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  • Membros de Honra
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SUSTO E CA(N)GAÇO PELAS ESTRADAS DO SERTÃO

Recorrente no romanceiro popular nordestino, o cangaceiro carrega a aura

mística e anárquica necessarias p/ romantizar qualquer "bom-ladrão" q se

preze. Na vida real, o cangaço terminou há quase um século, em tese.

Contudo, viajar pelas estradas q rasgam o sertão e caatinga nordestinas -

principalmente na área do "Poligono da Maconha" - pode revelar-se bem +

arriscado e emocionante se levarmos em consideração q esta paupérrima região

do nosso país ainda continua sendo terra de ninguém e q este velho

personagem nordestino continua + presente do q nunca, porem com nova

roupagem.

 

Deixei a simpática São Raimundo Nonato ("a cidade q tem + urubu que

pardais", segundo um amigo) no primeiro dia do ano, por volta das 20hrs, com

destino à Teresina. Estava um caco de podre, físicamente falando. A maratona

dos dias anteriores rodando a Serra da Capivara, Confusões e o animado

reveillon fizeram c/ q dormisse aquele inicio de noite, q iria se revelar

mais longa e imprevisivel q o desejado. Ouvira falar superficialmente do tal

"Polígono da Maconha", ampla área do vale do Velho Chico, na divisa de

Pernambuco e Bahia, cujas estradas sao consideradas as mais perigosas do

pais. Tanto q no mapa rodoviario 4 Rodas trechos como Cabrobó-Petrolina e

Afrânio-Picos consta tacitamente como apresentando "alto indice de

assaltos". Boatos de q onibus noturnos so transitavam em comboio apenas

reforçavam a péssima fama local. Verdade ou não, o fato é q chegara em São

Raimundo sem nenhum entrave desta natureza e agora viajava pela BR-324 p/

depois tomar a Transpiauí (PI-140), já no limite oeste do Poligono.

Portanto, aparentemente sem razão alguma p/ maiores preocupações.

Dormia confortavelmente qdo subitamente o ônibus parou e um certo burburinho

tomou conta do corredor. Ouvi alguém comentar q gente parada no meio da

estrada obrigara o motorista a parar. Estávamos nalgum trecho entre Tamboril

do Piauí e Recanto do Buriti, isto, é no meio do nada e lugar nenhum. Ainda

sonolento, naquele estado entre o sono e a vigília, vejo homens entrando com

fuzis e revólveres em punho, e não eram policiais. "Puta m...! Fudeu!",

pensei. Com a real possibilidade de minha trip se encerrar prematuramente

ali acordei rapidinho, lógico! Instintivamente, peguei meu cartão e dinheiro

vivo q levava e enfiei no meio do banco, c/ discrição. A maquina fotográfica

coloquei embaixo da poltrona, enqto deixei uma pequena "caixinha" na minha

pochete caso precisasse. Seja o q Deus quiser agora..

Nervosa, uma senhora começou a chorar em silencio. Do fundao, outro

passageiro pede encarecidamente p/ não molestar ou machucar ninguém, na

tentativa de amenizar o clima de tensão q tomou conta dentro do busao. O

casal à minha frente resmungava algo enqto os jagunços ordenam p/ ninguém

levantar dos assentos e p/ entregar celulares. Estavam sem mascara e de

rosto limpo e pela fisionomia deviam ser da região ou arredores. Baixos e

atarracados, pareciam ser jovens beirando a meia-idade.

A ação foi rápida mas pareceu durar uma eternidade. Enquanto 2 nos

revistavam, um tomava conta na porta e outro aguardava num veiculo, na

frente do busao e com motor ligado. "Passa grana, passa grana!", ordenavam,

avançando pelo corredor e revistando freneticamente carteiras, bolsas ou

simplesmente apanhavam relógios ou jóias à esmo e enfiavam nos bolsos. Tive

a leve impressão q buscavam algo (ou alguém) especificamente e, não

encontrando, tentavam compensar de alguma maneira.

