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  1. Fala pessoal, Vou deixar aqui um relato de uma viagem que eu fiz em 2019 para Ruanda, Uganda, República Democrática do Congo e Etiópia em busca do que, na minha opinião, são os vulcões mais incríveis da África. ⚠️ Essa viagem (e muitas outras) está no meu livro / ebook Destino Vulcões, que consegui deixar inteiramente grátis por um tempo no amazon.com.br (link: https://a.co/d/agKaeNM). Instagram: www.instagram.com/destinovulcoes Youtube: www.youtube.com/@destinovulcoes Ruanda, Uganda, República Democrática do Congo, Etiópia e os melhores vulcões da África Introdução – Como tudo começou Acho que todo mundo gosta de bater papo com amigos sobre férias. Brasileiro é meio bisbilhoteiro, né, quando alguém fala que vai tirar férias, logo queremos saber: para onde vai, com quem vai, quanto tempo etc. E foi bem divertido observar as reações do pessoal do meu trabalho quando eu dizia que estava indo passar as férias na Etiópia, República Democrática do Congo (RD do Congo), Ruanda e Uganda! Para não chocar muito, quando me perguntavam para onde eu ia, primeiro eu falava que estava indo para África... Só quando perguntavam mais detalhes é que eu revelava os países. A primeira reação era sempre uma cara de espanto.... Depois da cara de susto, a maioria me perguntava onde ficava Ruanda e Uganda 🤣🤣🤣 . A Etiópia é mais conhecida entre os brasileiros, mas, infelizmente, sua fama é mais associada à fome e à extrema pobreza das décadas de 80-90. Já o Congo, algumas pessoas conhecem do jogo War! Vale lembrar que eu estava indo para a República Democrática do Congo, não confundir com República do Congo, sem o “democrática”, que é um outro país! Ruanda e Uganda já eram bem mais desconhecidas. Após o estranhamento inicial, a pergunta que sempre vinha era: “Mas que raios você vai fazer lá?” Pergunta justa.... Tudo começou porque, em 2019, minha esposa arrumou um novo emprego e só poderia tirar férias em 2020. Ela conseguiu uns dias de “banco de horas”, emendamos com um feriadão e fomos para os Lagos Andinos, mas eu tinha mais 25 dias de férias e, já que ela não poderia vir junto, aproveitei para conhecer alguns lugares “exóticos” que eu sempre quis muito conhecer, mas ela não tinha vontade de ir. Em março de 2018, assisti a um programa da Karina Oliani fazendo uma tirolesa em um vulcão ativo da Etiópia chamado Erta Ale (Ref. 13). Este vulcão também ficava em uma das regiões mais quentes e inóspitas do planeta: Danakil Depression. O programa mostrou belíssimas imagens do vulcão e do Dallol, uma região no meio de um salar com atividade vulcânica e enxofre que forma um cenário belo e colorido. Me interessei de cara pelo Erta Ale! Não foi fácil encontrar referências, e descobri que, infelizmente, nos primeiros meses de 2017, grandes erupções deixaram o lago de lava bem meia-boca. O lago afundou vários metros abaixo na cratera, a lava ficou praticamente invisível, e só se via uma fumaça.... É muito curioso observar os reviews do Erta Ale no TripAdvisor: até janeiro de 2017, todo mundo falava maravilhas do vulcão, experiência da vida, vale todo o perrengue etc. Depois de janeiro de 2017, as opiniões estavam bem divididas. Mas um desses reviews do Erta Ale me chamou a atenção, dizendo que existia um outro vulcão com lago de lava bem mais legal na RD Congo: Nyiragongo! E lá fui eu pesquisar sobre Nyiragongo.... Na época (2019), o Vulcão Nyiragongo era o maior vulcão com lago de lava do mundo e mais ativo da África. Fica no Parque Nacional Virunga, um parque nacional gigante (7800 km2, mais de 300 km na direção norte-sul) na fronteira leste da RD do Congo, que foi o primeiro parque nacional estabelecido na África! Aliás, tem um site muito bom (Ref. 14) com excelente atendimento por e-mail para esclarecer dúvidas. Na época, eu não achava muitas referências sobre o Nyiragongo, só em alguns blogs. Mas, quando assisti ao programa Destino Incomum, do canal Travel Box lá (Ref. 15) visitando o Nyiragongo, não tive dúvidas: esse era o vulcão com lago de lava a ser visitado!!! Assim ficou decidido que o Nyiragongo e o Erta Ale seriam os meus próximos destinos. Uma parte da viagem seria focada no Nyiragongo, outra parte na Etiópia. Não era fácil nem barato chegar em nenhum dos dois vulcões. Para conhecer o Erta Ale, eu precisava pegar uma excursão de 3 dias saindo do norte da Etiópia e com muito pouco conforto. Para chegar ao Nyiragongo, precisava de uma excursão de 2 dias e, além do pouco conforto, ainda tinha que encarar a trilha de subida do próprio vulcão, que é bem puxada! Mas nem só de vulcões vivem esses países. Na região do Nyiragongo, o passeio mais famoso (e bem caro!) é o trekking dos gorilas da montanha em seu ambiente natural, no meio da selva. Os gorilas da montanha são os maiores primatas do mundo! Belos e grandes (felizmente são herbívoros!), compartilham mais de 98% do DNA dos humanos, vivem em família e podem ser vistos muito de perto em alguns parques nacionais da RD do Congo, Uganda e Ruanda. Ainda nessa região, eu queria conhecer o Memorial do Genocídio de Ruanda, para entender melhor um pouco da história desse terrível genocídio, que não teve tanto destaque no noticiário mundial em 1994. Na Etiópia, além do tour pelo Erta Ale e Dallol, eu também queria conhecer Lalibela, uma cidade com igrejas muito diferentes. Definidos os meus principais objetivos na Etiópia e na região do Nyiragongo, era hora de fazer o meu roteiro detalhado para encaixar tudo que eu queria fazer nos poucos dias disponíveis. Imprevisto Normalmente a introdução terminaria aqui, e eu começaria o relato detalhado da viagem, mas tive uma surpresa. Todo o meu planejamento estava indo muito bem, eu estava naquela empolgação, destinos definidos, era hora de planejar meu roteiro detalhado, ver todas as passagens aéreas etc...., mas..., descobri que desde agosto de 2018 estava tendo um grande surto de ebola em algumas regiões da RD do Congo! Este era o segundo maior surto de ebola da história, só superado pelo surto de 2014, na África ocidental (Guiné, Serra Leoa e Libéria). Pouco se falava no Brasil a esse respeito. Em 1 de agosto de 2019, exatamente um ano após o início da epidemia de ebola, 2.619 casos tinham sido confirmados (ainda havia 94 casos prováveis e 423 suspeitos), 1.823 pessoas tinham morrido (mais de 2/3 dos casos confirmados). Ebola na RD do Congo, era só o que me faltava, e agora??? EM TEMPO, atualização de 2023: mal sabia eu que, em 2020, a pandemia de coronavírus ia fazer esses números parecerem “brincadeira de criança”, mas, na época, era muito assustador. Lá fui eu pesquisar muito mais informações a respeito do ebola para ver se ainda dava para eu ir para o Nyiragongo, em meados de abril de 2019. O Site da Organização Mundial da Saúde (OMS, WHO em inglês) tem bastante informação a respeito, além da Wikipédia. A primeira coisa que eu descobri é que os principais focos de ebola na RD do Congo estão nos estados North Kivu, South Kivu e Ituri. Caramba, o Nyiragongo (parte sul do Virunga) fica em Goma, que é a capital do estado do North Kivu! O começo da minha pesquisa não foi nada animador.... Porém, RD do Congo é um país muito grande e descobri que as cidades com os principais focos de ebola eram Butembo, Katwa e Beni. Entre essas cidades, a que ficava mais perto do Nyiragongo, Butembo, fica a 9h de Goma! E, em Goma, não havia nenhum caso de ebola. A RD do Congo é um país com muita riqueza mineral e, praticamente desde sua independência no século XX, vive em conflitos. Após o genocídio em Ruanda, no contexto de tensões entre hutus e tutsis, começou uma guerra civil na RD do Congo (1996-97), depois veio a segunda guerra civil (98-2003), e um conflito na região North e South Kivu (2004, até hoje). Tem estimativas de morte de 2,7 a 5,4 milhões de mortos! Desde então, a região do Parque Virunga e das fronteiras com Ruanda e Uganda têm sofrido com muitos conflitos militares, inclusive com algumas áreas controladas por milícias, muitas vezes apoiadas por governos de outros países, o que gerou muita desgraça social e dificultou muito o combate ao ebola. Equipes da OMS enfrentavam dificuldades significativas para acessar essas áreas e frequentemente testemunham ataques a instalações de saúde. Além disso, as milícias propagavam fake news sobre o ebola, dificultando ainda mais os esforços de combate à doença. Mas Goma é uma cidade de 2 milhões de habitantes, na época totalmente controlada pelo governo, onde os médicos e as instalações para cuidar de ebola estão sob controle. Além disso, a informação mais decisiva para mim foi quando descobri que o ebola não era tão contagioso quanto eu imaginava. O vírus só pode ser adquirido através de contato com sangue e outros fluidos biológicos (saliva, muco, vômito, fezes, suor, lágrimas, leite materno, urina e sêmen) de um humano infectado ou um morcego, que parece ser o único animal que o transmite (mas ainda estavam estudando melhor o assunto). Entre as vias de entrada estão o nariz, a boca, olhos, feridas abertas, cortes ou abrasões na pele. A transmissão por via aérea ainda não foi documentada em ambiente natural. Os sintomas são meio parecidos com outras doenças: febre, garganta inflamada, dores musculares e de cabeça, entre dois dias e no máximo três semanas após a exposição. Mas depois a coisa piora para hemorragias. Não tem um tratamento específico, o tratamento é fundamentalmente paliativo, o importante é a detecção rápida e acesso a serviços e tratamento adequados conforme forem aparecendo os sintomas. Existiam duas vacinas ainda experimentais que estavam sendo utilizadas na RD do Congo e nas fronteiras por profissionais de saúde e pessoas de risco, com bons resultados. Mas e aí, depois de toda essa pesquisa de ebola, será que dava para encarar??? Outro dia, eu estava lendo relatos de trekkings espetaculares do @DIVANEI, um aventureiro das antigas, que faz muita trilha e travessia sensacional, bem raiz (link na Ref. 16). Muito bacana ler as “travessias expedicionárias” na Serra do Mar. Em algum relato, Divanei fazia uma reflexão que se encaixou como uma luva para mim: "Quando a gente é jovem, costumamos tocar o f*da-se, fazer umas porra-louquisses... A gente acaba tomando decisões sem pensar muito nas consequências, vai meio que por impulso, é da nossa idade fazer estupidez. Mas aí, quando a idade chega, a maturidade já toma conta do nosso bom senso...... Só que não, aí a gente descobre que esse papo de maturidade não tem nada a ver com nada, e que quem viveu tomando decisões cretinas, nunca vai aprender mesmo 🤣🤣🤣 ” E foi assim que eu resolvi ir para a RD do Congo, com epidemia de ebola e tudo! E que os deuses da medicina cuidassem de mim.... Pelo menos, dessa vez, eu ia sozinho, não ia levar minha esposa grávida para essa roubada . Brincadeiras à parte, sabendo que (1) o local com bastante casos de ebola ficava a 9h de distância de Goma, especialmente em áreas remotas e rurais sob controle de milícias, (2) na cidade de 2 milhões de habitantes que estava sob controle do governo/organismos internacionais não tinha tido nenhum caso de ebola sequer, e (3) a transmissão é por contato com fluido infectado; achei que dava para encarar, tomando algumas precauções adicionais. Ah, não bastasse toda a confusão do ebola na região, tem outra informação que eu nem contei para a minha família...., mas fica o registro para cada viajante avaliar se vale o risco: o Parque Nacional Virunga ficou fechado de meados de 2018 até fevereiro de 2019 porque uma dessas milícias armadas da região da fronteira RD do Congo/Uganda/Ruanda, chamada Mai Mai, matou um ranger do parque e sequestrou um motorista e 2 turistas britânicos, que só foram libertos três dias depois! O Parque Nacional Virunga só foi reaberto em fevereiro de 2019, depois que eles revisaram e aumentaram ainda mais os protocolos de segurança. Segue a foto do pessoal que escoltou a gente até a entrada do vulcão, “pouca” gente armada, né?.... Ebola, guerra civil, estava me sentindo igual ao “Não Conta lá em Casa” (Ref. 17)... Figura IV‑1: Escolta armada Virunga A opção mais lógica seria fazer o gorilla trekking e o Nyiragongo no Virunga. Mas, na época em que eu pesquisei, os horários dos tours eram muito restritos (porque só saíam com a escolta fortemente armada) e não batiam com os horários dos voos da Etiopian Airlines para Goma. A outra opção seria voar até Ruanda, fazer o gorilla trekking em Uganda ou Ruanda, que ficam próximos, e atravessar a fronteira para Goma por terra para ir só no Nyiragongo, em RD do Congo. Achei melhor esta opção, pois minimizava os dias na RD do Congo com a epidemia de ebola e, também, dava para conhecer um pouco de Ruanda e Uganda. Enfim, com os riscos avaliados, mitigando o que foi possível, loucura ou não, eu resolvi ir para a RD Congo! E estava indo tudo bem: fechei meu roteiro detalhado, comprei minhas passagens (caro!), comecei a pagar os passeios para o Nyiragongo e dos gorilas (caros!) para a segunda quinzena de setembro. Eu já tinha gastado uns 2500 $USD na viagem, até que..., vendo noticiário...., descubro que, no meio de julho 2019, apareceu o primeiro caso de ebola confirmado em Goma! Pqp.... Preocupação total na OMS, que colocou o surto no mais alto nível de alarme na OMS. O ebola não estava mais apenas em áreas remotas e rurais sob controle de milícias, ele tinha chegado a uma cidade de 2 milhões de habitantes que tem uma importante e muito movimentada fronteira com Ruanda. Poucos dias depois, o segundo caso foi detectado em Goma (não relacionado ao primeiro), com morte e, logo depois, um terceiro caso dessa família!!! No dia 1 de agosto, vi no jornal que Ruanda fechou a fronteira com RD do Congo, exatamente a mesma fronteira que eu iria cruzar um mês e meio depois: Figura IV‑2: Fechamento da fronteira Ruanda e RD do Congo (link) Nesse momento, só vinha um pensamento na minha cabeça: Fu☠️☠️☠️ geral!! Mandei e-mails para o pessoal do Virunga e para a agência do gorilla trekking na Uganda para pedir mais informações. O pessoal do Virunga disse que, aparentemente, foi um mal-entendido, que a fronteira já havia sido aberta logo depois, que foram casos isolados e todas as pessoas em contato com os infectados foram vacinados. Por fim, eles disseram que estavam monitorando a situação de perto, mas, a princípio, os tours seguiam funcionando. Já a agência de Uganda explicou que os 3 casos de ebola detectados em Uganda (eu nem sabia que também tinha tido ebola em Uganda!), em junho 2019 foram casos isolados, tratados e, a OMS, seguindo os protocolos, declarou Uganda free of ebola depois de 40 dias sem nenhum caso. Se eu não tivesse gastado tanta grana, provavelmente teria cancelado a viagem. Mas agora não tinha outra opção a não ser seguir em frente, acompanhando.... Se houvesse um surto em Goma, eu não iria ao principal objetivo da minha viagem: Nyiragongo! No final, acabei mesmo indo para a RD do Congo em meados de setembro de 2019. Passei lá o menor tempo possível, apenas para ver o vulcão. Cheguei na fronteira 7h da manhã, fui com transporte do Virunga direto para o vulcão, dormi lá no alto, e meio-dia do dia seguinte eu já estaria cruzando a fronteira de volta à Ruanda. De modo geral, na RD do Congo eu só tive contato com dois funcionários do escritório do Virunga, com motorista, um guia, e uma meia dúzia de rangers e porters do parque nacional. Também levei alguns remédios e máscaras, se houvesse alguém tossindo por perto, just in case, mas acabei nem usando. Para finalizar sobre o ebola: como acabei indo para região, pude observar que, nas áreas sob controle do governo em Ruanda, Uganda e RD do Congo, ações de controle estavam sendo tomadas. Dos dois lados de cada fronteira, disponibilizam água limpa para lavar as mãos e faziam medições de temperatura em todas as pessoas. Além das fronteiras, montaram checkpoints para medição de febre e lavagem nas estradas, perto das principais cidades. E até mesmo quando eu cheguei de avião na Etiópia e viram no passaporte meu visto do RD do Congo, mediram minha temperatura.... Nessa época (antes da pandemia do covid-19), eu nem sabia que tinha termômetros que mediam a febre com um aperto de botão, instantâneo. Tinham cartazes informativos falando do ebola em vários aeroportos e, também, observei as instalações de saúde. OK, não eram hospitais supermodernos, eram uns barracões de lonas temporárias, mas, ao menos, pareciam minimamente apropriados para fornecer tratamento. E tinha muita presença de organismos internacionais, como OMS, Red Cross, Médicos sem fronteiras, e um monte de gente sendo vacinado. No final do segundo semestre de 2019, melhorou um pouco a situação e, desde fevereiro de 2020, tem poucos casos de ebola na região, estão quase erradicando a doença, felizmente! DISCLAIMER: Todas as informações contidas neste livro são resultado de pesquisa e curiosidade de viajante do autor, e são apresentadas no contexto do relato das viagens. As referências consultadas estão detalhadas no capítulo I. No entanto, é importante ressaltar que essas informações não devem ser consideradas como dados científicos. Recomenda-se que consulte fontes científicas confiáveis para obter informações precisas e atualizadas sobre os temas abordados em todo o livro. O autor não assume responsabilidade pela utilização das informações aqui apresentadas. Resumo do Roteiro Figura IV‑3: Roteiro da viagem para a África O roteiro escolhido foi: Dia 1 -> São Paulo –> Addis –> Kigali Dia 2 -> Kigali (Ruanda) Dia 3 -> Gorilla trekking (Uganda) Dia 4 -> Nyiragongo (R.D. congo) Dia 5 -> Nyiragongo -> Addis (Etiópia) Dia 6 -> Lalibela Dia 7 -> Axum e Tigray churches Dia 8 -> Salar Danakil Dia 9 -> Dallol e Erta Ale Dia 10 -> Lago Afrera Dia 11 -> Addis –> SP Relato dia a dia Dia 1-> São Paulo –> Addis –> Kigali Meu voo saía cedinho (01h) de São Paulo, cheguei às 19h em Addis (Etiópia) e peguei voo às 22h45, chegando às 00h45 em Kigali (Ruanda), já madrugada do dia seguinte. Imagina o cansaço até então.... Mas o pior do dia ainda estava por vir! O destaque negativo foi o meu recém-comprado drone. Esta era a primeira viagem internacional que eu estava levando meu drone, estava todo empolgado com isso! Quem quer viajar com drone deve saber que a primeira coisa a se fazer é pesquisar sobre as restrições do destino, e é chato para caramba pesquisar regulamentos de drones mundo afora. Eu achei um site de drones que classifica os países com sinal verde (= drone liberado); sinal amarelo (= tem algumas restrições, mas dá para usar); e sinal vermelho (= proibido). O Brasil, por exemplo, está no amarelo, tem que preencher um monte de coisa no site da ANAC, mas normalmente dá para usar drone sem maiores problemas. A grande maioria dos países está com sinal amarelo. Vi que todos os meus destinos estavam no amarelo e me dei por satisfeito com essa pesquisa. Mal sabia eu que o diabo estava nos detalhes... Chegando no aeroporto de Kigali (Ruanda), enquanto aguardava na fila da imigração para dar entrada no país, estava passando um simpático vídeo sobre drones em um telão, que dizia para os turistas registrarem seus drones no aeroporto. Na hora, eu pensei: “como eu não vou usar o drone em Ruanda, nem vou me preocupar com essa burocracia de registro”, mas assim que passei pela imigração, fui surpreendido por um raio-x para bagagens de mão antes da saída do aeroporto. Estamos acostumados a ver esses raios-x antes de embarcar, não na saída do aeroporto. Por causa desse raio-x, achei melhor procurar o guarda e avisar que eu tinha um drone e queria fazer o registro. O guarda não entendeu direito quando eu disse que tinha um drone, repeti algumas vezes até ele entender, e ele me pediu para esperar um tempo. Depois de alguns minutos, o guarda chegou com outro funcionário, que me perguntou de novo se eu tinha um drone. Na hora, eu pensei: “ufa, finalmente chegou o cara que iria fazer o registro do meu drone para eu poder ir embora logo”..., mas..., “ni qui” eu confirmei que tinha um drone...., ele disse que confiscaria o aparelho!!! Ca☠️☠️☠️☠️☠️, como assim??? Eu expliquei que fui voluntariamente procurar os guardas no aeroporto apenas para registrar o meu drone e, só queria fazer um registro com a agência de aviação de lá (como a ANAC, basicamente era o que dizia o videozinho da imigração), mas eu nem iria utilizá-lo em Ruanda! Então o cara explicou que ele era policial, não era funcionário da agência de aviação. Como estava tarde, não tinha ninguém da agência lá, a única diretriz que ele tinha era reter drones sem autorização no aeroporto e que eu poderia retirar depois, na saída de Ruanda! Em nenhum momento o policial foi agressivo. Teve até uma hora que ele perguntou qual era o problema de deixar o drone retido no aeroporto e pegar na saída, se eu não confiava nele, ou na polícia de Ruanda. Eu disse que o problema não era esse, mas que eu estava indo para a RD do Congo por via terrestre e pretendia utilizar o drone lá. Depois fomos para a salinha da “polícia federal” no aeroporto e, fiquei um pouco mais tranquilo quando vi um milhão de drones retidos lá. Já que prometer que não iria usar o drone em Ruanda não estava adiantando muito, minha próxima tentativa de sensibilizá-lo foi insistir que eu iria pedir a autorização para a agência de aviação da Ruanda no primeiro momento possível, seja online ou pessoalmente na manhã seguinte. Foi aí que ele me explicou que seria quase impossível eu conseguir uma autorização de drone na agência de Ruanda, pois era um processo mega