Membros de Honra Jorge Soto Postado Março 24, 2009 Membros de Honra Compartilhar Postado Março 24, 2009 SERTÃO RADICAL NA PEDRA DA BOCA Quem viaja pelas estradas planas do "Brejo Paraibano" -microrregiao interiorana da PB de clima + ameno em fcao da altitude do Planalto da Borborema - não imagina o q existe além de sua monótona paisagem de caatinga e lavouras de açúcar. Próximo da divisa c/ RN há um local repleto de serras, grutas, cachus, pinturas rupestres e enormes monólitos de pedra apontando pro céu, cujo carro-chefe é a famosa Pedra da Boca. Localizada dentro do recém-criado (e desconhecido) Pque Estadual homônimo e nos contrafortes da Serra das Confusões, ele é o novo palco da galera potiguar praticante de rappel, escalada e trekking. Mas aos poucos vem atraindo tb gente de fora, aventureiros sedentos por novos destinos inexplorados e belezas naturais ainda incógnitas no mapa do ecoturismo brasileiro. Saltei do "latão" em pleno asfalto, as 20:30, ainda faltando uns 3km ate a pequena cidade de Passa-e-Fica, destino final do coletivo da Expresso Paraibano. A viagem fora bem demorada apesar dos 170km q nos separavam de João Pessoa, de onde partira às 18hrs. As longas paradas em Sapé, Pirpirituba, Guarabira e Belém eram necessarias, pois o melhor acesso ao PE Pedra da Boca é por Passa-e-Fica (RN), embora o parque se localize em território paraibano. Pois bem, atrevessei o asfalto já tomando a estrada de chão à esquerda, onde uma placa indica claramente faltarem uns 5km ao meu destino. Esta região rural de Araruna tem apenas algumas casas aqui e acolá e precária iluminação. Não demora e me vejo andando em plena escuridão, numa estrada deserta rasgando um chapadão plano do interior do sertão. No entanto, ao longe já consigo distinguir o contorno recortado de enormes morros destacando-se da horizontalidade da caatinga ao meu redor. O céu está coberto de estrelas e a noite oscila entre o fresco e quente, embora minhas costas já estejam ensopadas de suor. A tentação de acampar à beira da estrada é enorme, mas a silhueta dos mandacarus - q + lembram sentinelas guardando a região - me instigam a continuar firme e forte, bordejando morrotes abaulados forrados de vegetação arbustiva e mtos cactos. Bifurcações surgem, mas o sentido é obvio não oferecendo maiores problemas de orientação. No caminho, atravesso pela precária ponte o Rio Calabouço, divisa natural da PB e RN, p/ depois bordejar pela direita seu enorme açude homônimo. Numa nova bifurcacao tomo à direita, indo de encontro as únicas "luzinhas" q cintilam ao sopé de um enorme serrote, cada vez + próximo. Após uma plaqueta me dar as boas-vindas ao parque, alcanço finalmente, as 22hrs, os limites da propriedade de Seu Tico, composta por duas casas e uma ampla área de camping, onde já haviam umas 4 barracas instaladas. Após breve prosa c/ Seu Tico e sua esposa, Dna Nazareth, monto minha tenda, tomo um banho (banheiros decentes!) e desfaleço sobre o saco-de-dormir. Afinal, o dia sgte seria repleto de explorações. A manha sgte raiou c/ mto sol e fragmentos de céu azul, alem de promessas de bom tempo no decorrer do dia. Tomei meu desjejum antes q a barraca se tornasse um forno ao ser tocada pelos braços do Astro-Rei e permaneci sob a área coberta do camping (q serve de mini-restaurante) esperando o dia efetivamente começar, alem de perscrutar as redondezas da casa. Um mural c/ fotos do grupo potiguar "Kalangos da Serra" mostram as atividades ali desenvolvidas, e um livro de registro de visitantes revela uma freqüência maior de gringos ao parque q turistas tupiniquins! Uma das casas é a do Seu Tico e a outra serve de "pousada" rústica improvisada a quem quiser estadia + "confortável". Enfim, o local é bem simples, porém acolhedor. Naquele inicio de dia pude apreciar melhor a famosa Pedra da Boca, cujas muralhas rochosas agora resplandesciam privilegiadas pela incipiente iluminação matinal. De fato, a Pedra realmente se destaca majestosa entre as outras formações