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Detalhes sobre como fazer essa trilha aqui: http://trilhados.blogspot.com.br/2015/08/cachoeira-3-barras-e-cachoeira-dos.html

 

Começamos acordando as 7h30min da manhã, não tão cedo assim, porque não conseguimos deixar de lado a regalia de tomar o café da manhã da simpática pousada Art Hostel, em Igatu, que saía só as 8 da manhã. Sem contar que o clima em Igatu é ótimo, uma charmosa e pequena vilinha escondida dentro das pedras da Chapada Diamantina ,entre Andaraí e Mucugê.

 

Tomamos o café, conversamos com uma mulher nos pareceres de seus idos 50 e tantos, aparentemente solteira, viajando por esse Brasilsão. Na mesa, eu Paulo e essa mulher, ela do Sul, eu do Sudeste e ele do Nordeste, conversávamos sobre diferenças nas palavras e cultura. Enquanto cuzcuz em nordestinês era um negócio amarelo parecendo farofa, no sudeste e sul é aquele bolinho que parece maria mole ou algo parecido, com côco em cima. Em nordestinês esse cuzcuz tinha outro nome que já me esqueci, e isso também acontecia com a canjica que no Nordeste é outra coisa que não me lembro mais. Aquilo virou uma sopa de letras e resolvi terminar de comer a rabanada nordestina que, diga-se, estava deliciosa naquele hotel.

 

Perdemos um pouquinho a hora, então acertamos as contas e saímos rápido do hotel em direção ao início da trilha para a Cachoeira dos 3 Barras, Cristais e da Fenda. Minha meta era fazer as 3 cachoeiras naquele dia. Uma meta razoavelmente ousada dado que eu não possuía o exato track da trilha de aproximadamente 8km de ida, mas apenas um desenho no mapa feito a mão de acordo com o relato que os Pobres Mochileiros haviam feito.

 

Tenho que dizer que o relato estava muito bem detalhado, e foi isso que me motivou a fazer esse passeio. Pra falar a verdade eu estava bem confiante que o passeio ia ser bem tranquilo. Mas...Você sabe como são essas trilhas… nunca - mas nunca mesmo - as coisas saem como o planejado…

 

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Apesar da minha confiança de que íamos conseguir, eu já saí da pousada um pouco tenso por causa do horário. De acordo com o relato d’os Pobres Mochileiros, ia dar tempo, mas como a gente ia ter que decifrar o relato ou acreditar no meu desenho feito a mão no GPS, existia um risco embutido.

 

O Paulo estava dirigindo, saindo da cidade devagar, encantado com as pedras e casas da charmosa vila, e eu estava querendo que ele acelerasse pra não perdermos mais tempo. Acabamos então saindo rápido da charmosa vilinha em direção ao quilômetro 191 da estrada entre Andaraí e Mucugê. Eu também havia perguntando pra dona da pousada algumas direções, e ela havia comentado que eu deveria pegar a estrada como se estivesse indo para Andaraí mesmo (de onde havíamos vindo) e então , uma vez na estrada principal, virar a direita, em direção a Mucugê.

 

A confusão estava em que, quando saímos da estrada principal e pegamos a estradinha de pedra pra Igatu, quase chegando na vila vimos uma saída alternativa para Mucugê, então ficamos em dúvida de qual era, e o relato dos Pobres (vou chamá-los de Pobres a partir de agora, só pra abreviar) não deixava isso claro.

 

Depois de uns 20 minutos chegamos, então, na estrada e viramos a direita no asfalto, a procura do quilometro 191 e a placa a azul, como mandava o roteiro.

 

Logo que vimos a primeira placa de quilometragem, vi que a dona da pousada tinha se enganado. Isso porque a primeira placa que vi indicava algo em torno de 161km, ou seja, 30km anteriores ao início da trilha. E juntando isso ao fato de que os Pobres falavam que demoraram cerca de 10 minutos do Bar de Igatu (de onde nós tínhamos saído também) até o início da trilha, calculei que a dona da pousada tinha sim se enganado (e que teria sido melhor ter pegado a saída alternativa em direção a Mucugê).