complicado, que precisa ser feito com muitas semanas de antecedência, pagando altas taxas, praticamente só para fins comerciais... Aquele videozinho do aeroporto que parecia uma moleza para turista conseguir autorização era o maior “pega trouxa”, o governo não quer drones no país de jeito nenhum! Ok, sabendo disso, preparei minha última cartada: falei para ele que não dava para ficar com meu drone retido lá porque iria sair do país por fronteira terrestre. Expliquei para o policial que, às 3h da manhã do dia seguinte, eu iria sair de Ruanda pela fronteira terrestre com Uganda, e não pelo aeroporto. Mostrei o voucher do meu tour em Uganda, era tudo verdade, mas eu não contei para ele que, depois disso, eu ainda voltaria para Ruanda duas vezes via fronteiras terrestres. Também não contei que a minha “saída final” da região seria por aquele mesmo aeroporto, quatro dias depois... Só enfatizei que, na madrugada do dia seguinte, sairia de Ruanda pela fronteira terrestre. Ele pensou um pouco e me disse que nesse caso ele iria sim liberar a minha retirada do drone, mas somente na noite anterior à minha saída, a partir das 18h! Então ele preencheu um formulário com a identificação do drone, deixou o celular dele anotado (caso ele não estivesse no aeroporto na hora da minha retirada) e finalmente, depois de mais de uma hora e meia, saí do aeroporto de Kigali com meu drone novinho retido até o dia seguinte. “Bela” maneira de começar minha viagem! No final, fiquei feliz que consegui dar um jeito de retirar o meu drone antes da saída para Uganda, pois meu objetivo principal era filmar o Nyiragongo. Por outro lado, fiquei bastante apreensivo com aquele controle todo, pois ainda teria que entrar em Ruanda pelas fronteiras terrestres duas vezes, como seria? No fundo, fiquei na dúvida se era melhor ter desistido e deixado o drone lá mesmo no aeroporto, ou se valeria a pena arriscar ter o drone confiscado cruzando algumas fronteiras terrestres remotas, por guardinhas que sabe-se lá teriam o mesmo tratamento adequado com os turistas que aquele chefe da polícia do aeroporto... Mas isso são cenas do próximo capítulo! Dia 2 -> Kigali (Ruanda) Depois do imbróglio do drone, acabei chegando no hotel lá pelas duas e tantas da manhã. Eu só tinha reservado a noite do dia seguinte, meu check-in era só a partir do meio-dia, mas eu pude pegar um quarto sem nenhum custo adicional, obrigado Hotel Okapi! Na minha pesquisa sobre Ruanda, o que mais me atraiu eram os memoriais do genocídio de 1994, especialmente o Memorial do Genocídio e o da Igreja Nyamata. Também queria aproveitar para dar uma volta no centro de Kigali e tentar conhecer o Hotel Mille dês Collines, do filme Hotel Ruanda. Aliás, além de ser um filme muito bacana, é imperdível para quem quer conhecer um pouco mais sobre o genocídio de Ruanda. No último capítulo também tem as principais referências aonde obtive as informações desse capítulo. Resumindo a história do genocídio de Ruanda: foi um massacre (em massa) de pessoas dos grupos étnicos tutsi, twa e hutus moderados que ocorreu durante a guerra civil de Ruanda, entre 7 de abril e 15 de julho de 1994 (mesmo ano da copa do mundo que o Brasil foi tetra e da morte do Ayrton Senna). Estima-se que 800 mil pessoas mortas de um país que, na época, tinha aproximadamente 7 milhões de pessoas, ou seja, aproximadamente 12% da população total do país e 70% da população Tutsi de Ruanda. Usando a mesma proporção, seria como se 22 milhões de brasileiros (de 200 milhões) fossem assassinados em 3 meses de genocídio. E, na época, eu nem sequer tinha ouvido falar a respeito... Impressionante como alguns massacres chamam a atenção da mídia e tem cobertura por aqui, enquanto outros passam despercebidos. Existem algumas opiniões meio divergentes se existiam diferenças físicas entre tutsi e hutus, ou não. Segundo o Memorial de Kigali, todos os ruandeses são originários de 18 tribos, e as categorias hutu, tutsi e twa (pigmeus) eram distinções socioeconômicas dentro dessas tribos, mas não distinção racial. Mas, em 1932, quando os colonizadores belgas começaram a emitir os cartões de identidade, a separação passou a ser mais explícita. Quem tivesse dez vacas seria um tutsi (15% da população), e qualquer um com menos de 10 vacas seria hutu (85%) e ficaria marcado na identidade. Era uma tentativa dos belgas de exercerem melhor o controle na região através de um sistema de castas sociais. E, durante todo o período colonial, a rivalidade étnica foi sendo alimentada. Os líderes que comandavam a região, apontados pelos belgas, eram sempre os tutsis. Em troca de lealdade aos belgas, os tutsis tinham melhores cargos, melhor educação, melhores empregos, excluindo a grande maioria hutu do processo socioeconômico, que obviamente não ficou nada feliz com isso.... Mas, com a escassez de terras e a fraca economia, baseada na agricultura (café), a rivalidade étnica foi aumentando. Em 1956, quando os tutsis tentam a independência, os belgas passam a apoiar os hutus, até a independência de Ruanda em 1962, quando os hutus tomaram o poder e começaram a marginalizar os tutsis. Em 1989, quando o preço do café caiu 50%, o país ficou à beira do colapso. E este roteiro a gente já conhece: crise econômica, rivalidades, um grupo culpando o outro pela crise, menos tolerância, mais extremismo. A maioria hutu passou a atribuir todas as mazelas da nação à população tutsi. Pressionados pelo revanchismo, muitos tutsis abandonaram ou foram expulsos do país, formando imensos campos de refugiados especialmente em Uganda, além da RD do Congo e Burundi. E, em Uganda, foi formada a Frente Patriótica de Ruanda (FPR), para lutar contra o governo hutu, inclusive com armas, apoiada pelo governo de Uganda. Ou seja: de um lado, o exército hutu, comandando por Ruanda, com apoio regional da RD do Congo e europeu da França, e, do outro, a Frente Patriótica de Ruanda, dos tutsis, com apoio regional da Uganda e europeu da Bélgica. Todos os ingredientes necessários para começar uma guerra civil estavam presentes! Logo começaram os combates militares e, em 1989, FPR invadiu Ruanda pela fronteira com a Uganda. Pouco tempo depois, iniciou-se uma negociação de paz entre a FPR e o governo hutu e, em 1993, houve um acordo de Arusha, na Tanzânia, que previa a criação de um governo de transição mediado pela ONU composto de hutus e tutsis. Mas, em abril de 1994, o presidente hutu Juvenal Habyarumana foi morto em um atentado contra o avião, atribuído aos tutsis, e esta foi a gota d’água que desencadeou o genocídio em Ruanda. O avião foi derrubado por um míssil quando estava para pousar em Kigali. Enquanto alguns atribuem aos tutsis da FPR a derrubada do avião, outros dizem que foram hutus extremistas que não queriam o acordo de paz e já estavam com genocídio planejado. Até hoje não se sabe ao certo quem derrubou o avião... O filme Hotel Ruanda mostra que, no início do genocídio, havia muitas milícias extremistas hutus, especialmente uma chamada Interahamwe, que pleiteava abertamente o extermínio dos tutsis (inclusive em programas de rádio). Sem os tutsis, os problemas de Ruanda desapareciam! Não se sabe ao certo se o governo hutu participava diretamente destes grupos, mas sabe-se que, pelo menos, as milícias não eram reprimidas e eram armadas pelo governo. Alguns historiadores dizem que essas milícias pareciam a forma não oficial que o governo encontrou de matar os tutsis. Existem versões que dizem que o próprio governo planejou, com meses de antecedência o genocídio. O fato é que, desde as invasões dos tutsis da FPR no norte de Ruanda, massacres esporádicos dos Tutsis em Ruanda se tornaram mais frequentes. Mas o assassinato do presidente hutu Habyarumana gerou um vácuo de poder, que serviu para as lideranças hutus extremistas e milícias conclamarem a população a exterminar os tutsis. Começaram, então, as execuções sumárias, com uma organização meticulosa. As listas de opositores do governo foram entregues às milícias, juntamente com os nomes de todos os seus familiares. Como na época as carteiras de identidade apresentavam o grupo étnico das pessoas, as milícias montaram bloqueios nas estradas onde abatiam os tutsis, muitas vezes com facões que a maioria dos ruandeses tinha em casa. Não foram só as milícias que mataram, a população em geral também participou. Quem não participou foi acusado de traição e morto também, muitos hutus moderados foram executados. As cenas dos do filme eram chocantes, as do Memorial do Genocídio, então.... E não era só matar, tinha que ser cruel. Homens (muitos com AIDS) estupravam mulheres, maridos foram obrigados a matar suas mulheres antes de serem mortos, mulheres foram obrigadas a matar crianças antes de serem mortas, crianças eram forçadas a participarem dos massacres. No interior, era pior, porque todos se conheciam e sabiam quem devia morrer. Muitas famílias foram separadas. Milhares de órfãos. Muitas famílias morreram por inteiro, sem ficar ninguém para contar a história… Isso tudo ocorreu durante mais de 3 meses, com ONU e mundo ocidental de braços cruzados. ONU e Bélgica tinham forças de segurança em Ruanda, o general canadense Romeo Dellaire chefe da missão da ONU tentou pedir ajuda para evitar o massacre, mas não foi dado à missão da ONU um mandado para parar a matança. Os belgas e a maioria da força de paz da ONU se retiraram depois que dez soldados belgas foram mortos. As forças da ONU salvaram os estrangeiros, mas não se importaram em deixar os tutsis para trás. Os franceses, que eram aliados do governo hutu, enviaram militares para criar uma zona supostamente segura, mas foram acusados de não fazer o suficiente para parar a chacina nessa área. O atual governo de Ruanda acusa a França de "ligações diretas" com o massacre - uma acusação negada por Paris. Na época, os EUA trabalharam para que conselho de segurança da ONU, que condenou o massacre, não usasse o termo genocídio, pois isso implicaria intervenção da ONU (e, por extensão, dos EUA). Na época dos massacres, os Estados Unidos ainda sofriam as consequências de sua humilhante intervenção na Somália, em que membros de milícias arrastaram corpos de soldados americanos pelas ruas da capital Mogadíscio e aparentemente não tinham interesse em repetir a história intervindo na Ruanda. O genocídio só acabou quando a FPR derrotou o governo e tomou o poder. Grande parte desta história é contada no Memorial do Genocídio de Kigali. Lembrando que, como ele foi criado pelo atual governo, tem um viés meio tutsi. Depois do final do genocídio, milhões de hutus (inclusive as milícias hutu Interahamwe e integrantes do exército), fugiram para RD do Congo. Lembrando que antes estava cheio de refugiados tutsi lá... A confusão entre Tutsis e Hutus ainda deu muito que falar na RD do Congo, eu falarei detalhes no relato dos dias do RD Congo. O líder da FPR era Paul Kagame. No governo estabelecido depois do fim do genocídio, escolheram como presidente Pasteur Bizimungu, um hutu moderado, e Paul Kagame, tutsi, como vice-presidente. Isso foi muito importante para evitar uma onda de vingança. Paul Kagame virou presidente em 2000 e está lá até hoje, sendo alvo de controvérsias. Por um lado, conseguiu muito desenvolvimento econômico e social, mas por outro, alguns acusam de violar direitos humanos e a suprimir oposição... EM TEMPO, atualização de ago/2020: vi a notícia que o ex-gerente do Hotel Miles de Coline - do filme Hotel Ruanda - Paul Rusesabagina foi preso pelo governo atual, acusado de terrorismo. Desde que foi morar no exterior, Paul Rusesabagina se tornou crítico de Paul Kagame. Eu precisava conhecer melhor este processo, mas, enfim, um governo acusar os opositores de “terrorismo” não é muito original.... Por outro lado, se, no filme, Paul Rusesabagina é retratado como herói, há também outras versões não muito abonadoras dele, envolvendo cobranças e maus tratos às pessoas que ficaram escondidas no hotel, vai saber... Meu primeiro passeio foi no Memorial do Genocídio de Kigali. A casa é meio simples, do lado de fora, tem um jardim e túmulos onde foram sepultados os restos mortais de 250 mil pessoas, muitas flores e homenagens. Ainda do lado de fora, estavam construindo um auditório coberto. Tinha bastante placa comemorativa dos 25 anos de genocídio. É um lugar agradável, mas o exterior é até modesto, não é nenhum museu mega arquitetônico, nem mega jardim, nem nada. Mas eu achei o conteúdo do memorial muito interessante. Não paga nada para entrar no memorial, mas cobrava se você quiser utilizar o audiovisual (25 $USD), e se quisesse tirar foto dentro do museu (20 $USD). Depois que eu conheci todo o museu e desisti da ida à Igreja de Nyamata, resolvi pagar a facada da taxa e tirar fotos da parte de dentro. Acabei vendo o museu inteiro duas vezes, passei umas 3h30 lá! Não achei necessário o audiovisual, porque, mesmo sem ele, tinha muita informação no museu. Ao longo de todo o museu, tem fotos, painéis e vídeos bacanas. Na primeira parte do museu, tem muitos painéis com textos bacanas contando a história do genocídio (vide vídeo Cap IV‑1, youtube.com/@destinovulcoes, link para o QR Code). Também tem uns porretes e machadinhas que foram utilizados no genocídio, e muitas fotos de locais onde houve massacres. Até aprendi o significado de machete em inglês, facão. Figura IV‑4: Algumas armas usadas no genocídio DISCLAIMER: esta parte do livro a seguir é mais pesada, com mais detalhes sobre o terrível genocídio. Quem não quiser ler este trecho, pode ir direto para o final do dia em Kigali, clicando aqui (no livro tem um link...). A próxima parte do memorial se dedica mais à memória das vítimas, com exposições de fotos, roupas e itens pessoais, crucifixos, terços e esqueletos. Figura IV‑5: Fotos das vítimas Figura IV‑6: Ossos das vítimas Esta parte de exposição dos itens das vítimas é muito triste e, impactante. O mais triste talvez seja ver os crânios. Tem alguns crânios com mega buracos bizarros, tipo de martelada! Tem muitos vídeos contando histórias muito emocionantes e tristes, como a busca pelos desaparecidos. Salvei dois vídeos dessa parte no canal, vídeo Cap IV‑2 e Cap IV‑3. Figura IV‑7: Crânios de vítimas Depois tem uma parte do memorial bem bacana sobre vários genocídios no mundo. Tem alguns que eu nem conhecia, como o genocídio da Namíbia, em 1904-1905, cometido pelos colonizadores alemães com alguns nativos africanos. Segundo o memorial, mataram 65.000 dos herero (80% da população) e 10.000 dos nama (50% da população). Além disso, o museu fala um pouco do genocídio judeu na Segunda Guerra Mundial, e depois do genocídio do Camboja, em 1975-1979, através do qual morreram 2 milhões de pessoas, 30% da população, e 95% dos templos budistas foram destruídos. Por fim, eles falam dos Bálcãs, nos anos 1990. DISCLAIMER: esta parte é a mais pesada do genocídio, quem quiser pode ir direto para o final do dia em Kigali, clicando aqui. A parte mais triste ficou para o final... A última parte é dedicada às crianças vítimas do genocídio. Eles reuniram as fotos de algumas crianças e colocaram algumas lembranças sobre as vítimas!!! Não deu para segurar as lágrimas, é de partir o coração. Especialmente para um pai com filhos pequenos, de 5 e 2 anos na época. Nesta parte, havia fotos grandes e placas em frente com algumas lembranças das vítimas: Figura IV‑8: Ariane e David Figura IV‑9: Ariane Figura IV‑10: David Ariane Umutoni, 4 anos; Comida favorita: bolo; bebida favorita: leite; Gostava de: cantar e dançar; Comportamento: uma garotinha legal (minha tradução de neat); Causa da morte: esfaqueada nos olhos e na cabeça. David Mugiraneza, 10 anos; Esporte favorito: futebol; Gostava de: fazer as pessoas sorrirem; Sonho: virar médico; Última frase: “UNAMIR* virá nos salvar”; Causa da morte: torturado até morrer. *UNAMIR = United Nations Assistance Mission for Rwanda, missão de paz para Ruanda da ONU. Um soco no estômago!! Triste demais.... Figura IV‑11: Patrick e as irmãzinhas Uwamwezi e Irene Figura IV‑12: Patrick Figura IV‑13: Irene e Uwamwezi Patrick Gashugi Shimirwa, 5 anos; Esporte favorito: andar de bicicleta; Comida favorita: Chips, carne e ovos; Melhor amiga: Alliane, sua irmã; Comportamento: um garoto quieto e bem-comportado; Causa da morte: golpe de facão. Irene Umutoni e Uwamwezi, 6 e 7 anos; Irmãs; Brinquedo favorito: uma boneca que elas dividiam; Comida favorita: frutas frescas; Comportamento: garotinhas do papai; Causa da morte: uma granada lançada no chuveiro delas. (“PQP”, granada no chuveiro!!!) Figura IV‑14: Thierry e Fillette Figura IV‑15: Thierry Figura IV‑16: Fillette Thierry Ishimwe, 9 meses; bebida favorita: leite da mamãe; Comportamento: chorava bastante; Características: um bebê pequeno e fraco; Causa da morte: facão enquanto estava nos braços da mãe. Fillette Uwase, 2 anos, brinquedo favorito: boneca; comida favorita: arroz e chips; melhor amigo: o papai dela; Comportamento: uma boa garota; Causa da morte: espremida contra parede. 9 meses e 2 anos, caramba, é desesperador!!! A que ponto chegam os seres humanos em guerras e genocídios. Crianças e bebês, é muita falta de humanidade! Tinha mais uns 3 painéis desses com lembranças, além de muitas fotos de outras vítimas do genocídio... Fortes emoções, muitas lágrimas nessa parte do memorial! Salvei um vídeo dessa parte no canal, vídeo Cap IV‑4. Final do dia em Kigali Na minha opinião, por mais triste que seja, essas desgraças e genocídios precisam ser estudados e registrados para que nunca mais voltem a acontecer. A visita ao memorial começa e termina com vídeos bacanas, de cerca de dez minutos, que falam sobre o genocídio. No final, passa uma mensagem inspiradora de reconciliação, destacando como as pessoas entenderam que a vingança não levaria a nada e não as ajudaria a viver em paz. Hoje, o país está bem melhor que muitos vizinhos, e a situação racial parece estar bem mais apaziguada. Além disso, é proibido classificar tutsi-hutus, só existem ruandeses. Gostei muito do Memorial do Genocídio, e eu achei que, no final, ficou essa imagem bonita de reconciliação. E o país, de uma forma geral, evoluiu. O PIB cresceu, em média, 8% de 2000 até 2013. A expectativa de vida cresceu 10 anos na última década. Vejo muitos mochileiros rodando pela África dizendo que Ruanda é muito limpa, organizada e tem boa infraestrutura. Aparentemente está muito melhor que Burundi, RD do Congo, Uganda, Moçambique, Zâmbia, mas, até para alinhar expectativas, está bem pior que Brasil. Nos rankings de IDH, PIB, PIB per capita, Ruanda está melhor que muito país africano, mas ainda está lá no último quarto das listas: posição 140 (ou mais) de 180 e poucos países... De qualquer forma, não deixa de ser admirável como o país se reergueu rapidamente após o genocídio. Existem vários memoriais do genocídio em Ruanda. O outro memorial que mais me interessava era na Igreja de Nyamata, meu plano inicial era ir lá no período da tarde. Mas ficava longe, 1 hora de carro de Kigali, os tours eram bem caros, táxi também, se fosse de busão ia ficar tarde, acabei desistindo. Resolvi almoçar no próprio restaurante do memorial, deixando a tarde livre para dar uma volta no centro e conhecer melhor Kigali. As fotos a seguir foram tiradas dos jardins do memorial (que fica na parte baixa da cidade) e mostram bem o contraste do centro, no alto da colina, com prédios espelhados e mais ricos e, na parte baixa, casas beeeeeeem mais simples, e até umas zonas meio rurais. Os hotéis chiques, o meu hotel sem-vergonha, e o centro comercial ficavam no alto da colina, distante uns 50 minutos a pé do memorial do genocídio, já em uma área mais simples. Figura IV‑17: Alto da colina, com prédios mais modernos Figura IV‑18: Contrastes de Kigali Fui a pé até o memorial, valeu a pena conhecer o “mundo real” de Kigali, fora do centro mais rico. Não aconteceu nada, mas eu não fiquei 100% confortável andando por lá “vestido de turista”, com mochila, câmera etc. Na volta, fiquei com preguiça de encarar aquela subida e pedi para o recepcionista do memorial chamar um táxi, e ainda bem que eu tinha combinado o preço com esse cara da recepção, porque o espertinho do taxista estava querendo dar uma de João-sem-braço e me cobrar o dobro.... Minha primeira parada foi no Hotel Mille des Collines, famoso Hotel Ruanda do filme. Fingi que ia comer algo no restaurante do hotel para conhecer a área externa. Em pensar que, quando cortaram a água do hotel, essa piscina foi a única fonte de água de mais de mil pessoas refugiadas ali (segundo o filme)! Depois, dei uma volta rápida pelo centro. Alguns prédios modernos, hotéis bacanas, shoppings. Como os gorilas são a principal atração turística de Ruanda, também tem bastante estátua e adereços relacionados a eles pelas ruas. Figura IV‑19: Piscina do “Hotel Ruanda” Figura IV‑20: Uma das muitas rotatórias decoradas com gorilas Memorial do Genocídio: #valeapena Dia 3 -> Gorilla trekking (Uganda) Por questões logísticas, financeiras, de segurança e até "epidêmicas" que eu expliquei no início do capítulo, eu achei melhor fazer o gorilla trekking em Uganda. Os gorilas da montanha sofreram anos de caça predatória, o que reduziu drasticamente sua população na África. Dizem, inclusive, que eles migraram para regiões mais montanhosas e se adaptaram a altitudes elevadas justamente para escapar da caça. Mas, ultimamente, os governos da região da tríplice fronteira entre Uganda, Ruanda e RD do Congo passaram a cuidar deles de forma mais efetiva. E depois que perceberam o potencial turístico, têm feito um enorme