesso se voce nao esta de carro. Ainda tomei bronca de um criador de ovelhas por cruzar sua propriedade sem permissao e dei muita sorte de nao pegar neve no topo do morro. E que neve, mais de um palmo!!!! Foi a primeira vez que vi tudo branquinho pela janela. Se voce quiser ir passar por la, o vilarejo de Talybont-on-Usk e uma excelente opcao. Como ja estava cansado de caronar em Wales, desisti de Cardiff e fui direto a Londres - e se nao fosse a tempestade feia que caia, o Michael, um carona gente finissima, me levaria ate Stonehenge, pois fica no trajeto. So pra constar, caronar tem seus riscos e dificuldades mas e um barato, uma forma de conhecer o lugar da boca de um nativo, de conversar com a gente, vale muito o esforco, alem disso, onde mais eu ouviria um senhor de 65 anos recitar um poema em Welsh com lagrimas nos olhos?. Sentimentalismos a parte, pela noite, debaixo de uma chuva, chego em Londres a procura de acomodacao, o resultado disso e mais um pouco conto logo.

Se alguem tiver alguma duvida sobre os lugares por onde passei ou quiser saber informacoes mais detalhadas (clima, precos, acomodacao...), nao deixem de me perguntar atraves do topico ok?

Um abraco e ate logo

Thiago de Sa

 

LONDRES/BARCELONA

Depois de descobrir Wales, caronar na neve e cair de paraquedas em Londres, no meio da chuva, seria a hora de conhecer a cidade da Velha. Em Londres, bati o cartao de turista, visitei todos os monumentos e torres e pontes e museus e palacios... o Museu de Historia Natural e maluco! Foram dez dias e ainda deixei coisas por fazer.

A cidade tem brasileiros demais, nao fiquei um unico dia sem cruzar com um na rua e isso ate que por um lado foi bom porque, atraves de um deles, Fabricio, descolei um quarto pra alugar e economizei uma grana (seria muito mais caro em um hostel) - um abraco aos camaradas da casa, Jao, Nenem, Fabio, Junin, Gaucho e o Grande Ubiratan, la enjoei de dar risada e me diverti muito. Uma atracao barata e legal e visitar o interior da Tower Brigde, por tres euros, voce vai ao topo, cruza de uma torre a outra, conhece mais sobre sua construcao e acaba na casa de maquinas, valeu a pena; acompanhar alguma discussao no Parlamento e ver o por-do-sol da London Eye tambem nao pode deixar de ser feito.

De Londres, marchei rumo a Barcelona. Essa sim e a mais bonita das metropoles que ja vi na vida, uma qualidade de vida de dar inveja, apesar do povo catalao ser um pouco fechado, o que nao percebi tanto por estar na casa de uma amiga que conheci em Dublin. Visitei muitas das obras do Gaudi como a Pedreira, o Parque Guell com seu lagartao e a Sagrada Familia, uma igreja de beleza imponente e que vem sendo construida ha muito tempo. O Gaudi era mesmo um sujeito imaginativo e competente. Dai, um passeio pelas Ramblas, vinho, tapas... e aqui vale uma consideracao importante: se voce quiser comer uma tapa de qualidade e um vinho da casa campeao va ao Rincon de Galicia, ao lado do Arco do Triunfo (nao, nao errei de cidade, ha um em Barcelona tambem), nao sei se e o buteco mais barato mas e o mais gostoso! Pela capital catala, a dica e perder-se, ande por todos os cantos, descubra igrejas goticas, bodegas agradaveis, vistas e caminhos pelo bairro de Barceloneta e, se tiver sorte, va ver um jogo do Barca. Enquanto estive por la, o time grena pegou o Celtic pela Copa da UEFA e ai pude compreender melhor porque a Espanha significa paraiso para os irlandeses - havia uma legiao deles e de escoceses comprando alcool pela metade do preco que pagariam em casa, bebendo ao ar livre o dia todo sem se preocupar com a policia, o sol queimando suas canelas brancas (e olha que fazia menos de 15 graus), caindo e vomitando por todas as pracas, uma beleza!!!! Depois de assistir esse espetaculo lamentavel e de mais alguns dias preguicosos, comendo comida caseira, hora de cair na estrada de novo e baixar em Granada... foi um caminho longo... conto essa parte daqui a pouco.

Um abraco

Thiago de Sa

 

GRANADA

Ainda na rotina preguicosa de Barcelona, acordei super tarde e apanhei pra encontrar a saida correta da cidade para ir a Andaluzia, a melhor ajuda que tive foi de um casal de velhinhos que queriam por toda lei que eu fosse de trem. Resultado, peguei a primeira carona ao meio-dia e, dessa vez, nao deu. Mesmo com a forca do Jose, caminhoneiro figuraca das Cervejarias Damn, que me levou por mais de 500 Km (de Barcelona a Granada sao mais de 1000 Km!), tive que armar a barraca numa parada de caminhoes e dormir com o ronco dos motores. Na manha seguinte, cheguei em Santa Fe - vilarejo proximo de Granada - com a Sarah, uma alema que passaria por la pra buscar os filhos numa comunidade de viajantes, passavam as ferias com o pai. Nessa comunidade, que basicamente eram caravanas e vans estacionadas em um campo de oliveiras, ao lado de uma fonte de agua quente, pude conhecer um pouco melhor esse estilo de vida que me pareceu bonito mas um tanto vazio - nao posso dizer muito, porem, afinal fiquei la so algumas horas. O fato e que depois de um dia e meio de uma viagem dura, relaxar nas termas por um tempao me deu aquela sensacao de felicidade por estar vivo e paz, sorrir apenas porque tomava um banho. Enfim, Granada!!!! Lugarzinho bom pra nao fazer nada e esse, muito bonito, muito tranquilo, seus bairros de casas todas brancas, tipicas da Andaluzia, os becos e ruelas (voce vai se perder entre eles, pode ter certeza...), tudo la e um convite para a boa vida. Em Granada, se voce pede uma bebida, mesmo que seja refri, te servem uma tapa (fala serio!), comi como um cavalo o dia todo e experimentei todas as sangrias da cidade, cheguei ate a improvisar "una sangria brasileña", com o auxilio do Edgar, um mexicano camarada que conheci por ai e que sabia menos que eu como preparar o troco. Alhambra e demais, uma fortaleza de arquitetura moura, do tempo da invasao muculmana, imponente, no alto do morro, com vista para toda a cidade - sao varios os predios que compoem o complexo de Alhambra, alem dos jardins externos - a entrada doi no bolso (dez euros) mas vale a pena. Quase no final da cidade, depois do bairro de Albaicin, existe um grupo de pessoas que, por opcao ou falta de dinheiro, vivem em covas, pequenas cavernas sem nenhum saneamento basico mas com muita historia pra contar, nao se prive de passear por la tambem.

Granada e cercada pelas Alpujarras, montanhas que ficam no principio da Sierra Nevada, e que protegiam a cidade em tempos antigos, e um destino interessante. Eu achei que minha cota de montanha ja estava alta depois de Wales e decidi ficar pela praca mesmo, sob o sol, vendo o dia passar, "estuve mui bien"...

De Granada, chegou a hora de pegar uma praia!!! O destino foi a famosa Costa do Sol, litoral sul da Espanha, e a cidade, Almuñecar. La, segui o mesmo roteiro de Granada, ou seja, comi, dormi e relaxei ao ar livre. A praia e de areia grossa, cheia de pedregulhos e o mar e muito gelado, foi um pouco decepcionante tendo em conta a fama do lugar - o negocio e que praia de verdade se encontra no Brasil, Caribe, Polinesia... na Europa, apenas nas Ilhas Gregas - mesmo assim foi o maximo voltar a nadar no mar, entre os corais, e sentir o sol queimando minha pele, depois de tanto tempo. Em Almuñecar, assim como em todas as cidades da costa sul da Espanha e de Portugal, existe o fenomeno da migracao de adultos de meia idade, provenientes de paises mais ricos, como Inglaterra e Alemanha, que decidem viver sua velhice num ambiente mais tranquilo. Isso causa um impacto social enorme, dos precos nos supermercados a paisagem das cidades, por onde pipocam construcoes de edificios de luxo. Fato e que enquanto alguns moradores locais agradecem a retomada das ofertas de emprego, outros reclamam da descaracterizacao das cidades e alta dos precos. De volta a viagem, parti de Almuñecar rumo a Algeciras, onde pegaria o ferry para Marrocos, e tudo ia muito bem ate que uma tia me deixou em uma saida da Autopista, logo ao lado do pedagio, que vacilo! (nos paises europeus normalmente ha as Autopistas, ou Speedways, por onde nao se pode caronar, e as Rodovias Nacionais). Resultado, fui barrado pela senhora do pedagio na volta, o que me deixou duas opcoes: pular a cerca da Autopista ou caminhar 5 Km ate a Nacional. Logico que escolhi a primeira, logico que a cerca era particular e o dono um agicultor turrao e mais logico ainda e que, nesse exato momento, uma viatura passava pelo local, meu passaporte foi checado de cima a baixo e ainda tive que ouvir essa do Milico, "sabe o que passa, a gente por aqui esta meio paranoica, essa onde de terrorismo...". Fala serio, o vilarejo nao devia ter 200 pessoas! Enfim, depois de 5 km suados, peguei um onibus ate Algeciras e com mais algumas horas no ferry, tao veloz quanto uma canoa, UFA, Bem Vindo a Marrocos!

