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Expedição francesa surfista


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http://gooutside.terra.com.br/Edicoes/51/artigo145999-3.asp

 

Era para ser uma viagem de sonho: uma semana por uma das últimas costas vazias da Europa, pegando onda, tomando vinho e dormindo na praia. E foi (quase totalmente)

 

Por Mark Anders

 

 

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EMPURRA-EMPURRA: Os membros da expedição puxam um riquixá caseiro, cheio de equipamento de surf e camping, pela costa atlântica da França

 

O que aprendi na minha expedição francesa surfista de férias de verão com os bombeiros, os nudistas & o viciado em shampoo

 

Era para ser uma viagem de sonho: uma semana por uma das últimas costas vazias da Europa, pegando onda, tomando vinho e dormindo na praia. E foi (quase totalmente)

 

 

E eu não estou falando daqueles puxadores de gente que se vê nas ruas de Calcutá. O nosso riquixá foi projetado para carregar pranchas de surf e material de camping, e era parte integrante da missão da nossa equipe de cinco homens: uma semana de caminhada de 50 quilômetros ao longo da costa atlântica do sul da França - um trecho de praias surpreendentemente desertas a oeste de Bordeaux, que por acaso também tem umas das melhores ondas da Europa.

 

Pat Audoy, um bombeiro de compleição robusta que era o líder da nossa viagem, construiu uma carrocinha com uma intenção muito bem definida. Ele usou duas varas grossas de bambu com três metros cada uma, canos de aço inoxidável, tela plástica verde, uma porção de abraçadeiras e dois pneus que mais pareciam rosquinhas infladas. Era sensacional.

E era também absurdamente difícil movimentar aquilo quando a maré alta ou o vento que estava soprando contra - o que acontecia basicamente o tempo todo - nos empurrava para fora da areia dura, para a parte mais fofa. Nessas horas, saíamos da propulsão de um só homem (que funcionava muito bem com um cara empurrando uma barra atravessada e presa aos bambus) para a propulsão em equipe de três. A gente engatava o riquixá nas mochilas com um mosquetão e uns dois metros e meio de corda de nylon para tentar empurrar e puxar simultaneamente. Trabalhávamos em turnos, mas parecia que a frequência tendia mais a chegar na minha vez e na do meu grande amigo Troy Rodriguez, 38, representante de vendas de uma indústria farmacêutica de San Diego. Isso não era sensacional.

 

 

 

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GPS: Pat consulta o mapa com um amigo local

AS MELHORES AVENTURAS ACONTECEM NOS LUGARES MAIS INSÓLITOS

 

Eu conheci o Pat em outubro de 2007, numa vila à beira do rio Qiantang, no sudeste da China. O Qiantang tem pororocas - ondas grandes empurradas rio acima por marés muito fortes - regulares, e eu estava fazendo o reconhecimento da área para uma expedição de surf de uma equipe de prós norte-americanos. Pat e Eduardo Bagé, surfista longboarder profissional e brasileiro de 30 anos, estavam ali para surfar a pororoca, uma das 12 no mundo que são surfáveis. Começamos a falar de trips de surf e mencionei que havia feito umas expedições a pé na Califórnia e na Costa Rica, carregando minha prancha durante uma semana ou mais, para chegar a praias de difícil acesso e, consequentemente, vazias. A próxima expedição da minha lista era na França.

 

Pat acendeu um cigarro e olhou para mim com um sorriso enorme. "Eu também faço essas viagens", ele disse. "Nunca havia conhecido alguém que fizesse a mesma coisa". Ele contou que usava riquixás caseiros desde sua adolescência para carregar as pranchas até as ondas desertas de Bordeaux, mas nunca havia tentado nada tão ambicioso quanto o que eu tinha em mente. Ali mesmo, decidimos fazer uma viagem juntos.

 

Depois da China, lentamente começamos a planejar por email. As ondas ao norte de Bordeaux quebram sobre bancos de areia que se movem, escreveu ele, e o surf é melhor no outono, quando os ventos de alto mar penteiam as altas ondas em faces espelhadas. Também convidamos Bagé e Troy, e mais tarde recebemos Martin Hartley, um fortão de 40 anos, fotógrafo britânico que documentou mais de uma dúzia de expedições ao Ártico. O Pat insistiu para que calculássemos a viagem para coincidir com o mascaret (palavra francesa para pororoca) de setembro no rio Dordogne, que poderíamos surfar antes da expedição.

 

Eu não sabia de nada até encontrar- me com o Pat num entardecer enevoado no pequeno porto de St. Pardon, a uns 160 quilômetros rio acima a partir do Atlântico. Quando cheguei lá descobri que ele era meio que um big kahuna [um figurão do surf] na França. Havia uns 30 nativos com seus pranchões e caiaques para surfar a pororoca, e tratavam Pat como seu irmão-rei, chamando seu nome e estendendo a mão, ao mesmo tempo que se preocupavam em não atrapalhar seu caminho.