esforço para protegê-los e, através do turismo, incentivar a conscientização e levantar recursos para continuar o trabalho de proteção. Os gorilas da montanha só existem em Uganda, Ruanda e RD do Congo (embora existam outras espécies de gorila na parte ocidental da África). Eles vivem livres nas florestas, demarcadas em parques nacionais. Hoje a população de gorilas da montanha começou a crescer, já tem uns mil. Eu fui ver os gorilas no Parque Nacional Mgahinga, que é uma pequena continuação do Parque Nacional Virunga, cruzando a fronteira do lado de Uganda. A continuação do Virunga no lado da Ruanda chama-se Parque Nacional dos Vulcões. Em Uganda, ainda existem gorilas da montanha em outro parque nacional, o Bwindi, que é maior e abriga mais gorilas que o Parque Nacional Mgahinga. No geral, achei os parques nacionais relativamente bem cuidados. O sistema de visitas de gorilas é limitado em número de pessoas e duração (uma hora por dia), com proteção dos rangers (guardas florestais). O trabalha dos governos pareceu bem planejado e sustentável, embora o custo dos passeios seja bem alto. Os gorilas da montanha são imensos, estilo King Kong. O macho silverback mais alto já registrado pesava 219 kg e media 1,95 metros de altura (na média, são um pouco menores). Eles têm hábitos familiares e diurnos. Eles são 95% vegetarianos, se alimentando principalmente de um tipo de bambu. Os outros 5% são de formigas, que complementam a proteína na alimentação deles. Ao contrário dos chimpanzés, por exemplo, que vivem mais nas copas das árvores, eles vivem majoritariamente no chão. É possível chegar muito perto deles, uns 5 metros. Devido ao turismo recente, desde a década de 90, muitos já estão habituados à presença humana. Somente as famílias habituadas podem ser visitadas. Eu decidi ir no Mgahinga National Park em vez do Bwindi National Park (o mais famoso em Uganda), porque ficava mais perto da fronteira com Ruanda. O preço era o mesmo, mas, apesar de ambos ficarem próximos à cidade de Kisoro, a entrada do gorilla trekking, no Mgahinga, ficava a 30 minutos da fronteira, enquanto a entrada mais próxima para gorilla trekking do Bwindi ficava a 1h30 da fronteira. Achei que Mgahinga foi uma boa escolha pela distância e também porque a mata no Bwindi é bem mais densa, tornando o trekking lá teoricamente mais desafiador. Além disso, achei bacana que o gorilla trekking no Mgahinga é feito aos pés do belo vulcão inativo Muhabura (4127 m), na divisa de Uganda com Ruanda. A região é bem bonita, de um lado, tem o Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda e, do lado de Uganda, o Mgahinga. O gorilla trekking era um passeio que eu queria muito fazer, as minhas expectativas eram bem altas. Mas era bem caro, só a entrada no parque (licença para turista) custava 600 $USD e ainda tinha o translado, o visto do país e a gorjeta. Eu tinha lido muitos relatos de viajantes impressionados com a experiência de visitar os gorilas da montanha em seu habitat natural, no meio da floresta, sem cercas e sem a proteção de um carro, como nos safaris. Muito legal ficar a poucos metros desses bichos gigantes, mas inofensivos, com hábitos parecidos com os nossos e, dependendo do ponto de vista, até fofinhos 🤣 . E, como os rangers monitoram as famílias de gorilas todos os dias, a chance de vê-los é praticamente 100 %. A atração principal do passeio era, sem dúvida, a ver os gorilas, mas também fazia parte da aventura fazer um trekking na segunda maior floresta tropical do mundo, depois da Amazônia! Vi programas de tv, viajantes e operadores de tours falando bastante sobre a desafiadora caminhada na mata até encontrar os gorilas. Não dava para saber de antemão o tempo da caminhada, poderia chegar a 3h no meio da mata virgem, com mosquitada e, eventualmente, chuvas e outros perrengues. Inclusive, o passeio só era permitido para turistas a partir de 15 anos. Nos vídeos que assisti, achava muito legal o momento que os rangers/nativos encontravam a família de gorilas: sempre tinha a cena de um dos rangers com seu enorme facão cortando o mato e logo apareciam os gorilas! Me lembro que, quando eu cheguei na guarita do parque com minha mochila apenas com câmeras, água e um biscoitinho (devia estar com menos de 4 kg), o ranger perguntou se eu não ia querer pagar 25 $USD para um porter levar minha mochilinha. Quando eu disse que não, ele ficou me assustando, dizendo que eu não ia conseguir fazer a trilha com a mochilinha nas costas, que eu não sabia o que me esperava, que era muito puxado o trekking etc. A minha logística desse dia ficou meio corrida. Contratei uma agência que ia me levar de Kigali (Ruanda) até o gorilla trekking em Uganda. Marquei minha saída 3h da manhã (horário de Ruanda, Uganda fica uma hora na frente). Foram quase 4h de viagem de Kigali até a fronteira em Cyanika, com vários checkpoints militares. A fronteira só abria 8h horário de Ruanda, 7h horário Uganda. Mas foi um belo trampinho para cruzar fronteira, especialmente os trâmites burocráticos do carro no lado de Ruanda, que, inclusive, demorou mais do que o previsto. Eu estava bastante preocupado porque sempre falavam que a saída dos gorilla trekkings era pontualmente às 8h, e só saímos da fronteira nesse horário! Chegamos no Mgahinga com uns 30 minutos de atraso, mas, felizmente, o cara da minha agência de turismo, “véio de guerra”, já tinha ligado para o ranger, avisando do nosso problema para cruzar a fronteira, e eles nos esperaram sem problemas. Na verdade, ainda tive que esperar outro grupo com três senhoras que tinha ido para uma guarita diferente do Mgahinga e também estavam chegando um pouco mais tarde. Eles dividiram o grupo, os primeiros cinco que chegaram às 8h saíram com um ranger, e eu e as três senhoras saímos depois. Começamos em uma guarita, onde paramos o carro, e após uma curta caminhada de uns 15 minutos em um descampado aos pés do Vulcão Muhavura, chegamos ao campo base de Muhavura, local de início do gorilla trekking. A trilha até lá era aberta, cheia de pedras e bem tranquila. Lá, o ranger faz algumas explicações básicas sobre o que podia e o que não podia ser feito, e nos falou sobre a família de gorilas que iríamos visitar: Família Nyakazegi, que tinha 8 integrantes. O destaque era 3 silverbacks na mesma família! Acabou que, na visita, não encontramos um deles, que estava em algum outro lugar da floresta, dando um “rolêzinho”... E seguimos para a nossa caminhada. Quando começamos a caminhar na floresta, primeira surpresa, o caminho estava cheio de trilhas muito bem demarcadas. A vegetação não era tão densa assim, também não era a mata virgem e inexplorada que eu estava esperando.... Era mais fácil caminhar lá do que caminhar no mato do sitiozinho da família em Cunha 🤣🤣🤣 . Parecia mais um parque nacional europeu, do que uma floresta tropical impenetrável... Logo encontramos a família Nyakazegi e, se tiver dado 30 minutos de caminhada, foi muito. Os rangers explicam que os turistas devem manter uma distância de 7 metros (às vezes ficávamos um pouco menos, uns 5 metros), mas é importante não ir na direção deles além disso, porque eles podem interpretar como uma ameaça e achar que você quer atacá-los. Porém, se eles vierem na sua direção quando você estiver parado, observando, supostamente não tem problema... Os rangers garantiram que não “pega nada”! Figura IV‑21: Distância dos gorilas Nós ficamos bem perto deles, e, na maior parte do tempo, eles nos ignoraram. Os adultos praticamente descansaram ou dormiram o tempo todo, exceto no final, quando o dorminhoco silverback foi comer.... Já os filhotes nos divertiram, subiam árvores, brincavam com os outros e, depois iam ficar com a mãe, uma belezinha! A relação de carinho entre as mães e filhotes é muito bacana, fazendo cafuné, é muito parecido com o ser humano. Figura IV‑22: Gorilona sossegada... Figura IV‑23: Filhote brincando nas árvores Figura IV‑24: Mãozinha e pezinho fofo.... Compartilhei no canal três vídeos da Familia Nyakazegi, Cap IV‑5, Cap IV‑6 e Cap IV‑7. No final, quando Silverback levantou e foi comer, pudemos observá-lo um pouco mais de perto (vídeo Cap IV‑8). Figura IV‑25: Silverback Inclusive, tivemos a sorte de pegar a mamãe amamentando um filhote. Fiz um vídeo, o guia nos garantiu que era uma amamentação, mas, no vídeo (Cap IV‑9, salvo no canal), não dava para ver direito.... Às vezes, parecia que os bebês estavam brigando, mas era só brincadeira de irmãos: Figura IV‑26: Brincadeiras de irmãos.... Salvei mais dois vídeos dos irmãos brincado, Cap IV‑10 e Cap IV‑11. No final das contas, eu gostei do passeio, mas...., eu estava com uma expectativa maior. Minha sensação foi boa, mas eu confesso que esperava mais! Eu estava esperando uma superaventura no meio da floresta selvagem, tipo os relatos do Divanei das Travessias Expedicionárias na Serra do Mar paulista (Ref. 16).... Ok, nem tanto, exagerei um pouco, mas a expectativa era alta. E caminhamos o tempo todo por trilhas tranquilas até chegar nos gorilas, que, na verdade, os rangers já tinham localizado faz tempo. E, quando chegamos, o cara corta um ou outro matinho com o facão para fazer uma graça, bem fake, era só seguir a trilha ao lado para chegar nos gorilas... Já assisti a alguns vídeos no Virunga (RD do Congo) e Bwindi (Uganda), que parecem um pouco mais selvagem. Mesmo assim, eu não esperaria encontrar uma selva inexplorada em nenhum desses parques. Conheci australianos que fizeram três gorilla trekking: dois no Bwindi, e um no Virunga. Eles acharam o Virunga foi o melhor por causa da proximidade com os gorilas e da rapidez para encontra-los. Eles deram sorte: um gorila foi até eles, chegando a tocar nele, e outro passou bem perto. No Bwindi, encontraram os gorilas com facilidade na primeira visita (não houve muita iteração), mas na segunda, tiveram que caminhar 3h (e depois voltar todo o caminho). Falaram que foi tão cansativo que mal conseguiram aproveitar a experiência.... As outras senhoras que foram comigo já haviam feito dois gorilla trekkings em Ruanda, onde acharam mais estruturado, com mais trilhas demarcadas e menos cara de floresta. Também acharam os gorilas rápidos, a família de gorila era grande e a iteração foi parecida. Elas preferiram o Mgahinga, pois a natureza estava mais intocada. Pelo que eu vi e ouvi, cheguei à conclusão de que o melhor era ir no Mgahinga mesmo, mas com expectativa “correta” em relação à “aventura na floresta”. O trekking lá é quase como caminhar na roça... Detesto quando eu crio muita expectativa! Quanto aos gorilas, você vai ver uma família de gorilas, vai chegar bem perto, mas normalmente eles vão te ignorar. É torcer para eles estarem mais ativos. No final das contas, eu acho que o gorilla trekking #valeapena, não deixa de ser uma experiência única estar no meio da floresta parque nacional a 5 metros dos gorilas! Mas eu não classifiquei como #imperdível por causa do preço de 600 $USD, difícil um passeio com este custo ser #imperdível. Dica para quem for: não se esqueçam de comprar com uma boa antecedência, eu diria, pelo menos, 2 meses se for em baixa temporada. Outro lado bom do passeio ser menos “desafiador” é que terminou mais cedo. Foram 3h desde a saída do estacionamento até voltarmos, e às 12h estava voltando para Ruanda. Infelizmente Uganda foi minha visita relâmpago, só fiz o gorila trekking e de lá segui no translado até Gisenyi, mais uma bela pernada de 3h. Em Gisenyi, escolhi um hotel bem próximo da fronteira, pois atravessaria para a RD do Congo na manhã seguinte e só voltaria no outro dia. Após um merecidíssimo almoço, fui dar uma volta na cidade e na beira do Lago Kivu. A cidade parece bem agradável, dizem que é onde os ricos de Ruanda têm casa de “praia”, já que o país não tem saída para o mar. O Lago Kivu e os hotéis à “beira mar” pareceram bem bacanas, uma boa parada para quem estiver de passagem pela região. Figura IV‑27: Pôr do sol no Lago Kivu Gorilla trekking: #valeapena Gisenyi e Lake Kivu: #legalzinho Saga do Drone Por fim, a saga do drone! Depois do imbróglio do primeiro dia, conversei bastante com o cara da agência que organizou o meu gorilla trekking. Perguntei sobre os controles da fronteira que eu iria atravessar. Apesar dessa fronteira específica de Cyanika-Kisoro ser bem pouco movimentada, ele me alertou que, do lado de Ruanda, eles revistam todas as bagagens que entram no país. Ele me disse que, em Uganda, o uso de drones também é proibido, mas o controle policial na fronteira era mais tranquilo. Essa conversa tinha ocorrido no dia anterior à minha ida ao aeroporto para pegar o drone. Naquele momento, fiquei na dúvida se era melhor deixar o drone lá no aeroporto mesmo e desistir de usá-lo no Nyiragongo, ou tentar atravessar (ida e volta) nas fronteiras terrestres Ruanda-Uganda e Ruanda-RD do Congo. Fiquei pensando no que aconteceria se alguém pegasse o meu drone nessa fronteira terrestre. Tinha grande chance de perder o meu drone, ou, na melhor das hipóteses, ele ficaria retido lá e, com sorte, me devolveriam algumas horas antes da minha ida ao aeroporto... Mesmo assim, resolvi arriscar e fui buscar o drone no aeroporto de Kigali no horário combinado com aquele chefe de polícia. O jeito era esconder bem escondido o drone na minha mala de mão (o mais fundo que dava em uma mala de mão de sete quilos!) e tentar atravessar as fronteiras terrestres com ele. Eu também tirei uma foto do formulário do meu drone retido no aeroporto com o telefone do chefe da polícia que me atendeu para tentar alguma coisa caso eu fosse pego. Como esperado, chegando na fronteira na ida para Uganda, foi tranquilo, nenhuma revista para sair de Ruanda, nem para entrar em Uganda. Mas vi que, na entrada de Ruanda, tinha um micro-ônibus e TODOS os passageiros tiveram que abrir TODAS as malas, seja de mão ou não, para o soldado revistar! Na hora eu pensei: “pqp”, Fu☠️☠️☠️!!! Quando estávamos voltando para Ruanda, depois do gorilla trekking, o soldado de Ruanda me pediu para eu abrir minhas malas (conforme o esperado). Ele examinou com carinho minha mochila de ataque e viu tudo lá, câmeras, carregadores e lentes. Detalhe: o controle remoto do drone estava lá no meio... Não sei se o soldado reconheceu que era um controle remoto de drone, mas ele olhou com bastante cuidado todos os compartimentos da mochila de ataque e perguntou com essas palavras: “do you have a drone?” Nessa hora, eu gelei, “tremi na base”! Se eu minto e depois o cara acha o drone na minha mala de mão, como vou tentar contar com alguma boa vontade dele?... Por outro lado, se eu falo que sim, só Deus sabe se um dia eu vou ver de novo meu drone novinho em folha. Eu fingi que não entendi a pergunta e continuei abrindo as malas. Mas ele não se deu por satisfeito e perguntou de novo: “do you have a drone?”! Não dava mais para fingir que não tinha ouvido, tive que responder..., e..., decidi dizer que não tinha drone! Aí chegou a hora de abrir minha mala de mão, minhas pernas tremiam mais que vara verde, tipo no bungee jumping! Minha mala de mão tinha dois compartimentos, o drone estava no maior. Fiquei um tempão mostrando todos os detalhes da outra metade, a menor... Abri o zíper, tirei uma meia daqui, mostrava o fundo da mala, tirava uma camiseta de outra parte, mostrava o fundo da mala, e assim por diante. E, quando fui para o lado que estava o drone, mostrei só a metade de cima e perguntei se já estava suficiente e.... (mistério...............): Ele fez um joinha!!! Ufa, fechei a mala e consegui respirar de novo 🤣🤣🤣 ! Que “cagaço”, ia perder meu drone novinho em folha na minha primeira viagem. Depois dessa, atravessando essa “mini-fronteira” com Uganda, achei que teria grande chance de dar problema na próxima fronteira terrestre, entre Gisenyi - Goma, uma fronteira muito movimentada. Como eu já ia deixar uma mala de mão no hotel em Gisenyi para pegar depois do trekking do Nyiragongo, resolvi esconder o drone lá. Acabou sendo a melhor coisa que eu fiz, quando fui atravessar a fronteira para a RD do Congo no dia seguinte, vi que, naquela fronteira, a revista de todas as malas era com raio-x! Ou seja, meu drone seria pego com certeza. Um detalhe: desde o aeroporto, quando avisei ao guarda que tinha drone, eu estava com uma dúvida: será que, se eu não falasse que estava com o drone na mala, os soldados conseguiriam detectá-lo com os raios-x? Esclareci essa dúvida no último dia, voltando para o aeroporto de Kigali. Na entrada de pedestre do aeroporto, havia um raio-x, tive que passar com as malas e eles detectaram o drone, sim! E, mesmo com a minha passagem para sair do país em 4h, o guarda encheu o meu saco para caramba! Minha sorte foi que eu tinha tirado uma foto daquele formulário do chefe de polícia que havia retido o drone na minha entrada do país. Expliquei que saí do país por terra, por isso peguei o drone e tive autorização do chefe da polícia, mas agora estava indo embora. O cara ainda ligou para o chefe da polícia, e só me liberou quando confirmou que minha história era verdadeira. Por um lado, foi até bom ter passado por aquela confusão logo no primeiro dia. Consegui entender direito como funcionava o sistema no aeroporto, que era um lugar com mais estrutura, imagina se eu tivesse o drone retido nas fronteiras terrestres no meio do nada... Dia 4 -> Nyiragongo (RD do Congo) Vou começar falando um pouco da República Democrática (RD) do Congo, ex-Zaire e ex-colônia da Bélgica. Alguns, inclusive, chamam o país de “Congo Belga”, já que a República do Congo (sem o “democrática”) foi colonizada pelos franceses. É considerado um dos mais pobres países do mundo e está entre os 10 menores PIB per capita do mundo. Seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) está entre os mais baixos do mundo, 0.459, em 2018, posição 179 entre 189 países avaliados. A RD do Congo é um país muito grande, o 11° maior país do mundo e é palco de conflitos por conta de rivalidades étnicas e, também, por recursos naturais. Considerado um dos países mais ricos do mundo nesse aspecto, seus recursos financiam milícias e são contrabandeados para países vizinhos, como Ruanda, Uganda e Burundi. São quase 30 anos de guerra civil, com a participação de milícias e exércitos de países vizinhos. É a maior e mais sangrenta guerra desde a Segunda Guerra Mundial. Na República Democrática do Congo, também está a maior e mais cara missão de paz (i.e. militar) da ONU, chamada Monusco, que já teve mais de 22 mil pessoas de vários países. Dois generais brasileiros, inclusive, já lideraram essa missão. Grande parte da missão está em Goma, pois a instabilidade na RD do Congo está bastante concentrada naquela região, próxima ao Nyiragongo e às fronteiras com Uganda, Ruanda e Burundi. O país está em guerra civil praticamente desde a sua independência da Bélgica, em 1960. Houve muita confusão, instabilidade, tentativas de eleição, assassinato do primeiro presidente e vários golpes. Na década de 60, inclusive o Che Guevara esteve nas lutas na RD do Congo! Até que, em 1965, um ditador anticomunista, Mobutu Sese Seko (apoiado pelos EUA na época da Guerra Fria), tomou o poder e lá ficou por 32 anos. Foi Mobutu que mudou o nome do país para Zaire. Mas a pior parte da guerra civil da RD do Congo tem raízes no genocídio de Ruanda, em 1994, e já matou cerca de 6 milhões de pessoas (7% da população de um país tem 86 milhões de habitantes). Em 1994, depois que os tutsis da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) tomaram o poder, rebeldes hutus, inclusive aquelas milícias mais radicais Interahamwe, se refugiaram nas florestas do leste da RD do Congo. A chegada dos refugiados desestabilizou a região, habitada há mais de 200 anos pelos tutsis baniamulenges, inimigos históricos dos hutus. Sentindo-se negligenciados por Mobutu, que tolerou a presença dos hutus na região, os tutsis baniamulenges iniciaram uma rebelião em outubro de 1996, liderados por Laurent-Désiré Kabila, apoiados por Uganda e Ruanda. Em 1997, Laurent-Désiré Kabila assumiu o poder e retomou o antigo nome do país — República Democrática do Congo. Mobutu Sese Seko foi forçado a se exilar. Esta foi a primeira guerra civil da RD do Congo, de 1996 até 1997. Mas logo os problemas econômicos e a visão de que Kabila era um peão de potências estrangeiras puxaram muito a popularidade do presidente para baixo, gerando muita instabilidade. Tentando demonstrar força, Kabila começou a tomar medidas nacionalistas, em detrimento de Ruanda, Uganda e dos outros aliados, que romperam com ele. Em 1998, ele exigiu que as tropas de Ruanda e Uganda se retirassem e, em 1998, começou a segunda guerra civil da RD do Congo, seguindo a mesma linha da primeira: iniciados no leste, por militares tutsis baniamulenges, com apoio de Ruanda e Uganda, agora contra o Kabila. Enfraquecido, Laurent-Désiré Kabila pediu socorro militar à Angola, Zimbábue e Namíbia para frear o avanço dos tutsis baniamulenges, que já ocupavam grandes áreas do território congolês. Em resposta, Uganda e Ruanda começaram a intervir diretamente. A região inteira entrou em conflito, que ficou conhecido como a Grande Guerra da África. Em 1998, até o Nelson Mandela se envolveu nas negociações de paz! Assim, foi assinado um cessar-fogo (acordo de Lusaka), obrigando Laurent-Désiré Kabila a prometer eleições gerais para 1999. Contudo, ele não foi cumprido. Em 2001, Laurent-Désiré Kabila foi morto por seu guarda-costas. Joseph Kabila, seu filho, assumiu o governo, iniciou o processo de paz e prometeu eleições. Os acordos para a democratização avançaram. A