 

MARROCOS

A chegada em Marrocos foi cansativa mas tambem um alivio, isso porque apesar de brasileiros nao necessitarem visto, os oficiais de fronteira adoram complicar nossa vida. O pais atiçava minha curiosidade, uma cultura nao-ocidental, primeiro contato direto com o Islamismo, comidas a musicas distintas, porta de entrada da Africa, lugar de um povo amigavel, hospitaleiro, forte e esperto, muuuuito esperto. Tenha certeza, uma vez em Marrocos, voce sera roubado, e quase sempre nao usarao nenhuma outra arma a nao ser a mais poderosa, a palavra! No meu caso, me passaram a perna logo na entrada, fazendo-me pegar um grand taxi sozinho, tive de pagar quase quatro vezes o preco habitual. Antes de prosseguir, aqui vale uma explicacao: o taxi, diferentemente do que ocorre no Brasil, e acessivel a todos e de papel importante na rede de transporte. Existem dois tipos, o petit taxi, que atuam dentro das cidades, e o grand taxi, uns Mercedoes 340 que, alem do motorista, levam duas pessoas na frente e quatro atras, utilizado para longas distancias. Logo, para os marinheiros de primeira viagem, se voce pega um grand taxi sozinho vai ter de pagar por todas as outras pessoas, mane!

Primeira parada, Tangier, a perola do Oriente, no extremo norte do pais, desde muito tempo encanta os europeus por seu exotismo e proximidade, muitos decidiram viver por la. Hoje, a cidade e totalmente dependente do turismo e do trafico de drogas e imigrantres ilegais para a Espanha. Em Tangier, tive o primeiro contato com pratos tipicos (como os Tagines e o Cuscuz, alem de paes deliciosos, hummm!) e com a musica Gnaoua, manifestacao de uma minoria religiosa diferente do Islamismo, por muito tempo proibida. Tem suas origens semelhantes com o nosso Candomble, pois tambem foi trazida por escravos da Africa Sub-Saariana. Fui assistir a um show-jantar Gnaoua no interior da Medina, incrivel!!! Nao deixe de ir, so tome cuidado com os espertalhoes que tentam te vender gato por lebre. Toda cidade marroquina e dividida em Medina, parte antiga de antes da colonizacao francesa, e Ville Nouvelle, regiao mais nova e bem mais cara, dos restaurante a acomodacao. A primeira e sempre um espetaculo a parte, onde a vida da cidade se manifesta, gente se empurrando por ruazinhas estreitas (faz lembrar Granada), mercados, galinhas, vendedores ambulantes, criancas, suco de laranja, um caos muito bem organizado. Em toda a viagem por Marrocos tive a grande vantagem de me parecer com o povo, uma vez sem a mochila e de bico calado, pude caminhar por todos os lugares com tranquilidade, sem gente ao meu lado tentando vender coisas ou servir-se de guia, e algo que as vezes cansa porque acontece o tempo todo onde quer que voce va. Era divertidissimo ver a gente falando arabe comigo, alguns nao entendiam que eu era turista e chegavam a pensar que eu era mudo. Em Tangier, conheci, atraves de amigos franceses, uma das figuras mais pitorescas de toda a viagem ate agora, Marmoud, um arabe gay, estilista e operador de telemarketing da Telefonica, quando descobriu que eu era brasileiro disparou a cantar 'hilarilarie, O, O, O, e a turma da Xuxa que vai dando seu alo', sabia a letra de cor, figuraca!!

Minha ultima parada em Tangier foi uma associacao chamada Darna, que auxilia menores de rua e mulheres. E um contrasenso mas as mulheres sofrem muito mais de abusos em Tangier, que esta proxima da Europa e repleta de estrangeiros, que em outras cidades como Casablanca ou Marrakesh. No caso dos meninos de rua, e muito complicado viver uma vida de cao vendo todos os dias, ali do outro lado da praia, a menos de quinze quilometros, o 'paraiso' chamado Espanha, e muitos tentam cruzar a fronteira metendo-se nos eixos, entre as rodas dos caminhoes - os que nao morrem no caminho acabam na criminalidade em Madri, Barcelona...

Problemas sociais a parte, de volta a viagem. Minha ideia inicial era descer ate Marrakesh e dai ir para a costa, visitar Essaouira e Agadir mas depois de uma visita decepcionante a Asilah (praia a 40 km de Tangier) e da lembranca do litoral espanhol (praia mesmo e no Brasil, Caribe...) mudei radicalmente os planos. No trem noturno de Tangier a Marrakesh decidi que o negocio era ir para o centro do pais, ver os Gorges, a cultura Berber e o deserto.

Em Marrakesh, depois de uma noite de muito baralho e pouco sono na companhia de quatro mochileiros americanos, foi a vez de conhecer o famoso mercado local, com suas especiarias e encantadores de serpente. A cor vermelha das casas e o sol sempre presente esquentam as cucas dos viajantes de todo o mundo e o mercado de Marrakesh se converte em ponto de encontro das diferentes culturas e povos que habitam o pais, os arabes do norte, de Fes e do sul, os Berbers dos Atlas, das montanhas Rifs, dos desertos de Merzouga e Saara, o povo costeiro, todos se juntam nesse lugar magico, de vida milenar, para vender seus produtos, dancar suas dancas, contar sua fabulas e encantar quem passa por ali. No cair da tarde a praca se agita num ritmo frenetico, tudo acontecendo ao mesmo tempo, serpentes bailam ao som das flautas, um contador de historias, com suas caras e bocas, fascina ate quem nao entende uma palavra do que diz, um matematico escreve no chao com giz e desafia a todos encontrar a solucao, pessoas assistem das varandas, regadas a cha de menta e musica, a fumaca das barracas de comida toma conta, kafta, cabeca de cabra, brochette, caramujos no vapor, mais cha, mais musica, cheiro de cumim e temperos orientais, couros, panos, vidros, vida, muita vida. Dormi no terraco de um hotel, de cara com as estrelas e torcendo pra nao chover, muito bom! Bem cedinho, acordei com a oracao isla (a primeira de cinco que todos os dias sao entoadas do alto das mesquitas) e fui fazer algumas compras. Ta em Marrocos? Pechinche! Pra tudo! Um veu por 30 dirhams, com um pouco de paciencia, se transformou em tres veus por 45 dirhams, curioso. Esta e a moeda oficial do pais, a cotacao e de 10,7 Dh para cada Euro (quase 3Dh para cada Real).

Caminhar pela cidade e bem interessante, ha muito o que ver, alguns belos edificios de arquitetura arabe e parques com jardins bem cuidados. Sabia que e possivel esquiar em Marrakesh??? Para mim foi surpreendente mas ha uma estacao de esqui no topo da cadeia de montanhas Atlas bem proximo a cidade, e uma opcao barata e no minimo original para os que gostam desse tipo de esporte. Atracoes que deixei para uma proxima oportunidade: visitar as cascatas do Zud e escalar o Jebel Toubkal, uma pena... esse negocio de ter so uma vida e complicado.

Finalmente, depois de mais um suquinho de laranja natural (estava com muita saudade disso...), chegou a hora de partir rumo ao interior do pais, literalmente pra la de Marrakesh!

 

 

MARROCOS - PARTE 2

Foi pouquíssimo tempo em Marrakesh e a vontade de voltar e grande. A rodoviária da cidade e tao caotica quanto qualquer coisa em Marrocos, pra comecar os guiches sao relativos aos destinos e nao as empresas - seria como se houvesse um guiche "Goiania" que vendesse bilhetes de todas as companhias - ha gente por todo lado, alguns turistas em direcao ao litoral, muitos Berberes em direcao ao interior, e todos os onibus se enroscando na disputa por cada metro quadrado.

No guiche de Essaouira, tive um papo muito bacana com o vendedor de bilhetes. Conversamos sobre o turismo no pais, de que forma a dependencia pelo dinheiro dos visitantes afeta a vida do povo, desenvolve uma economia altamente especulativa e cria muitas mentes corruptas, todos na busca por mais uma moedinha de euro. Era um rapaz alto e magro, dos poucos que falavam ingles por la, eu nao me lembro seu nome... mas ele tambem nao se lembra do meu, entao ficamos por isso mesmo.

