Entrevista com Tito Rosemberg

“A viagem real não consiste em buscar novas paisagens, mas em buscar uma nova forma de ver”.

Marcel Prost.

Assim é a abertura da seção biografia do site oficial do viajante (ou tecno- nômade, como já foi chamado) jornalista, fotógrafo e documentarista, Tito Rosemberg. Com 54 anos de idade, muitos dedicados ao surf, o carioca que hoje vive em Roma, conhece 80 países e continua a se aventurar por aí. Pra se ter uma idéia, Tito fez parte da primeira equipe brasileira do Camel Trophy 1985, em Bornéu, na Indonésia, onde recebeu o prêmio de “melhor espírito de equipe”! O cara tem muito pra contar, acompanhe:

Mochila Brasil – Como começou o interesse pela aventura e qual foi sua primeira grande viagem?

[Tito]: Tudo começou com as revistas estrangeiras que meu pai, jornalista, trazia para casa. Vendo fotos de países exóticos, eu, ainda garoto, comecei a pensar em conhece-los em primeira mão. Quando fiz 18 anos comecei a conhecer as cidades perto do Rio de Janeiro. Mais tarde fiz umas viagens pela América do Sul com meu pai.

A primeira grande viagem foi com amigos argentinos, quando saí surfando do Rio até o Uruguai, que naquela época, parecia para mim do outro lado do mundo, mas com 23 anos já estava pronto para sair pelo mundo por conta própria. Em 1969 vendi tudo que tinha e fui lavar pratos em Londres. Dali em diante as coisas foram ficando cada vez mais fáceis, pois a estrada já não me assustava mais.

Mochila Brasil – Em algumas de suas entrevistas você cita que seu pai teve grande influência sobre sua “vida nômade”. De que maneira isso ocorreu?

[Tito]: Meu pai tinha uma agencia de material para imprensa, e representava um montão de jornais e revistas europeus e norte americanos, por esta razão ele viajava muito, e me acostumei a vê-lo partir para ficar meses fora. Desde cedo tive que aprender a ver as pessoas queridas ficando longe. Não há a menor dúvida de que suas viagens me influenciaram muito.

 

Mochila Brasil – Qual foi o primeiro “impacto” de sua primeira viagem? (nacional e internacional)

[Tito]: A coisa que mais me preocupava quando comecei a viajar era o estar longe da família, do apoio que ela me oferecia. O contato com um mundo estranho, cheio de pessoas desconhecidas, e à milhares de quilômetros das coisas que conhecia, foi a barra mais difícil de superar. Estar longe dos amigos, ou melhor, sem amigos, foi difícil de superar, e um verdadeiro desafio o começar a fazer novas amizades.

A maioria das pessoas que quer partir pelo mundo pensa sempre neste detalhe difícil: aprender a viver e estar sozinho.

 

Mochila Brasil – Para você, as viagens a trabalho e as não têm alguma diferença?

[Tito]: Nunca viajei sem pensar como jornalista. Até mesmo quando não estava à serviço de nenhum jornal, eu fotografava, anotava dicas e sugestões, colecionava os mapas para próximas viagens e tinha minha cabeça inteiramente dedicada a registrar tudo que via, como se pudesse me comunicar com outras pessoas através do jornalismo.

Por isto nunca minhas viagens se diferenciavam entre as de trabalho e as de prazer, tudo sempre foi uma coisa só.

 

Mochila Brasil – Qual foi sua grande viagem a trabalho e a que não foi feita “profissionalmente”?

[Tito]: Acho que a única viagem “profissional” que fiz, foi a participação no Camel Trophy, pois eu não tinha o direito de ir e vir, devendo obedecer os horários e roteiros estabelecidos por outros, no caso a organização do evento. Por esta razão não tinha a liberdade usual de mudar de idéia quando me desse na cuca.
Todas as outras viagens foram por prazer, podendo reverter em reportagens ou não. Aliás, a maioria das minhas viagens nunca viraram reportagens.