retirada das tropas estrangeiras teve início em 2002. Em 6 de dezembro de 2006, Joseph Kabila seria eleito presidente na primeira eleição geral em 40 anos na história do país. A segunda guerra civil da RD do Congo terminou oficialmente em 2003, quando o governo de transição da República Democrática do Congo tomou o poder, mas a “treta” continuou.... Após ser eleito presidente em 2006, Joseph Kabila atuou para desmobilizar vários grupos rebeldes e reuni-los ao exército congolês. No entanto, com o país destruído, com a absoluta ausência do Estado e com uma diversidade de riquezas em uma vasta área sem controle e lei, dezenas de grupos armados passaram a dominar regiões inteiras do país, cujo exército e missões da ONU “penam” para controlar. Desde então, o leste da RD do Congo vive uma guerra sem-fim com milícias lutando entre si, contra o próprio exército congolês e contra exércitos estrangeiros, como as Forças Armadas de Ruanda, que ainda caçam os hutus responsáveis pelo genocídio de 30 anos atrás. Recursos minerais têm sido há muito tempo um fator na crise prolongada, com vários grupos armados lutando pelo controle de minas lucrativas de diamantes e ouro e usando os lucros para financiar guerras. Um dos casos mais famosos ocorreu em novembro de 2012. Uma milícia chamada M23, supostamente financiada por Uganda e/ou Ruanda, derrotou o exército congolês, invadiu Goma e forçou os capacetes azuis da ONU abandonarem a cidade. O filme Virunga, documentário disponível na Netflix, fala sobre esse período, vale a pena assistir. Por causa disso, a Monusco, missão de paz da ONU na RD do Congo, é a primeira missão em que o conceito de “manutenção da paz” foi alterado para “imposição da paz”. Não se trata apenas de semântica. Os capacetes azuis, pela primeira vez desde 1948, têm autorização para caçar, prender e matar aqueles que o Conselho de Segurança considerar inimigos. O M23 foi derrotado, mas dezenas de milícias rebeldes continuam atuando no leste da RD do Congo, explorando as riquezas e dominando territórios. Provavelmente sobrevivem extraindo riquezas e contrabandeando com apoio de países vizinhos. Estima-se que, em seu subsolo, esteja guardado algo como US$ 24 trilhões em ouro, cobalto, cobre, diamante etc. Nesses links (Ref. 24 e Ref. 25) e na Wikipedia tem mais informações sobre os conflitos. Os civis são as maiores vítimas de tanta guerra e confusão. Estima-se que até hoje entre 5,5 milhões e seis milhões de pessoas tenham morrido. Outros três milhões vivem em campos de refugiados. Dezenas de milhares de mulheres foram vítimas de estupros coletivos, que se tornaram uma arma de guerra. A RD do Congo é conhecida como a capital mundial da violência sexual. Todos os anos, milhares de mulheres (95%), homens e crianças são alvos de estupros coletivos praticados por dezenas de grupos armados que atuam no país, mas também por soldados do próprio exército congolês. Denis Mukwege, ginecologista congolês, especializado no tratamento de mulheres violentadas na guerra civil do Congo, foi um dos ganhadores do Nobel da paz em 2018! Ele tratou mais de 21.000 mulheres durante os 12 anos de guerra, algumas mais de uma vez, chegando a fazer mais de dez cirurgias por dia em turnos de trabalho de mais de 18h. E como se não bastasse toda essa “treta”, ainda tinha o ebola! Como eu expliquei, por questões logísticas e “epidêmicas”, resolvi passar o menor tempo possível na RD do Congo, só para fazer o trekking de dois dias do Monte Nyiragongo. A subida até o topo do Monte Nyiragongo percorre uma distância de 7 km, com uma elevação de ~1600m, partindo de 1870m até 3470m. A jornada vai de uma floresta tropical, em latitude próxima ao Equador, com temperaturas em torno de 30oC, até o cume de um vulcão, onde aa temperaturas podem cair para perto de 0oC à noite. É uma trilha bem pesada, cansativa e desafiadora. O ponto de encontro é o escritório do Virunga National Park no posto da fronteira Goma – Gisenyi. Quando cheguei no escritório, fiquei sabendo quais seriam meus companheiros de tour: um casal de 65 anos da Austrália! Eles não tinham a menor pinta de aventureiros, nem pelo físico, nem pela roupa, tênis etc. Segue a foto dos australianos comigo na base do vulcão (além dos guias, portes, e escolta armada). Figura IV‑28: Eu, o casal australiano e toda a equipe do tour Até o funcionário do escritório do Virunga ficou preocupado na hora que viu eles, é ruim fazer um trekking longo com pessoas com ritmos muito diferentes. No entanto, assim que começamos o primeiro trecho, a senhora logo percebeu que a subida era muito pesada e decidiu desistir. Eu ainda estava na dúvida como ia ser com o senhor de 65 anos.... No final, descobri que ele tinha um preparo melhor que o meu! Foi uma excelente companhia, se chamava Brian, apesar de bem magrelo, era meio atleta e me contou que já jogou tênis profissionalmente. Aposentados, eles me disseram que estavam caminhando 8 km por dia para se preparar para a subida do vulcão. De Goma até a base do Nyiragongo, são só 20 km. Mas ainda passamos por alguns trâmites de fronteira, pegamos as mochilas/comidas e a escolta armada na sede operacional, e ainda paramos em vários checkpoints de ebola, o que acaba atrasando o início do trekking. Logo no centro de Goma, já dava para ver o Monte Nyiragongo, imponente. Durante todo o caminho até a base do trekking, lá estava ele monumental, soltando muita fumaça a 3480m, mostrando que naquela região do Rift Valley, quem manda é ele! Figura IV‑29: Monte Nyiragongo Nosso trekking começou por volta das 10h. A subida é bem difícil, a trilha não tem zigue-zague, cansa bastante. O último trecho é especialmente íngreme. Foram cerca de 5h30 só de caminhada, com pelo menos cinco paradas de uns 15 minutos para lanche (o almoço que é mais longo), e uma sexta parada intermediária. Finalmente, por volta das 17h, chegamos no topo! Assim como no gorilla trekking, achei o trecho inicial da floresta bem “menos” selvagem que eu estava esperando, trilha larga, como na foto de toda a equipe do tour. Logo depois da primeira parada, a vegetação fica mais aberta, ainda bastante verde, mas a maior dificuldade logo a partir da segunda parada era o solo vulcânico, cheio de rochas escorregadias, redondinhas, pareciam esferas de rolamentos e, na descida, era tombo na certa. Só no último trecho da subida que a vegetação fica bem menor, com mais arbustos e, também, já dava para ver mais de perto as cabanas que iríamos pernoitar no topo do vulcão. Figura IV‑30: Vegetação no último trecho da subida Com relação ao clima, pelas minhas pesquisas, de outubro ao início de dezembro, era a época de chuva, e setembro seria mais seco. Mas lá o pessoal falou que setembro era época de chuva também, que estava chovendo quase todo dia. No dia que eu fui, o tempo estava muito louco, de repente abria, do nada fechava, às vezes chovia bem pouco. Na maioria do tempo, a chuva até refrescava, achei excelente não pegar aquele sol escaldante nas partes mais abertas. Só teve uns 10 minutos que choveu forte, a ponto de colocarmos a capa de chuva, mas depois abriu o tempo de novo, felizmente. Quando estávamos subindo, às vezes o topo do vulcão estava 100% aberto, outras vezes estava encoberto por nuvens. Às vezes dava para ver muita fumaça saindo do vulcão, outras vezes não... Tinha hora que a gente olhava o topo do vulcão coberto e não sabia se aquilo era nuvem ou fumaça, o tempo mudava muito! Eu e o Brian estávamos com bastante medo de, após 7h e 1500 m de elevação camelando, chegarmos no topo e não conseguir enxergar o lago de lava. Quando chegamos lá no alto... e... (suspense...) estava tudo aberto, ufa!!!! Todo o esforço valeu a pena! Que espetáculo avassalador assistir aquele lago de lava borbulhando, magnífico. Foi uma experiência única, de contemplação, satisfação, agradecimento... Vou parar de falar, melhor mostrar as fotos! Figura IV‑31: Lago de lava do Monte Nyiragongo Os 3 próximos vídeos do canal mostram uma visão panorâmica do topo do vulcão (Cap IV‑12 e Cap IV‑13), e um momento com muitas nuvens entrando na cratera (Cap IV‑14). O Vulcão Nyiragongo tem algumas características únicas. É um estratovulcão clássico, daqueles com formato cônicos e íngreme, mas com um topo bem largo. Seu topo tem uma borda imensa de 1.2 km de diâmetro! Dessa borda no alto vulcão, temos uma visão espetacular da parede (muito íngreme) e das crateras internas do vulcão. A cratera principal, onde está o lago de lava, está a 250 m de profundidade e a 2 km da borda do vulcão. Figura IV‑32: Vista grande angular do interior do vulcão Além do lago de lava, em toda a área interna do vulcão, eu conseguia ver alguma atividade vulcânica, principalmente algumas fumarolas e vapor saindo do solo. Os guias me disseram que, às vezes, surgem novas aberturas (vents) expelindo lava, especialmente um pequeno vulcãozinho ao lado da cratera principal (marquei com seta vermelha na próxima foto). Outro dia eu estava vendo fotos na Instagram do Drew Binsky (Ref. 18), que foi no Nyiragongo uns três meses depois que eu fui, e ele teve a sorte de pegar esse pequeno vulcãozinho expelindo muita lava também. Se formaram vários rios de lava ao redor do lago principal, muito show. Figura IV‑33: Vulcãozinho ao lado da cratera principal Lá de cima, ficamos admirando o lago de lava. Só cientistas podem descer até a beira do lago. Às vezes, eu me pergunto: se fosse possível, será que eu iria perder o pouco de noção de perigo que ainda me resta e desceria até lá? Ainda bem que não oferecem para turistas, mais seguro ficar observando de longe mesmo. Aliás, um dos documentários do casal Krafft relata que, em 1973, eles passaram 2 semanas acampados lá embaixo, contemplando de perto toda aquela atividade, instável e imprevisível que, a qualquer momento, poderia vitimá-los. Maurice disse que eles eram loucos de permanecer lá, mas, mesmo assim, eles continuaram, pois, nas suas palavras, “a curiosidade é maior do que o medo”... Apesar da distância, é incrível observar as lavas borbulhando, fervendo, espalhando uma fumaça branca densa que logo se misturariam com as nuvens no céu, impressionante! Alguns trechos do lago de lava, onde não tinha lava borbulhando, tinha lava líquida vermelha incandescente fluindo como se fossem rios atravessando uns trechos de lavas líquidas escuros... Tudo isso em constante movimento, incrível! E, quando anoiteceu, o lago de lava ficou ainda mais impressionante! Toda a fumaça que saía daquele caldeirão ganhava uma cor alaranjada, brilhante e deslumbrante. À noite, é espetacular ver a lava vermelha brilhando entre as fraturas da crosta resfriada, borbulhando, fervendo incandescente, em inabalável movimento. Curti cada segundo aquela sensação fantástica, que espetáculo! A fumaça alaranjada, no meio da escuridão, tornava ainda mais impressionante o lago de lava vermelha efervescente!! Figura IV‑34: Lago de Lava do Monte Nyiragongo Lembrando que não ficamos tão perto do lago de lava, estamos a uns 2 quilômetros de distância. A seguir, coloquei algumas fotos da minha câmera (sensor cropado) sem nenhum zoom, até o zoom máximo da minha lente (7,5x). Figura IV‑35: Vista sem zoom Figura IV‑36: Vista com zoom Às vezes o lago de lava ficava encoberto; ora pela fumaça densa e espessa que saía dele, ora pelas nuvens invadiam a cratera e, de repente, sumiam... Surreal! Mas, na maior parte do tempo, a vista ficou muito show. Várias e várias vezes pegamos excelentes visibilidade, e o lago de lava parecia muito ativo! Na manhã seguinte, por exemplo, não estava tão brilhante. Salvei no canal 2 vídeos do final da tarde, e mais quatro vídeos do vulcão à noite (Cap IV‑15, Cap IV‑16, Cap IV‑17, Cap IV‑18, Cap IV‑19 e Cap IV‑20), espetacular! Pena que não estava com o meu drone... Também pesquisei na Wikipedia mais informações daquele lago de lava. A lava do Nyiragongo é feita de melilita nefelinita, um alcalino cuja composição química pode ser um fator para a fluidez incomum das lavas lá. Enquanto a maioria dos fluxos de lava se movem muito devagar e raramente apresentam risco para os humanos, os fluxos de lava do Nyiragongo podem chegar a correr a mais de 100Km/h. Em 1977, a ruptura da parede da cratera e a lava fluíram a velocidades de mais de 100 km/h, matando 70 pessoas. Em 2002, a última grande erupção atingiu rapidamente a periferia de Goma e chegou até o Lago Kivu, com 400 mil pessoas evacuadas, mais de 45 mortos, 4500 edifícios de goma destruídos e 120 mil desabrigados. Foi a erupção mais destrutiva da história moderna. É o vulcão com maior lago de lava do mundo, é também o mais ativo e provavelmente mais perigoso da África. Como se não bastasse o Nyiragongo, o Lago Kivu tem muita atividade vulcânica subaquática. Parece que é um dos raros lugares do mundo com risco alto de erupção límnica. A Wikipedia explica: é quando gases como monóxido e dióxido de carbono contidos em interior de lagos de origem vulcânica subitamente irrompem de suas águas profundas, formando nuvens de gases capazes de matar seres humanos e animais. O caso mais famoso foi no Lago Nyos, no Camarões, em 1986, matando 200 pessoas e 3000 cabeças de gado. Parece que tem alta concentração de dióxido de carbono e metano no Lago Kivu. Em outras palavras, o Lago Kivu pode explodir!! EM TEMPO, atualização de 2022: em maio de 2021, houve uma nova erupção, mas, felizmente, a lava não foi em direção a Goma. Causou destruição na estrada e em algumas vilas, mas, aparentemente, as cerca de 30 mortes foram em decorrência indireta da erupção, como acidentes de trânsito etc. Apareceram fissuras na região, e o maior risco era uma erupção límnica do Lago Kivu, por isso evacuaram bastantes pessoas em Goma. No entanto, felizmente nada mais ocorreu! E, em 2022, ocorreu outra erupção que causou menos transtornos, mas que talvez tenha afetado o lago de lava. Recomendo verificar a condição atual do lago de lava antes de planejar uma viagem até lá. Eu estava com uma expectativa muito alta com relação ao Nyiragongo. Era o objetivo principal da minha viagem e tinha que valer muito a pena para compensar toda a confusão (ebola, milícias etc) e esforço físico e financeiro para ir até lá. E, mesmo assim, Nyiragongo superou minhas expectativas: #imperdível. Quando planejei essa viagem, ainda nem passava pela minha cabeça escrever um livro ou programar férias para conhecer os vulcões ativos mais incríveis do mundo, bem ou mal, eu tinha curtido muito Monte Yasur, mas não sabia se os outros seriam tão legais. E eu gostei demais... Não queria criar expectativas muito altas em ninguém, mas eu acho que fiquei enfeitiçado pelos deuses dos vulcões, culpa da deusa Pele 🤣 . Se estiverem pensando em ir, saibam que é uma subida bem puxada, exposição ao sol, chuva, vento, calor, frio, mil viradas de tempo em um dia, bastante cansativo mesmo. E sua visão vai ser meio de longe, o lago de lava fica longe do topo. O tour custava 356 $USD, mais 100 $USD por uma mochila com comida, água e equipamentos de qualidade (cobertor, saco de dormir, capa de chuva e jaqueta). Não recomendo economizar e não pagar essa mochila, porque senão, além dos equipamentos, você terá que se virar com comida e água! A comida é simples, mas achei excelente. Ainda teve mais 25 $USD para o porter, o visto para RD Congo (na época 105 $USD), mais as gorjetas, saiu uns 600 $USD, mas eu acho que valeu muito a pena. Não esqueçam lanterna, gorro, cachecol, luva, repelente e levar só uma troca de roupa guardada em sacos plásticos porque pode chover muito. A estrutura do passeio é simples, mas eu achei muito melhor que o Erta Ale na Etiópia, em termos de comida, barraca, banheiros, logística etc. As cabanas têm 2 colchões cada, e mais nada.... Banheiro não é fácil... O banheiro da base era ruim, mas, surpreendentemente, o banheiro lá em cima era melhorzinho, ao menos tinha tampa.... E tinha uma bela vista lá do alto! Figura IV‑37: Cabana do acampamento Figura IV‑38: Banheiro com vista.... Nyiragongo: #imperdível Dia 5 -> Nyiragongo -> Addis (Etiópia) Durante a noite no topo do Monte Nyiragongo, não consegui dormir direito. Até estava bem quentinho dentro da barraca, mas não gosto de dormir em saco de dormir, acho muito apertado, não dá para esticar as pernas, virar, me sinto como uma lagarta presa no casulo... Acordamos cedo, ainda de madrugada. Se no dia anterior não conseguimos ver o pôr do sol do topo do vulcão porque estava tudo nublado, nessa manhã, pegamos um belíssimo sol nascendo atrás de algum vulcão do Rift Valley. Figura IV‑39: Nascer do sol no Rift Valley A descida demorou três horas e meia. Apesar de mais rápida, para mim, a descida foi a pior parte, castiga os joelhos. E, naquelas rochas vulcânicas redondas que mais pareciam esferas de rolamentos, eram derrapagens para todos os lados! Levamos alguns tombos de leve, mas nenhum machucado sério. Para baixo, todo santo ajuda.... Saldo final do trekking: pernas doloridas por uns quatro dias, duas unhas roxas zoadas (que caíram uns 2 meses depois), uma de cada dedinho, mas um belíssimo vulcão visitado! Depois da descida, nos levaram direto do campo base do Nyiragongo para a fronteira com Ruanda. Infelizmente, meu contato com o “mundo real” da RD do Congo foi basicamente da janela do jipe. A primeira coisa que me chamou a atenção em Goma foi a quantidade de carros com placa da ONU na região da fronteira, que ia diminuindo quando íamos nos afastando do centro da cidade. Também vi diversos organismos internacionais, placas e/ou alojamentos da ONU, Cruz Vermelha, OMS, Médico sem fronteiras etc. Goma, na região central e bem próxima à fronteira, não me pareceu uma cidade tão zoada... Calçadas, iluminação, canteiro no meio da avenida, casas que pareciam ter saneamento, eletricidade, pintadas. No entanto, mesmo com essa estrutura mínima, Goma ainda transmitia uma sensação de caos. As ruas estavam cheias de gente, comércio agitado, não é de se surpreender, afinal, a cidade tem cerca de 2 milhões de habitantes. Salvei no canal um vídeo dessa parte da cidade, Cap IV‑21, reparem no imponente Nyiragongo ao fundo! Mas logo depois de uns cinco a dez minutos de carro, perto da sede operacional do Virunga (que não ficava tão afastado do centro), a estrutura já mudava completamente. Basicamente era só a avenida principal que tinha asfalto. Depois vem um pedacinho de calçada, e daí as casas bem simples erguidas sobre o terreno vulcânico. Na foto a seguir, dá para ver como é mais desestruturada essa parte da cidade. Pessoal vendendo tudo beira da avenida, nas cadeiras e guarda-sol.... Figura IV‑40: Nyiragongo, visto de Goma Mais para frente, já não tinha mais nem aquele pedacinho de calçada, só o asfalto da rua mesmo.... E olha essas motos, a quantidade de coisas que eles carregam... Caminhãozinho para quê? Figura IV‑41: Moto ou caminhoneta? O vídeo Cap IV‑22, salvo no canal, é da parte que ainda havia um pedacinho calçada. Pergunta: nesse vídeo (Cap IV-22), dá para ver que aquele caos cheio de gente nas ruas, motos, vanzinhas, alguns carros, bicicletas. Mas, além disso, vocês repararam em algum “veículo” diferente circulando pelas ruas? Reparem bem no vídeo. Também tirei umas fotos, olha isso: Figura IV‑42: Chukudu Achei bem curioso, parece um “patinetezão” feito artesanalmente de madeira, inclusive as rodas (só a parte mais externa te um pouco borracha, reaproveitada de pneus antigos)! Na época dessa viagem, várias cidades do Brasil estavam cheias de patinete elétrico, muito “nutella”.... Já o patinete em Goma não tem motor elétrico, nem a combustão, muito menos corrente/pedal ou rodinhas de borracha. É movido a sola de sapato, isso, sim, é patinete raiz 🤣 🤣 🤣 ! E sustentável.... Na volta, até perguntamos para o guia como ele se chamava, o cara falou um “tchutchutchu”, que não entendemos direito. Só pesquisando no Google “wood scooter congo” descobri o nome dessa “bagaça”: chukudu (em alguns sites, aparece escrito Tchukudu). Tenho muitos amigos mineiros, pessoal brinca que em BH bicicleta não precisa de corrente: só tem ladeira, ou vai empurrando na subida, ou a milhão na descida.... O chukudu ia fazer sucesso lá em BH 🤣 🤣 🤣 . Detalhe é que o chukudu não tem freio, se embalar muito, haja sola de sapato... O chukudu é feito principalmente para transporte de carga e, especialmente para os jovens, é uma oportunidade de ganhar dinheiro. Lá, ter um chukudu é como ter um emprego. Olha essas fotos de um chukudu carregado e, no segundo vídeo, tem uns cheios de madeira gigantes. Dizem que, se tiver um chukudu, ganha respeito da comunidade. Até vi uns caras pagando de gatão (tirar onda) dando “rolêzinho” com seu chukudu na rua, olha estilo desse aí 🤣 : Figura IV‑43: Tirando onda de chukudu Figura IV‑44: Chukudu carregado Parece que é o chukudu é típico em Goma, não sei se é típico no resto da RD do Congo. Em Goma, tinha até um monumento no meio de uma rotatória meio grande (Rond Point Chukudu) que passamos e tinha uma pracinha no meio. Figura IV‑45: Monumento Chukudu Fonte: De VALENTIN NVJ,via Wikimedia Commons, cortado Por outro lado, fica a reflexão: caramba, para chegar a ponto de inventar o chukudu, patinete que até a roda é de madeira, sem motor ou qualquer tipo de propulsão, é porque grande parte da população não tem condição sequer de comprar moto, bikes ou tuk-tuks.... O lado triste é esse. De uma certa forma, o chukudu representa a imagem que eu fiquei de Goma e dessa parte da RD do Congo, um lugar onde as pessoas têm muito pouco e precisam se virar com o que tem. Isso porque Goma é uma cidade grande, sob controle