Mulheres brasileiras viajantes na história

Que o dia da Mulher é todo dia, todos sabemos. O dia 08 de março foi definido como dia Internacional da Mulher como forma de homenagear as mais de 100 operárias que foram mortas queimadas por policiais em uma fábrica têxtil durante uma greve, em Nova Iorque. Elas reivindicavam melhores condições de trabalho, redução da jornada de 14h e direito à licença maternidade. Apesar de o fato ter ocorrido em 1857, a instituição da data como homenagem pela luta das mulheres só ocorreria em 1910, no 2º Congresso Internacional de Mulheres em Copenhague, Dinamarca.

Como uma forma de homenager nosso dia e nossas lutas, listei 5 mulheres que além de terem contribuído para história brasileira, também era viajantes. Umas conhecidas, outras nem tanto, mas com histórias que poucas vezes são lembradas. São mulheres que viveram em épocas que suas atitudes quebraram padrões. Podemos dizer que elas eram rebeldes em seu tempo.

Anita Garibaldi (1821-1849)

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Anita lutou vestida de homem em uma das batalhas – Imagem: Wikimedia Commons

Um amor arrebatador! Assim começou a história de viagens de Anita Garibaldi, conhecida como “Heroína dos dois mundos” por ter lutado no Brasil e na Europa.

Nasceu em Laguna, Santa Catarina, numa família de descendentes de portugueses que vieram de Açores.  Órfã de pai, ajudava a sustentar a casa e aos 14 anos se casou com o sapateiro Manuel Duarte de Aguiar. Alguns historiadores dizem que o marido a abandonou para lutar com o exército imperial, outros dizem que foi ela quem abandonou o marido. O certo é que o Giusepe Garibaldi, um marinheiro revolucionário italiano se apaixonou por Anita, que na época estava com 19 anos. Ele tinha 32.

Ela largou tudo e foi com ele lutar na Guerra dos Farrapos ao longo da costa do Brasil. Com a derrota dos farroupilhas o casal fugiu para o Uruguai onde finalmente se casaram e tiveram 3 filhos. Mais tarde ela vai pra Itália com os filhos onde foi recebida onde foi recebida com festas e homenagens. Na Itália ainda lutou ao lado do marido nas batalhas de unificação pelo país.

Adoeceu em uma das batalhas e morreu nos braços do marido, aos 28 anos. Os restos mortais de Anita estão em um mausoléu em Roma e é considerada a heroína da unificação italiana. Infelizmente aqui no Brasil a história de Anita é pouco conhecida, mesmo ela tendo participado de um momento importante da história que foi a Revolução Farroupilha. Eu mesmo desconhecia a história dela e fiquei encantada como ela foi uma mulher corajosa e muito à frente de seu tempo.

Em Santa Catarina existe um município que leva seu nome. Em Laguna, cidade onde nasceu existe o Museu Anita Garibaldi, que foi criado em 1949 em homenagem ao centenário de sua morte.

Imperatriz Teresa Cristina (1822-1889)

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D. Teresa Cristina – Imagem: Wikimedia Commons

Bela, recatada e do lar. Essa é a imagem que temos da Imperatriz Teresa Cristina,  a terceira e última imperatriz do Brasil. Mas será que é isso mesmo?

Eu não conhecia praticamente nada sobre a história da imperatriz, até que em uma visita ao Museu Nacional, aqui no Rio de Janeiro, um professor falou que as peças antigas em exposição foram trazidas ao Brasil por ela. Isso despertou meu interesse por pesquisar quem foi essa mulher e sua importância para a nossa história.

Casou por procuração ainda na Itália e alguns meses depois atravessou o oceano Atlântico para conhecer seu marido. Alguns historiadores dizem que D. Pedro II ficou decepcionado com a aparência da esposa.

As fotos da imperatriz mostram uma mulher simples, desprovida do luxo comum à monarquia e geralmente com um semblante muito sério. Mas essa mulher aparentemente simples foi a responsável por legar ao Brasil a maior coleção de arqueologia clássica da América Latina. Com isso ficou conhecida como a ”Imperatriz arqueóloga”.

Quando veio para o Brasil trouxe várias peças encontradas em escavações em no sul da Itália. Além disso, ela também trouxe músicos, professores, artistas. Viajou com D. Pedro II para visitar sítios arqueológicos em Pompéia, na  Itália e no Egito.

Esse intercâmbio das artes brasileiras foi uma via de mão dupla, pois ela não só trouxe artefatos de outros países, como também enviou exemplares de arte indígena para o Museu Pré-histórico e Etnográfico Luigi Pigorini, em Roma. Ela comandou escavações no norte da Itália, quando ainda era princesa.  Seu interesse pelas artes e tecnologia fizeram com que ganhasse a estima de D. Pedro II e esse casamento por conveniência acabou se tornando uma parceria.

D. Pedro II como forma de homenagear a esposa após sua morte e para que não ficasse esquecida na história, doou toda a biblioteca documental com textos de fotografias ao Brasil sob a condição de que fosse chamada Collecção D. Thereza Christina Maria. Uma homenagem muito justa e bonita a uma mulher que foi muito importante na formação e história do Brasil.