rochosas q embelezam os arredores. Apresenta uma grande cavidade provocada pela erosão, a 60 metros do seu cume, que se assemelha a uma grande boca aberta. Os locais dizem q a montanha lembra um sapo cururu gigante prestes a abocanhar algo. Entretanto, eu já prefiro não comparar a boca c/ a do nojento amfibio e sim c/ outra boca de proporções igualmente impressionantes, a da Angelina Jolie. Mas eis q surge o ilustre dono do local, Seu Tico, td sorridente e falador. Tem pessoas q são folclóricas e imediatamente associadas à região q residem. Assim como o Dílson (PP), Zé Pescocinho (Bocaina) e Seu Caneco (Paranapiacaba), Seu Tico é "o cara"da Pedra da Boca. Nascido e crescido ali, este simpático senhor de meia-idade conhece cada palmo e, sempre prestativo e de boa vontade, dá dicas, sugere roteiros ou serve ate de guia caso haja necessidade. Gentilmente, me inclui num "roteiro de grutas" q faria naquela mesma manhã junto de uma galerinha super gente boa (de Natal) acampada, oferta q aceito s/ pestanejar! Partimos entao às 20:30, nos lançando numa trilha q sai dos fundos da casa em direção ao sopé do enorme monólito rochoso, já tomando bifurcacoes seguidas em meio à vegetação arbustiva ressequida, em suave aclive. No caminho, varias paradas são necessárias p/ Seu Tico explicar a utilidade de cada planta ou arvore do trajeto. E dá-lhe café-do-mato, sisal, gameleira, juazeiro, jatobás, umburana, maçaranduba, cordeiro, páu d'arco e umbuzeiro. C/ direito até a degustação de ingá, fruto de um cacto; e de uma lagartinha branca comestivel q vive dentro de um coquinho, o catolé. Ah, e colhida na hora, fresquinha! Isto é, ainda se mexendo! O 1º tava uma delicia; o 2º declinei de provar, claro. Francamente, este senhor sabe mto bem se virar c/ os escassos recursos q a caatinga oferece, inclusive c/ mtas plantas medicinais q nunca imaginei q teriam finalidade alguma. Uma vez na base da rocha, começamos a subir a enorme pedra atraves de uma gde fenda entre os blocos desmoronados, no q aparentemente é um curso de água, q no verão seca totalmente. Após algumas rampas de granito, comeca um trecho de escalaminhada q, demanda tanto pés e mãos firmes se agarrando nas fissuras escarpadas da rocha p/ ser vencido. E ate corda, em alguns casos. Ganhando altitude rapidamente, não demorou a nos enfiarmos em meio a buracos entre pedras enormes desmoronadas formando uma caverna, onde houve necessidade de nos arrastarmos, da mesma forma q se faz no Petar ou em Itatiaia. Este trecho é o conjunto chamado de "Gruta da Perikiteira", segundo Seu Tico. Uma vez no alto, emergimos em meio a arbustos de galhos desnudos e retorcidos, onde o frescor das frestas dá lugar ao calor de um sol incidindo diretamente na cachola. Na verdade, estamos num pequeno platô no meio deste conjunto de serrotes onde temos as ranhuras e fendas da enorme Pedra da Boca bem à nossa esquerda. Daqui fazemos uma curva imperceptivel p/ começar a descer atraves de um lajedo de declividade médio atraves de pequenas e vistosas bromélias, aqui chamadas de macambiras. A trilha é discreta, porem perceptível a olhos já treinados. Após novo sobe-desce, mergulhamos novamente em meio a blocos desmoronados, numa tal "Caverna da Aventura", onde novamente somos obrigados a nos arrastar por "quebra-corpos" q certamente são contra-indicados p/ alguém acima do peso. Emergindo do outro lado, subimos uma rampa de granito p/ descê-la em seguida, p/ adentrarmos desta vez na "Caverna Olho D'Água". Lá, nos esgueirando feito calangos, em sucessivos sobe-desces e escalaminhadas no interior de gigantescos blocos tombados, damos numa bica cuja bem-vinda e refrescante água já ouvíamos marulhando pouco antes. Após molhar a goela e contornadas + algumas rochas, caímos noutro salão chamado de "Gruta do Caçador", onde uma pequena laje totalmente plana (a "Cama do Caçador"?) serve de apoio meditativo, alem de mtas pics p/ animada galerinha potiguar. Após um último trecho em meio às pedras, desembocamos numa