do governo, com alguma ajuda internacional. Imagina como deve ser a vida nas cidadezinhas controladas por milícias no meio dos conflitos armados.... O Virunga, e especificamente o Monte Nyiragongo, é um dos lugares mais fantásticos do mundo. Em condições normais, com certeza estaria lotado de turistas. Fico torcendo para esse belo e sofrido país conseguir paz e prosperidade. Foi o país mais sofrido que eu estive na vida, mas, também, um dos lugares mais incríveis que já visitei! Atravessei a fronteira para Ruanda lá pelas 12h e fui até o hotel em Gisenyi pegar minha mala, almoçar e tentar conseguir um banho depois de dois dias no Nyiragongo. E consegui o banho grátis, obrigado Hotel Dian Fossey! Com as pernas doloridas, peguei um mototáxi. Aliás, andar de mototáxi carregando mochila e mala de mão (aquela mesma que escondi o meu drone) foi divertido, pagar táxi para quê 🤣 🤣 🤣? Em Ruanda, usei e abusei do mototáxi, recomendo. Só cuidado para não fazer como eu e encostar a batata da perna no escapamento quente, que me rendeu uma bela queimadura... Peguei um busão de Gisenyi-Kigali que era bem pinga-pinga, demorou 4h30 num trecho que pelo Google Maps seria 2h30. Para variar, passamos por alguns checkpoints na estrada e teve um que demorou para caramba porque o soldado encrencou com algum ruandense muambeiro que estava levando um monte de antena parabólica no busão.... Depois que chegamos na cidade de Ruhengeri, o ônibus lotou e assim foi até a rodoviária de Kigali. De lá, segui para o aeroporto, rumo a Etiópia. Hora de ir embora de Ruanda e, também, de concluir as minhas impressões sobre viajar nesse país. Eu tinha lido relatos que falavam muito bem da estrutura do país, então, estava com uma expectativa mais alta. Eu sempre falo que a primeira impressão do turista a respeito de um país se forma do trajeto entre o aeroporto e o hotel/centro da cidade. Em Ruanda, se chega no centro por uma avenida de pista dupla, novinha, com comércio bem iluminado, e tem trânsito “de cidade desenvolvida”, passando por um bonito centro de convenções no caminho para o centro. O trajeto entre o aeroporto e o centro de Kigali é bem cuidado, parecia estar em um país mais estruturado. Mas logo na primeira caminhada do centro até o Memorial do Genocídio já deu para conhecer o “mundo real”, fora do centro de Kigali, não tão estruturado.... Eu adoro conhecer os lugares a pé. Mas tem duas coisas que me incomodam muito e que me impedem de “turistar” a pé: medo de assalto, ou muito assédio de vendedores insistentes. Infelizmente, nos países subdesenvolvidos, como o próprio Brasil, muitas vezes nos deparamos com esses dois problemas. Em relação a assaltos, quando me afastei um pouco do centro (região do memorial), não me senti tão seguro assim, mas, no centro de Kigali, é possível andar sem maiores preocupações. Comparando com o Brasil, fiquei com a impressão que andar no centro de Kigali era mais seguro que no centro de São Paulo, mas menos seguro que em bairros como Ibirapuera e Moema. De maneira geral, é preciso ter as mesmas precauções que se tem nas cidades grandes brasileiras: evite andar à noite de bobeira, não ficar andando com uma câmera pendurada no pescoço e estar sempre um pouco atento. Mesmo no centro de Kigali, que parecia mais seguro, não me sentia 100% à vontade para dar uma turistada a pé, pois sempre vinha alguém oferecer algo de forma uma pouco insistente. No interior de Ruanda, as coisas também não são tão desenvolvidas. As estradas não têm acostamento, nem pista duplicada, mas pelo menos as principais são asfaltadas e tem poucos buracos. Uma coisa que me chamou atenção quando passava pelas cidades menores: fora da estrada, quase não tinha asfalto. Passando por vilarejos, eu via todo mundo andando na estrada, alguns fazendo cooper de manhã, outros passeando com crianças, indo ou voltando da igreja. Tudo acontecia na estrada, porque devia ser o único asfalto da cidade. No próximo vídeo do canal, Cap IV‑23, dá para ter uma ideia da vida em Ruanda no interior. No entanto, o que eu achei mais chato em Ruanda era a paranoia do pessoal com segurança. Já no meu primeiro translado do aeroporto para o centro, fomos parados em um checkpoint por soldados (sempre portando metralhadoras brutas) só para checar documentos etc. Nas estradas, tinham checkpoints com soldados e suas metralhadoras a todo instante, bastante encheção de saco. Na entrada de pedestre para o estacionamento do aeroporto (não era nem na entrada do saguão do aeroporto!), além do detector de metal, passei por uma “inspeção detalhada de cachorro”, cheirando minhas malas. E só é permitido entrar na área de check-in (primeiro saguão do aeroporto) 3h antes do voo! Sem passagem, nem entra no aeroporto! Eu cheguei cedo, umas 20h e meu voo era às 1h15 da manhã, e tive que ficar até às 22h15 de castigo na única cafeteria do lado de fora, “muito legal” para o turista.... Sem contar a paranoia com drone, até saindo do país me encheram o saco. Nas ruas do centro, de positivo, era tudo muito limpo, bem mais que nos centros das cidades grandes do Brasil. Mas tinha soldado armado com metralhadoras a toda esquina.... Tinha seguranças (sempre armados) na frente dos principais prédios do centro, sejam hotéis de luxo, sejam centros comerciais, até no hotel sem-vergonha que eu fiquei tinha um segurança. Em todo lugar tinha detector de metal, sejam aqueles “de aeroporto”, sejam aqueles manuais que até meu hotel tosco tinha... Na Etiópia, fiquei com a mesma sensação de paranoia com segurança, inúmeros checkpoints. Sei lá, alguns podem achar isso positivo ou se sentir mais seguros, mas essa paranoia de segurança me incomodou um pouco. Por outro lado, no geral, achei a infraestrutura de Ruanda boa. Não ache que seja tão fácil pegar transporte público e mochilar de forma independente por Ruanda, mas dá para se virar bem, especialmente em comparação com os países vizinhos. O ônibus interurbano que eu peguei não era lá essas coisas, mas tinha ar-condicionado e USB. As vanzinhas/micro-ônibus que circulam para tudo que é canto também não eram lá essas coisas, mas eram muito melhores que na África em geral. E, por fim, não poderia deixar de ressaltar que o povo africano foi sempre muito simpático e amigável. Tive mais contato com ruandeses, mas também um pouco com ugandeses e congeles. Fui sempre muito bem tratado nos hotéis, restaurantes, pedindo informação na rua mesmo, e até mesmo pelos oficiais das paranoias de segurança.... E, com relação aos ruandeses, é impressionante como o país se reergueu rapidamente após o genocídio, e como o país aparentemente conseguiu apaziguar a situação racial. Considerando toda a segregação entre hutus e tutsis, a ponto de acontecer o que houve, é muito bacana ver que, não tanto tempo depois, aparentemente estão todos vivendo em harmonia! Dia 6 -> Lalibela Vou começar o relato pela saga do drone. Depois do fiasco em Ruanda, dessa vez eu fiz a lição de casa e pesquisei direito as regras para o uso de drones na Etiópia. Descobri que era complicadíssimo utilizá-lo por lá e resolvi deixa-lo “retido” voluntariamente no aeroporto de Addis Abeba para pegar só na volta para casa. Como eu faria vários voos regionais na Etiópia, com certeza passaria por muitos raios-x e a chance de confiscarem o drone era altíssima. Queria muito fazer imagens aéreas do Vulcão Erta Ale e do Dallol, mas vi que a “autorização” para usar drone era similar a Ruanda, complicada, cara e demorada, ou seja, feita para nenhum turista tentar... E foi a melhor coisa que eu fiz. Deixei o drone em um almoxarifado da Ethiopian Airlines, pagando uma pequena taxa por peso (menos de dois dólares), e só peguei ele na volta. Os policiais eram tão chatos que, no dia da volta, um deles ainda me escoltou desde almoxarifado até a fila da imigração! E assim terminou a minha saga do drone. Estava mega empolgado para a viagem de estreia dele, mas não consegui sequer ligá-lo nos quatro países que visitei, que fiasco! Uma pena, mas é vida que segue. Vamos falar de Etiópia agora. A Etiópia é um país muito interessante, com uma história riquíssima e surpreendente! A Etiópia e a Libéria são os únicos países africanos que nunca foram colonizados pelos europeus, e os etíopes têm muito orgulho disso. A Etiópia já foi invadida por outros povos, mas nunca foi uma colônia. Em 1895, quando nações europeias disputavam o continente africano entre si, a Itália tentou invadir a Etiópia, ou Abissínia, como era conhecida na época, mas sofreu uma derrota humilhante. Em 1896, as tropas italianas foram derrotadas por forças etíopes comandadas pelo imperador Menelik II e a Itália foi forçada a assinar um tratado reconhecendo a independência da Etiópia! Ainda assim, décadas depois, o líder fascista Benito Mussolini violou o acordo e ocupou o país por cinco anos. Um dos sucessores de Menelik, o imperador Haile Selassie, se aproveitou da vitória sobre a Itália na segunda guerra mundial e pressionou pela criação da Organização para a União Africana (OAU), agora chamada de União Africana, que tem sua sede na capital da Etiópia, Addis Abeba. "Nossa liberdade não tem sentido até que todos os africanos sejam livres", disse Selassie no lançamento da OAU em 1963, num momento em que boa parte do continente ainda permanecia sob domínio de potências europeias. Ele convidou para um treinamento na Etiópia aqueles que lideravam a luta contra o colonialismo, entre eles Nelson Mandela. O Movimento Rastafari, aquele mesmo da Jamaica e do Bob Marley, tem uma história muito interessante associada a Etiópia. “Ras” é príncipe em etíope e “Tafari” era o nome do último imperador da Etiópia, que em 1930, quando foi coroado, adotou o nome de.... Haile Selassie, o próprio! Para os rastafaris, ele era quase um deus (“Jah”) encarnado.... Ele foi um governante carismático, fazia discursos considerados memoráveis em defesa dos africanos e inspirou os jamaicanos. O filme Bob Marley One Love (2024), mostra um pouco dessa adoração. Um discurso de Selassie pela paz mundial, no equivalente à ONU em 1936, inspirou a música War do Bob Marley. A Etiópia era a terra prometida para os Rastafaris. Shashamane é a cidade da comunidade rastafari na Etiópia. Lá o imperador Selassie concedeu terras aos negros do Ocidente que o apoiaram contra Mussolini. Já a Libéria, o outro país africano que nunca foi colonizado por europeus, tem uma história muito particular. Fundada em 1822 para ser colônia de ex-escravos afro-americanos, sua criação foi liderada por uma empresa (Sociedade Americana de Colonização, ACS em inglês), com apoio do governo dos EUA. A ACS comprou terrenos e criou uma colônia para repatriar os afro-americanos recém libertos na África. Embora tenha sido criada para abrigar americanos negros, a colônia era, inicialmente, administrada por um representante branco da ACS. A ACS foi formada por homens brancos, vários deles proprietários de escravos. Seus integrantes tinham opiniões diversas e, muitas vezes, contraditórias em relação à escravidão. Alguns eram abolicionistas e tinham o desejo genuíno de ajudar a população negra a construir uma vida melhor na África. Outros, porém, rejeitavam a ideia de abolição e acreditavam que pessoas negras livres não deveriam continuar vivendo nos Estados Unidos. Os ex-escravos afro-americanos foram todos mandados para a Libéria, sem chance de retornar para seus países de origem. Parecia que só queriam se livrar deles... Mas, a região já era habitada por nativos de mais de vinte grupos étnicos, e, obviamente, a chegada da ACS e dos afro-americanos recém-libertos gerou diversos conflitos na região. Um contexto importante: anos antes, o Haiti tornou-se o segundo país das Américas a conquistar sua independência. E foi através de uma revolta dos escravos, em 1804, após 10 anos de batalhas contra os colonizadores franceses, tornando-se a primeira república negra do mudo. Foi uma das poucas revoluções de escravos bem-sucedidas na história, mas também desafiou diretamente a estrutura do sistema colonial e escravista, gerando reações de países poderosos que, na visão de muitos pesquisadores, não podem ser dissociadas das atuais condições sociais do Haiti. Apesar da Libéria nunca ter sido colonizada, sua história é marcada por uma forte influência dos EUA. Já os etíopes são muito orgulhosos por terem conseguido preservar grande parte de suas tradições milenares, mantendo-as relativamente livres de influências externas. Por exemplo, o fato de ser o único país africano a não adotar uma língua europeia como idioma principal é motivo de grande orgulho para os etíopes. A língua oficial na Etiópia é o amárico. Não façam como eu: não confundam “amárico” com “aramaico” 🤣 🤣 🤣. Aramaico era aquela língua que Jesus falava, e que ainda é falada por alguns povos árabes. Assim como o Aramaico, o Hebreu e o Árabe, o Amárico é língua semítica. O termo “semítico” se refere a um conjunto de línguas que derivam de uma mesma origem no Oriente Médio, assim como diversas línguas “latinas” que derivam do latim, por exemplo. Historicamente, esses povos semitas tiveram grande influência cultural, pois as três grandes religiões monoteístas do mundo, judaísmo, cristianismo e islamismo, possuem raízes semitas. O amárico tem um alfabeto meio doido, daqueles cheios de letrinhas/figurinhas que em nada tem a ver com nosso alfabeto romano.... Além do amárico, existem diversos outros dialetos na Etiópia. Outra curiosidade: a Etiópia usa um calendário e, também, um sistema de horas bem diferentes. As horas são contadas a partir do nascer do sol, às 6h da manhã. Ou seja, quando o nosso relógio marca 6h, no deles, é 0h. Nosso meio-dia e meia-noite caem 18h ou 6h no horário etíope. O pessoal que trabalha com turismo está mais acostumado com nosso sistema de horas, mas os nativos usam mais esse sistema de horas 6h defasado. Por exemplo, o motorista que me levou de Axum até Tigray sempre se confundia quando eu perguntava que horas a gente iria chegar... E eles também usam um calendário diferente, só deles. Lá o ano tem 13 meses! E se no calendário ocidental temos meses com 30 e 31 dias, além de fevereiro que é mais curto, lá eles têm 12 meses de 30 dias e um mês de 5 ou 6 dias, dependendo se for bissexto. Em setembro de 2019, eles estavam entrando no ano de 2012! O calendário etíope está sete anos e oito meses atrás do calendário ocidental. Isso porque a Etiópia calcula o ano de nascimento de Jesus Cristo de maneira diferente. Quando a Igreja Católica retificou o seu cálculo no ano 500 d.C., a Igreja Ortodoxa Etíope não fez o mesmo. Mais uma curiosidade: quem sabia que o café foi inventado no século XII na Etiópia? Ainda hoje, eles são grandes produtores de café (o Brasil é o maior produtor de café em grãos), e inclusive fazem cafés excelentes. Sobre religião: 60% da população são católicos ortodoxos, uns 30 % muçulmanos, e 10% de outras religiões. A história da Etiópia é muito rica e milenar. Houve vários impérios na Etiópia, os três que mais se destacaram foi o Império de Axum, por volta do século I, o império do Rei Lalibela, lá pelos anos 1200 (d.C.), e o Império de Gondar, a último grande império etíope lá pelos anos 1500 (d.C.). Infelizmente não pude ir na cidade de Gondar, para conhecer melhor a história desse império, mas vou falar um pouco mais sobre Axum e Lalibela nos relatos dessa viagem. Nos anos 80-90, a Etiópia teve tempos difíceis. Virou sinônimo de fome, pobreza e instabilidade. Aquelas imagens chocantes de crianças desnutridas morrendo de fome corriam o mundo.... Aquele show Live Aid que é destaque no filme do Freddy Mercury/Queen (Bohemiam Rapsody) era para arrecadar fundos para combater a fome da Etiópia. Nos anos 2000, melhorou um pouco, especialmente nas regiões urbanas mais próximas a capital. O PIB cresce uns 9% ao ano. Hoje é a segunda maior população da África com 100 milhões de habitantes (Nigéria é o primeiro), é sede da união africana, e assim como observei em Ruanda, tem um monte de obras e investimentos em infraestrutura, especialmente chineses. O PIB per capita ainda é bem ruim, mas melhorou um pouco perto do que era. Infelizmente, nessa viagem também não deu tempo de conhecer melhor a capital Addis Abeba, gostaria de conhecer melhor o cotidiano dos etíopes da capital e principalmente um museu que tem um acervo muito bacana de fósseis humanos e “parentes próximos” que evoluíram para o homo sapiens. O destaque é um fóssil de 3,2 milhões de anos batizado de Lucy no museu nacional, que, por algum tempo, foi o fóssil de humano primitivo mais antigo do mundo (1974). Atualmente, dizem que o fóssil humano mais antigo foi encontrado no Quênia... De forma geral, achei a Etiópia um país muito interessante. No entanto, a infraestrutura turística ainda é ruim, especialmente no norte. Outra dificuldade era a língua. Em geral, ao contrário dos outros lugares que estive na África, as pessoas tinham mais dificuldade com inglês. Eu normalmente fujo de excursões, não só para economizar, mas principalmente para ter liberdade para fazer as coisas no meu ritmo e na hora que eu quiser. Minha primeira viagem para África foi ao Egito, em janeiro de 2011. Fui com espírito de “mochileiro independente”, mas, na época, me arrependi, achei que era melhor ter feito alguns passeios de excursão por causa da falta de estrutura (transporte tanto dentro das cidades quanto entre elas), e para evitar aborrecimentos com assédio aos turistas (não era falta de segurança). Por isso, apesar de não gostar muito, eu “nutelei” e peguei uma excursão na Etiópia. Escolhi uma agência que já tinha um pacote pronto de cinco dias com saídas diárias (praticamente o ano todo) e que incluía as atrações que eu tinha escolhido: Dia 1: voo até Lalibela e tour em Lalibela; Dia 2: voo até Axum, tour em Axum, transfer rodoviário até Wukro, visitando uma Tigray church; Dias 3, 4 e 5: tour Danakil Depression, terminando com voo de Mekele para Addis Abeba O pacote incluía quase tudo, os trechos aéreos, hospedagens, transfers e entradas. Apesar de pagar caro, a ideia era pagar o pacote completo e não me preocupar com nada, passagens aéreas, transfers, tours, assédio.... Mas eu não recomendo essa empresa (Ethio Travel and Tours – ETT), explico os motivos mais para frente... Por hora, sigo o relato. No primeiro dia, eu iria conhecer Lalibela. Meu voo de Kigali chegava de cedinho em Addis Abeba, e meu voo para Lalibela já saia logo em seguida, por volta das 8h. Nesse meio-tempo, eu tinha que resolver o problema do drone, encontrar o funcionário da agência de turismo para pagar o tour em cash, ir para o terminal doméstico (lotado) e pegar meu voo. Ainda bem que eu só tinha bagagem de mão e deu tudo certo, cheguei a tempo de embarcar para Lalibela. Lalibela é o vilarejo onde se encontram as igrejas monolíticas, datadas do século XII e esculpidas em rochas, por ordem do rei Lalibela. As igrejas foram escavadas nas rochas “de cima para baixo”, seus tetos estão no nível do solo, fazendo deste um local sagrado absolutamente incomum. Na construção das igrejas, não há tijolos, blocos, cimentos, é realmente impressionante como foi feito! Os trabalhadores começavam escavando e separando a rocha que seria a futura igreja do restante do solo, deixando apenas um enorme bloco monolítico de rocha. Depois, eram feitas as fachadas, dando forma às edificações por fora. Em seguida, eram criados o espaço interior e a decoração das igrejas. Meu guia disse que elas foram construídas dessa forma para que não fossem avistadas por inimigos de longe. Essa foto é da igreja de St. George, quando estávamos bem perto a uns 100 metros de distância. Se você não estiver bem perto, ela parece bem “camuflada”, concordam? Figura IV‑46: Igreja St. George “camuflada” no solo Não existe registro de quanto tempo demorou para construí-las, mas o boca-a-boca fala em 23 anos. Outro mito é que o rei Lalibela foi auxiliado por trabalhadores durante o dia e por anjos durante a noite. Existem muitas versões sobre as motivações do rei Lalibela, que também era um padre, para construir uma com 11 igrejas monolíticas escavadas nas rochas. A versão mais aceita diz que Lalibela foi construída para ser “Nova Jerusalém”. No século XII, era muito comum a peregrinação anual dos cristãos etíopes para Jerusalém, mas a tomada de Jerusalém pelos muçulmanos impossibilitou essa peregrinação. Por isso, o rei Lalibela teria construído as igrejas. Outra lenda diz que o rei Lalibela foi exilado para Jerusalém pelo seu usurpador meio-irmão e se inspirou nas igrejas que viu lá. E, ao voltar para retomar seu reino, ele jurou construir uma nova cidade santa, aberta a todo o povo etíope. Independente do motivo, o rei Lalibela criou um dos principais sítios religiosos históricos da África, e talvez do mundo cristão. As igrejas são Patrimônios Culturais da Humanidade pela Unesco. Apesar disso, o lugar continua pouco conhecido e desenvolvido. A cidade (vilarejo) fica em um lugar bastante isolado no alto das montanhas Lasta. Hoje em dia Lalibela continua um centro religioso movimentado. Padres e peregrinos vêm de longe para visitar as igrejas e festivais religiosos e ainda circulam por suas passagens e túneis mal iluminados que ligam as igrejas, como se fez durante séculos. Lalibela é uma das cidades mais sagradas para Igreja Ortodoxa Etíope, depois de Axum. Dia 7 de janeiro, quando eles celebram o Natal da religião deles, é o dia que Lalibela fica mais cheia. As 11 igrejas medievais parecem manter-se intocadas há séculos, exceto pelas coberturas (horríveis) colocadas em