Mochila Brasil – Hoje existem destinos que são “mecas dos mochileiros”: Machu Picchu, Torres del Paine, Chapadas brasileiras etc. Quando começou a viajar existia uma “rota obrigatória”? Qual era? Se chegou até ela, o local atingiu suas expectativas?

[Tito]: As mecas dos viajantes alternativos da época em que inicie na estrada, era Timbuktu, no Máli, África, Katmandu, no Nepal e Machu Pichu no Peru. Destas aí, só cheguei a Machu Pichu. As outras ainda estão na lista. Com o passar dos tempos fui adquirindo novos objetivos, e os fui pesquisando um a um. Guethary na França, Hawaii, Califórnia, Marrocos, Senegal, e sempre o Sahara, que até hoje me fascina. Todos tinham suas belezas particulares, e se em algumas não tive uma viagem ou uma estadia fácil, foi por incompetência minha, que ainda hoje estou aperfeiçoando.

Mochila Brasil – O que acha dessas “rotas obrigatórias”?

[Tito]: Uma ilusão! Cada um deve descobrir o que lhe dá tesão. Pode ser o contato com o passado, que pode ser encontrado na Europa, pode ser o convívio com o mundo organizado, que pode ser encontrado nos Estados Unidos, ou com a natureza em estado preservado, que se encontra na Amazônia, ou o exotismo, que se encontra no Sahara.

Mochila Brasil – Qual a dica que dá para um mochileiro de primeira viagem: rumo às rotas ou rumo a lugares menos convencionais? Pode citar algo sobre alguns que visitou?

[Tito]: Mochileiro que se preza não pode ir na onda dos outros, o que pode até se tornar perigoso, e raramente traz o verdadeiro prazer da descoberta individual. Antes de mais nada quem quer que deseje se tornar um viajante deve primeiro tentar conhecer um pouco sobre seus próprios sonhos e desejos. Quem parte influenciado por outros corre mais riscos de quebrar a cara. Um mochileiro surfista pode querer primeiro ir em busca de ondas em países exóticos. Um montanhista poderia começar pesquisando picos do outro lado do mundo, e assim em diante.

Acho que uma viagem bem caretinha à Europa ou USA, tipo um mês fora, pode ser um trampolim para tantas outras mais radicais que a principio talvez nem tivéssemos a coragem de enfrentar. É muito mais seguro e natural começarmos devagarinho e depois ir expandindo o raio de atuação.

Mochila Brasil – O que você busca em suas viagens?

[Tito]: Satisfazer minha curiosidade e conhecer o mundo em primeira mão. Lendo livros ou vendo documentários na televisão nós percebemos o mundo como outras pessoas o experimentaram. Quantas vezes vamos ver um filme que a crítica acha maravilhoso e nós achamos muito chato, e vice versa? Adoro ver estes documentários na televisão, porque me dão mais ou menos a idéia do que existe lá em termos físicos, mas quando estamos lá em carne e osso, é dez vezes mais legal do que qualquer documentário, porque tem cheiro, tem terceira dimensão, tem gente ao vivo, e emoções que telinha nenhuma pode passar para nós.

Viajo em busca de experiências, conhecimento e expansão dos meus horizontes.

Mochila Brasil – Com relação às pessoas (grandes atrativos dos destinos), nesses mais de 30 anos de estrada, você deve ter encontrado várias figuras interessantes. Tem alguma que não se esquece?

[Tito]: Conheci e tive o prazer de conviver durante 3 anos com Maxwell Clark, um senhor de 82 anos que morava perto de mim no Estado de Washington, noroeste dos Estados Unidos. Eu trabalhava dirigindo tratores em fazendas que plantavam milho, mostarda e ervilha, e ele plantava flores e vendia sementes delas. Era um gênio: humilde, espirituoso e cheio de conhecimento da vida, mesmo que nunca tivesse saído do seu estado, nem ter jamais viajado. Seu conhecimento foi fundamental para meu desenvolvimento, porque ser feliz e jovem aos 82 anos não é para qualquer um. Nós saímos para jantar, ir ao cinema, passear pelo campo, foi um grande amigo, que morreu um ano depois da minha partida de lá. Antes de partir, já temeroso pela sua saúde, perguntei a ele se podia me dizer alguma coisa que sintetizasse toda sua experiência de vida. Ele pensou alguns segundos e me disse, do alto dos seus 82 anos, “Se eu soubesse como a vida seria, não teria me preocupado tanto”. Nunca mais me esqueci disso.