 

Isso me deixou um pouquinho mais tenso porque significava a perda de mais meia hora disponíveis para realizar a trilha, aproximadamente. Mas pois bem, no pior dos casos - eu pensava comigo mesmo - era só tirar alguma cachoeira do roteiro: eram 3, então essa trilha tinha essa vantagem de, caso o tempo estivesse curto, tirar uma cachoeira da reta, no pior piooor dos casos visitar apenas 1, a primeira delas na trilha: A Cachoeira 3 Barras: e pra falar a verdade, de qualquer jeito, era essa, a das 3, a que eu estava botando mais fé de ser legal e bonita. É porque do que havíamos visto até então das paisagens ao redor, os rios pareciam secos, e eu sabia que a Cachoeira dos Cristais (segunda na linha da trilha) tinha uma baixa vazão de água, boas chances de ela estar completamente seca, assim como já tinha visto nesta foto XXX - inserir foto em outro relato.

 

Faltando poucos quilômetros para chegar ao famigerado quilometro 191 (segundo o relato) passamos pela saída alternativa para Mucugê (aquela que deveríamos ter pegado mas que não pegamos porque a dona da pousada nos sugeriu a outra) e constatamos que teria sido muito melhor ter saído por ali mesmo - teria sido um atalho.

 

Aceitado o segundo atraso acumulado, fomos ainda tranquilos seguindo a estrada, mas aí foi faltando tipo uns 5km que me veio a segunda preocupação, que eu não tinha pensado nem planejado. Ao que parecia, aquela trilha ia começar assim, no meio da estrada, no meio do nada. Não tinha parque, não tinha entrada, era assim no meio do nada mesmo. E…. onde iriamos estacionar o carro??? Os Pobres não respondiam isso em seu relato, pois eles pegaram uma carona até o início da trilha, então ele não tinham tido que lidar com essa preocupação.

 

Dividi essa preocupação com Paulo e combinamos, então, que se não desse pra parar o carro ali, íamos seguir mais adiante até o Parque onde ficava a Cachoeira Andorinhas (um pouco mais adiante, perto de Mucugê). A grande questão é que o carro era alugado, então tínhamos que ter essa preocupação. Era meio tenso parar o carro no acostamento e deixá-lo ali.

 

Fomos acompanhando as plaquinhas azuis da estrada, o maior indicativo de onde é que se iniciaria a trilha. E então, quando chegamos na plaquinha 189km , fiquei de olhos abertos olhando para a lateral esquerda (contrária que a que estávamos indo) treinando os olhos para tentar detectar algum início de trilha. Assim que a plaquinha 191km chegou, fiquei de olho, pois segundo o relato a entrada da trilha ficava entre o quilometro 191 e 192. Fomos indo indo e indo até que….. UMA ENTRADA.

 

Tinha uma entrada de carro, ao lado de torres de celular. Só poderia ser ali. Era logo depois de uma curva, como dizia o relato, apesar de que não havia visto a placa azul depois da curva, como também dizia o relato. E também achei muito estranho que o narrador do relato não tivesse citado as torres tão evidentes ali na entrada da trilha. Eu imaginei que as torres deviam ter sido implantadas APÓS o relato, única explicação para que elas não tivessem sido citadas - afinal, uma referência tão chamativa para o início da tirlha assim, seria proibitivo não citá-las - pensei eu.

 

Pois bem, ao menos a preocupação de estacionar o carro estava resolvida, pois ao lado da casinha das torres, havia bastante lugar para parar o carro, atrás de arbustos, ficando o carro invisível a partir da estrada (evitando olhares de possíveis ladrões).

 

Eu rapidamente peguei o GPS e comecei a guiar o mais rápido que pude. Parecia ok, e então comecei a tentar achar onde a trilha se iniciava de fato. Já passava das 9h30min então eu estava um pouco afoito. Apressei o Paulo. Comecei a andar, mas não deu 10 metros e a trilha rareou e começou a ficar mato.

 

Como parecia estar tudo ok no GPS, eu prossegui do jeito que dava, fui dando os passos e quebrando o mato de qualquer jeito sem nem pestanejar, tendo a certeza que a trilha logo continuaria, afinal de contas, os Pobres tinham informado que o início da trilha era muito tranquilo, sem nem olhar direito onde eu pisava, mas então…..

-UMA COBRA, UMA COBRA!