As nove horas de uma manha ensolarada e poeirenta embarco rumo a Ouarzazate, na viacao mais barata. O onibus era uma gaiola. Antes de entrar, porem, tem sempre aquele sujeito super prestativo querendo te ajudar a guardar sua mochila no bagageiro, so que nessa eu ja estava escolado e sabia que iria me custar uns 10 Dh. Nada feito. Ja eram quase dez horas quando, finalmente, comeca a viagem, nao pelo trafico, mas sim pelas pessoas catadas pelo caminho - so pra sair da rodoviaria foi quase meia hora! - e eu, de havaianas, comendo poeira e suando como um porco, achei tudo isso muito bom, demais!!

A viagem de Marrakesh a Ouarzazate e desgastante e simplesmente maravilhosa. A paisagem seca e vermelha das montanhas, que parecem se esfarelar como torroes de açucar, contrastam com a neve eterna no topo da cadeia Atlas. O sol forte e onipresente toma o espaço onde deveria haver casas, gente, vida, coisas raras de se ver por ali. Os berberes, primeiro povo de Marrocos, povoam as montanhas e o interior do pais, os desertos e as dunas, regioes inospitas como esse caminho, a margem, enquanto os arabes se concentram nas principais cidades, reflexos de guerras antigas, coisas da historia (qualquer semelhança com nossos morros e favelas e mera coincidencia...) A rodovia era tao sinuosa que parece entortar o mundo e em cada curva o motorista buzinava para comunicar a nossa presença, precauçao mais que necessaria diante da largura - ou estreiteza - da pista, depois de algumas horas de fortes emoçoes chegamos em Ouarzazate, a "Hollywood do Deserto"!

A cidade recebe esse titulo porque abriga um grande estúdio de cinema no qual muitos filmes americanos foram rodados, como Lawrence das Arabias, por exemplo. Alem disso, possui alguns Kasbahs, que sao palacios reais antigos. O problema e que para visitar qualquer uma das duas opçoes voce tera que pegar o bom e velho Grand Taxi e, como so turista visita esses locais, os preços sao tabelados nas alturas. No mais, a cidade nao tem nada de especial apesar do povo ser bem gentil, e o unico fato digno de nota foi, apos ter pedido o Guia emprestado para um turista austriaco, descobrir que a 50km dali, na minha direçao, havia o Vale das Rosas e que nessa epoca do ano esta totalmente florido! Nao bastasse a decepçao, ainda levei uma cantada do austriaco gay, fala serio!! Desvantagens de nao ter um guia.

Depois de Ouarzazate, estava ansioso para encontrar algo interessante no meu caminho em direçao ao Deserto de Merzouga, ja na fronteira com a Argelia. Logo cedo, deixei a cidade rumo a Tinhir, na metade do caminho, para visitar o Gorge do Todra. Os Gorges sao formaçoes rochosas que se estendem por muitos metros acima do chao formando corredores e canions, tambem de cor muito vermelha, alem dos de Tinhir, ha ainda os Gorges do Dades, algumas cidades antes. Tinhir, alias, e uma cidade tipica daquela regiao, se desenvolve em torno de um vale de palmeiras, sinal de respeito a uma das raras fontes de agua e subsistencia em muitos quilometros, a cidade e totalmente dependente da agricultura e, agora, dos turistas.

Conhecer os paredoes do Todra, caminhar por aquela paisagem lunar e admirar as diferentes plantas e pessoas que vivem por la, como a rosa verde de varias pontas ou pastor de ovelhas que conduz seu rebanho sozinho morro acima, foi uma experiencia muito interessante, valeu mesmo. Sem falar que, no caminho, joguei futebol duas vezes. O curioso e que fui convidado pra jogar em arabe, aceitei em portugues e todo mundo se entendeu perfeitamente. No outro dia, ao lado de François, frances que conheci no onibus, e Mustafa, berbere, companheiro inseparavel de seu cachimbo com kif, fui conhecer o interior do Vale das Palmeiras, um lugar fantastico, pleno em vida, os passaros cantam por todos os lados, os burricos relincham em sinfonia e as pessoas, todos, homens, mulheres e crianças num trabalho duro para aproveitar cada gota de agua, com a construçao de diques e canais, arar a terra, plantar milho, figos, menta (eu nunca tinha visto uma plantação de menta) e rezar para que a chuva venha... e venha apenas o suficiente... e venha no momento certo. Uma dessas pessoas foi uma das mais lindas criaturas que conheci em toda minha viagem, Mohammed. Esse marroquino de sorriso facil, pele castigada pelo sol e olhar vago, tipico dos que sofrem muito por toda a vida, era doce e querido por todos, logo que chegamos fomos convidados por ele para comer no prato de sua propria familia o cuscuz mais delicioso que eu experimentei em Marrocos. Quando nos convidou para ir a sua casa, por um momento temi que isso fosse mais um truque para arrancar dinheiro de turistas. Não dessa vez. Mohammed nos mostrou sua destilaria caseira, de onde extraia alcool de figos e de datt, o fruto da palmeira, ambos deliciosos! Conhecemos sua família, tomamos cha, ouvimos musica berbere e nos impressionamos com a habilidade que aquele homem sem um braço tinha de enrolar seu cigarro. Quando Mohammed contou como ele perdeu seu braço por conta de um estupido erro medico, seus olhos cairam no vazio e por alguns segundos seu sorriso deixou de brilhar. Voce perde um braço que custa metade do que sua familia come, sacrifica sua mulher e filhos a um trabalho ainda mais duro, mesmo que se esforce para dar tudo de si, para ser o mesmo de antes, mas nao e, por conta da negligencia e ignorancia de quem deveria curar e tudo isso te custa apenas alguns segundos de sorriso...

Chega de tristeza! Depois, eu, Mustafa, Francois e Mohammed fomos a Tinhir conhecer melhor a cidade, comer mais um tagine e jogar muita conversa fora. Mustafa me deu bronca por comer com a mao esquerda (e dificil ser canhoto em paises muçulmanos), Mohammed deu risada e François deu cria porque o seu Olimpique de Marseille perdia a partida na TV. Esse lugar e essa gente deixaram saudade.

Proxima parada, Esperança! Ops, nao era isso. Proxima parada, Merzouga e suas dunas, camelos, tuaregs, enfim, o deserto!

 

 

MARROCOS - PARTE 3

Assim como de Marrakesh, sair de Tinhir foi uma dureza! Como o único ônibus em direção ao interior partia as oito da manhã, tive de acordar bem cedo pra pegar um grand táxi, pois meu camping ficava entre os Gorges e a cidade (Camping Le Lac, vale a pena!). O problema e que todos os carros que passavam iam na direção dos Gorges, atração turística, e os que voltavam já estavam todos lotados. Depois de muita espera e apreensão, percebi que a única maneira seria mesmo ir ate os Gorges, pra daí, finalmente, pegar outro táxi ate o ônibus. Já dentro do táxi, roendo unha e contando os segundos !!aleluia!! chego no exato momento em que o ônibus passava pela parada de táxi, agora e só acenar e embarcar, certo? Nada disso, o motorista me cumprimenta, sorri e a gaiola passa reto! Fala sério, depois de todo esse esforço! Com a voz mais calma do mundo, a sábia explicação de Mustafá me conforta, "meu jovem, imagine o que seria do ônibus se ele parasse bem em frente aos táxis e roubasse um cliente, ainda mais um turista...". Resultado: tive de pingar de grand táxi em grand táxi ate alcançar a gaiola do motorista sorridente e rumar para Erfoud, final da rodovia, de onde se pega qualquer meio de transporte "alternativo" - desde a van branca, fedida e cheia de moscas por 15Dh até um Land Rover 4x4 - para cruzar 30Km de uma imensidão poeirenta, solene, e ver, enfim, as curvas douradas das dunas de Merzouga, enfim, o deserto!

Apesar de já fazer parte do complexo do Saara e de possuir altas dunas, Merzouga é um deserto relativamente pequeno. Do alto, é possível ver o seu final, a poucos quilômetros da fronteira com a Argélia, fronteira essa que há muito tempo está fechada, uma região nada amistosa e recheada de minas terrestres! (portanto, aventureiros de plantão, nada de "expedições" por ali , certo?).

Aprender como montar um camelo, receber um turbante azul, água, muita água, e já é hora de partir, fazer do céu de estrelas um teto iluminado, da areia fofa um colchão de plumas, do sol o meu bom-dia (e que bom-dia lindo!), que calor, o nascer dessa criatura brilhante só não é mais belo que seu até-logo, visto lá de cima, do mais longo fio de cabelo do gigante de areia, a cor quente que queima a cara de quem se atreve admirá-lo feito bobo invade todos os cantos daquele exército de gigantes que não se cansam de caminhar por toda a vida, como errantes, por capricho da brisa, que sopra e abençoa, ao som dos sinos do Senhor, o meu sono, os meus sonhos. Obrigado aos Tuaregs pela comida e morada e ao Artista, criador do deserto de Merzouga.