Mochila Brasil – Com relação aos costumes. Tem algum fato inusitado para nos contar?

[Tito]: Todos os dias nos reservam grandes surpresas quando viajamos com a mente aberta. Aprender a entender e aceitar os hábitos de culturas diferentes é uma ferramenta que serve em todos os momentos da vida. Ver como os índios dividem a comida, como os árabes oferecem o chá de menta, como os esquimós pescam as baleias à mão, como há duzentos anos atrás, como os italianos se relacionam com a comida, ou os franceses com os vinhos, são emoções que servem para fortalecer nosso caráter. Não me lembro de nenhum costume em específico, que tenha me impressionado individualmente, mas ver a paz e a alegria habitual dentro de uma aldeia indígena brasileira longe do que chamamos de “civilização”, é uma lição de boa vida.

Mochila Brasil – Existe algum lugar em que você não colocaria mais o pé? Qual e por que?

[Tito]: Tenho péssimas lembranças da Colômbia, que é pior na vida real do que nos relatos dos viajantes ou manchetes dos jornais. O nível de criminalidade é tão alto, que viajar chega a ser um risco calculado.

Mas por outro lado, conheço colombianos que são gente finíssima.

Acho que na maioria das vezes, se não gostamos de algum lugar é porque não tivemos a capacidade de entende-lo. Assim, chego a exagerar dizendo que devo sempre voltar aos lugares que não gostei até um dia aprender a gostar dele, provando que consegui ver mais do que via antes. Nenhum lugar é totalmente horrível, como nenhum é totalmente fantástico. Todos os lugares tem coisas boas e ruins, alguns mais coisas boas, outros mais coisas ruins, mas já encontrei pessoas que amaram lugares onde vivi verdadeiros pesadelos, como na Colômbia.

Mochila Brasil – Existe algum lugar que você escolheria para viver? Qual e por que?

[Tito]: Muitos lugares me seduzem. As Ilhas San Juan, no Puget Sound, entre os USA e o Canadá, no Pacífico, são sonhos vivos, mas chove e faz frio. A natureza é belíssima, as pessoas são legais, tem trabalho e ganha-se o bastante para viver bem, mas, como nada é perfeito…

Adorei a Big Island do Hawaii, Dakar, no Senegal, mas acho que ainda não estou capaz de escolher um lugar e ficar lá. Tenho diversas bases pelo mundo: Encinitas na Califórnia, Guethary na França, Búzios no Brasil, e hoje Roma.

Adoro o Brasil, o país mais rico, com gente fina e linda, musicalidade divina, clima deslumbrante, mas que está tão mal administrado que tornou-se um risco. Pouco trabalho, e mal pago, não ajuda a dar vontade de viver em lugar nenhum.

Hoje afirmo que sou um auto-exilado, já que o destino me deu a possibilidade de viver assim. Auto-exilado da corrupção, da violência e da falta de seriedade que parecem estar querendo transformar nosso país numa Colômbia.

Mochila Brasil – Você que viajou mais de 80 países, deve ter constatado que no mundo muitas pessoas (ou a maioria delas, até idosos) viajam independentemente, de mochila nas costas e pé na estrada e gastando pouco. Comparado a outros países, o Brasil ainda está “engatinhando” nessa cultura viajante. Na sua opinião, por que isso se dá?