 

Gritou Paulo. Eu nem dei muita atenção no início, afinal, ver cobras pequenas e inofensivas, que saem correndo é muitíssimo comum e eu estava muito acostumado a isso (Paulo, nem tanto). Mas não foi bem assim. Quando virei pra trás para vê-la Paulo disse:

 

-É uma cascavél!

 

Se ele tivesse dito que era uma coral, ou outra coisa, eu poderia achar que era a falsa coral, ou alguma não peçonhenta. Mas ela tinha cerca de 1 metro e tinha o inconfundível chocalho em sua cauda.

 

Eu estava a apenas UM METRO dela. Sério mesmo. UM METRO. E naquele momento eu não tinha nem como passar para frente sem dificuldades, pois havia mato a minha frente. Se eu tentasse correr, a cobra teria MUITO MAIS sucesso em me alcançar do que eu em fugir. Eu fiquei completamente paralisado: aquela era a segunda vez que eu me deparava com uma cobra peçonhenta de forma muito muito próxima em uma trilha. A primeira vez foi, coincidentemente, no primeiro relato deste blog, quando fomos à Cachoeira Farofa por cima. E esta foi a segunda. Eu confesso que caguei nas calças, enquanto Paulo repetia que era uma cascavél e que deveríamos sair dali IMEDIATAMENTE - fácil dizer pra você que consegue correr para o carro (pensei eu) - eu não conseguia correr em direção alguma, a não ser para o próprio lado da cobra - único disponível para eu correr.

 

Foi por essa razão que não movi nem um fio de cabelo e esperei a cobra dar o próximo passo. Era fato que se ela viesse em minha direção eu estaria completamente acuado e frito. Naquela hora pensei no que faria se fosse picado. Paulo teria que me levar pro hospital mais próximo, eu mal sabia se Mucugê ou Andaraí teria a melhor estrutura pra atender um recém picado na perna com muita, muita dor. Minha vida não passou na frente dos meus olhos em poucos segundos como diz a literatura que acontece quando você vê a morte de perto, mas acho que exatamente porque eu não esperava uma morte, mas esperava uma picada violenta, uma dor incalculável e o fim da nossa viagem ali mesmo, sem nem mesmo começar a primeira trilha. Seria insano e deprimente. Eu chutava que Andaraí teria uma estrutura melhor, qualquer coisa Paulo me levaria pra lá, a 40km dali mais ou menos. Será que 40km dava tempo de eu receber o soro? Será que ia ter o soro em Andaraí??

 

Esses pensamento todos foram muito rápidos, não demorou nem 10 segundos pra cobra sair de fininho bem lentamente pela lateral, muito respeitosamente, devo dizer, e ter poupado a minha vida, ou pelo menos a minha perna e a nossa viagem. Ela quebrou um galho pra mim, só isso. Ela tendo saído pela tangente, eu recuei prontamente voltamos para perto do carro. Os dois tremendo bastante.

 

Paulo comentou que não queria mais fazer trilha. Bem, tínhamos começado a viagem com o pé esquerdo, e bota esquerdo nisso! Ah, esqueci de contar que logo que saí do carro (antes de dar de frente com a cobra) percebi que a minha mochila estava toda molhada e melecada. Eu tinha deixado o shampoo no fundo, solto , e ele abriu e molhou tudo. Ok, nem fichinha frente à cascável respeitosa que a gente tinha acabado de se curvar - mas eu só queria incluir mais esse item no nosso pacote completo de azares para uma trilha que estávamos saboreando naquela difícil manhã.

 

Pra completar o pé-esquerdismo deste início de trilha, aquela cascavél não só tinha poupado a minha viagem como me fez respirar fundo e olhar novamente para o GPS. Quando eu olhei mais atentamente ao GPS eu percebi que a direção que eu estava tentando encontrar a trilha estava COMPLETAMENTE equivocada. COMPLETAMENTE. Foi a primeira vez que eu havia errado TANTO ASSIM na leitura do GPS. O que tinha ocorrido é que eu estava tão afoito em encontrar aquele início de trilha que eu fiz uma leitura totalmente errada, devido a um zoom-out muito grande para um necessário zoom-in requisitado para leitura de partes pontuais de trilhas (Essa, pelo menos, foi a conclusão que consegui chegar tentando achar uma justificativa para meu grosso erro). Enquanto eu comunicava isso (o grosseiro erro) ao Paulo que, por sua vez, não parava de falar da cascavél e da vontade de abortar o passeio, nos dirigíamos para dentro do carro pois eu havia informado que estávamos no lugar errado, simplesmente não era ali.