No dia seguinte, de carona com um grupo de franceses, sigo rumo a Errachidia, onde peguei um ônibus noturno até Fes, a Cidade Imperial, primeira capital do Marrocos. Viajar todo esse tempo sozinho e sem contato com minha própria língua me fez divagar muito, dos mais complexos aos mais tontos raciocínios. Um deles diz respeito aos camelos - como são simpáticos aqueles bichões! De piercing no nariz, almofadinhas nos pés, mascando chiclete e sempre com aquela cara de "e aí, maluco, beleza?", são um show à parte. Tenho saudades da Ruth, minha camela tagarela e sentimental. Um dia, quem sabe, irei revê-la.

Fes foi um pouco decepcionante - a cidade, tida por muitos como visita obrigatória, é famosa por abrigar muitos palácios e edifícios antigos além de possuir a maior medina de Marrocos (medina = parte antiga). O problema é que nas mais belas e importantes construções o acesso é restrito e, além disso, caminhar pela medina sem topar com um tubarão é quase impossível, há dezenas de "guias", "casas de família por um preço amigo", "chocolate divertido" e todo tipo de corrupção que torna uma simples caminhada realmente desagradável. Tão desagradável que não pensei duas vezes em aceitar o conselho de um senhor super simpático e apaixonado por futebol, que numa conversa descontraída me sugeriu visitar o vilarejo de Moulay Yacoub, a 20 Km de Fes, famoso por suas águas quentes e medicinais, sagradas para o povo do país. A atmosfera de Moulay Yacoub é muito aconchegante com seu clima montanhoso e suas poucas ruas e escadarias. No hamam do vilarejo (hamam = banho público), aberto inclusive para turistas (7 Dh), passei boas horas num banho quente e relaxante, com direito a massagem (50 Dh) e companhia de pessoas de todo o país que buscam ali uma cura pela água ou apenas paz, produto em falta no mercado das grandes cidades, como Fes, por exemplo. Foi curioso perceber como as pessoas do Marrocos preocupam-se com a higiene do próprio corpo, algo diretamente associado com a religião islâmica (alguns afegães que conheci, por exemplo, banhavam-se cinco vezes ao dia, sempre antes de cada oração) mas também associado à cultura Berbere, de antes da invasão muçulmana. Ainda no hamam, ocorreu-me um episódio estranho: ali, assim como em outros lugares turísticos, havia fotógrafos com máquinas polaroids, na busca por clientes. Um deles tentou insistentemente me convencer a tirar uma foto até que, diante da minha recusa, tirou-a assim mesmo e criou um escândalo, na tentativa de me forçar a pagar pela foto na base da coação, aproveitando o fato de eu ser um turista. Resultado: lá vão os dois pra Delegacia, onde nenhuma alma viva falava outra língua ocidental além do francês! Só escapei do malandro graças a Rachida e Saad, casal que conheci no táxi de Fes para Moulay Yacoub e que estava na mesma pensão que eu. Por sorte, Rachida também era policial e resolveu tudo rapidamente. Fica aí o recado, pessoal, este tipo de fato não é comum, mas pode acontecer, por isso, se você vai ao Marrocos, esteja preparado.

Ainda na companhia do meu casal salvador, deixo as águas sagradas e com elas o interior do país. Depois de muitos dias intensos, descobertas e alegrias, sustos e muita, muita poeira, parto para minha última semana no Marrocos, já pensando na volta ao continente europeu... assunto para o nosso próximo texto, até logo!

 

 

 

 

 

MARROCOS - FINAL, VOLTA À ESPANHA

 

Rachida e Saad são um casal marroquino no mínimo diferente. Pra começar, ela é policial civil, usa as roupas que quer e tem liberdade para conversar com quem quiser, inclusive homens, mesmo na ausência do marido. Saad é carinhoso, beijoqueiro e brincalhão, não se priva de abraçá-la e beijá-la mesmo na presença de todos. Ambos são uma companhia muito agradável, porque são felizes, se respeitam e se adoram. Não são melhores nem piores. São, com certeza, um casal mais que amável. Segui com eles até Larache, minha próxima parada, enquanto os dois continuaram o caminho de volta pra casa, em Tangier.

Larache, a mais visitada das praias do norte, não é tão dependente do turismo como Asilah, outra praia dessa região, e apresenta visuais muito bonitos do atlântico, com praias bem abertas, de mar revolto. Essas praias, porém, ficam a alguns quilômetros da cidade e muitas vezes o acesso não é nada fácil. Ainda em Larache, meio sem ter o que fazer, decidi visitar as ruínas antigas da cidade, da época em que era chamada de Lix e funcionava como entreposto fenício. Vocês se lembram dos fenícios, lá da oitava série? Pois é, esse povo marítimo e mercante, exímios matemáticos e criadores do "pai" do nosso alfabeto, possuía paradas estratégicas ao longo da costa africana. E, por conta deles, Lix foi a primeira cidade do Marrocos, no século XIII antes de Cristo. Só pra se ter uma idéia de como as coisas mudam com o tempo, era em Lix que os barcos atracavam e descarregavam os produtos que seriam escoados para outras regiões. Hoje as ruínas descansam no topo de um morro, a mais de dois quilômetros do mar! Caminhar pelo anfiteatro, ruas e casas, tentar imaginar como era a vida naqueles tempos foi bem divertido. Toda essa aula de história foi dada por Mustafá, o segurança do local que, com seus mais de sessenta anos, relembra essas palavras ainda dos tempos em que seu avô cumpria a mesma função que hoje é sua, e me encanta também, num espanhol quase perfeito, com histórias dos seus tempos de infância, brincando nas ruínas, ou de causos de turistas das mais diferentes partes do mundo, dos quais aprende um pouquinho de lugares que nunca foi nem irá. Mustafá sabe oito idiomas, mais que os dentes de sua boca.

Ainda com o cheiro de sal no corpo, lembrança de Larache, parto para a última cidade antes de regressar a Tangier: Chefchaouen, a capital das Montanhas Rif. Chaouen, como é chamada pelos marroquinos, fica encravada no meio de paredões rochosos, verdes e com alguns desfiladeiros de pedra, famosa pela inteligência dos seus nativos (muitos ministros e estudiosos do país nasceram por lá), por sua beleza e por ser o reduto de jovens espanhóis ávidos por um "porrito" de qualidade. Durante as férias há uma invasão de turistas na cidade, isso porque boa parte da maconha produzida no Marrocos é cultivada em lavouras por entre as montanhas, que vai abastecer tanto o apetite dos turistas quanto de quase todo o mercado europeu, tendo como porta de entrada a Espanha, e como porta de saída, Tangier.

Deixando o Mercado Internacional de lado, Chaouen é repleta de trilhas e paisagens estonteantes - sobretudo depois de vários dias pelo árido interior - com suas casinhas brancas de portas azuis e sua praça, no alto da medina, sempre agitada. Foi na praça que encontrei mais uma dessas figuras pitorescas da viagem, um japonês que tinha pretensões de circundar o Mar Mediterrâneo por terra. Após percorrer a parte européia legalmente e a maioria dos países africanos subornando os fiscais de fronteira, viu sua estratégia fracassar na Líbia, país rico em petróleo, onde os funcionários públicos recebem bem o suficiente pra não aceitarem expedientes como esse. Resultado: como a fronteira da Argélia com o Marrocos está fechada e no Chade eclodiu uma guerra civil, ele teve que refazer todo o caminho de volta, mais de 10.000 Km, passando por Níger, Mali, Guiné, Senegal, Mauritânia, Saara Ocidental até empacar, com 20 Dh no bolso, em Chaouen.

Na minha última noite em Chaouen assisti a um show de tambores, comi peixe, que é mais barato ali do que no litoral e dormi numa espelunca. Não fiquei em Chaouen pra ver o final do japonês, tive que seguir meu próprio caminho, a despedida desse país encantador, diferente, cheio de surpresas e cultura, poeira e camelos, povo alegre e esperto, e vida, muita vida.

Mais uma passada em Tangier para me despedir dos amigos Rachida e Saad, Laila, meu anjo da guarda de plantão, obrigado por tudo, e Christophe, que me hospedou em sua casa por tempo indeterminado, hora de voltar a Europa. Dessa vez, decidi pegar o ferry até Tarifa, o ponto mais sul do território espanhol, por isso mais próximo de Portugal que Algeciras. A viagem de volta seria beeeemmmm mais rápida que a de ida, tanto pela distancia quanto pela velocidade do barco! Por segurança, compro minha passagem logo cedo e sou o primeiro da fila para embarcar, tranqüilo, apenas aguardando o fiscal de fronteira. Quando o bendito chega, !!BOMBA!!, minha calma vai pro espaço, não posso entrar, "por quê, meu Deus, por quê?", "Para sair de Marrocos, você precisa ter o passaporte carimbado OUTRA VEZ, e você tem 5 MINUTOS antes que seu barco parta!", "@#$%¨&*!!!", deixo minha mochila no pé do cais e saio em disparada na busca do tal carimbo, chego no guichê, !!SURPRESA!!, a paca responsável não sabe que brasileiros não precisam de visto para entrarem na Espanha, "vai falar com o chefe, garoto!", mais 100 metros rasos, chego no chefe, "só um instante... hum, ham, hein... você vai ter de falar com o chefe...", "mas não é você o chefe?", "não, o chefe está lá na entrada do porto!", que sorte infeliz, com os bofes de fora e as pernas bambas, chego, finalmente, no chefe do chefe, "...hum, ham... só um minuto...", eu já separava o dinheiro do suborno e, certo de que o barco já estava na Espanha, só queria poder ver minha mochila quando voltasse ao cais, "A Embaixada autorizou sua saída, você realmente não necessita de visto", naquele momento, o chefe do chefe acabava de descobrir a América! Estampa no passaporte, desilusão estampada na cara e roxo de tanto correr, nada me faria mais feliz que ter minha mochila comigo. Quer dizer, quase nada. Ao lado da mochila, lá estava a porcaria do barco, com o motor quebrado, esperando por conserto. E eu não sabia se ria ou chorava, "PQP, DEUS E BRASILEIRO, MOCHILEIRO E SABOTADOR DE MOTORES!". Depois desse estresse todo, do mar agitado e do barquinho de papel sacudindo pra todo lado, não deu outra, meu almoço bateu o solo da Espanha antes de mim. Nojento porém verídico. Bem vindo de volta ao velho continente!