[Tito]: Porque nossa sociedade está dividida em duas: poucos tem muito e muitos tem pouco. Quem tem muito, vira exibido, pedante, esnobe, e quer viajar para os lugares da moda, Miami, Nova Iorque e Paris. Vai de avião e classe executiva, que custa o dobro da classe econômica. Fica em hotéis e adora circular e tirar foto na frente dos monumentos que depois vai exibir para os amigos do clube.

Quem não tem grana, não consegue nem pagar as contas, quanto mais viajar. E se viaja é rumo às cidades onde há empregos.

Nós brasileiros vivemos num país com muita miséria, e por isso, quem tem grana viaja mais como uma forma de mostrar que tem grana, que não é pobre, que é uma pessoa de “sucesso”. Os “malucos”, que existem em todas as classes sociais, conseguem perceber que há outros mundos além do exibicionismo. Percebem que com a mochila nas costas conseguem fazer viagens longas e incríveis gastando em um mês o que os magnatas gastam por dia nos hotéis de luxo. Hoje é gozado ver como enquanto os ricos de um país pobre como o Brasil querem ir para Miami, todas as pessoas, ricas e pobres, dos países desenvolvidos, querem visitar as dunas do Maranhão, a floresta amazônica e o Pantanal. Acho que santo de casa não faz milagre.

Mochila Brasil – Como planeja suas viagens?

[Tito]: Sempre da mesma forma: começo vendo uma reportagem em alguma revista ou documentário. Se a curiosidade desperta, vou entrando mais fundo: compro mapas da região, leio alguma coisa sobre o local, dou uma olhada em guias de viagem e converso com quem já foi lá. No mapa escolho e marco bem os lugares que me interessam, depois escolho o caminho mais interessante para ir de um ao outro. Faço as contas para ver quanto custará, se a grana vai dar e quanto tempo demorará para ir e voltar. Se tudo estiver concordando, escolho a época certa do ano, para evitar a temporada de chuvas ou furacões, as grandes secas, ou o inverno nevado.

Com um bom planejamento pode-se evitar muitos problemas durante a viagem.

Mochila Brasil – Já usou a Internet para planejar alguma viagem?

[Tito]: Poucas vezes. Em bibliotecas encontro mais informação e mais facilmente. Prefiro ir a grandes livrarias e folhear os livros e guias de viagem sem compra-los. Depois de uma ou duas visitas, escolho aqueles que creio serem mais úteis e compro. Mas ler sobre os lugares onde se quer viajar, nunca pode ser demais.

Mochila Brasil – Como vê as fontes de informação para o viajante independente brasileiro? (Para ilustrar, poderia fazer um comparativo com as que conhece no exterior?)

[Tito]: Quem mora em cidades grandes encontra alguma informação nas boas livrarias, mas quem mora no interior, ou descobre na Internet ou vai sem saber muita coisa. Mesmo assim, as livrarias brasileiras tem pouquíssimas opções, à exceção do Rio e de São Paulo. Nos USA e na Europa as livrarias e as bibliotecas são muito bem equipadas e não é difícil descobrir o caminho das pedras. Nas boas livrarias de Roma encontrei até 5 guias de viagens especializados no Brasil, com dicas até de onde dormir em Ibitipoca e quanto custa um passeio de barco no alto Rio Negro. Assim é mais fácil viajar, porque ao contrário de que se pensa, uma viagem bem planejada não diminui nenhuma emoção, só as frias em que se entra.

 

Mochila Brasil – Orlando Villas Boas, no livro A arte dos pajés, citou alguns casos de quando viveu entre os índios, de fenômenos sobrenaturais. Você viajando pelos mais diferentes lugares, por toda parte do mundo, passando em todos tipos de lugares e paisagens… já aconteceu algo do gênero?

[Tito]: Quando se fala em coisas sobrenaturais, as pessoas pensam logo em fantasma ou coisa parecida.