 

Enquanto falávamos emboladamente sobre a cascável e sobre como o tempo estava passando, improvisamos rápida e confusamente a decisão de voltar alguns quilômetros na estrada a procura da entrada da trilha que tínhamos acabado de descobrir que não estávamos nela. Eu tinha certeza que SÓ poderia ser mais adiante, porque aquelas antenas estavam exatamente IMEDIATAMENTE após a plaquinha que demarcava o quilometro 191 da estrada, e isso estava tão bem refinado e claro no relato dos Pobres, que não poderiam estar errados, isto é, não poderia ser ANTES de onde estávamos, tinha que ser DEPOIS. Paulo sugeriu, então, de voltarmos até a plaquinha de 191 e olharmos com mais calma. A entrada deveria ser em outro lugar. Enquanto ele voltava, eu percebi como eu havia errado grosseiramente a minha leitura no GPS, eu não conseguia nem acreditar que eu tinha errado tanto assim dessa forma - pensava enquanto olhava para o GPS tentando entender esse meu erro. Vi que enquanto Paulo dirigia de volta, aí sim estávamos nos aproximando do que eu havia desenhado no GPS. A questão é que o ponto inicial estava marcado ANTES da plaquinha de 191. Havia algo errado nessa história toda: ou o meu mapa, ou o relato: só não tinha como os 2 estarem certos.

 

Paulo então seguiu naquela reta entre o km 190 e 191, agora em direção a Andaraí , pra conseguir fazer uma manobra abaianada ali no meio da estrada para voltar novamente à direção correta, para Mucugê. Ele estava procurando um bom ponto para fazer a manobra, quando surgiu, bem lá trás, uma especie de entradinha de terra….

 

Estradinha de terra….. bati o olho no gps! PONTOS CONECTADOS. SÓ PODIA SER ALI , pensei, gritei e olhei para o GPS tudo ao mesmo tempo. Agoar sim, batia MUITO com o mapa que eu havia desenhado, mas definitivamente não estava batendo com o relato! Ali era o km 190 , e não o 191-192 como dizia o relato! Podem se perguntar que “porra diego, mas entre 190 e 191 não tem tanta diferença assim”. A questão é que o relato dizia que era EXATAMENTE entre o km191 e 192, então foi um pouco difícil aceitar que essa informação, tão precisa no relato, estava errada.

 

Eu decidi, dessa vez, confiar mais no meu mapa do que no relato, e paramos o carro ali. Novamente houve essa pequena sorte, havia um lugarzinho atrás de arbustos para parar o carro, e deixamos ele ali. Já passavam de 10h20min, eu já estava completamente atônito, sabendo que a gordura de erro para trilha toda já tinha ido pelo ralo, e que deveríamos fazer um tempo muito bom pra compensar o pacote completo de revezes vividos até ali - isso, contanto, é claro, que NADA MAIS desse errado dali pra frente - o que era altamente improvável, ainda mais depois de tudo que tinha acontecido até ali em tão pouco tempo!

 

A questão é que essa trilha, PELO MENOS, estava MUITO MELHOR do que a pseudo-trilha enganativa que tínhamos achado apenas 1km adiante, perto das torres-antenas. SÓ PODIA SER ALI. Realmente, apesar de a trilha começar no meio do NADA, só podia ser ali, tava com muita cara de trilha.

 

Apesar de minha aflição com o tempo, as minhas esperanças foram reavivadas. Paulo estava ainda impressionado com a Cascavél, eu confesso que eu também estava, e com medo, principalmente por não saber onde era o Hospital mais próximo - erro primário hein… Mas eu estava tão afoito para ter sucesso naquela trilha, que esse sentimento se sobrepunha ao terror de encontrar mais alguma cascável ou similar.

 

Além disso, havia outro algo que me ajudou a abstrair da cascável: agora, a ~nova~ trilha que íamos tentar não estava “mato”, estava era bem batida (assim como dizia o relato) e, então , aproximadamente as 10h30min, iniciamos, DE FATO, a trilha.