algumas igrejas, com a intenção de preservá-las da erosão. O grau de erosão das igrejas variava bastante. Algumas sofreram pouca erosão, mesmo sem cobertura, enquanto outras, mesmo com coberturas, já estão bastante deterioradas. Em algumas, foram acrescentados reforços, como pilares e colunas. Já outras, sofreram colapsos significativos. Depois do voo e transfer do aeroporto, cheguei ao hotel lá pelo meio-dia e almocei por lá mesmo. O meu tour saiu 14h e fui conhecer as igrejas. Embora seja um lugar bastante turístico, tudo era bem simples. Outra coisa que me agradou foram os simbolismos das igrejas, lá o pessoal vê significados em tudo! No final do dia, fiquei triste porque já tinha esquecido a maioria das histórias e os detalhes dos simbolismos contados pelo guia... As 11 igrejas são divididas em três grupos, ao norte, leste e oeste. Primeiro simbolismo: 11 igrejas supostamente por causa dos 11 apóstolos (tirando Judas). Divididas em três grupos de igrejas para simbolizar o Pai, Filho, Espírito Santo. Os passeios começam pelo grupo do norte, que tem 5 igrejas. O grupo do leste tem mais 5. O terceiro grupo, na verdade, é só uma igreja, St. George, a mais famosa delas. E tinha igreja de tudo que é tipo. Tem igreja em melhor estado, tem igreja bem destruída, tem igreja minúscula, igreja maior, igreja com interior mais rebuscado, igreja para o rei, igreja para a esposa do rei, igreja para o arcanjo meu xará Rafael, tem até igreja para arca de Noé. Para fazer o tour pelas igrejas de Lalibela, recomendo contratar um guia. Isso ajuda a entender um pouco melhor a história e os diversos simbolismos, já que há pouquíssima informação por lá – nada de textos, audiovisuais ou painéis explicativos. Além disso, contratar um guia ainda tem outra vantagem importante: não ser tão assediado pelos vendedores insistentes espalhados por lá. Alguns, mesmo com o guia, chegam junto.... No entanto, escolher um guia, se você não conhece antes, é uma loteria: você pode ter a sorte de encontrar um ótimo ou acabar com um “mala”. Felizmente, eu dei sorte, meu guia era bem gente fina, tirava várias fotos e suas explicações foram ótimas. No final, dei uma bela gorjeta. A primeira igreja Medhane Alem (Igreja do Salvador) é a maior das igrejas de Lalibela e impressiona pelo tamanho. Dizem que a cruz de Lalibela, de 7 kg de ouro, fica guardada na igreja Medhane Alem, mas ela não está em exposição aos turistas. É a única que foi construída com colunas ao lado do “prédio principal”. Algumas colunas são originais, e outras foram reconstruídas para evitar o colapso da igreja por erosão. Apesar do cuidado em fazer com uma arquitetura semelhante, em vários pilares, é possível ver os tijolos e cimento, ao contrário das paredes internas do “prédio principal”, esculpidas na rocha. As janelas foram construídas com a forma das estelas do império de Axum, outras com a forma da cruz de Lalibela. Figura IV‑47: Igreja Medhane Alem Figura IV‑48: Igreja com cobertura Figura IV‑49: Detalhe das janelas Para chegar até as igrejas, tem que passar por alguns túneis e passagens escavas nas rochas, é bem bacana caminhar por eles. A chegada à segunda igreja, Maryam (da Virgem Maria) é muito legal, vejam o vídeo Cap IV‑24 no canal. As janelas da fachada traseira da igreja Maryam foram construídas em vários formatos, com um simbolismo bem bacana (vide foto a seguir). As três acima representam a Santíssima Trindade, e as do meio, a cruz de Jesus com o ventre de Maria abaixo. A janela embaixo e à esquerda representa o ladrão crucificado ao lado de Jesus que não se arrependeu, enquanto a da direita representa o ladrão que se arrependeu e “subiu ao paraíso”, com a janela em “T” acima. Figura IV‑50: Simbolismo das janelas Figura IV‑51: Igreja Maryam Essa igreja também tem uma banheira, que tinha algum significado, pena que não vou lembrar das explicações do guia... E é a única igreja que tem uma “varanda” ao lado. Outro destaque dessa igreja é o interior. É o interior mais ornamentado e bonito interior das igrejas de Lalibela, talvez por isso seja a igreja mais visitada pelos peregrinos. Quando eu estive lá, teve uma cerimônia. Os afrescos e ornamentos são originais do século XII. Coloquei um vídeo do interior da igreja no canal (Cap IV‑25). Figura IV‑52: Afrescos da Igreja Maryam Ao lado da Igreja Maryam, na face norte (lado direito da foto, vide seta vermelha), tem a Igreja Meskel (Igreja da Cruz), que é bem pequena. Essa igreja parece só um buraco em uma pedra gigante, já que não escavaram as paredes laterais dela, só a parede da frente. Esses dez arcos esculpidos na fachada representam os 10 mandamentos do Antigo Testamento. A igreja Meskel em si não é muito interessante, aproveitei e tirei foto de um sacerdote. Os sacerdotes ortodoxos em Lalibela vestiam longas túnicas brancas, mantos coloridos e turbantes característicos, que refletem a rica tradição ortodoxa da região. Não tenho certeza se esse era um sacerdote autêntico ou se era um cara vestido para tirar foto com turista... De qualquer forma, melhor pagar um dinheirinho para tirar a foto dele vestido a caráter, do que incomodar o pessoal que estava lá rezando. Figura IV‑53: Igreja Meskel Figura IV‑54: Sacerdote A próxima igreja também fica ao lado da Maryam, mas na face sul (vide seta vermelha). Chamada Denagel (Igreja das Virgens), é a menor e a que eu achei menos interessante das igrejas, é quase um túnel que você atravessa e segue para a próxima. Em cima dela, construíram uma torre (que não é do século XII), mas não me lembro da explicação do guia a respeito dela... Figura IV‑55: Entrada Igreja Denagel Depois da igreja de Denagel, atravessamos um monte de corredores e passagens bacanas e chegamos à última igreja da face norte, Golgotha Mikael. É uma igreja que foi construída no meio de um corredor, bem estreitinho.... O mais legal são as belas esculturas esculpidas nas paredes, se não me engano dos apóstolos. Na área acessível aos turistas, conseguimos visualizar apenas quatro dessas esculturas, sendo que duas delas estavam bem bonitas. É nessa igreja que fica o túmulo do rei Lalibela, também inacessível para os turistas. Por fim, seguimos no corredor estreito, atravessamos outro túnel e saímos na chamada Adam Tomb (Tumba de Adão), porque acredita-se que contém os restos mortais de Adão, o primeiro homem, de acordo com a tradição religiosa etíope. Não lembro a simbologia do lugar, mas tem uma bela cruz entalhada na rocha. A Tumba de Adão marca o fim do setor norte das igrejas. Ao sair dessa área, vimos várias antigas casas típicas dos moradores da região. Figura IV‑56: Apóstolos na Igreja Golgotha Mikael Figura IV‑57: Adam Tomb Figura IV‑58: Antigas casas típicas da região Depois fomos ao setor oeste, conhecer a Igreja St. George (São Jorge), que é a mais famosa de Lalibela. Se você já viu alguma imagem das igrejas de Lalibela, certeza que foi dessa igreja. Ela de fato é muito bonita, em formato de cruz. No telhado, tem uma bela cruz grega esculpida, e é bem trabalhada nas fachadas laterais. Eu acho que ela é a igreja mais turística porque não foi necessário colocar aquela cobertura horrorosa contra erosão... Segundo o guia, ela não tem problemas de erosão porque tem telhado de dois metros de espessura. O estado de conservação dessa igreja é muito bom. Figura IV‑59: Igreja St. George Figura IV‑60: Igreja St. George Figura IV‑61: Cruz grega no teto Figura IV‑62: Detalhe das janelas Em St. George, não poderia faltar o simbolismo... Ela foi construída inspirada na arca de Noé, o primeiro andar era para animais grandes, o segundo andar para animais pequenos, e o terceiro para humanos. Dizem que o andar debaixo não tem janela porque ficara abaixo do nível do mar. Os “andares” são simbólicos, não existem no interior da igreja. O interior não tem muitas pinturas, nem afrescos, só tem uma imagem de São Jorge, e um móvel que dizem que foi talhado pelo rei Lalibela. Além dos bonitos detalhes esculpidos das fachadas, janelas e a entrada, me chamou atenção que ela parece mais “enfiada” em um buraco que as outras igrejas. Todas as quatro faces dela foram escavadas e tem uma parede alta em frente e próxima às quatro faces. As outras igrejas pareciam mais abertas, pelo menos uma face delas.... Até por isso, para chegar na Igreja de St. George, tem uns caminhos de túneis muito legais, vejam o vídeo Cap IV‑26 no canal. Depois de conhecer St. George, fomos conhecer o último grupo de igrejas, grupo leste. São mais 5 igrejas, e meu guia começou pela igreja construída para o arcanjo xará Rafael e para o Arcanjo Gabriel. A parte da igreja para o Arcanjo Gabriel ainda é utilizada pelos fiéis, inclusive estava tendo uma cerimônia quando eu estava lá. O que chama a atenção dessa igreja é que tem um fosso bem fundo na frente dela, e tem uma bela fachada de frente ao fosso. Parece que essa igreja foi construída em um local que antes era um forte do império de Axum. Construíram uma ponte por cima do fosso para chegar até ela. Essa igreja é pequena por dentro. Figura IV‑63: Igreja Gabriel - Rafael O caminho para as próximas igrejas tem vários túneis e passagens estreitas. E, na entrada para os túneis, tem uma porta bem grande para atravessar, segundo o guia original da época, muito grande. A próxima igreja é a que mais sofreu com a erosão, e está em pior estado, chamada Lehen (Santo Pão). Figura IV‑64: Igreja Lehen A Igreja Lehen está bem destruída por fora e por dentro, infelizmente. No entanto, aqui tem a parte que eu achei mais legal dos simbolismos de Lalibela. Essa igreja está conectada a próxima igreja (Qeddus Mercoreus) por um túnel totalmente escuro, longo, que eu soube depois que tem 35 metros. Segundo a tradição dos etíopes, os fiéis têm que atravessar ele na completa escuridão, simbolizando a passagem do homem do inferno ao paraíso! Nessa hora, o guia te convida para fazer esse percurso no escuro. Ele pede para você não acender flash ou lanterna, você dá uma abaixadinha para não bater a cabeça na entrada do túnel, o guia te dá uma mão e, com a outra mão, você vai tateando a parede e... partiu, túnel! Sinistro passar por aquele buraco tosco, apertadinho e um tanto claustrofóbico, mas muito divertido. Depois que eu atravessei, eu tirei essas fotos com flash, mas é bem apertadinho, escuridão total. Achei sensacional o rito de passagem do inferno para o céu!! Figura IV‑65: Túnel da passagem do inferno para o céu Figura IV‑66: Claustrofóbico Figura IV‑67: Chegando no céu e na Igreja Qeddus Mercoreus A Igreja Qeddus Mercoreus (São Mercúrio e São Marcos), que fica no final do túnel de quem vai do inferno ao céu, também está bem judiada... Parece que uma grande parte da igreja colapsou, tem até uma parede de tijolo para reforçar a parte da igreja que sobrou. Do lado de fora, encontraram umas algemas, por isso dizem que lá pode ter sido usado como prisão ou tribunal antigamente. O destaque da Igreja Qeddus Mercoreus é o interior, o guia falou bastante coisa, mas, para variar, eu esqueci . Tem pinturas um pouco mais recentes e afrescos mais antigos interessantes. A penúltima igreja se chama Amanuel (Emanuel), que era possivelmente a capela do rei. Para mim, é a igreja mais bonita externamente, com todas as fachadas ricamente esculpidas. Acharia, inclusive, mais bonita que a St. George, se não fosse por essa cobertura horrorosa que estraga um pouco o cenário.... Das igrejas desse grupo do leste, essa é a única cujas fachadas foram foi totalmente esculpidas! Figura IV‑68: Igreja Amanuel Figura IV‑69: Igreja Amanuel Repararam que o cara de verde sentado em frente à igreja estava segurando um fuzil (não entendo nada de arma...). Tornou-se quase rotineiro presenciar essas cenas, eu já estava ficando mal-acostumado com tanta escolta armada e checkpoints.... Depois de passar por mais uns túneis e corredores bacanas, chegamos à última igreja, Abba Libanos. Dizem que essa era a capela da rainha. Chama atenção que essa foi esculpida as quatro fachadas laterais, mas o teto ficou “emendado” na rocha! Tentei tirar algumas fotos para ver as colunas e o teto de rocha. Essa igreja também sofreu com as erosões, tiveram que colocar uns tijolos em quase toda a lateral direita da foto. Figura IV‑70: Igreja Abba Libanos Conhecemos as 11 igrejas sem pressa e terminamos no horário de fechamento, às 17h, acelerando um pouco nas últimas duas. Tive sorte de fazer o passeio praticamente sozinho com o guia, já que o único outro integrante do grupo estava passando meio mal e logo desistiu. Dá para fazer tudo em 3h, mas, se possível, é bom ter um tempo extra. Minha avaliação sobre as igrejas de Lalibela: eu já tinha pesquisado e visto muitas imagens delas, já sabia mais ou menos o que esperar visualmente. Mas eu não esperava todos os simbolismos das construções dessas igrejas, muito interessante. Além disso, o mais marcante para mim foi a fé e a devoção dos peregrinos que lotam aquelas igrejas sagradas e praticam sua fé há séculos! Parecia tudo muito autêntico. Nesse dia, quando estávamos indo para o último grupo de igrejas, passou uma procissão fúnebre, e olha quanta gente nesse funeral (vídeo Cap IV‑27 no canal). Também passei por algumas igrejas que estavam tendo cerimônias, e mesmo no meio da “turistaiada”, dava para ver a fé e a devoção dos religiosos etíopes. É tocante até para ateus! Figura IV‑71: Funeral O outro destaque do dia foi o belo cenário montanhoso da Etiópia! Eu já sabia que a Etiópia era muito mais verde que muitas pessoas imaginam, o Saara não chega lá, só tem deserto na região das fronteiras com a Eritreia e Somália. Mas, além de verde, existem muitas montanhas. 50% das áreas do continente africano acima de 2000 m de altitude estão na Etiópia. E 80% das áreas acima de 3000 m estão aqui também. Muito bonitas as paisagens montanhosas da região. Figura IV‑72: Belo cânion pousando em Lalibela Figura IV‑73: Montanhas de Lalibela Ah, e para fechar o dia com chave de ouro, uma dica não muito difundida (vi a dica em poucos alguns sites, como o Viajo logo existo, Ref. 21😞 não deixem de conhecer o restaurante Ben Abeba para curtir um belo pôr do sol. Não dá para ir a pé das igrejas nem do centrinho de Lalibela, mas é baratinho ir de tuk-tuk... Aliás, ir para Lalibela e não andar de tuk-tuk também não pode, hein! Figura IV‑74: Tuk-tuk estiloso O restaurante Bem Abeba fica em um vale com uma vista espetacular. A própria construção já é muito estilosa. A dona é uma britânica que se mudou para Lalibela. A comida é boa (não achei maravilhosa), o preço é para turista (mas não abusivo, achei justo), mas o visual do pôr do sol nas montanhas vale muito a pena! Salvei um vídeo da lista vista panorâmica do restaurante lá no canal (Cap IV‑28). Ah, não façam como eu e levem casaco, nas montanhas de Etiópia, venta e esfriou bastante sem sol, mesmo no final do verão. Figura IV‑75: Restaurante Bem Abeba Figura IV‑76: Vista para as montanhas Figura IV‑77: Vista para o vale Figura IV‑78: Lindos raios de sol entre nuvens Figura IV‑79: Cores mágicas do final da tarde Adorei Lalibela. É muito bom chegar em um lugar com uma expectativa não tão alta e ser surpreendido positivamente! Fiquei com uma sensação oposta do gorilla trekking: era um destino que eu achei que seria bacana (era minha segunda prioridade na Etiópia), mas que de longe superou a minha expectativa! Lalibela: #imperdível Dia 7 -> Axum e Tigray Churches Nesse dia iria pegar um voo direto de Lalibela até Axum, conhecer o centro de Axum, pegar uma van até a região das Tigray Churches, e ainda visitar uma das Tigray Churches antes de jantar no hotel. Axum foi a capital do primeiro grande império etíope, império de Axum, no século I (d.C.), que, no auge, chegou a ocupar os atuais territórios da Etiópia, Eritreia, sul do Egito e até parte do Iêmen, que fica do outro lado do Mar Vermelho. Axum, hoje, é uma cidade tão pequena que fica até difícil acreditar que já foi um dos maiores impérios do mundo! As ruínas da cidade são patrimônios mundiais da Unesco: durante os primeiros séculos, foram levantadas grandes estelas de pedra que recordavam grandes reis. As estelas são grandes monumentos “tipo” obeliscos, cujo topo termina em uma parte semicircular superior, enquanto os obeliscos possuem topo piramidal. As estelas de Axum são detalhadamente esculpidas a partir de um bloco de granito, lembrando torres de vários andares, muito bacana. Eles têm portas, janelas e vigas falsas primorosamente esculpidas. O propósito dessas estelas era servir de "marcadores" para câmaras funerárias subterrâneas. Essa prática, que durou até cerca de 330 d.C., terminou na época do rei Ezana, o primeiro monarca de Axum que se converteu ao cristianismo. Existem no total 126 imensos obeliscos de pedra em Axum, a maior parte fica no Parque Setentrional das Estelas bem no centro da cidade. Mas, infelizmente, muitos estão caídos e partidos em pedaços, inclusive o maior deles, a Grande Estela que tinha 33 metros de altura. A Estela de Ezana, nome foi dado em honra ao rei Ezana, é a maior entre as que mantiveram sua integridade, como 21 metros de altura, e provavelmente a última a ser erguida, já que essa prática foi abandonada após a conversão dele ao cristianismo. Ao lado dela, encontra-se a estela conhecida como Obelisco de Axum, com 24 metros de altura e peso de 800 toneladas, que foi roubado da Etiópia na época do Mussolini na Segunda Guerra Mundial, e foi devolvido pela Itália em 2005. Ela foi seriamente danificada (algumas fontes dizem que foi pelos italianos, outras fontes dizem que por um terremoto anterior aos italianos), e posteriormente restaurada. Figura IV‑80: Parque das Estelas (Grande Estela caída em primeiro plano) Figura IV‑81: “Obelisco” de Axum Figura IV‑82: Estela de Ezana Além de ser famosa pelas estelas, Axum também é a cidade mais sagrada para os cristãos ortodoxos etíopes. Lá fica a Igreja de Santa Maria de Sião, ao lado da Capela das Tábuas (Chapel of the Tablet), o local onde estaria a misteriosa Arca da Aliança, que contém os dez mandamentos da Bíblia! Aquela mesma arca perdida que o Indiana Jones buscava no primeiro filme (Os Caçadores da Arca Perdida). Se o Indiana Jones soubesse que a arca estava lá esse tempo todo, só precisava ter ido até Axum caçá-la 🤣🤣🤣 . Segundo o livro bíblico do Êxodo, Moisés montou a Arca da Aliança seguindo orientações de Deus, que indicou seu tamanho e forma. Nela, foram guardadas as duas tábuas da lei com os 10 mandamentos escritos por Deus; a vara de Aarão e um vaso do maná. Estas três coisas representavam a aliança de Deus com o povo de Israel. Para judeus e prosélitos, a arca não era só uma representação, mas a própria presença de Deus. Segundo a Igreja Ortodoxa Etíope, a arca foi levada à Etiópia por Menelik I, filho bastardo do Rei Salomão e Makeda, a Rainha de Sabá (para a maioria dos historiadores e para as outras religiões, a arca estaria desaparecida). Uma explicação bacana de como a arca teria ido para Etiópia eu achei no Instagram @oviajantehonesto (Ref. 19), que eu colei aqui: “Diz a tradição que a igreja ortodoxa etíope possui esta preciosa relíquia graças à Rainha de Sabá, cuja existência é contestada pelos historiadores, mas não por grande parte dos etíopes. Os etíopes acreditam que a Rainha de Sabá viajou de Axum a Jerusalém para visitar o rei Salomão e descobrir mais sobre sua suposta sabedoria por volta de 950 a.C. Sim, o famoso Salomão, filho de David. Reza a lenda que os dois tiveram um affair e a rainha deu a luz a Menelik I, filho do Rei Salomão. (A história de sua jornada e sedução por Salomão são detalhadas no épico Kebra Nagast - Glória dos Reis, uma obra literária etíope escrita na língua Ge'ez no século 14). Menelik I cresceu, virou imperador de Axum e também foi visitar Israel para encontrar seu pai. Foi recebido com muitas honras. Salomão queria que ele ficasse e governasse após sua morte, mas concordou com o desejo do jovem de voltar para casa, mandando-o de volta com um contingente de israelitas. Um deles roubou a arca que ficava guardada dentro do Templo de Salomão, substituindo a original por uma falsificação. Quando Menelik descobriu, ele concordou em manter a arca, acreditando ser a vontade de Deus que ficasse na Etiópia. Segundo a lenda, São Miguel Arcanjo e os “poderes milagrosos” da Arca ajudaram Menelik a chegar são e salvo na Etiópia. Até hoje os etíopes acreditam que a Arca original está em Axum e essa crença é o cerne da credibilidade da Igreja Cristã Ortodoxa da Etiópia. Até os dias de hoje, para os cristãos ortodoxos do país, a arca é sagrada e algo a que eles ainda estão dispostos a proteger com suas vidas. Apesar de as versões serem diferentes, a parte do encontro da rainha de Saba e Salomão está na Bíblia, Torá e até no Corão. Já a parte da Arca estar em Axum…. pode ser que sim, pode ser que não… 🤣 A verdade é que ninguém sabe o que aconteceu com ela… De toda forma, não deixa de ser uma baita história, né?” Última curiosidade que pesquisei sobre Axum envolve Baltasar, um dos reis magos que supostamente era negro. Na Etiópia, existe a crença de que o rei de Axum na época do nascimento de Jesus Cristo, King Bazen, era o rei mago Baltasar. O túmulo de Bazen/Baltasar pode ser visitado em Axum. Quanto ao meu passeio por Axum, o tour da ETT foi um fiasco total! O dia já começou mal em Lalibela: sem qualquer aviso, me acordaram às pressas para ir ao aeroporto junto com outro grupo que tinha voo mais cedo, e lá tomei um chá de cadeira. Chegando em Axum, ninguém me esperava no minúsculo aeroporto. Tive que sair perguntando aos locais