trilha no aberto q nos leva à "Pedra do Forno", uma enorme toca (ou lapa) contendo inscrições rupestres dos antigos e primitivos moradores da região, os índios tapuia-cariri. Dali tb temos uma bela vista de td extensão do Rio Calabouço e um visu privilegiado da "Pedra da Santa", à nossa esquerda. Pausa p/ descanso e contemplação, alem de mtas pics, claro! Dali começamos a descer suavemente entre cactos e xique-xiques, já contornando a enorme serra dando inicio à volta. Após um trecho de palmeiras caímos num bem-vindo bosque de mangueiras, q alem de nos brindar c/ frescor da sombra nos sacia c/ pencas do delicioso fruto, colhido aos montes no chao! Novamente na base da rocha, bastou apenas seguir a trilha, bem batida e óbvia, atravessar novo arvoredo p/ cair no aberto outra vez, bordejar a enorme "Pedra da Caveira" (q lembra mesmo a morada do Fantasma) e, as 11:30, nos levar de volta à casa do Seu Tico. O sol estava à pino naquele horário, razão de quase td mundo se limitar a descansar, almoçar ou apenas ficar à toa na sombra. Mas eu ainda queria aproveitar o resto do dia (ou parte dele), alem de fazer algo q pra mim era obrigatório: subir ao topo da Pedra da Boca. Dito e feito, num piscar de olhos peguei as infos c/ Seu Tico e mandei ver, mesmo c/ o horário não colaborando c/ aquele forte calor. Na verdade, subir a pedra não requer maiores problemas de navegação, uma vez q sua ascensão é puramente intuitiva. É verdade q sua altura (apenas 340m) é bem modesta se comparada às serras da região sudeste, mas em se tratando de sertão e do clima já hostil, alcançar um cume nestas condições adversas não deixa de ter sua certa relevância. Parti assim, ao meio-dia e pouco, pela mesma picada pela qual saimos pela manha, e já na metade tomo uma bifurcacao p/ esquerda entre os arbustos q me deixa logo ao sopé da rocha. Daí é so começar a subir uma extensa rampa inclinada de rocha áspera q bordeja a montanha pela esquerda. A forte inclinação é quase superior a 45graus e a sensação é q se está num gigantesco tobogã de pedra porosa, q torna o caminhar lento e demanda varias paradas p/ retomada de folego. Mas nessas paradas podemos apreciar belas florzinhas endêmicas escarlates, vistosas coroas-de-frade e macambiras espinhentas q pipocam na rocha cor-chumbo-claro, assim como vislumbrar a paisagem ao redor. Algumas pedras redondas enormes surgem no caminho, como q equilibradas espantosamente naquela declividade td, ate q alcançamos o final da enorme rampa rochosa. Ali havia uma dupla de jovens biológos da UFPB estatelada nas lajes q já havia desistido de completar a subida devido ao cansaço, mas isso apenas me encorajou a seguir em frente, apesar do sol e calor realmente começarem a cobrar seu pesado tributo perante o corpo. Ate aqui já foi vencido quase metade da altura total da montanha. Coincidentemente, a laje termina logo abaixo da enorme cavidade q faz de "boca" e q nomina a ilustre pedra. Uma trilha obvia se perde em marcas já desgastadas sobre a pedra e sugere continuidade ate a mesma, pela direita, atraves de 2 curtos lances de escalaminhada. Ignorando este acesso à boca, a picada se enfia em meio aos arbustos, cactos e bromélias, sempre bordejando a montanha pela esquerda, dando a volta ao seu redor. O caminho se alterna entre lajes expostas e arbustos espinhentos sucessivamente ate caírmos atrás da montanha, num largo ombro rochoso da dita cuja. Desperta a atenção a gde qtdade de calangos perambulando indiferente à minha presenca e, principalmente, de enormes gafanhotos q mais parecem helicópteros verdes pulando aqui e acolá! A picada termina ao sopé de outra sequencia de rampas e lajes mto + íngremes q as do inicio, c/ o diferencial q estas aqui estão cobertas tb de terra e areia, o q as torna relativamente escorregadias. Comeca entao a subida pelas aderências menos lisas, de preferência acompanhando a faixa de arbustos laterais q serve tb de corrimão. O sol bate forte e rijo sob o corpo, aumentado ainda + a sensação de