 

Ao anoitecer, todos seguimos Pat para dentro d'água para esperar a onda. Começou como um chiado distante, então virou um rugido e uma parede de água na altura da cintura apareceu de uma curva e nos levantou, gritando e subindo o rio de 800 metros de largura. No começo, surfávamos como uma enorme festa, mas logo os caras começaram a cair. Dois minutos mais tarde éramos só o Pat, um amigo de caiaque e eu. Minhas pernas queimavam, mas o Pat me ensinava lá de cima da onda: "Vira pra esquerda! Um pouco mais para a direita! Mexe o nariz da prancha!".

 

Depois de cinco minutos eu relaxei e, com o mínimo de luz que havia, me dei conta da paisagem à beira-rio - vinhedos, casas de madeira, taperas em acampamentos de pesca, mansões de mármore branco e o castelo de Vayres. Vinte minutos e 5 quilômetros depois, o mascaret finalmente diminuiu e parou. Eu estava absolutamente exausto. "Delícia de onda", disse o Pat, enquanto escalávamos a enlameada e inclinada margem do rio. "Só dez surfistas já haviam pego essa onda até tão longe".

 

 

 

 

UM POUCO DE AREIA NO PATO É BOM

 

O mantra não oficial do Pat para nossa viagem era: "qualquer bobo pode sofrer". E ele não era bobo. Nas semanas antes da partida ele comprou o que seria a promessa de rações de luxo e pegou estradas de acesso à costa com o carro para deixar depósitos de comida ao longo do nosso caminho. Entre o começo na pequenina cidade praiana de Carcans-Plage e o final em Cap Ferret, há apenas uma cidade, Lacanau-Océan, então Pat planejou enterrar a comida na areia nos locais planejados para os acampamentos. Ele chamou esses depósitos de "enterros".

 

Na semana anterior à nossa viagem o tempo estava perfeito: 21°C e, de acordo com as previsões locais, algumas das melhores ondas do ano. Mas quando começamos estava fazendo 13°C e chovendo muito. Começamos para o sul, olhando pesarosamente para aquele lixo insurfável de 4,5 metros chamado de ondas. Os barzinhos e festas de Biarritz estavam a mais ou menos 190 quilômetros para o sul, mas aqui só havia o mar batido, a praia e dunas largas com vastas florestas de pinus atrás, plantadas pelo governo francês há 150 anos para secar áreas pantanosas e evitar a erosão.

 

Por volta do pôr-do-sol, o céu começou a abrir e o Pat nos levou para cima de uma duna alta, onde seria nosso primeiro acampamento: uma cabana esquisita, que ele disse ter sido construída por um velho pescador surfista chamado Bruno, com suas próprias mãos e apenas com madeira de naufrágios e de rios, trazidas pela maré.

 

Pat ajoelhou-se numa área sem nenhuma marca e começou a cavoucar como um cachorro procurando um osso. Juntei-me a ele e logo sacamos nossa ração: duas latas de pato assado, aspargos enlatados, iogurte de baunilha, margarina, Nutella, um pão, chá Earl Grey, café, três garrafas de vinho Médoc e uma caixa de papelão úmida de macarrão parafuso que se desintegrou nas minhas mãos. Pat não havia usado nenhuma sacola - apenas jogado tudo num buraco. Essa foi minha primeira dica de que, apesar dos franceses terem inventado a pasteurização, sua ideia de conservação de comida dá brecha para questionamentos.

 

É POSSÍVEL DAR UMA IGNORADA NA LEI FRANCESA

 

Pelo menos quando se está com Pat. "Na França é proibido acampar na praia com uma barraca, mas é permitido dormir na praia sem barraca", ele me havia escrito uns meses antes de viajarmos. "De qualquer forma, as multas não são caras, e a polícia francesa é bem menos assustadora que a chinesa."

Nosso segundo dia foi tão frustrante quanto o primeiro. Acordamos para mais ondas enormes e disformes, e ficamos restritos às lendárias praias da cidade turística de Lacanau-Océan, local de uma competição anual de surf profissional. Uns 4,8 quilômetros mais ao sul, já estava escuro quando puxamos nosso riquixá para cima de uma duna no Maison Forestière du Lion, parque gerenciado pelo governo. Acendemos as lanternas para procurar o enterro noturno, escavando freneticamente por alguns minutos até desenterrar sopa de peixe, feijões verdes enlatados, alguns biscoitos e garrafas de vinho.

 

Na manhã seguinte, enquanto passávamos um café, ouvimos um veículo se aproximar pelo norte. De repente, uma caminhonete branca do guarda-parque subiu a duna, com seus pneus cuspindo areia contra a luz do sol. Pat levantouse e acendeu um cigarro, displicente.

Um homem magro, com uniforme cáqui e bigodão, saiu do carro. Ele parecia mesmo com o inspetor Clouseau, e Pat tratou-o de acordo, sorrindo cinicamente enquanto tomávamos um sermão de dedo apontado.

"O que ele disse?", perguntei, depois que o Clouseau saiu bufando. "Não é permitido acampar. Olhe em volta, você destruiu tudo", traduziu Pat. "Somos caras legais. Não estragamos nenhuma planta ou erva", eu disse. "Depois o que ele disse?", perguntei. "Fala praqueles estrangeiros que não se pode fazer tudo que se quer", falou Pat, rindo. "E que eu deveria ensinar essas regras pessoalmente".