 

Eu tinha 2 trilhas desenhadas no GPS. Eu não estava EXATAMENTE em cima do que eu havia desenhado, mas a medida que fui andando, estava andando PARALELO as duas linhas, o que era um EXCELENTE SINAL. Sinal verde!

 

Só que….. com uns 50 metros de trilha, SÓ uns 50 (não deu nem pra ficar feliz por 10 segundos!!!!), chegamos em uma clareira de pedras. Sim, o terror das trilhas. Um dos piores cenários (talvez só perdendo pra uma floresta densa de samambaias) para quem não sabe por onde prosseguir. Eu tentei fazer o óbvio, tentei seguir reto, e até parecia ser, mas um pouquinho depois a trilha começou a rarear. E aí era foda, já estávamos sem tempo, e tínhamos fresco em nossa memória uma cascavelzinha que nos travava o cérebro. Isso impedia que eu saísse quebrando mato sem nem ver onde pisava. Eu até quebrava, mas em uma velocidade 5 vezes menor do que alguém que não viu uma cascável há só 15 minutos. Consultava o mato a frente 5 vezes antes de pisar. Isso impactava DEMAIS na procura pela continuação da trilha. Eu estava tão afoito, que comecei a andar em círculos e me perdi um pouco nessa clareira que nos tirou preciosos 10 minutos. Custei a voltar ao cenário de pedras inicial, achei incrível (incrivelmente desesperador) e foi uma das primeiras vezes que me vi dominado pela falta de razão no meio de uma trilha, eu senti claramente a razão sendo esmagada pelo desespero de não conseguir desenvolver a trilha. Eu não estava conseguindo raciocinar sobre as informações do GPS. Eu tinha consciência disso. Mas não conseguia sair desse labirinto.

 

Parei, respirei fundo e conseguimos, AO MENOS, voltar para a clareira de pedras original. Já passava das 10h40min e eu confesso que nessa hora eu já tinha desistido de fazer essa trilha. Eu já tinha aceitado o fracasso, e me contentaria em fazer a Andorinhas que era dentro de um parque, mais a frente…

 

É que calculei que ,depois de essa enxurrada de revezes, aliado ao fato de em apenas 50 metros a trilha tinha ficado confusa e sem indicativos bons de continuação, imagine o que viria pelos próximos 8km de trilha? Parecia simplesmente inimaginável acreditar que aquela trilha teria alguma chance de sucesso.

 

 

Foi aí que os ventos começaram a mudar seus rumos.

 

Os meus olhos estavam viciados no GPS na tentativa de continuar relativamente paralelo ao desenho que tinha feito. Já, Paulo, me vendo rodar como uma barata tonta, aumentou seu escopo de busca, algo que por vezes só quem está livre do escravizador GPS consegue ter e tentou procurar alguma direção ou alguma coisa que nos indicasse uma continuação. Bendita experiência com a expedição de Fumaça do ano anterior, Paulo tinha seus olhos treinados para um indicativo de trilha que reaviva a alma quando é visto. Depois desses 15 minutos de rodeio sem sucesso, devo dizer, ESTRESSANTES MESMO, Paulo achou a primeira coisa boa dessa trilha até o momento: UMA SETA.

 

-Uma seta! Uma seta!

 

Muito melhor ouvir esse grito do que ouvir o grito de “uma cascável!” não é?

 

A seta estava na outra ponta da clareira, não era intuitivo. E a seta só existia para a SAÍDA da clareira, mas não tinha uma seta no inicio da clareira. Se pelo meno soubéssemos desde o início que a trilha tinha setas marcadas nas pedras, teria sido mais fácil e rápido. Mas bem… apesar disso tudo , de todos os revezes, isso NOVAMENTE reacendeu as esperanças.

 

Eram 10h40min, ainda dava tempo, se a trilha estivesse minimamente sinalizada com essas setas, de PELO MENOS conhecer a Cachoeira 3 Barras (apesar de que as outras 2 estariam bem próximas da 3 Barras).