se alguém conhecia o motorista da ETT, até achar alguém que sabia e me levou até um cara que estava “de boas” sentadão em alguma sombrinha no estacionamento... E que nem sabia qual era o itinerário! Meu pacote incluía um tour em Axum, e ele nem estava sabendo. Depois que eu reclamei, ele arranjou um motorista para me levar ao centro de Axum, mas aquilo não dava para ser chamado de “tour”. O motorista só estacionou a van e ficou esperando enquanto eu desci para tirar algumas fotos... E ainda atrasou bastante (chegou com mais de uma hora de atraso, parece que a van quebrou). Para piorar, o “complexo” onde fica a igreja de Santa Maria do Sião, que é como um parque cercado, estava fechado para almoço. O horário de funcionamento varia dependendo do dia da semana, mas geralmente fecha das 12h-14h30. Com um mínimo de planejamento, daria para ter evitado isso. Resumindo: meu passeio em Axum foi mega porco, sem guia, com o complexo fechado e zero informação histórica. “Obrigado”, ETT! No final, só consegui tirar umas fotos da Igreja de Santa Maria do Sião do lado de fora da cerca. Aparentemente, mesmo durante o horário de funcionamento do complexo, turista não poderia entrar na Igreja de Santa Maria do Sião, local mais sagrado da igreja ortodoxa etíope. Só daria para conhecer por fora. Figura IV‑83: Igreja de Santa Maria do Sião Figura IV‑84: Torre do Sino Já na Capela das Tábuas, onde fica a arca, ninguém pode entrar, nem mesmo os próprios cristãos ortodoxos. Somente um único monge guardião pode vê-la. Segundo a tradição, a capela é guardada por um monge guardião que é escolhido para passar a vida inteira confinado no local, rezando e fazendo oferendas diante da relíquia. Antes de morrer, o guardião deve nomear quem será seu sucessor, e, no caso de que ele faleça antes de fazer isso, os membros do mosteiro de Santa Maria de Sião, então, devem se reunir e realizar uma votação para eleger o novo defensor da arca. Mesmo com o parque aberto, os turistas têm que ficar a uma certa distância. Segue a foto do lado de fora da cerca também. Figura IV‑85: Capela das Tábuas Em Axum, também estavam construindo um novo museu, bem próximo às ruínas e a esse complexo da Igreja de Santa Maria do Sião, deve ficar bem legal. Mas enfim, depois do fiasco do meu “tour” em Axum, ainda me restava aproveitar as Tigray Churches. As igrejas da região de Tigray, assim como as de Lalibela, também foram feitas de uma forma para que ficassem escondidas dos inimigos na época. Muitas das Tigray Churches também são cavadas em pedras, monolíticas, mas essas não foram escavadas no chão, e, sim, construídas no alto de montanhas inabitadas (ao menos as igrejas mais legais). Existem dezenas de igrejas na região, a que eu achei mais legal chama Abuna Yemata Guh, no episódio 10 do Alma Viajante (Ref. 23) e no Livre Blog da Amanda Areias (Ref. 22) tem um relato bem bacana a respeito. Abuna Yemata Guh fica no alto de uma montanha, é uma aventura só para chegar nela: 1h30 de caminhada, tem um trecho que sobe usando cordas, caminhar à beira de precipício, além de uma bela vista. Já outras igrejas parecem ter como destaque belas vistas das montanhas da região. O trecho de carro de Axum até as cidades-base para conhecer Tigray Churches é longo (4h), e eu estava preocupado se daria tempo de conhecer a igreja. Mal sabia eu que esse era o menor problema.... O pior foi a igreja que a ETT me levou para conhecer a Wukro Church, uma Tigray Church beeeeem fiascada! Descobri que no meu tour não estava incluído a Tigray Church mais legal (Abuna Yemata Guh), nem mesmo as outras muito legais (Maryam Korkor e Daniel Korkor). “Obrigado”, ETT. Dessa vez, eu também tive uma parcela de culpa. Quando fechei o pacote com a ETT, a comunicação estava péssima e acabei desistindo de pedir mais detalhes do roteiro, como qual seria a igreja incluída no meu tour. Pensei: “se eles te levam em uma Tigray Church, com certeza te levam na mais legal, certo?” Só que não.... Eles te levam na mais perto da cidade! Chegamos na Wukro Church no início da noite. É monolítica também, até lembra um pouco as de Lalibela sem ter sido escavada para baixo. Mas achei bem meia boca, especialmente para quem tinha acabado de voltar de Lalibela. No final do dia, liguei para a ETT na tentativa de dar um jeito de conhecer a Abuna Yemata Guh na manhã do dia seguinte, apesar da logística um pouco complicada. Era um passeio de 3h saindo de Wukro, e minha saída para o tour da Danakil Depression, no dia seguinte, estava marcada para às 8h da manhã. Ainda assim, pelo ritmo em que as coisas aconteciam nesses tours na Etiópia, eu tinha certeza que daria tempo de visitar a Abuna Yemata de manhãzinha, e depois encontrar o outro tour. Fiquei horas no telefone tentando viabilizar meu passeio, pagaria o valor que fosse, mas me disseram que, se eu não saísse às 8h em ponto, perderia o tour da Danakil Depression. No fim, tive que desistir da Abuna Yemata Guh. Lembram que eu comprei o pacote completo e caro, só para não ter dor de cabeça? “Obrigado”, ETT! Fiquei bastante frustrado por não ter ido em nenhuma das Tigray Churches mais legais. No entanto, o dia teve seus pontos positivos, como conhecer o centro histórico de Axum, ainda que superficialmente, e a bela paisagem de carro Axum até Wukro. Montanhas dos mais diferentes formatos, estradinhas às vezes muito sinuosas, muito legal, lindo cenário. Essas estradas passavam por vilarejos rurais bem simples, e o “trânsito” era intenso.... Trânsito de ovelhas, cabras, às vezes vacas 🤣 🤣 🤣. Tinha tanto animal nas estradas que a gente até se acostumava, achei mais bacana quando o “trânsito” era de camelos.... Seguem as fotos da bela estrada: Figura IV‑86: Em direção a montanhas escarpadas Figura IV‑87: Montanhas com formatos diferentes Figura IV‑88: Estradinhas serpenteando pelas montanhas Figura IV‑89: Tráfego intenso.... Axum: #valeapena Wukro Tigray Church: #legalzinho Dia 8 -> Salar Danakil Danakil Depression é uma depressão geológica, ou seja, uma planície abaixo do nível do mar, localizada no norte da Etiópia, na região do chifre da África. Em seu ponto mais baixo, tem cerca de 120 metros abaixo do mar, sendo um dos locais mais fundos do mundo (o Mar Morto é o local mais fundo do mundo, com 430 metros abaixo do nível do mar!). A região tem uma formação geológica complexa, resultado da separação de 3 placas tectônicas, causando atividades vulcânicas e rifting, terrenos subindo e afundando, erosão, tudo isso misturado com inundação pelo mar. O tour pela Danakil Depression era o passeio que eu mais queria fazer na Etiópia. Eu já sabia que o Vulcão Erta Ale tinha perdido o lago de lava recentemente, mas queria muito conhecer a região geotermal colorida chamada Dallol. O tour em si parecia desafiador, com muitos lugares remotos, mas incríveis! Eu estava ciente que teria muito pouco conforto, mas estava na dúvida se as atrações turísticas iriam compensar os perrengues... Danakil Depression é uma das regiões mais inóspitas da terra, uma das mais quentes da Terra. Em termos de temperatura média ao longo do ano, é o lugar mais quente do mundo!!! No ano todo, a temperatura média é 35oC, 30oC no inverno e quase 40oC no verão (Ref. 45). As temperaturas máximas chegam a 49oC. E, por ser uma depressão, não venta muito, a sensação é muito abafada.... Não por acaso, a melhor época para fazer esse passeio é em janeiro, ou o mais próximo possível do inverno deles. Como outubro, novembro e dezembro teoricamente teria muita chuva na RD do Congo, então optei por ir em setembro (média 37oC). Para minha sorte, peguei uns dias não tão quentes, até um pouco nublados. E a noite deve ter feito menos de 30 oC. Além da natureza inóspita, os vilarejos por onde passamos na Danakil Depression, estado etíope chamado Afar, quase na fronteira com a Eritreia, são muito remotos e bem simples. Deve ser uma das partes mais pobres da Etiópia, um dos países mais pobres do mundo.... Ficamos em acampamentos no meio do nada. Não sei nem se dá para chamar de acampamento, a gente não dormia nem em barraca. O pessoal estacionava o carro, colocava os colchões, e a gente dormia ao relento! Nos acampamentos, só tinha umas duas barracas maiores, onde eles preparavam o café da manhã e janta. Aliás, como era um calor do cão, não sei se precisava de barraca... Seguem as fotos do acampamento do primeiro dia (nessa primeira, foto já tinham guardado o colchão que ficava em cima dessa caminha). Figura IV‑90: Quarto com vista para as estrelas.... Figura IV‑91: Acampamento do primeiro dia Figura IV‑92: “Barraca restaurante” do nosso acampamento Não sei ao certo o que essa “oca” estava fazendo lá, mas parecia uma “suíte presidencial” do nosso acampamento, muito luxo 🤣 🤣 🤣: Figura IV‑93: Suíte presidencial.... No segundo dia, que dormimos no acampamento próximo ao Erta Ale, não tinha essa caminha, era só o colchonete mesmo. Eletricidade nos acampamentos? Nem pensar... Durante os 3 dias do tour, só tinha eletricidade na casinha restaurante que almoçamos no segundo dia. Não tinha banho, ducha, nem banheiro, obviamente.... Água mineral tinha, mas era mais para beber, preparar comida etc., não para tomar banho. Como ficava dentro do carro, já vinha na temperatura ambiente, ou seja, fervendo.... Ficar sem banho naquele calor infernal por 3 dias não era nada agradável. Aliás, não façam como eu que esqueci de levar lencinhos umedecidos: se limpar com eles, será o mais perto que você vai conseguir chegar de um banho! E ainda te deixam com aquele cheirinho de bundinha de bebê.... As únicas oportunidades de banheiro foram em três paradas de almoço, mas acreditem, era muito melhor ir na natureza 🤣 🤣 🤣. Lendo esse relato, pode parecer que eu achei o tour bem “trash”, mas, na verdade, eu adoro tudo isso! O tour é bem “raiz”, para quem gosta, é bom demais. E não posso deixar de falar que achei as refeições relativamente muito boas, muito melhor do que eu estava esperando. Os cafés da manhã e jantas eram servidos no nosso acampamento, os almoços foram em lugares simples em vilarejos do caminho, tudo bem simples, mas gostei bastante. O pior mesmo é que essa região próxima à fronteira da Eritreia está cheia de conflitos. Em 2012, um grupo separatista Afar atacou um grupo de turistas em tour no Erta Ale: 5 turistas morreram, 3 turistas ficaram feridos, 2 turistas e 2 etíopes sequestrados e depois liberados. Desde então é obrigatória escolta armada nesse passeio. Felizmente, no meio de 2018, foi assinado um acordo de paz entre Etiópia e Eritreia, e parece que os conflitos na região melhoraram um pouco. Aliás, logo depois que voltei para o Brasil, o primeiro-ministro da Etiópia ganhou o Nobel da paz 2019, justamente porque assinou esse acordo de paz! De fato, a escolta armada que nos acompanhou era bem menor do que os relatos que tínhamos ouvido anteriormente, “só” tinha um cidadão armado. Escolta armada em um passeio, para mim, nunca é uma sensação agradável, mas estava “menos pior” que na RD do Congo. No entanto, algumas coisas melhoraram nesse ano. Eu tinha visto relatos dizendo que as estradas até o Erta Ale eram terríveis, e ainda havia um trekking indigesto de 10 km (3h/4h) do acampamento até o vulcão. Felizmente, boa parte da estrada foi asfaltada. Além disso, o governo abriu uma estrada de terra que chega bem perto do Erta Ale, e o acampamento agora fica a, no máximo, 30 minutos do vulcão, em vez das antigas 3h/4h de caminhada. A infraestrutura melhorou um pouco, pena que a atração principal, o vulcão, piorou 🤣 🤣 🤣. EM TEMPO, atualização de 2023: em novembro de 2020, iniciou uma guerra civil por disputas políticas entre o estado de Tigray (Mekele é a capital desse estado, de onde saia o tour pela Danakil Depression) e o governo federal da Etiópia. A Frente de Libertação do Povo de Tigray (FLPT) era o partido mais influente da coalizão que governava a Etiópia de 1991 até 2018. A FLPT passou a buscar independência da Etiópia quando o primeiro-ministro Abiy Ahmed Ali, que havia ganhado o Nobel da paz de 2019, iniciou uma ruptura com a FLPT na coalizão que governava a Etiópia. As disputas transformaram-se em uma guerra civil e conflito armado violento, até que, teoricamente, em novembro de 2022 foi assinado um Tratado de Paz entre as partes com a mediação da União Africana. Por causa do conflito, esse tour pela Danakil Depression, que saía de Mekele, havia sido modificado e estava saindo de outra cidade no Afar bem mais longe, vale a pena verificar as condições desse conflito antes de programar sua viagem! Se, apesar desse monte de perrengue, você ainda quiser fazer esse tour.... Não esqueça de ir preparado, tem que levar basicamente tudo. Eles vão te dar um colchão e uma almofada, comidas e água também, mas o resto é por sua conta. O tour Danakil Depression começava às 9h da manhã no escritório da ETT em Mekele, e eu tive que sair as 7h30, já que eu estava na cidade de Wukro. Vou resumir o que aconteceu em Mekele: reúnem o grupo todo (22 pessoas), separam em carros, enrolam bastante, param para abastecer, esperam juntar os carros na estrada, param em uma cidadezinha só a 40 minutos de Mekele para ir em mercadinho, esperamos em um café por horas, depois espera as pessoas de novo sei lá para quê.... Caramba, era meio-dia e ainda estávamos na cidadezinha entre Mekele e Wukro! Ou seja, claro que dava para eu ter feito o passeio naquela Tigray Church mais legal nessa manhã e encontrar o comboio nessa cidadezinha a 20 minutos do hotel, não teria problema algum. “Obrigado”, ETT! Depois disso, andamos cerca de 2h de carro finalmente e paramos em um vilarejo bem simples para o almoço. Depois do almoço, os guias enrolam mais um pouco para o solzão baixar e só saímos de verdade para o Salar de Danakil às 16h! E depois de mais 1h de carro, finalmente chegamos na primeira atração do dia. Resumo logístico do nosso dia: saí às 7h30 da manhã de Wukro, e fomos chegar na primeira atração do dia às 17h da tarde (que fica a umas 3h30 de Mekele, cidade que começava o tour)! Apesar da logística horrível, o caminho é bem bonito. E nós passamos por belas paisagens desde que saímos de Mekele, que ainda fica nas montanhas e vales verdejantes da Etiópia, até entrarmos na região árida da Danakil Depression, quase sem vegetação e mais plana, já no estado do Afar. O motorista fez algumas paradas na estrada para curtirmos belas vistas. Figura IV‑94: Mirante saindo de Mekele Figura IV‑95: Mirante na descida até Danakil Depression A foto a seguir é um mirante do Rift Valley, que marca a entrada da Danakil Depression. Acredita-se que essa parte do Rift Valley (Danakil Depression) no passado distante já foi coberto pelo mar, formando o salar Danakil. Figura IV‑96: Rift Valley A primeira parada do passeio no Salar de Danakil é nesse ponto onde tem essa pequena banheira no meio do salar. A água é tão salgada que não afunda, estilo um Mar Morto super-concetrado. O pessoal do tour leva um pouco de água para tirar o sal para quem quiser se banhar. No Salar de Danakil, assim como em Uyuni, o sal produz esses padrões hexagonais. Mas, enquanto em Uyuni, eles são branquinhos, aqui eles são bem marrons. Figura IV‑97: “Banheira” Figura IV‑98: Padrões hexagonais do Salar de Danakil Depois de conhecer a parte do salar que tem essa banheira, voltamos para o carro e rapidamente chegamos à outra região do salar, que tem esse lago grande e muito salgado chamado Lago Karum. Ele é bem rasinho, não é para nadar. Fica uma lâmina d’água bem fininha por cima do salar, bem bonito. A ideia era apreciar o pôr do sol de lá, que deve ser muito belo, uma pena que o dia estava bem nublado. O lado positivo de estar nublado é que não pegamos tanto calor, essa parte do salar Danakil/Dallol seria a parte mais quente do passeio. Na foto abaixo, eu caminhei bem para o meio do lago (reparem nos carros, que estavam na margem do lago), e estava tão raso que não afundava nem o pé.... Tem um vídeo no canal também, Cap IV‑29. Figura IV‑99: Lago Karum No geral, achei o Salar de Danakil bonito, mas nem tanto quanto Uyuni e Atacama. E os guias não tinham as manhas de tirar fotos tão divertidas brincando com as perspectivas como na Bolívia! Final do dia, fomos para o “acampamento”. Como não estava tão quente assim, a noite ao ar livre para mim foi boa. Salar de Danakil: #legalzinho Lago Karum: #legalzinho Dia 9 -> Dallol e Erta Ale Nesse dia, saímos bem cedo para conhecer o Dallol, pertinho do Salar Danakil. Dallol significa “pedras coloridas” na língua deles. É o lugar mais inóspito da inóspita Danakil Depression porque, além do calor infernal, o chão é meio enlameado, é cheio de fumaças tóxicas, poças ácidas, é bem fedido, alguns chamam de Portão do Inferno.... Mas é de uma beleza surreal! No verão, os guias geralmente levam os turistas bem cedo, acordamos às 6h da manhã para ir para lá. A região do Dallol especificamente é uma região hidrotermal do Salar Danakil, com muita atividade vulcânica embaixo do deserto de sal. Tem muita presença de minerais: ferro e potássio mais avermelhados, amarelo de ácido sulfúrico, magnésio e sal branco, tudo reagindo com aquele calorzão acaba formando cores meio surreais, misturas de verde, amarelo, marrom.... Estava lendo um texto de um cientista que explica melhor essas formações (Ref. 26). A água que brota do chão é supersaturada de sal, todo esse sal excedente se cristaliza formando pilares que inicialmente são de um branco brilhante e puro. A acidez das águas é brutal, quase 500 vezes maior que a do limão. Depois do sal, quando a temperatura da água baixa algumas dezenas de graus, o enxofre se condensa, pintando de amarelo fluorescente os pilares inativos. As águas ácidas empoçam graças a represas construídas pela cristalização do próprio sal. O ferro, em contato com o oxigênio da atmosfera, oxida-se reduzindo o pH até o valor mais baixo já encontrado em meio natural, quase 10.000 vezes mais ácido que o limão. As sucessivas mineralizações causadas pela oxidação tingem as águas de cores vibrantes, do verde-lima ao verde-jade, do laranja ao vermelho, os ocres e chocolates. Olhando as fotos a seguir, talvez dê para visualizar um pouco esse processo de formação de cores, muito interessante. Na excursão, o guia estava explicando que no Dallol tudo é fugaz. As áreas que outrora estavam tranquilas, apresentam uma atividade inquietante. As flores de sal que reluziam brancas hoje estão amarelas e, depois de amanhã, vermelhas. E desaparecerão para germinar em outros lugares. Essa foto é do início da caminhada desde o ponto que o carro estaciona, até o Dallol (caminhada bem leve, uns 15 minutos no máximo). Segundo o guia, antes as águas brotavam nessa região, mas olha como ficou depois que perdeu a atividade hidrotermal e as cores. Figura IV‑100: Região que secou No pedaço colorido do Dallol, com atividade hidrotermal, havia duas áreas muito mais bonitas que o restante. A primeira área era onde se formaram muitos “minivulcãozinhos” de sal, enxofre e minerais, muitos deles com água quente e vapor brotando do chão. São como minigêiseres. Outros vulcãozinhos não estavam mais ativos, restando apenas as montanhazinhas coloridas. Essa parte era aonde tinham mais fumarolas, fumaça, etc. Nessa foto, eu aponto para uma delas, depois dou o zoom. E também coloquei um vídeo (Cap IV‑30) dessa área dos “vulcõeszinhos” no canal. Figura IV‑101: Área com “vulcõezinhos” expelindo água quente Figura IV‑102: Detalhe do vulcãozinho Figura IV‑103: “Área dos vulcõezinhos” Já na segunda parte muito colorida, a “área das piscinas”, se caracterizada por ter muito acúmulo de água. Foi a área que eu achei mais bonita, tirei um milhão de fotos. As águas se acumulavam parecendo minipiscinas, de borda infinita, de várias tonalidades: verde, transparente, azul, muito bonito. Essas lindas piscinas se acumulavam em terraços, às vezes de cor amarela, laranjas, marrom, belíssimas. Uma explosão de cores!!! Figura IV‑104: “Área das piscinas” Figura IV‑105: Muito acúmulo de água Figura IV‑106: piscinas mais esverdeadas Figura IV‑107: Explosão de cores Figura IV‑108: Vista do alto morro Figura IV‑109: Detalhe Figura IV‑110: Poça mais azulada Salvei dois vídeos no canal dessa área das piscinas, Cap IV‑31 e Cap IV‑32. Ah, e para não criar muita expectativa: o lugar é menor do que pode parecer nas fotos! É só uma pequena região do salar que fica colorida assim. Essa foto dá para ter uma ideia do tamanho, no primeiro plano, a parte que tinha a “área dos vulcõezinhos” e, no fundo, centro esquerdo da foto, é a “área das piscinas”. A área com atividade hidrotermal, e muito colorida, é relativamente pequena. O resto é aquele deserto da chegada. Dito isso: eu esperava um lugar um pouco maior, mas ainda assim eu achei o Dallol #imperdível. Era a parte que eu tinha maior expectativa da Etiópia, e não me decepcionou! Figura IV‑111: Vista geral da área com atividade hidrotermal Depois do Dallol, fizemos ainda duas paradas rápidas só para foto em algumas formações bacaninhas. Primeiro uns pináculos, e depois visitamos rapidamente um lago de potássio bem diferentão, com água escura, quente, tóxica e muito fedida! Figura IV‑112: Lago de Potássio Ficamos nesses passeios da região do Salar Danakil das 6h às 9h, quando seguimos para o vulcão Erta Ale. O trecho de carro era longo, e chegamos no vulcão à noite. A maior parte da estrada agora está asfaltada, só pegamos umas 2h de estrada off-road da saída da cidade de Afrera até o vulcão. Mas uma grande parte desse trajeto estava sendo asfaltada. Em uma parte do trajeto, ventava muito, inclusive