 

HIDRATAÇÃO É MAIS IMPORTANTE QUE CABELO LIMPO

 

Isso deveria ser óbvio, mas aparentemente não era para surfistas longboarders brasileiros. Todas as manhãs na praia, observávamos Bagé abrir um dos cinco dromedários que usávamos para estocar a água potável, pendurá-lo no riquixá, ajoelhar-se e, meticulosamente, lavar seus longos cabelos castanhos com mechas loiras produzidas pelo sol. No começo era engraçado - e até tocante. Aqui estava um surfista profissional que, como ele mesmo explicou, odiava ficar cheio de areia. O hábito teria sido inofensivo, caso o riquixá não tivesse um pneu furado numa pequena incursão até Lacanau-Océan. Depois que o consertamos, Pat declarou que nossa carga estava muito pesada e nos instruiu a esvaziar três dromedários.

 

Sabíamos que teríamos uma escassez de água no terceiro dia, mas ignoramos o fato porque, finalmente, tínhamos um surf decente - ondas limpas, na altura da cintura, perfeitas para o longboard estiloso do Bagé. Era difícil ter má vontade com seus hábitos capilares depois de vê-lo mandar um hang ten no nariz do seu longboard 9'1" de três quilhas.

No quarto dia estávamos com apenas um saco d'água. Mesmo assim, naquela manhã, Bagé derramou um litro sobre sua cabeça, passando os dedos por cada cacho, para tirar todos os grãos de areia. Martin, sentado ao meu lado, murmurou o que todos estávamos pensando: "Que porra é essa, meu irmão?"

 

QUEM TEM PRANCHA, VIAJA

 

Uma coisa que aprendi: você não precisa rebocar pranchas pela praia durante uma semana para encontrar praias desertas na França. Simplesmente vá até Bordeaux (uma hora de voo de Paris; cuidado com as taxas cobradas pela prancha), alugue um carro e dirija 58 quilômetros para noroeste pela Route de Lacanau em direção a Lacanau-Océan. Há uma praia popular em frente à cidade, e você pode alugar pranchas, comprar parafina e obter dicas dos locais no Mata Hari Surf Shop (011 33 5 5603 1301). Se o point estiver lotado, prepare um farnel (não se esqueça de água extra), pegue a prancha e caminhe uns quilômetros para norte ou para sul e logo encontrará ondas vazias. Há muitas opções de hospedagem na cidade (lacanau.com). Também dá para encontrar surf bom em Carcans-Plage, uns 13 quilômetros mais para o norte. O camping municipal de Carcans-Océan fica perto da praia principal (US$ 40; 011 33 5 5603 4144). E se você curtir um surf pelado, o Domaine Residentiel Naturiste parece confortável (quartos duplos a partir de US$ 33; lajenny.fr).

 

 

 

 

NUDISTAS PODEM SALVAR SUA VIDA

 

"Aqui é o acampamento dos nudistas", disse Pat, inclinando-se para apontar no mapa esticado na areia. "Mas se você quiser água tem que estar pelado. Para mim não é problema".

Já haviam se passado algumas horas depois da sessão de cabeleireiro do Bagé, e estávamos nos arrastando sobre uma areia tão quente que quebrava sob nossos pés. Minha boca estava seca e eu estava começando a ficar com dor de cabeça. O Pat estava mais parecendo um Lawrence da Arábia maltrapilho, com uma toalha de piquenique listrada de azul e branco enrolada na cabeça, estimando que o Domaine Residentiel Naturiste de La Jenny estava a uns poucos quilômetros.

 

Uma hora e meia depois, chegamos ao primeiro acampamento, os nudistas espalhados como focas rosadas. Eram todos homens deitados de bruços sobre suas toalhas, bundas torrando ao sol. Enquanto passávamos, parecia que cada um se virava automaticamente, como se nossa chegada tivesse disparado um temporizador silencioso num forno de bronzear. Eles nos olhavam sem falar. Eu olhava para os meus pés.

Logo chegamos ao coração do resort. Vovôs pelados jogavam bocha, crianças peladas faziam bodyboard e pelados de todas as idades, tamanhos e cores deitavam-se ao sol. Avistamos um salva-vidas empoleirado numa cadeira na caçamba de uma picape e nos aproximamos para pedir água. Por sorte - dada sua posição em relação a nós - ele estava vestido e nos apontou os vestiários, no topo de uma duna, ao final de uma escadaria de madeira. Enquanto eu, o Bagé e o Martin pegávamos as bolsas e começávamos a atravessar o mar de pele, Pat arriou as calças e acendeu um cigarro.

 

Num grande deque de madeira do lado de fora dos vestiários, encontramos dois chuveiros a céu aberto e uma torneira azul com água potável. Revezamo-nos para tomar vários goles diretamente da torneira, enchemos os cantis e depois, no espírito do local, arranquei minhas roupas e tomei uma chuveirada. Isso não foi suficiente para o Bagé.

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