 

 

 

PORTUGAL

 

Depois de tanto tempo tentando me virar com as mais diversas línguas - inglês, catalão, espanhol, francês, árabe, berbere! - dizer um simples "por favor, onde fica a rodovia?" foi uma tarefa trabalhosa. Nunca o português foi tão difícil. As palavras mais banais eram esquecidas, as frases se atropelavam sem ritmo nem fluência e precisei de um certo tempo pra me sentir menos retardado. Logo eu, que sempre achei um pouco de frescura daquelas pessoas que se enrolam com o próprio idioma depois de algum tempo de viagem! Em Vila Real de Santo Antonio, assim como em todo o Algarve, o clima estava chuvoso - o que não combina nada com praia - e por isso, depois de caronar um tempo em vão, peguei um ônibus até Lisboa, aproveitando os preços muito mais em conta de Portugal. Lá na capital, ficaria na casa de amigos do Edílson, brazuca nota dez que conheci através do mochileiros.com, pois vivia em Lisboa mas tinha interesse de passar uma temporada em Dublin. Como organização nunca foi o meu forte, me esqueci de guardar com cuidado o papelzinho com seu número e tive de ir a um Internet Café na esperança de encontrar o telefone dele em um dos meus e-mails. O gênio aqui tinha deletado tudo. Sem o número, à noite, mais duro que canela de zagueiro, já começava a procurar áreas verdes no mapa para mais uma noite na barraca até que surgiu o Super Ângelo, carioca, divertido, terceiro melhor levantador do mundo (atrás apenas de Maurício e Ricardinho) que me fez relembrar como é boa a hospitalidade brasileira. Ao Ângelo e sua turma, Manuel, Ricardo, Garçom, um grande abraço!

Lisboa é linda! Uma capital com ares de interior que preserva muito da nossa própria história e reserva boas surpresas a cada bairro. Do centro ao Bairro Alto, passando pela Praça do Rossio, cada vista é um deleite aos olhos, seja de dentro de um tradicional bondinho amarelo seja do alto do Elevador de Santa Justa, obra de Eiffel, o mesmo que assina a mais famosa torre de Paris. Bodegas que lembram muito os botequins do nosso Brasil, com cheiros e comidas, vinhos e temperos, recheiam a paisagem marítima dessa cidade com vocação para ser bela, que ladrilha as fachadas das casas e caminha por ruas e ladeiras com nomes conhecidos, como a Augusta ou a Boa Vista, Praça Fernando Pessoa, Ponte Luis Vaz de Camões. Aqui também há muitos brasileiros, uma comunidade imensa que disputa com os portugueses as oportunidades de emprego e trazem consigo as caipirinhas, feijoadas, forrós e sambas, para a alegria de visitantes como eu. Hoje, ao contrário de antes, Portugal se parece uma extensão do Brasil, com a diferença de que a gente de lá é mais sisuda, menos alegre. Infelizmente, os portugueses me surpreenderam negativamente e a impressão que levo deles é a de pessoas mal-educadas, brutas e inflexíveis. Talvez por isso os brasileiros se dêem tão bem por lá, talvez seja justamente essa a razão de tanta agressividade ou ainda porque beijar mulher de bigode e ser motivo de piada não deve agradar ninguém. Como toda generalização incorre em erro e só fiquei alguns dias no país, pode ser que minha impressão esteja equivocada. Mesmo assim, a cidade é, ao lado de Barcelona, uma das mais belas que visitei até agora.

Finalmente, depois de dois dias, consegui me encontrar com o Edílson que, junto com a turma do Ângelo, me levou para conhecer o Parque da Expo, ao norte da cidade. Ali, muitas construções futuristas, museus, teleférico, de onde se podia ver todo o Pavilhão, churrascaria e um barzinho onde, numa convidativa tarde de sol, de frente pra baía, pude apreciar a brisa do mar, ouvir muitas músicas brasileiras e ver inúmeros casais de velhinhos lisboetas se esbaldarem na dança, "...mais belos porque são de Lisboa...", ao som da música símbolo da cidade. Depois dessa agradável tarde foi a vez de ir a Cascais, parte da Grande Lisboa, conhecer a galera que me hospedaria pelos próximos dias, amigos do Edílson. Na casa de Cascais, mais uma vez me senti feliz por ser brasileiro e fazer parte dessa família de jecas que brigam, fofocam e se adoram. Ao Beto, Rei da feijoada, que com suas histórias me inspirou a comprar um fusca, Charles, "el matador", apurado degustador de bebidas e Alemão, o mestre, futuro governador de Santa Catarina, muito obrigado, sorte, seja lá onde estiverem e churrasco na volta!

Uma rápida passada pelo Mosteiro dos Gerônimos, Torre de Belém e Monumento dos Descobrimentos, hora de me apressar porque Madri não espera, o caminho é longo e o tempo curto. Por que é que eu tive de comprar essa passagem de Madri a Bruxelas? Deixo Lisboa e Cascais pra trás, feliz por ter decidido ir até lá e com vontade de voltar. Última passagem pela Espanha, Madri, o próximo texto chega já, já!

 

Até logo,

 

Thiago de Sa

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ÚLTIMA PASSAGEM PELA ESPANHA - MADRI

 

Desde o momento em que comprei aquela bendita passagem de Madri a Bruxelas pela internet lá em Marrocos, todo o trecho seguinte da viagem ficou mais corrido, e de uma tal forma que me senti esgotado ao final dos dias em Lisboa, por isso, decidi pegar um ônibus noturno de Portugal até Madri, tanto para descansar quanto para aproveitar mais um dia na capital espanhola (o dia que gastaria caronando). Dessa vez, já escaldado, tinha anotado muito bem todos os dados do lugar onde ficaria - a casa de uma amiga do Ricardo, uma belga chamada Maribel - o que não adiantou de nada porque Maribel trabalhava até o fim da tarde. Sem problemas. Deixei a mochila na rodoviária e fui conhecer a cidade.

Fazia apenas um mês e meio que os atentados haviam ocorrido em Madri e isso ainda alterava a fisionomia de todos por la, apesar dos esforços em se levar uma vida normal, em continuar sendo hospitaleiros, gentis, sorridentes. No metrô, um silêncio ensurdecedor, avisos em vão, "cuidado com sua mochila", nada se movia. Parei na Estação de Atocha, para ir ao Museu Reina Sofia. Atocha, principal entroncamento dos trilhos e primeiro alvo dos terroristas, era um grande canteiro de obras, cercada por tapumes, repleta de máquinas e flores, de dores, bilhetes, desenhos de criança e uma chuva que lavava tudo e deixava tudo ainda mais triste. Como, para mim, a curiosidade mórbida dos desastres não ajuda nem constrói, não me ative por ali, fui visitar o Reina Sofia. Com seus elevadores externos e envidraçados, o lugar já começa bonito pelo prédio; lá dentro, obras de Picasso, Miró (sou eu ou todas as obras do Miró são parecidas?), Dalí e algumas poucas de artistas brasileiros. O ponto alto foi ver, frente a frente, ela, Guernica, aquela mesma pintura que ilustrava a capa do meu livro da 5º série e que retrata os horrores do massacre do vilarejo de Guernica, durante a II Guerra Mundial. Saindo do Reina Sofia, segui em direção ao centro, para conhecer otros sítios, como a Plaza Maior e seu prédio de paredes pintadas, as lojas de jamón serrano - o melhor presunto do mundo - e alguns monumentos. No caminho de volta, encontrei um ônibus onde se podia doar sangue para repor os estoques perdidos em decorrência dos atentados. Como há muito tempo não fazia isso (na Irlanda brasileiros não são aceitos como doadores por conta do risco da Doença de Chagas, é mole?), e ainda intrigado com a restrição irlandesa, resolvi tentar. Quando descobriu que eu era brasileiro, a primeira pergunta do doutor espanhol foi: "quantos anos da sua vida você morou na zona rural e em caso afirmativo sob que condições?". Pronto, o risco deste ser urbano que vos fala ter sido beijado por um besouro barbeiro cai para quase zero e só mesmo a ignorância dos cabeções irlandeses para fazê-los recusar o nosso doce néctar, o sangue tupiniquim, capaz de ressuscitar até os mais mortos e explodir os mais fortes corações europeus. Verdade é que nunca recebi tanta atenção numa doação, uma demonstração genuína de carinho, pelo amor a uma cidade coberta de memórias e unida num momento tão difícil. A todas as enfermeiras anônimas, um beijo.