No site da Biblioteca Nacional é possível ver fotografias de Teresa Cristina com a família imperial e em algumas expedições arqueológicas.

Aqui no Rio de Janeiro as peças garimpadas pela imperatriz estão no Museu Nacional em São Cristóvão, onde era antiga residência da família imperial. Para conhecer sobre a vida e o cotidiano da corte e do dia-a-dia da família imperial, vale a visita ao Museu Imperial de Petrópolis . O prédio que abriga o museu era a antiga casa de veraneio da família imperial e fica a cerca de 65km da capital, na região serrana do Rio de Janeiro. Possui mobiliário da época e os cômodos com peças originais do tempo da monarquia.

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Museu Imperial de Petrópolis – Imagem: Bora Descobrir?

Existe também um busto em sua homenagem na Praça Itália, na esquina da Av. Beira Mar com Av. Antônio Carlos, no Castelo região central do Rio de Janeiro. Foi inaugurada em 2008 e esculpida pelo artista José Luiz Ribeiro.

Entre novembro e janeiro a coleção Collecção D. Thereza Christina Maria esteve exposta na Biblioteca Nacional aqui no Rio. O tempo foi muito curto e infelizmente não consegui ir visitá-la. O título da exposição foi “Viagem ao mundo antigo – Egito e Pompeia nas fotografias da Coleção D. Thereza Christina Maria” Penso que D. Pedro II fez muito bem em colocar o nome da esposa na coleção, pois mesmo tendo ela grande influencia nas expedições arqueológicas, pouco aparece sobre seu protagonismo no próprio texto que fala sobre a exposição no site da Biblioteca Nacional. Inclusive em matérias que falam sobre a exposição, pouco ou nada se fala sobre a participação ativa da imperatriz no legado arqueológico brasileiro. Leia aqui e aqui.

 

Tarsila do Amaral (1886-1973)

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Tarsila do Amaral – Imagem: Wikimedia Common

Tarsila do Amaral teve uma vida bem intensa e rompendo com os padrões da época. Nasceu numa família de fazendeiros do café, o que possibilitou que tivesse uma educação européia. Suas viagens começaram cedo, quando foi para Barcelona concluir os estudos. Casou com um primo, com quem teve sua única filha. O casamento não durou muito tempo. Tarsila gostava de viajar, receber amigos e queria continuar sua carreira artística, o marido era contrário a essas ideias e a relação chegou ao fim.

Após a separação ela foi para Paris estudar artes e morou lá por 5 anos. É uma das pintoras mais expoentes do movimento modernista, mesmo não tendo participado da Semana de 22. Encontrando um novo amor no escritor Oswald de Andrade já de volta ao Brasil, o casal partiu em viagem pela Europa. Quando voltaram para o Brasil, Tarsila viajou pelo Brasil juntamente com outros artistas, numa viagem que seria o resgate das origens brasileiras. É nessa época que ela inicia a fase chamada Pau Brasil, utilizando muitas cores e formas nos seus quadros.

A pintora também foi responsável por inaugurar o movimento Antropofágico, quando pintou sua obra mais famosa, o Abaporu. A união com Oswald de Andrade também não durou muito tempo. O escritor a abandonou para de casar com a estudante Pagu. Na mesma época sua família perde a fazenda devida a crise de 29. Arrasada com os dois acontecimentos, Tarsila passa a se dedicar com afinco ao seu trabalho e consegue o cargo de conservadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo.

Se casa novamente com um e viaja com o marido para a União Soviética onde visita entre outros lugares Moscou, Berlim, Constantinopla e Belgrado. A artista também “pegou no pesado” ao trabalhar como operária de construção, pintora de portas e paredes já de volta à Paris. Após essas experiências suas pinturas passaram a ter a temática social e ela pinta o quadro “Operários”.

De volta ao Brasil ainda foi presa, acusada de subversão por participar de reuniões  polítcas de esquerda.

Foi homenageada em 1963 na Bienal de São Paulo com uma sala dedicada a suas obras e expôs na Bienal de Veneza.

Infelizmente os últimos dias de vida dessa mulher que foi tão importante para a arte brasileira não foram tão felizes. Ficou paraplégica após um erro médico numa cirurgia de coluna, que a deixou numa cadeira de rodas. Logo após sua única filha morreu de diabetes. Tarsila do Amaral morreu em São Paulo aos 87 anos.

Ano passado a exposição Tarsila e Mulheres Modernas no Rio, no Museu de Arte do Rio, homenageou não só a pintora como outras artistas que foram importantes durante os séc. XIX e XX. Não só artistas foram homenageadas, mas também mulheres que atuaram nas áreas da literatura, arquitetura, religião, esporte e política.

Recentemente foi inaugurado o Memorial Tarsila do Amaral, em Sorocaba, São Paulo, cidade onde a pintora nasceu. O museu expõe cerca de 100 peças entre fotos e documentos da vida de Tarsila, bem como releitura de seus quadros.