 

Assim que entramos na trilha depois dessa clareira, ligamos o motor a jato e praticamente não tivemos mais nenhuma dúvida de trilha. Parecia simplesmente inacreditável que depois do pior e mais azarado início de trilha de TODOS OS TEMPOS na história da minha vida trilheira, que fossemos conseguir chegar a algum destino bom. Antes de chegar ao rio, a clareira dos 50m iniciais foi a parte mais difícil da trilha .Andamos em um ritmo MUITO BOM, seguindo direto, quase sempre relativamente retos em direção ao rio. Nem paramos para nada, nem no mirante (11h17min passamos por ele). Só damos uma leve respirada quando chegamos no rio. (11h34min chegamos no leito do rio, pela primeira vez - são varias passagens por ele)

 

Quando chegamos no rio, consultei mais uma vez o relato d’os Pobres, e ele dizia que devíamos atravessar o rio. Aqui, a trilha começa a ficar um pouco confusa devido a algumas travessias do rio. De forma grosseira, é só seguir o leito do rio, porém, não é um leito tão trivial de se seguir.

 

Gastamos uns 5 minutos pra entender por onde deveríamos prosseguir, pois o leito do rio era bem largo e aberto, difícil de enxergar alguma seta que nos conduzisse à “saída”. Depois de muitas suposições, acabei encontrando, dessa vez pelo lado mais intuitivo possível, a saída. Era só seguir reto , perpendicularmente ao rio, e continuar pelo outro lado.

 

A trilha continua de boa por alguns metros, mas logo depois chega-se ao leito do rio novamente e essa parte no rio é um tanto confusa. O que acontece é que aqui ocorre um encontro de dois rios que deixa a navegação bastante complicada pra quem não tiver noção de onde está. Não sei precisar muito bem como encontramos por onde continuar. Eu me guiei pelo desenho do GPS e deu mais ou menos certo. Achamos onde atravessar o rio e continuamos pela margem direita dele.

 

Me lembro que o relato falava que iriamos ver uma ponte de tronco, rústica, mas não vimos essa ponte, o que deixou essa parte um pouco complicada.

 

Após a travessia desse encontro de rios, passando para o lado direito chegamos, não muito tempo depois, sem mais nenhum contratempo (acho que a cota de contratempos já tinha vencido há muito!) à Cachoeira 3 Barras. (Chegamos aqui às 12h30min).

 

Como, apesar de todos os contratempos e o universo conspirando totalmente contra o nosso passeio, conseguimos chegar em um excelente tempo na primeira queda, ainda conseguiríamos facilmente chegar pelo menos na segunda cachoeira: a Cachoeira dos Cristais. Foi por isso que ficamos apenas 20 minutos em 3 Barras. O meu plano era, chegar em Cristais e se não estivesse muito bom lá, ou mesmo se não estivéssemos conseguindo chegar nela, bastaria voltar e curtir a Cachoeira 3 Barras que já estava de excelente tamanho!

 

Fizemos um merecido lanche rápido. Confesso que estávamos um pouco abatidos, ainda, devido a todos os problemas que tínhamos enfrentado até então. A dose de estresse foi significativa até ali. Mesmo com o sucesso das ultimas 2 horas, ainda nos encontrávamos um pouco “mais ou menos”, mas, seguindo a pequena maré de sorte, prosseguimos subindo.

 

Fomos pela direita, como mandava o roteiro d’os Pobres e, dessa vez, nesta segunda parte da triha, o relato estava fiel ao que a trilha apresentava. Subimos pela direita, pelas pedras, encontrando a cachoeira seca, subindo e continuando pela direita como dizia exatamente o relato.

 

Depois dessa subida devagar, existe uma trilha sobre pedras bem marcada, que não causa dúvidas e que segue tranquila até a Cachoeira dos Cristais. Chegamos na Cachoeira dos Cristais sem maiores problemas aproximadamente às 13h40min.

 

O nosso tempo estava muito bom, mas não o suficiente para continuar o caminho. Nós decidimos, àquela altura do campeonato, abrir mão da Cachoeira da Fenda (apesar que pela foto parece ser muito bonita, dentro de cânion, uma versão miniatura da Fumacinha) mas se decidíssemos ir atrás dela, não iriamos curtir o poço de nenhuma delas. Não era um perde-ganha lucrativo. Melhor era abrir mão de uma delas, mas curtir o poço das duas conquistadas até então.

 

Abrindo mão da Cachoeira da Fenda, curtimos por cerca de 1h a Cachoeira dos Cristais, explorando cada canto de seu ao redor e depois voltando para a Cachoeira 3 Barras e curtindo mais cerca de 40 min por ali também.