Os nomes das ruas de Madri são dispostos em azulejos e sempre acompanhados de uma pintura relacionada, algo sempre muito delicado, bem feito, às vezes divertido, a cara da cidade. E foi justamente enquanto eu observava os azulejos da Calle de Leon (Rua do Leão) que algo surreal aconteceu. Lá no final da rua, observei um vulto que a primeira vista não me parecia estranho, por um momento vi minha própria imagem, mochila nas costas, roupas velhas, todo molhado e com cara de sonso, e até que a descrição caia como uma luva não fosse eu estar vendo não um espelho mas sim outra pessoa, em carne e osso e gratidão, era ninguém menos que aquele amigo de Huelva que me deu abrigo na hora do aperto! Por pura coincidência, ou presente divino, tive a oportunidade de agradecê-lo mais uma vez e abraçá-lo, antes que nossos caminhos se separassem de novo. Para onde ele ia eu não faço idéia mas tenho certeza que estava no caminho certo (que me perdoe Raul Seixas).

Madri tem muitos encantos, suas ruas, seus prédios e praças, tudo encena um charme aristocrata sem com isso ser pedante. Alamedas, exposições, monumentos, dos lugares pelos quais passei, da central dos Correios aos jardins do Rei Juan Carlos, todos tinham um brilho singular e seria muito difícil escolher o mais belo, a capital espanhola merece ser conhecida com calma e a pé, porque é caminhando que se desenvolve a velocidade ideal para os olhos. Se dentre os lugares escolher um é impossível, é certo que o que Madri tem de mais bonito é seu povo. Os senhores e senhoras bem trajados, de couros e perfumes, sorriso tranqüilo e hospitalidade fora do comum, se embaralhavam nas ruas com uma juventude ativa e bonita, boa de cabeça e decisiva na recuperação da cidade. A demonstração de força que vi naquelas pessoas foi um dos momentos mais emocionantes de toda a viagem. Força de caminhar em paz e feliz, mesmo que nos olhares de cada um se pudesse ver uma dor sem igual, uma revolta muda, a vontade de praguejar, explodir, irar, mas contra quem, contra o quê? É difícil indignar-se contra algo tão vazio quanto a bestialidade humana. Por vezes, alguns se surpreendiam com seus próprios medos e lembranças, e sentavam-se na calçada para chorar, quietinhos, antes de chegar no trabalho. As marcas de dor ainda eram profundas enquanto estive ali, mas o sentimento de vingança contra um inimigo inexistente só seria o caminho para mais miséria, mais tristezas e desespero. Numa noite alegre de bar, depois de já ter tomado algumas e se sentir mais livre dos seus fantasmas, um jovem madrilenho, Raul, que havia perdido um tio no desastre, me disse o seguinte: "o pior, o mais difícil é ter que admitir que todos nós, espanhóis, somos os maiores responsáveis pelo que aconteceu e por isso temos uma parcela de culpa em cada uma das mortes dos nossos vizinhos e parentes. Se alguém aponta uma arma na cabeça de outro decidido a matar e você tem o poder de pará-lo o que deve fazer? Levantar um cartaz e dizer que é contra? Não bastou ser contra o Aznar, não basta ir às ruas contra as decisões do governo que você elegeu e que decide não agir de acordo com os interesses da maioria, é preciso pará-lo e fazer o que é certo!". Uma dura lição que o belo povo de Madri luta para aprender. Uma pena que nem todos os povos do mundo tenham essa grandeza.

 

Aquele forte abraço aos madrilenhos e meu último adeus à Espanha - porém não definitivo - hora de pegar o bendito avião e seguir para Bruxelas, a sede da Organização das Nações Desunidas, onde homens sérios e competentes decidem o futuro do planeta, quem sabe eles não me contratam?

 

Até logo,

 

Thiago de Sá

 

 

BÉLGICA

 

Você já percebeu como a Bélgica é um país bizarro, ausente, quase um fantasma geográfico? Não entendeu? Veja só, comecemos pelas línguas. No país, fala-se o francês, o alemão e o flamengo (e isso lá é nome de idioma?) que é quase um holandês. Ou seja, não existe o idioma belga. Os chocolates do país estão entre os melhores do mundo mas o mundo não sabe muito bem disso porque chocolate bom pra todo mundo é mesmo o suíço... Os queijos belgas em nada devem aos franceses na qualidade e no sabor embora isso seja um segredo que só os franceses conhecem. A economia do país é uma das mais fortes na Europa sendo um dos líderes mundiais em lapidação de diamantes (o quê?) e sede da Interbrew, terceira maior cervejaria do mundo e dona da maior parte do capital da nossa Ambev. Aliás, eu aposto que nenhum beberrão, mesmo os de carteirinha, seria capaz de dizer uma única marca de cerveja belga, mesmo sendo a Bélgica o país com o maior número de cervejas no mundo!

Ainda não se convenceu? Tudo bem. E se eu te disser que essa mesma nação anônima de escondidos permeou toda a sua infância, da escola aos desenhos animados? É uma surpresa atrás da outra! Os Smurfs, aqueles bichinhos azuis que viviam em cogumelos e eram atazanados pelo Gargamel e seu gato Cruel são, pasmem, belgas (lá, recebem o nome de Schtrumpfs!). O detetive Tin Tin, que só conseguia desvendar os crimes graças ao seu astuto cachorro Milu, também é uma criação do mesmo país, e até mesmo o Jordy - aquele pivete que cantava em francês - hit do início dos anos 90, também é cidadão belga. Do Show da Xuxa para os livros de história. A famosa Região de Flandres, berço do capitalismo, e os campos de Waterloo, na qual Napoleão, em posição duvidosa, foi derrotado pela última vez, não ficam na França como poderiam imaginar os mais desavisados, pois fazem parte do solo da Bélgica. Assim como essas, eu poderia me estender por páginas e páginas enumerando todas as contribuições anônimas que essa nação altruísta nos renegou embora prefira encerrar essa lista com uma singela pergunta: você conhece algum belga? Com muito esforço, os amantes da pancadaria se lembrarão de que Jean-Claude Van Dame nasceu ali antes de se naturalizar americano e os fanáticos por futebol ressuscitarão Predoumme, goleiraço, ou ainda Oliveira, melhor jogador belga de todos os tempos que, na verdade, é brasileiro. Em suma, é um país perfeito pra se esconder da polícia e o pior lugar do mundo para se estudar marketing. A Bélgica me faz lembrar o Piauí nas palavras do Nelson Rodrigues.

Depois de ir a fundo nos subterrâneos da cultura (ou seria contra-cultura?) belga, regressamos ao texto em si e caímos direto no centro de Bruxelas - de que maneira essa materialização se deu só poucas testemunhas o sabem - centro esse considerado um dos mais belos dentre todas as cidades européias e que recebe um belíssimo tapete de flores todo ano, durante a primavera. Como não era primavera, tive de me contentar com um postal. Ainda na praça principal, é possível observar a Torre Central, altíssima, e a milimétrica assimetria da sua base, razão que levou o arquiteto responsável a tirar a própria vida, num ímpeto de perfeccionismo. Há poucas quadras dali fica a fonte onde está a estátua do grande herói nacional, símbolo da reconstrução do país durante tantas e tantas guerras, ele, o Meneken Pis, mais conhecido como Moleque Mijão - não, isso não é uma piada - diz a lenda que, durante um incêndio em Bruxelas, um menininho peladão foi visto fazendo pipi nas chamas o que ajudou de maneira decisiva no combate às labaredas. Verdade ou não, fato é que ele chama a atenção e está sempre rodeado de turistas. Além da praça principal, do Meneken Pis e de um bar qualquer onde você possa experimentar toda a fauna de cervejas belgas, Bruxelas é uma cidade simples, arrumadinha e sem maiores atrativos. Você poderia caminhar um pouco mais e visitar algum parque da cidade, o Palácio Real, a famosa estátua do átomo gigante ou até mesmo os edifícios que servem de sede para a OTAN e a União Européia (não, não vão te deixar votar...) num esforço para encontrar alguma surpresa, algum atrativo esquecido - o que no caso da Bélgica seria perfeitamente factível - mas a verdade é que a cidade não vale mais do que dois dias de visita, a não ser que eles estejam escondendo algo no subsolo.