calor emanada pela rocha, mas agora não há volta. E toca pra cima! Assim, vamos serpenteando aderência trás aderência atraves de eventuais matinhos, sempre agarrando-nos nos galhos próximos ou galgando degraus de bromélias, ate o alto. Após um curto trecho de escalaminhada por entre algumas rochas, chegamos ao topo as 13:00. Mas o topo é largo e forrado de vegetação ressequida. Mas ai basta acompanhar uma picada q atravessa o emaranhado de galhos q nos leva aos dois mirantes do alto, relativamente próximos entre si oferecendo vistas diferentes da pedra. O 1º tem uma visao ampla de trás, c/ os contrafortes rochosos da Mata do Gemedouro ao fundo, perdido em meio a morrotes cercados de caatinga e q é outra caminhada da região q demanda quase um dia inteiro. Percebe-se tb varias trilhas se entrecruzando e q provavelmente levam a outros domos rochosos. No outro mirante, bem + amplo, temos uma panorâmica da frente da pedra, c/ o camping do Seu Tico 340m abaixo, miniaturizado, assim como o espelho dagua do açude e Rio Calabouço, refletindo o céu azul daquele inicio de tarde, ao longe. Destacam-se tb outras belas montanhas rochosas apontando por ceu, destoando do horizonte retilíneo e agreste de tons amarelados. Um descanso merecido nas quentes lajotas, seguida de uma contemplação s/ pressa da paisagem do sertao é algo recompensador. Felizmente uma nuvem me brinda efemeramente c/ sua sombra, assim como uma suave brisa parece soprar meu rosto como q parabenizando o bravo feitio. Eu estava certo: não é uma escalada p/ constar nos livros, mas a "conquista" de seu topo é comemorada mesmo assim pelos q sabem apreciar qq tipo de altitude, mesmo as modestas destes rincões do nordeste. A volta é feita em bem menos tempo do q o tomado p/ cume, atentando apenas c/ cautela o trecho íngreme c/ areia já mencionado. E assim, retorno ao camping quase 14:15, sob um sol de rachar côco. "Parabéns, seu cabra retado! Nem eu sô doido p/ subir nesse horario não, ôxe!", ouço Seu Tico dizer. A 1ª providencia q tomo é uma boa chuveirada, seguida do farto e delicioso almoço (rubacão e galinha guisada) de Dna Nazareth, regado a mta cerveja gelada! Claro q encerrara meu expediente, pois o resto do dia fiquei so de bobeira, à sombra do refeitório, já q entrar na barraca era o mesmo q entrar num microondas ligado ou numa sauna seca. Não restou opção senão conversar c/ Seu Tico e outros eventuais turistas, c/ os quais tomei conhecimento de varias outras caminhadas exóticas e acidentadas pela região de um dia (e q podem ser emendadas), como o rolê à Pedra do Letreiro, Pedra do Violão, Pedra do Coração, entre varias outras. Enfim, opção é o q não falta neste parque q, à titulo de comparacão, é mto parecido c/ o Pque Estadual 3 Picos (Salinas, RJ), só q encravado no meio do sertão! Seu Tico, contudo, reclama q ultimamente tem aparecido gente q deixa som do carro alto e faz bagunça à noite. "Aqui é p/ curtir a natureza na calma! Não pra dançar forró! Daí eu já corto as assinhas!", emenda. Satisfeito c/ o q já havia visto naquele dia, zarpei a manha sgte bem cedo p/ meu proximo destino, Campina Gde, já garantindo carona na motoca do Seu Tico p/ Passa-e-Fica. E claro, prometendo-lhe retorno qq dia retornar diante de tantas possibilidades na região. Interessante como ainda há muito a ser descoberto e revelado neste pitoresco parque de beleza rústica. Locais perdidos entre seus chapadões, cafundós e serras de pura rocha, q certamente terá sempre atrativos e encantos exoticos capazes de surpreender o + radical dos aventureiros. O Pque Estadual Pedra da Boca já possui recursos de sobra para atrair quem quer q seja, apenas espera a chegada de novos aventureiros e exploradores. Ou quiçá, melhor q fique incógnito mesmo. So assim p/ aquele pitoresco rincão no meio do sertao se manter preservado, sossegado e tranqüilo. Eis o paraíso q Seu Tico sempre almejou. foto:www.nataltrip.com Citar Link para o comentário
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