vimos alguns miniciclones se formando com areia e a poeira do deserto, depois se desfaziam, muito bacana. Parecia Madmax! Infelizmente não consegui tirar nenhuma foto decente desses miniciclones, mas olha quanta areia e poeira nessa foto e nos vídeos (Cap IV‑33 e Cap IV‑34) dos nossos carros atravessando a ventania infernal no deserto! Figura IV‑113: Tempestade de areia no deserto Quando chegamos na parte vulcânica, próximo ao Erta Ale, parou de ventar forte, felizmente. O Erta Ale não é tem aquele formato clássico estratovulcão, é um vulcão escudo. Até por isso ele é bem baixo, 612 metros de altura. Figura IV‑114: Erta Ale O acampamento era muito parecido com o do dia anterior, só não tinha a caminha de palha, os colchões ficavam no chão mesmo. Arrumamos as coisas e partimos para ver o vulcão. Lembrando que a subida até o vulcão agora é bem curta, 30 minutos, porque, recentemente, construíram uma estrada de terra nova. A subida não é difícil, mas é um pouquinho traiçoeira, muita pedrinha, escorrega bastante, especialmente à noite. Depois você chega em um lugar que parece um cume, talvez fosse uma cratera antiga do vulcão, mas que ainda não é a borda da cratera “atual”. De lá, a gente descia por uma pequena encosta, pedaço apertadinho e íngreme, para depois caminhar até a beira da cratera. Salvei no canal um vídeo desse cume ante da descida para a borda da cratera, Cap IV‑35. Esse último trecho, até a beira da cratera atual, é pura lava petrificada. A foto a seguir permite ter uma ideia do tamanho da cratera do vulcão, reparem nos 3 turistas bem pequeninhos perto da borda da cratera.... Figura IV‑115: Turistas na borda da cratera Infelizmente, eu já sabia que, desde a erupção de 2017, o Erta Ale não tinha mais lago de lava, nem tinha erupções estrombolianas. Mas estava com um pouquinho de lava visível, que não se movimentava, nem tinha pequenas erupções, parecia carvão pegando fogo.... Nas fotos abaixo, dava para ver alguns pontos bem vermelhos no meio da fumaça. Segundo o guia, há pouco tempo voltou a aparecer essa lava no vulcão. Erta Ale na língua afar significa montanha de fumaça. Nome mais do que apropriado, a quantidade de fumaça era muito maior que os outros vulcões que eu fui! A fumaça incomodava bastante também. Mas, pelo menos, rendia belas fotos com aquele clarão vermelho subindo da cratera à noite! Figura IV‑116: Lava visível e clarão vermelho Figura IV‑117: Fumaça e clarão vermelho Figura IV‑118: Turistas e suas lanternas voltando da cratera No dia seguinte, acordamos cedo e, antes do café da manhã, subimos novamente para ver o Erta Ale. Nos outros vulcões, eu preferia à noite, o espetáculo era muito mais lindo. Mas do Erta Ale, eu gostei mais de dia! De manhã, conseguimos ver uma atividade vulcânica maior, não sei se era a visibilidade que estava melhor (menos fumaça), ou a atividade do vulcão que estava maior. Dava até para ver minierupções estrombolianas naqueles pontos de lava vermelhos, que pareciam carvão em churrasqueira (as fotos a seguir foram tiradas com bastante zoom). Foi bacana, mas as erupções não chegavam nem perto da altura necessária para sair da cratera. Figura IV‑119: Minierupções Figura IV‑120: Lava Salvei dois vídeos no canal desses pequenos focos lava, Cap IV‑36 e Cap IV‑37. Também deu para ver bem o terreno depois que a gente desce do cume, ao redor da cratera do vulcão de dia. O cenário é bacana, muita lava solidificada, meio quebradiça, bem exótica. Pelos formatos e cores das lavas solidificadas, era possível saber se era de uma erupção mais recente ou mais antiga, e tinha alguns rios de lava petrificada. Figura IV‑121: Rio de lava seco Figura IV‑122: Campos de lava solidificados O tour de 3 dias pela Danakil Depression estava chegando ao fim. E a pergunta que não quer calar: valeu a pena? Depende.... Eu valorizo bastante aquelas atrações que têm um desafio, pois sempre abrilhanta a experiência, mas o mais importante é que a atração em si ofereça uma recompensa show. No final das contas, eu achei esse passeio muito perrengue (especialmente falta de banheiro e o calor por muitos dias), para uma recompensa média... A logística poderia melhorar muito: uma saída à tarde para o Erta Ale, com pernoite, e posterior visita ao Dallol/Salar Danakil antes de retornar à cidade, já seria suficiente. Quanto ao Erta Ale, apesar de enfeitiçado pela Pele (deusa havaiana dos vulcões), minhas expectativas não eram tão altas. No final, eu diria que foi de acordo com as expectativas. A inevitável comparação com o Nyiragongo, que estava com um lago de lava magnífico e que eu havia visitado 4 dias antes, de fato prejudica um pouco a minha admiração pelo Erta Ale. Já imaginava que isso poderia acontecer quando decidi fazer o Nyiragongo primeiro, não quis arriscar deixá-lo por último para ter algum tempo de reação caso surgisse algum imprevisto. A verdade é que o Nyiragongo foi tão mais impressionante, que dá até uma certa “brochada” no Erta Ale.... Fiquei observando a reação dos outros turistas, a maioria estava vendo um vulcão ativo pela primeira vez e pareceu gostar. Fico imaginando como o Erta Ale deveria ser legal antes da erupção de 2017, ia ser demais chegar pertinho daquela cratera cheia de lava. No Nyiragongo, por exemplo, ficamos bem mais longe do lago de lava. Vale lembrar que os lagos de lava são muito instáveis, então é sempre bom conferir as condições do lago antes de ir. De qualquer forma, mesmo se estiver com pouca lava, eu acho que #valeapena conhecer o Erta Ale para as “pessoas normais”, ou #imperdível para quem, como eu, adora vulcões e esse tipo de excursão mais “raiz”! Dallol: #impedivel Erta Ale: #valeapena Dia 10 -> Lago Afrera Depois que voltamos do Erta Ale, tomamos o café da manhã no acampamento, e às 8h30 seguimos para a última parada do tour. Antes, uma curiosidade. O nosso motorista passou os 3 dias conosco sempre mascando umas plantinhas... Especialmente depois das refeições, tinha uns pequenos ramos, que ele ficava passando entre os dentes, se não me engano tinha umas folhas também. Percebi que os outros motoristas do tour também estavam sempre mascando esse negócio.... Depois fui descobrir que na Etiópia, em toda aquela região do chifre africano e no Iêmen, é muito comum uma plantinha chamada khat (pronunciavam “chat”). Parece que é viciante, causaria dependência psicológica, mas não causa dependência química. Aquele matinho contém uma substância estimulante parecida com anfetamina, causando excitação e euforia, mas demora um pouco para fazer efeito. Apesar de, no mundo ocidental ser considerado droga (a OMS considerou droga em 1980), na Etiópia e nesses países, o consumo é cultural, desde o século XI pelo menos. Seu consumo não é crime, é muito normal, parece que é bem comum usarem depois do almoço, especialmente motoristas. Além disso, descobri que, naquela região, também é muito comum o uso de uns ramos de uma árvore como uma escova de dente natural, chamado miswak. Teve uma hora que os turistas do meu carro perguntaram para o motorista o que era aquilo que ele estava sempre mastigando. Ele falou que serviria para limpar os dentes e até ofereceu para a gente. Hoje eu estou na dúvida se era o miswak, “escova de dente natural”, ou o khat mesmo.... Mas eu acho que o danadinho deu um “migué” na gente, dizendo que era para limpar os dentes, mas devia ser khat e a gente nem desconfiou que aquilo “dava um barato” 🤣🤣🤣 . Só para deixar claro, o motorista era bem gente fina e dirigia super-bem. Nossa última atração era o Lago Afrera, que fica a 2 horas do Erta Ale. É um lago muito salgado, tem várias salinas na região. Eles nos levam a uma entrada do Lago Afrera onde, ao lado, tem uma Hot Spring, uma fonte termal com água muito quente. A água é doce e seria uma delícia, não fosse o calor infernal daquele lugar.... Ou seja, o lago era muito salgado, a fonte, muito quente, estava um calor do cão, mas, ainda assim, valeu porque foi o mais perto de banho que eu consegui nesses três dias! Ficamos mais ou menos uma hora no Lago Afrera e na fonte, almoçamos em Afrera e depois voltamos para Mekele (umas 3h de viagem). Como meu voo para Addis Abeba era naquela noite às 20h, o motorista já me deixou no aeroporto. E que delícia que foi reencontrar um banheiro, ainda que bem porco, do aeroporto de Mekele.... Foram três dias sem sequer lavar a mão em uma pia, para não falar dos três dias sem número 2 🤣🤣🤣 ! Lago Afrera: #legalzinho Dia 11 -> Addis –> SP Na noite anterior, meu um voo chegou tarde em Addis Abeba e, como meu voo para São Paulo já era de manhã, infelizmente não pude conhecer direito Addis Abeba. A minha rápida impressão é que a capital tem algum desenvolvimento, bem diferente da imagem que tínhamos da Etiópia dos anos 80, mas provavelmente com uma grande desigualdade social, que conhecerei em alguma próxima viagem. Só deu tempo de tomar o banho mais desejado e merecido dos últimos tempos! No dia seguinte, peguei o meu drone sem maiores problemas e embarquei de volta para casa depois dessa viagem frenética. Antes de encerrar os relatos, queria mostrar um pouco da realidade que eu conheci do interior da Etiópia. Visitei Lalibela, Axum, alguns vilarejos na região de Afar na Danakil Depression, além de Mekele, uma cidade maior com 300 mil habitantes. A ideia é mostrar o “mundo real” dessas localidades e seu cotidiano. Vou deixar que tirem suas próprias impressões. Os vídeos capturam um pouco dessa realidade de forma mais clara, salvei alguns no canal (Cap IV‑38, Cap IV‑39, Cap IV‑40, Cap IV‑41 e Cap IV‑42) circulando pelas ruas de Lalibela, de Axum, de Makele, e também um vídeo do nosso acampamento (primeiro dia) próximo a um vilarejo no estado Afar. Seguem também algumas fotos. Figura IV‑123: Ruas na periferia de Lalibela Figura IV‑124: Axum Figura IV‑125: Mekele As regiões ao norte têm muitas cabanas de madeira, barracos, poucas casas de alvenaria. Várias casinhas eram construídas de forma semelhante à nossa “barraca restaurante” do acampamento. No Norte da Etiópia, também chamou minha atenção um monte de pedras nos telhados para evitar que as telhas voassem. Figura IV‑126: Muitas pedras no telhado Figura IV‑127: Antena e pedras no telhado O que eu acertei e o que eu faria diferente: Para os meus objetivos e restrições de tempo, achei que o meu roteiro ficou excelente. Ficou muito corrido, o que, para mim, não é problema, mas a quantidade de coisas que eu consegui fazer em 10 dias foi incrível! Combinando atrações de aventura e natureza (dois vulcões bem remotos e gorilla trekking), e atrações culturais (Memorial do Genocídio, Lalibela, Axum). O ideal seria se eu tivesse mais uns dias para combinar com alguma praia paradisíaca do Índico.... Minha rápida passagem por Ruanda foi suficiente para conhecer o meu objetivo principal: o Memorial do Genocídio. Existem outros locais de genocídio transformados em memoriais, como a famosa igreja de Nyamata, e outro chamado Murambi, cujo memorial deve ser ainda mais impactante, pois exibe corpos mumificados para os que tiverem estômago para visitar... A outra atração mais famosa de Ruanda são os gorilas, mas a licença do gorilla trekking lá estava absurdos 1500 $USD, enquanto, em Uganda, estava 600 $USD! Os gorilas ficam no Parc National des Volcans, onde também existem alguns trekkings, e dá para curtir o Lake Kivu nas redondezas. Infelizmente, Uganda foi o lugar mais sacrificado pela minha falta de tempo, mas quem sabe eu volto um dia. Tem um rafting no Nilo, que dizem que ser ótimo, e não vai durar muito tempo. Deve acabar quando uma nova represa for construída. Próximo à região dos gorilas, ficam o belo Lago Bunyonyi e diversos trekkings da região do Rift Valley, incluindo montanhas com picos nevados! Uma alternativa ao Kilimanjaro é o Monte Stanley (acho que os locais também chamam de Monte Rwenzori), terceiro pico mais alto da África, mas é importante verificar as condições de segurança, já que fica na fronteira com a RD do Congo. No oeste de Uganda, há parques nacionais com muitos animais, incluindo os big five, mas espalhados em diversos parques nacionais, como o Queen Elizabeth e Murchison. O Kibale Forest National Park tem chimpanzés, mas também é caro, e dizem que a experiência pode não ser tão bacana quanto com os gorilas, já que eles ficam mais na copa das árvores. A Etiópia é um país bem grande, o que dificulta um pouco a locomoção entre as atrações. Entre os lugares que não conheci, Harar me chamou atenção. Conhecida como a “capital muçulmana” da Etiópia, é uma cidade antiga, cheia de mesquitas, e, na Etiópia, dizem que é a quarta cidade mais sagrada do Islã (depois de Meca, Medina e Jerusalém). No século VII, quando o profeta Mohammed enfrentou perseguição pela primeira vez na Arábia Saudita, disse aos seus seguidores que, na Etiópia (Abissínia, na época), eles seriam bem recebidos, o que, de fato, ocorreu. Atualmente, os muçulmanos compõem 34% dos mais de 115 milhões de habitantes da Etiópia. Mas o que mais me atraiu em Harar foi a tradição de alimentar as hienas. O blog Saiporaí de Guilherme Canever tem um relato sensacional de lá (Ref. 20). Se tivesse mais tempo e $, incluiria, em primeiro lugar, a Tigray church mais legal, depois mais um dia em Addis Abeba para conhecer a capital e o fóssil Lucy, depois conheceria a medieval Gondar, Harar e as Simien Mountains, nessa ordem de prioridade. E se tivesse ainda mais tempo e $, incluiria Bale Mountains e cachoeira do rio Nilo Azul. A Etiópia também oferece parques nacionais e lagos com vida selvagem, mas safaris em outros países parecem melhores. Tem gente que vai para o sul conhecer Omo Valleys, conhecer umas tribos bem peculiares. As tradições das tribos parecem bacanas, mas, na época, só achei passeios que pareciam aqueles mega turísticos, meio tourist trap, não tão autênticos. Mas já vi muita gente que adora, e se pesquisar bem, dá para achar passeios mais imersivos lá. RD do Congo, eu confesso que não pesquisei nada além da região do Virunga. Não sei se tem mais atrativos, deve ter coisas bacanas, pois é um país gigante! Mas, com ebola, os conflitos armados e a guerra civil, por hora, já está bom conhecer o Nyiragongo.... Nyiragongo foi uma das melhores viagens da minha vida, mas não sei se eu recomendaria ir para lá no momento que eu fui, sabendo que (1), nas redondezas, está tendo um surto de ebola, com (2) um conflito armado com milícias controlando cidades, e (3) que o parque nacional às vezes é fechado por falta de segurança.... Eu só recomendaria para os roteiristas do Não Conta Lá em Casa (Ref. 17) e para as pessoas que, assim como eu e o @DIVANEI (Ref. 16), continuam tomando decisões cretinas e inconsequentes mesmo depois de velhas 🤣 🤣 🤣. Eu fico imaginando o que aconteceria com quem tem febre detectada nos pontos de controle de ebola. São pessoas simples que ficam medindo a temperatura nos checkpoints, não são médicos. Ficam em tendas no meio das estradas, não em hospitais, postos de saúde etc. Imagina se você tiver uma gripe que não tem nada a ver com Ebola e detectam febre nesses checkpoints, deve dar uma confusão.... Posso estar enganado, mas com os “superprotocolos” de segurança desses países, meu palpite não é dos melhores. Mas enfim, comigo, tudo ocorreu sem problemas. A melhor época para visitar a Etiópia na região do Danakil Depression é janeiro e fevereiro, quando é menos calor. Na RD do Congo, o ideal é evitar chuvas, nos meses de outubro a começo de dezembro. Mas acabei indo no início de setembro, e felizmente não peguei nem tanto calor na Etiópia, nem muita chuva na RD do Congo, deu tudo certo em relação ao clima. Por fim, queria falar um pouco sobre os bônus e ônus da vida de viajante na África. Minha primeira viagem para África foi para o Egito. Um país fantástico que eu amei e recomendo muito, mas não posso deixar de alertar também que sobre o assédio nos turistas. Zilhões de vendedores de qualquer coisa, muito insistentes, que não te deixam em paz nem por um segundo! Mas, se, no Egito, o choque cultural foi um pouco mais traumático, dessa vez eu estava mais preparado. Em Ruanda, o assédio incomodou um pouco, mas foi bem mais tranquilo que no Egito. Em Uganda, na rápida parada rápida na cidade para o motorista comprar comida, já chegaram algumas crianças chamando muzungu (homem branco). Nesse pouco tempo, já deu para ver que deve ser complicado o assédio. Na RD do Congo, eu só andei escoltado pela turma do Virunga, fica difícil avaliar. Já as informações que eu tinha a respeito de “assédio ao turista” eram bem ruins com relação à Etiópia. E, de fato, lá o bicho pega! Eu senti uma diferença marcante entre o Egito e a Etiópia. No Egito, o assédio era de um monte de gente querendo vender zilhões de coisas para o turista. Na Etiópia, além dos vendedores, tinham muitos pedintes também. E a maior parte dos pedintes era criança ou adolescente, e isso foi dureza, dá muito aperto no coração. É muito triste ver toda aquela pobreza e não poder ajudar muito.... Se a capital Addis Abeba pareceu bem desenvolvida, as outras regiões que eu conheci mais ao norte passava por vilarejos muito simples. Em Lalibela, meu hotel ficava no centrinho e, depois do almoço, tentei dar uma voltinha em umas lojinhas de souvenirs bem frente ao meu hotel. Eu fui caçado de uma forma, zilhões de crianças me cercando, pedindo, insistindo, eu não consegui andar nem 3 minutos e voltei para o hotel. Infelizmente, por causa de todo esse assédio, você acaba passeando menos e diminuindo a iteração com os locais, especialmente em lugares mais turísticos. Em Axum, também fui “caçado” na praça principal. No tour Danakil Depression, quando parávamos para almoçar ou tomar café nos vilarejos, vinham muitas crianças pedindo qualquer coisa. Na região do Afar – Danakil Depression, os vilarejos pareciam mais pobres do que no resto da Etiópia, e o clima inóspito (calor infernal e desértico) aparentemente tornava as condições mais difíceis para a população, infelizmente. Minha intenção aqui não é julgar nada, é apenas relatar como funciona o assédio ao turista se você decidir ir para lá. Claro que o assédio pode incomodar quem só quer ficar um pouco sossegado, mas, na minha visão, quem vai para lá precisa ser compreensivo e entender a situação complicada de algumas pessoas que vivem ali e não tiveram tanta sorte quanto nós. O pior é a tristeza de ver muita pobreza sem poder fazer muita coisa para ajudar. Se vocês forem para África, estejam mentalmente preparados. E financeiramente também.... Até por não ter muita estrutura turística para sair mochilando por aí, é muito mais caro viajar pela África do que muita gente imagina! E, em termos de luxos e conforto, tem que ser um pouco desapegado também. Definitivamente, fazer turismo na África não é para qualquer um. Mas todo lugar tem os seus aspectos positivos e negativos e, na minha opinião, vale muuuuito a pena conhecer a África! Provavelmente é o meu continente favorito, já voltei e ainda pretendo voltar muitas vezes mais. A África é um dos continentes mais bonitos, diversos e incríveis do mundo, com pessoas simpáticas e receptivas. Desertos, florestas, savanas, safaris, praias, cachoeiras, vulcões, tribos, diversas culturas e muita história. Uma viagem que te tira um pouco da zona de conforto, tornando a experiência ainda mais especial. Lá, você vai descobrir coisas que não vai encontrar em lugar nenhum do mundo. Acho que nenhum outro capítulo desse livro terá tantas histórias para contar... Foi uma viagem cheia de experiências únicas e momentos inesquecíveis! Ranking das atrações Segue meu ranking das principais atrações dessa viagem: 1 – Nyiragongo, RD do Congo 2 – Dallol, Etiópia 3 – Lalibela, Etiópia 4 – Erta Ale, Etiópia 5 – Gorilla trekking, Uganda 6 – Memorial Genocídio, Ruanda 7 – Axum, Etiópia Obs.: A Tigray church mais legal, mas eu não fui, Abuna Yemata Guh, e as outras parecem ter belas vistas, Maryam Korkor e Daniel Korkor, tinham potencial para estar na lista... --------------------------------------- Pessoal, postei quase inteiro o capitulo IV do livro/ebook (só reduzi algumas fotos pra adaptar ao forum). Os capítulos de cada continente ficaram parecidos com esse. O relato completo das viagens pelos outros continentes está no livro Destino Vulcões, que consegui deixar o livro inteiramente grátis no amazon.com.br (não sei por quanto tempo...). É só entrar lá e baixar (link: https://a.co/d/agKaeNM)! Dá para ler direto no site, mas eu recomendo usar o aplicativo “Kindle”, disponível para celular (Android ou iPhone), laptop (Windows), ou no próprio Kindle, claro. Sinopse do livro: Nesta obra, compartilho minhas aventuras em busca dos vulcões mais espetaculares do planeta. É um relato pessoal de mais de 90 dias de viagens, ao longo de 10 anos, explorando 15 países em 6 continentes, ilustrado com fotos e vídeos do próprio autor. Expressões absolutas da força da natureza, os vulcões fascinam na mesma medida em que amedrontam. Quem já assistiu a uma erupção com lava pode confirmar que os vulcões oferecem uma das cenas mais impressionantes da natureza. E não é preciso ser um aventureiro radical para explorar esses destinos — basta estar disposto a viver experiências inesquecíveis. Além de paisagens vulcânicas impressionantes, descobri culturas vibrantes e outras belezas naturais que tornaram essa jornada ainda mais enriquecedora. Convido você a me acompanhar nessa aventura, repleta de histórias fascinantes e paisagens deslumbrantes ao redor do mundo. Capa:
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