A comunidade brasileira no país é grande e não raro é possível encontrar rodas de capoeira e convites para aulas de samba. Dessa vez, ao contrário de Londres e Lisboa, preferi não me integrar com os conterrâneos e fui me alojar numa das residências estudantis da Universidade de Louvain-la-Neuve, que fica na cidade de mesmo nome, a uma hora de Bruxelas. É de lá que partirei para conhecer os Países Baixos. Em tempo, a ONU acabou não me contratando, talvez porque a sede deles fique em Nova York e não em Bruxelas... por outro lado, as negociações com a OTAN já estão adiantadas, só falta definir que paiseco cheio de petróleo eles vão me dar pra bombardear!

 

Até daqui a pouco!

 

Thiago de Sá

 

 

 

 

 

 

INTERIOR DA BÉLGICA E LUXEMBURGO

 

 

Apesar de imaginar que não mais me surpreenderia com a Bélgica, outra vez ela me pregou uma peça. Longe de ser um povo, no sentido estrito da palavra - conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns - há praticamente dois países num só: ao sul, os francófonos, ao norte, os flamingos. A rivalidade entre esses dois povos é enorme e é impossível ignorar o assunto quando se visita aquelas terras.

Louvain-la-Neuve, a cidade onde fiquei, foi mais um fruto dessa eterna discussão. Lá pros anos 70, vários estudantes francófonos se dirigiam à cidade de Leuven, flaminga, para realizar seus estudos numa das melhores universidades do país. Acontece que as hostilidades com a população e com os outros estudantes eram tão constantes - e por vezes violentas - que não restou outra opção ao lado francófono senão criar uma outra universidade, mais, uma outra cidade, para abrigar sua turma. O nome dado foi Leuven, a Nova ou em francês, Louvain-la-Neuve. Projetada para dar prioridade aos pedestres, menos de 30% das ruas são abertas aos carros, o que dá a impressão de se estar vivendo num grande calçadão! Para mim, um conceito totalmente novo, muito interessante e prato cheio para arquitetos e urbanistas. Na residência estudantil onde fiquei, o Kot Carrefour, conheci uma galera muito estudiosa e pouco hospitaleira, uma pontinha de decepção. Um grande abraço às exceções, Anne-Francoise, de português afiado e malas prontas pro Brasil, Pacific, uma rainha africana de rara educação e Marc, o homem das apresentações em inglês!

Durante uma semana, fiz do Kot Carrefour meu ponto de partida para incursões ao interior belga, aproveitando-me do Go Pass, passe de trem que custa 40 euros e te dá direito a dez viagens dentro do território da Bélgica. A primeira parada foi na charmosa Brugge, cidadezinha minúscula no tamanho mas imensamente bela, retalhada de canais, lembra muito aqueles filmes medievais, com suas casas e ruas de pedra, pontes, igrejas imponentes, com torres imensas, tudo isso numa pequenina área, agora não mais cercada por muralhas. Os amantes do chocolate e os amantes em geral vão se deliciar com o ar bucólico e romântico de Brugge, onde tudo conspira para a tranqüilidade, dos patinhos no lago às carruagens tradicionais, tudo muito diferente de quando a cidade abrigava uma das maiores feiras do mundo na sua Praça Maior (Grote Markt), lá nos séculos XIII e XIV. Uma coisa que me chamou a atenção foi a legião de turistas velhinhos, quase uma orda multinacional da turminha da bengala, caminhando por todos os lados, pelas ruas, cafés, se empanturrando de chocolates. A maioria parecia já ter estado por lá mais de uma vez. Sentado na praça central - e ainda rodeado de vovôs - tive a oportunidade de trocar uma idéia com Marc August, um belga daquela região, já com seus 40 anos, foi a primeira vez que ouvi o ponto de vista dos flamingos sobre as animosidades entre eles e os francófonos, entre uma cerveja de cereja e outra. Isso mesmo, cerveja de cereja, foi a única que desceu sem arranhar a garganta. Marc, assíduo freqüentador de Fortaleza e conhecedor da nossa cultura, muitas risadas, até logo, garoto!

De Brugge, após uma rápida passada pelo Kot, hora de conhecer um país de dimensões continentais, Luxemburgo! Tudo bem, tudo bem, exagerei um pouco mas se no tamanho Luxemburgo não é lá essas coisas, na conta bancária... Como meu Go Pass só funcionava dentro dos limites belgas, tive de descobrir qual era a cidade mais próxima da fronteira, a partir de onde começaria a caronar. Pois a cidade fronteiriça de Arlon entrará para a história como o marco inicial da mais bem-sucedida seqüência de caronas já documentada: de lá até a cidade de Luxemburgo foram nada menos do que cinco, repito, agora com maiúsculas, CINCO BMW´s com intervalos regulares de, no máximo, meio segundo de espera entre uma e outra (acho que exagerei de novo...). Algo para se orgulhar. Fatos como esse provam a existência da Providência Divina, o mero acaso seria incapaz de tamanha perfeição.

O que aconteceu em Luxemburgo e os três dias surreais passados em Amsterdã serão assunto dos próximos textos, não percam!!

 

Até logo,

 

Thiago de Sá

 

 

LUXEMBURGO E HOLANDA - PRIMEIRA PARTE

 

 

Um pequenino país ou um mega banco: difícil saber o que melhor descreveria Luxemburgo. Tudo por lá gira em torno do câmbio, das operações financeiras e das grandes corporações, a quantidade de dinheiro que circula é tão grande que quem vai pra lá limpar prato e trabalhar na construção civil são os espanhóis e portugueses, "na busca de uma vida melhor", sendo que os nossos irmãos patrícios já constituem parcela significativa na população, é comum encontrá-los por toda parte. Só pra se ter uma idéia, a renda per capita de Luxemburgo é algo em torno de 32.000 dólares e, por ser um paraíso fiscal, muitos desses dólares saem dos cofres públicos de países como o Brasil no nosso já conhecido círculo de corrupção. É lá também que fica a sede do Banco Europeu de Investimento.

Porém, nem só de riquezas viveu a história desse Grão Ducado. Fundada em 963, a cidade funcionou por muito tempo como entreposto para comerciantes e, por não possuir nenhuma defesa natural como montanhas ou lagos, desenvolveu-se dentro de um complexo sistema de túneis e galerias que se estendia por vários quilômetros, formando uma espécie de formigueiro gigante, onde mais de 30.000 pessoas conviviam nos períodos de guerras e conflitos, ou seja, a maior parte do tempo. Durante as duas grandes guerras, essas Catacumbas foram ainda utilizadas como abrigo anti-aéreo e refúgio para a população para só então serem desativadas e transformadas em atração turística. Por medida de segurança, grande parte dos túneis foram explodidos ou fechados embora ainda reste um bom pedaço desse imenso formigueiro aberto a visitação pública, vale muito a pena passar por lá - isso se você não tiver claustrofobia...

Além das Catacumbas, não há muito o que ver na cidade de Luxemburgo e acertei em só ter reservado um dia para visitá-la. Agora, é realmente incrível o que o dinheiro pode fazer por você, em parte nenhuma do mundo eu vi um Centro de Informações Turísticas tão completo, com tantas opções de passeio, folders e cartazes, atendentes prestativas e eficientes, tudo para me convencer de que ali houvesse alguma coisa de interessante. Acabei optando por fazer um dos roteiros, muito mais em consideração ao esforço deles do que pela esperança de garimpar uma esmeralda. Também queria conferir como o meu dinheiro, aquele que o Collor fez o favor de deixar ali, estava sendo investido. Depois de duas horas caminhando por ruas, pontes, ladeiras e escadarias, pude constatar que a cidade tem lá o seu charme, te surpreende com vistas muito bonitas, construções delicadas e um povo educado, de vida tranqüila, sem preocupações no rosto (também pudera...). Dizem que o norte do país tem paisagens ricas e alguns castelos, tive muita vontade de arranjar uma bike e seguir viagem, imaginem só? Quem sabe um dia eu não transformo essa idéia em realidade...

Para voltar a Louvain-La-Neuve tive a mesma sorte da ida, caronas mil - com direito a Porsche e tudo mais - até o território belga e um ticket a menos do Go Pass. Depois de um bom banho e de arranhar o meu francês tosco na mesa de jantar com os moradores, fui dormir o sono dos justos porque no próximo dia partiria para conhecer mais um pedaço dos Países Baixos. E que pedaço! Na manhã seguinte, sigo na direção de Antuérpia, ponto máximo da linha férrea belga na direção de Amsterdã, até onde meu Go Pass poderia me levar. Antuérpia é muito industrializada e não parece oferecer nenhum grande atrativo mas foi ali que aprendi uma óbvia lição: não basta a cidade estar na divisa, mané, ela tem que ser pequena!!! Por conta do tamanho da cidade, foi um sufoco homérico encontrar a rodovia certa, passei mais tempo pra achar um bom ponto de carona do que pra visitar Luxemburgo inteira!