Todos os lugares tem sua energia particular. Uns fazem você ficar super à vontade, outros dão vontade de sair correndo. Tive belas experiências místicas em desertos, por isso retorno sempre a eles. A solidão, o silêncio, os grandes espaços vazios, todos favorecem experiências espirituais, enquanto numa rua de Nova Iorque a zorra faz a gente só pensar em sobreviver. Caminhar na Trilha Inca é muito forte, caminhar na floresta amazônica, longe das grandes cidades, pode dar um barato muito legal sem precisar de droga nenhuma. Mas devemos nos abrir para que estas coisas aconteçam. Quem não crê não vê nada.

Mochila Brasil – Lendo suas entrevistas, percebemos uma preocupação com a questão da consciência ambiental e política e não poderíamos deixar de perguntar: Como foi sua convivência com o período da ditadura no país? Como era o clima da época? Como era colocar a mochila nas costas e o pé nas estrada em meio a AI-5 e coisas do gênero?

[Tito]: Quando houve o golpe dos militares, em 1964, eu tinha 18 anos e trabalhava numa revista da Manchete, a Fatos e Fotos, e estava muito envolvido com política e ainda não tinha começado a viajar, a não ser nos arredores do Estado do Rio, em busca de ondas para surfar. Nunca achei que precisava ser burro para ser surfista, e aprendi logo a conciliar política, carreira e prazer. De 1964 a 1968 eu trabalhava como jornalista e não pensava em viajar. No final de 68, até Ipanema, que eu freqüentava, e o Leblon, onde morava, já estavam perigosos para quem odiava os ditadores militares. Alguns amigos desapareceram, enfiando-se na luta armada, outros foram torturados por coisas bobas. Prevendo que em breve entraria em alguma fria por falar “demais”, achei melhor o auto-exílio, como hoje.

No início de 69, vendi meus trecos e fui lavar pratos em Londres, onde acabei viajando por toda a Europa e Escandinávia, com mais 3 amigos argentinos mochileiros. Compramos um carrinho pequeno e velho, botamos nossas mochilas dentro e saímos pelas estradas, cantando nas ruas para fazer uma grana. Um dia chegamos até à Istambul, na Turquia. Daí em diante todos os problemas passaram a ser fáceis de serem resolvidos, com calma, paciência e sabendo esperar, tudo vinha.

Mochila Brasil – O que é Ecoturismo pra você?

[Tito]: É uma coisa nova mas muito interessante. Pena que muito trambique está sendo vendido como “turismo ecológico”. Caso o viajante não esteja aprendendo nada, o “ecológico” não existe. Somente estar num lugar natural , como tomar sol numa praia do Ceará, não é nada ecológico, é só prazer. Se você estiver acompanhado de um guia especializado, aprender sobre a cultura, as características do meio ambiente, o sistema de chuvas, a indústria da seca, as peculiaridades da vegetação, aí será uma viagem ecológica de verdade, pois se não estiver aprendendo nada a viagem não pode ser chamada de ecológica, mesmo que você esteja caminhando sozinho na floresta amazônica.

Mochila Brasil – O Brasil pratica o verdadeiro turismo ecológico?

[Tito]: Muito pouco, mas com raras e honrosas exceções. Quem estiver interessado deveria conhecer a associação que reúne a categoria, que tem bons sites na internet.

Mochila Brasil – Como foi trabalhar com turismo ecológico na Califórnia? Comparando-se o potencial brasileiro e o americano, qual trabalha melhor o conceito?

[Tito]: Os americanos em geral são muito ligados à natureza, talvez porque suas cidades estão cada vez mais organizadas e sem espaço para a natureza. O potencial americano e brasileiro são imensos porque ambos são países de dimensões continentais, e por coincidência, quase do mesmo tamanho e com muita natureza preservada. Nos USA há uma rede de parques nacionais de fazer cair o queixo, já o Brasil é um paraíso natural mas que está sofrendo um agressivo processo de devastação. Enquanto os americanos protegem os parques nacionais como se fossem jóias preciosas, no Brasil eles estão abandonados, invadidos, com funcionários desmoralizados e desmotivados, entregue aos donos de hotéis, operadores de turismo de massa e vândalos, como acontece atualmente na Chapada dos Guimarães, que é um horror e mereceria mais atenção dos brasileiros.