 

Acabamos nos atrasando na volta, devido a agradabilidade do poço de 3 Barras, muito aconchegante e gostoso, tiramos muitas fotos. Nos últimos minutos nos empolgamos tanto tirando fotos e nadando no poço que estouramos o tempo disponível que tínhamos calculado. Já passavam das 16h, não havia muito mais tempo de manobra disponivel. Acabamos nos atrasando e saindo aproximadamente as 16h30min. Precisávamos fazer um bom tempo na volta também, para não terminarmos no escuro.

 

A minha maior preocupação na volta era apenas conseguir atravessar a última travessia do rio, aquela mais larga. Passado isso, a trilha era bem mais tranquila, apesar que não veríamos as setas que nos ajudaram em alguns momentos na ida.

 

Toda vez que encontrávamos uma clareira ou um local onde a passagem não era óbvia , Paulo tornou-se o “Gerenciador de Setas” oficial da dupla, e, enquanto eu direcionava o lugar correto fazendo o trackback do GPS, ele marcava setas indicativas ainda inexistentes na trilha. Deixamos a trilha melhor sinalizada, apesar de que são sinais nas pedras, que desaparecem com o tempo, mas calculo que Paulo deve ter desenhado cerca de 15 novas setas, principalmente após a última travessia do rio (na volta).

 

Apertamos o passo e voltamos bem. Passamos pela ultima passagem do rio por volta de 17h, ainda com bastante luz do dia. Quando alcançamos o mirante era algo perto de 17h20min e começamos a nos preocupar com a luz do dia, apesar que ainda tínhamos uns 40minutos de luz. Apertamos ainda mais o passo, já quase nos esquecendo de coisas como.. “cascavéis”. Nada perto do terror matinal aconteceu agora na volta, mas lá pelas tantas, no finalzinho da trilha, passo batido por mais uma cobra, toda enroladinha e marrom bem no meio da trilha.

 

Não era tão grande como a cascável da manhã, e nem deu pra ver se era peçonhenta, mas tinha um tamanho considerável e estava fácil de pisar nela. Paulo me alertou novamente, uma vez que depois que eu passei a cobra se moveu e se desenrolou um pouco. Paulo contornou a cobra e continuamos, agora quase já sem luz, redobrando os cuidados pra ver onde pisávamos.

 

Faltando cerca de 600m pra chegar, eu calculei errado no GPS e achei que faltavam apenas 200m, falando para Paulo que chegaríamos ainda com luz do dia, isso já era próximo de 17h40min. Havia luz, mas uma luz de soslaio, que não permitia mais “ver por onde se anda” : cobras marrons são quase invisíveis a essa luz do dia se você está a um passo rápido - o nosso caso.

 

Depois de 5 minutos eu percebi meu novo erro no GPS, e vi que ainda faltavam, na verdade, 400 metros. Os últimos 200 metros foram feitos com a minha pequena lanterna de testa e o Paulo usando a lanterna de dínamo. Apesar da escuridão iminente, terminamos a trilha tranquilos. Terminar a trilha no escuro não foi nem cosquinha pra tudo que tínhamos passado nas primeiras horas do dia.

 

O carro estava nos aguardando pra nos levar para o nosso próximo destino: A cidade de Ibicoara. Nós merecíamos um dia de “descanso” em Buracão, depois dessa trilha que posso considerar a mais estressante da minha história de trilheiro.

 

Com toda a certeza esta trilha foi um marco no currículo deste blog, um desafio, com muito aprendizado, muito estresse, mas com duas cachoeiras incluídas no currículo que seriam dignas de um troféu com muito esmero.

 

Eu preciso deixar aqui um Agradecimento especial ao Paulo por ter suportado os meus momentos muito ranzinzas durante as 2 primeiras horas deste inesquecível dia e agradecer por ter tornado possível o sucesso da trilha, pois sem ele eu não teria enxergado as setas que foram responsáveis pelo desenvolvimento da trilha nos 50 metros iniciais - o momento mais crítico desta trilha. Também foi ele o responsável, ainda que sem querer, por encontrar a estradinha de terra inicial da trilha que nos reacendeu as esperanças no início da manhã, descoberta essa que parece ter reavivado das cinzas algo que uma cascável educada e tranquila quase matou.

 

Esta trilha , sem sombras de dúvidas, fica marcada para todo o sempre.

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