Lição aprendida, finalmente consigo me livrar de Antuérpia graças a um ex-funcionário da ONU, um senhor que viveu em vários cantos do mundo, inclusive no Rio de Janeiro e que me deu uma aula sobre a história, geografia e cultura da Holanda. Aprendi, por exemplo, que os moinhos de vento que aparecem por toda a planície não só geram energia elétrica como têm papel determinante na drenagem do território - sem eles e sem o conjunto de canais e barragens, metade do país estaria submerso - os outros 50% do território que estão acima do nível do mar não ultrapassam os 50m de altitude, com exceção do ponto mais alto de toda a Holanda, justamente na tríplice fronteira com Bélgica e Alemanha (um morrinho de 320,5m e olha que eles fazem questão desse 0,5m). Ele também me disse que os famosos tamancos de madeira foram uma forma econômica e inteligente de facilitar o caminhar pelos pastos encharcados. Vendo aquela planície bucólica de longe, toda verdinha, com suas vaquinhas gordas e moinhos quixotescos, eu nem imaginava o lamaçal que era aquilo! Após ver de passagem Den Haag, mais conhecida por aqui como Haia - onde Rui Barbosa fez sucesso - despedi-me do meu professor em Ultrecht onde rapidamente consegui a carona que me levaria ao centro de Amsterdã. Vai vendo: o cara era um playboy podre de rico, com ouro no Rolex, Ray Ban na cuca, couro na jaqueta e goma no cabelo, vestia um Lamborghini nervoso e pagava de gatão, era quase o Johny Bravo. Enfim, a pessoa mais inimaginavelmente capaz de dar carona! A conclusão que pude tirar disso só poderia ser essa: se algum dia você se decidir por visitar Amsterdã, será preciso antes rever os seus conceitos...

 

Até logo, pessoal!

Thiago de Sá

 

 

HOLANDA - SEGUNDA PARTE

 

Assim que o Johny Bravo me deixou num canto da cidade, tratei logo de

encontrar meu rumo para o centro. Não havia tempo a perder, minha intenção

era passar um dia por lá e voltar no dia seguinte à Bélgica (onde eu estava

com a cabeça quando tomei essa decisão??). Com uma fome cabulosa e um bolso

cheio de vento, não teve jeito, tive de apelar para o delicioso MacDonald’s

e foi lá que encontrei a primeira grande surpresa que Amsterdã me reservava,

a tia indiana que tomava conta do banheiro, como que por mágica, sem que eu

dissesse nada, me ofereceu hospedagem. Preferi não pagar pra ver...

Do Mac direto para o Red Light District, hora de procurar um canto pra

dormir e já dar uma espiada nas famosas janelas do local. Enquanto caminhava meio zonzo, nao sei se pelas janelas ou pelo sanduiche, percebi dois rapazes que conversavam em espanhol, UFA!, enfim alguem que nao fala estranho - o holandes tem som de alemao, primo do flamingo (?!?) e é ininteligível! Dario e Ronaldo se apresentaram como empresários e logo me ajudaram a procurar hostels, todos eles muito caros, por sinal. Como nada se encaixava no meu orçamento, comecei a perder as esperanças, foi aí que Dario me disse algo óbvio demais que até então não tinha me dado conta: se vou ficar apenas uma noite, pra quê eu preciso de hotel? Restaria só o problema de onde guardar minha mochila, que pesava demais, mas Ronaldo logo se dispôs a guardá-la no seu local de trabalho. Só que, para isso, os dois teriam de revelar sua verdadeira profissão…

Antes vale fazer uma descrição sobre os dois: Dario era um colombiano sério, parrudo, bem vestido, de uns 40 anos, sempre muito educado, falava com firmeza sem ser agressivo, inspirava respeito sem esforço. Já Ronaldo era um peruano frágil, moreno, de corpo franzino, um cabelo negro e liso, delicado, não era muito difícil perceber que ele era gay. Antes empresários, Dario e Ronaldo revelaram que na verdade eram travestis e que também se prostituiam nas janelas famosas. Logo, eu deveria guardar minha mochila num daqueles quartinhos. Apesar do receio inicial, concordei sem problemas e fomos até a janela de Ronaldo. Quando ele me abriu as portas do armário, tive mais uma surpresa, de um lado havia toda a sorte de objetos de fetiche, couros, chicotes, vibradores e outros trecos esquisitos que me pergunto até agora pra quê serviriam (preferi não perguntar…). Do outro, um pequeno santuário, fotos familiares, ternos, calças, camisas, tudo muito arrumado e limpo. O contraste me fez arrebentar qualquer estereótipo, limar o pouco de preconceito que ainda me restava e lembrar que é muito louco como carregamos conosco por onde vamos uma pontinha de julgamento. Mais uma vez, em Amsterdã, é preciso rever os seus conceitos.

Como Dario estava de folga, ele resolveu me mostrar a cidade, as ruas, decidiu me levar até um bar misto, tanto de gays quanto de heteros. Lá, depois de alguns goles – já não dizem que é bêbado que se diz as verdades? - Dario decidiu pagar pra ver se eu tinha alguma vocação homossexual e passou a me assediar, sempre com respeito, nada diferente do que faço com garotas. Depois das minhas negativas, foi a vez de Dario romper seus preconceitos (pois é, gays também têm os deles), para ele era simplesmente impossível esse comportamento de um hetero. De paquerador, ele passou a me tratar como amigo, me acolheu como irmão e retribuiu todo o respeito que tive por ele em atenção e hospitalidade, me convidando para ficar aquela noite na sua casa, onde morava com seu marido Kiko e seu amigo Ronaldo (ele o chamava de Ronaldinha!). Fato foi que fiquei quatro dias por lá, aproveitando a cidade de dia, conhecendo monumentos, enquanto que a noite visitava as baladas de Amsterdã, os bares, sempre na companhia ora de Dario ora de Kiko (Ronaldinho gostava muito de trabalhar), que não me deixavam pagar sequer uma bala. Os dois, aliás, viviam em perfeita harmonia, como marido e mulher, com brigas, carinhos e projetos futuros. Dario cozinhava maravilhosamente bem, acho que eu comi nesses quatro dias tudo o que eu deixei de comer durante as caronas! Quando Dario se travestia, passava a se chamar Monalisa, e era absolutamente irreconhecível, tanto que no primeiro dia em que foi para as janelas, ele me desafiou a encontrá-lo, o que só consegui depois de muito esforço! E olha que são muito poucas as janelas de travestis.

A noite de Amsterdã é cheia de perigos, é preciso saber onde se está pisando e escolher cada passo com cautela. A cada esquina há um africano sussurando “cocaine, cocaine”, a cada noite um convite para transar sob o efeito das drogas mais loucas e a cada momento haverá alguém testando suas convicções.

Na hora de partir de volta a Bélgica, Dario e Ronaldo me levaram à estação, foi uma despedida emocionante, guardarei eles para sempre no coração. Enquanto estive na Bélgica, na residência estudantil universitária, fui porcamente tratado, inclusive pelos meus anfitriões, mesmo estando em um quarto sem uso e apenas para dormir. Já em Amsterdã, fui super bem tratado por um casal de prostitutos travestis, como rei, comendo bem, sendo ciceroneado pela cidade, sem direito a pagar nada, muita atenção e carinho. Não deveria ser o contrário? Em Amsterdã, pessoal, é preciso rever os seus conceitos…

De volta a Bélgica, peguei rapidamente minhas coisas em Louvain-la-Neuve e segui direto para a Alemanha, minha intenção era parar em Berlim a caminho da Polônia, onde meus amigos me esperavam! Hora de cruzar o país dos chucrutes!

Editado por Visitante
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  • Membros de Honra

Como assim? vc quer q eles estejam sempre aparecendo entre os primeiros?? É q isto depende do número de acessos e as pessoas ao invés de primeiro fazer uma pesquisa, ficam postando tópicos novos sem darem uma olhda no que já está aqui no site.... A sugestao seria vc ir postando dicas aos poucos...

Voce vai mochilar pela Europa qdo?

ClaudiaL

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  • Membros de Honra

Daniel, já fiz as alterações, e mudei o nome do tópico porque estou viajando e postando as dicas e as informações da viagem. Ainda enviarei relatos de Wales, Londres, Barcelona e outros lugares pelos quais passarei, como Marrocos, que provavelmente será a próxima parada (estou em Granada agora).

Obrigada pelas dicas e pela ajuda,

Thiago Sá

 

 

 

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  • Membros de Honra

Ola pessoal,

 

muito obrigado pelas dicas, me ajudaram bastante. Susy, voce tem razao, o proposito do site e compartir as duvidas a dicas, passarei a usar o forum pra responder as perguntas. Quanto aos textos, sei que seria melhor que fossem menores e mais frequentes, o problema e que estou em viagem e e sempre um desafio encontrar tempo pra escreve-los e acessar a internet tantas vezes. Agora, por exemplo, estou apanhando como um condenado com um teclado marroquino numa internet mais lenta que o Barrichelo. Tenho outro mega texto pronto, vou mandar um pedacinho agora ok?

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