 

Nair de Teffé (1886-1981)

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Nair de Teffé – Imagem: Wikimedia Commons

Quem imagina que uma esposa de presidente do início do século XX foi a primeira caricaturista mulher do Brasil? Topei com o nome de Nair de Teffé por um acaso em pesquisas pela internet e me surpreendi com sua trajetória. Apesar de o sobrenome ser familiar (era filha do Barão de Teffé), nunca tinha ouvido falar em seu nome.

Também começou a viajar cedo, pois o pai era diplomata. Estudou na França e quando voltou ao Brasil começou a publicar suas caricaturas no jornais da época utilizando o pseudônimo de Rian (que é Nair de trás pra frente). Também era atriz e protagonizou em uma peça de Coelho Neto chamada Miss Love. Criou sua própria Cia de teatro, a Troupe Rian, adaptando peças de autores nacionais. O dinheiro que arrecadou com as bilheterias das peças, financiou a construção da Catedral Metropolitana do Rio. Sua família sempre apoiou seus trabalhos artísticos.

Durante sua estadia em Petrópolis conheceu o presidente Hermes da Fonseca, que acabara de ficar viúvo. O presidente ficou encantado com a jovem e a pediu em casamento. Nair aceitou se casar com Hermes da Fonseca apesar da diferença de idade: 31 anos. Casaram-se no Palácio Rio Negro, em Petrópolis. Como primeira-dama promovia saraus regados a música popular no palácio do Catete, no Rio de Janeiro. Saraus esses que não eram bem vistos pelos inimigos políticos do presidente, principalmente por Nair ser amiga da compositora Chiquinha Gonzaga.

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Palácio Rio Negro em Petrópolis – Imagem: Bora Descobrir?

Com o fim do mandato do marido, viajam a Europa onde ficam durante um tempo. Na volta ao Brasil, participou da Semana de Arte Moderna e tornou-se presidente da Academia de Ciências e Letras, hoje Academia Petropolitana de Letras. Fundou um cinema na avenida principal de Copacabana que levava seu pseudônimo: cine Rian, que foi demolido em 1983.

Com a morte de Hermes da Fonseca adotou 3 crianças, o casal não teve filhos. Morreu aos 95 anos.

Não encontrei registros sobre suas viagens, mas dá pra perceber que muito do que realizou se deveu às viagens que fez e a convivência com outras culturas.

Cecília Meirelles (1901-1964)

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Cecília Meireles – Imagem: Wikimedia Commons

Mulher da poesia, educação e das viagens, Cecília Meireles estreou na literatura brasileira aos 18 anos com o livro “Espectros”.  Órfã de pai e mãe e única sobrevivente de 4 irmãos, foi criada pela avó, na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro. Teve 3 filhas de um casamento de 13 anos com o pintor português Fernando Correia Dias, que cometeu suicídio. Se casa novamente com Heitor Vinícius da Silveira Grilo, engenheiro agrônomo e professor.

Mas deixando as tragédias de lado, vamos falar da trajetória dessa mulher incrível! Fundou a primeira biblioteca infantil, em Botafogo, no Rio de Janeiro. Escrevia sobre os problemas da educação no “Diário de Notícias”. Foi professora de literatura e escrita na UFRJ. Uma das coisas que ela amava fazer era viajar.

Eu só conhecia a Cecília poetisa. Tomei conhecimento de que ela era uma grande viajante numa aula de História do Turismo na faculdade. Li algumas crônicas de “Crônicas de Viagem 2” e fiquei encantada com esse lado viajante dela.

Deu aula de Literatura e Cultura Brasileira na Universidade do Texas, EUA. Viajou pela Europa, África e Ásia realizando conferências e escrevendo suas obras. Uma delas “Viagem” foi responsável por lhe conceder o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, em 1939.  Com este prêmio, Cecília Meireles foi a primeira mulher a ter um livro premiado pela Academia Brasileira de Letras. De sua viagem à Índia resultou o livro “Os Poemas”, que foi editado no país. Além disso, as crônicas sobre suas viagens foram publicadas nos jornais durante os anos 50. No Brasil ela viajou por São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.

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Sala Cecília Meireles, na Lapa – Imagem: Bora Descobrir?

Aqui no Rio de Janeiro, na Lapa, uma sala de concertos homenageia a poetisa: a sala Cecília Meireles. A sala foi inaugurada em 1965, num prédio do séc. XIX onde funcionou antes um hotel e um cinema. O nome foi uma homenagem do governador da época, Carlos Lacerda, que era amigo da poetisa. A casa, que ficou abandonada por muito tempo, passou por reformas recentemente e tem em sua programação concertos de música clássica.

Já conhece o Bora Descobrir? http://boradescobrir.com.br/

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2 comentários em “Mulheres brasileiras viajantes na história”

  1. Nisia Floresta foi uma portiguar que viajou pela Europa do século XIX e publicou vários livros de relatos de viagem.

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