Mochila Brasil – Você, um veterano do surf, o que tem a dizer sobre os esportes de aventura com relação à somatória com o Ecoturismo. Isso ajudará na conscientização (e conseqüente preservação)?

[Tito]: Detesto a expressão “No Fear” ou “No Limits”, porque acho-as cretinas. Todos sentem medo e sempre há limites. Esta moda é uma coisa inventada pela juventude urbana, distante dos rituais da natureza, e que usa estes esportes suicidas ou masoquistas como um rito de passagem da adolescência ao mundo adulto, mas sem o perceber. Correr risco só pela emoção, é como enfiar o dedo na tomada só para sentir o barato. Não leva a nada, e traz muita chance de interromper sua vida ali mesmo. Eu uso o medo como forma de auto-proteção, para me preservar de riscos inúteis. Atravessar o Sahara dá medo, mas planejando com cuidado podemos faze-lo sem morrer, e depois teremos aprendido muitas coisas sobre as culturas que habitam no local. Agora subir até o alto da montanha e saltar de bungee-jump é tão legal quanto fazer roleta russa, e se aprende tanto quanto, ou seja nada! E por esta razão não tenho certeza se estas pessoas que estão enfrentando a Mata Atlântica em competições, ou escalando o Aconcágua serão mais humanos depois do feito. Se o objetivo for o desafio puro, vai ficar só nisso. Acredito que devemos nos fazer melhores, porque só assim marcaremos nossa passagem pela vida. Fazer piruetas até macacos fazem, mas ajudar o mundo a resolver seus problemas é muito mais difícil e por isto mesmo torna-se o verdadeiro desafio.

Mochila Brasil – Acha que os Esportes de Aventura hoje são um “modismo”?

[Tito]: Não duvido. Tem toda a cara de ser mais uma “novidade”, como as festas rave, que em breve desaparecerão dando espaço à mais outra moda importada, mais “moderna”. Pode ser que algumas cabeças legais saiam de lá, mas acho difícil, porque o objetivo não é a formação e sim sentir o “barato” da testosterona, da adrenalina. Nunca fui esportista e muito menos aventureiro. Considero-me um viajante, que para satisfazer sua sede de conhecimento tem que enfrentar dificuldades, que podem se assemelhar à aventura, e muitas vezes o são, mas só como circunstancia e não como o objetivo final. Não pratico off-road, viajo em lugares onde só veículos 4×4 conseguem chegar, em busca de novas experiências, de conhecimento. Nunca fiz passeios de fim de semana com um jipe pela floresta, para depois voltar na segunda feira e gastar uma grana consertando o jipe para o próximo passeio.

Mochila Brasil – Qual será sua próxima “mochilada”?

[Tito]: Parto em algumas semanas para um mês pelo sul da Tunísia, que é um canto do Sahara que não pude conhecer bem quando estive lá em 1988 numa viagem que quase acabou sendo de “turismo”. Vou com a mochila no meu Land Rover e sempre acampando, pois não é por viajar de carro que deixamos de ser mochileiros, que para mim é mais um estado de espírito que significa, viajar modestamente, em contato íntimo com os elementos, a natureza e os nativos, em busca de cultura, de experiências espirituais, sem a tradicional arrogância dos turistas em seus ônibus, hotéis e “souvenirs”, tudo de plástico.

O tempo passa, o equipamento muda, mas alguns de nós mudamos pouco: uma vez mochileiro, sempre mochileiro, mesmo se hoje com o laptop e a câmera digital dentro dela.

 

O registro dessa entrevista e outras matérias antigas do Mochila Brasil, feitas no tempo em que ainda não existiam ferramentas como o WordPress você encontra no Web Archive

 

Foto do autor

Silnei L Andrade

Webmaster desde 1997 e blogueiro acidental. As vezes inventa coisas úteis como o Mochileiros.com.

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