Notei tb q o tratamento era discriminado; gringos e pessoas + bem-vestidas

eram as q tinham boa parte de seus pertences arrancados. Não era meu caso:

barba por fazer, pele tostada, sem banho a 2 dias, cabelo desgrenhado,

chinelao, trajando bermuda e camiseta surradas, enfim, o protótipo do

bicho-grilo-riponga sem um puto no bolso, conforme já havia sido confundido

noutras ocasiões. No entanto, isso não impediu q tb me borrasse e sentisse

um medao danado. Minha garganta secou qdo um deles passou por mim, parou, me

olhou dos pés à cabeça e seguiu corredor adentro. Ufaaa! Minha aparência

desta vez serviu (+ uma vez!) p/ alguma coisa. Devo ter sido considerado

"indigno" de ser assaltado. Ainda bem. Mesma sorte não teve o senhor do meu

lado, q ficou sem sua rechonchuda capanga. Em seguida, desceram e parece q

reviraram o bagageiro às pressas. E assim, tão rapidamente quanto surgiram,

nos largaram ali p/ se perderem na escuridão da caatinga, estrada adentro.

Demorou um tanto p/ ficha cair p/ todo mundo, mas logo o motorista tomou a

dianteira perguntando se estava td mundo bem. Com o celular de um passageiro

(q estava bem guardado dentro da bagagem) ligou p/ policia mais próxima, q

tardou meia hora em chegar. Nesse tempo, cada um avaliava seu preju,

amaldiçoava os larápios ou ameaçava de processo a empresa de ônibus. Pra

minha felicidade, minha surrada e modesta mochila ainda estava no bagageiro!

Graças a Deus! Com outro passageiro tomei conhecimento da situação q ali

impera. A região do Rio São Francisco oferece condições perfeitas p/ o

plantio da maconha, q abastece boa parte dos traficantes das gdes cidades do

país. A seca e a pobreza faz com q gente "de bem" aceite dinheiro de

traficantes p/ plantar a droga. Consequentemente, circulam muitas armas e os

assaltos a carros e ônibus - interestaduais e municipais - são justamente p/

financiar as lavouras. E comuns.

Qdo a precária viatura chegou, tivemos q acompanha-la p/ cidadezinha mais

próxima (q nem me recordo o nome) q mais parecia um vilarejo, onde por mais

uma hora permanecemos registrando BO. Ate aquela altura td mundo tava

cansado e so queria continuar viagem. A noite do sertão estava terrivelmente

estrelada e quente, contrastando com o frio glacial do ar condicionado do

busao. Depois de toda a burocracia no DP, o busao continuou sua viagem,

desta vez mais leve. Alem do q foi subtraído, alguns passageiros ficaram por

lá na esperança (!?) da policia reaver seus pertences ou por não ter

condições de prosseguir. Paciência.. Ainda não recobrados do ocorrido, creio

q ninguem conseguiu dormir depois, embora o busao seguisse seu trajeto num

silencio sepulcral.

 

Com todos esses percalços, ainda assim chegamos na capital piauiense no

horario previsto, quase 5 da madruga, onde tive q aguardar um tempao ate

abrir o guichê e garantir passagem p/ Piripiri, afim de ir p/ PN 7 Cidades.

A rodoviária em si é muito suja e feia, mas ainda assim consegui me aninhar

num banco e cochilar p/ repôr o sono e cansaço daquela noite pitoresca.

Enqto isso, a policia dos municípios no entorno do Polígono tem atuado em

conjunto p/ coibir a ação desses grupos especializados, com relativo

sucesso. Mas não é suficiente. Prender os criminosos não ataca a raiz do

problema, uma vez q a pobreza generalizada da região oferece

permanentemente mão-de-obra p/ estes traficantes, q simplesmente ampliam

mais o seu raio de ação dando seqüência a este circulo vicioso. E se o

cangaço dos tempos de Corisco & Lampião sucumbiu c/ a chegada das estradas

no sertão, é por ironia do destino q justamente delas hoje sobrevivam estes

"neo-cangaceiros". Um problema social calcado num eufemismo q não tem nada

de romântico.

  • Colaboradores
Postado

Quando era ainda criança, viajando de carro com meus pais, nos perdemos e fomos parar no meio do polígono, pertinho de Cabrobró. Lembro que chegamos num trecho em que meu pai perguntou a uns senhores qual o melhor trecho pra seguir a viagem e eles recomendaram que atravessassemos de balsa e pegássemos uma outra estrada que tornaria o percurso maior em mais de 1 hora. Perguntávamos porquê e eles desconversavam, mas diziam que realmente deveríamos fazer isso. Aí é que caiu a ficha do meu pai e fomos pelo tal caminho mais longo e deu tudo certo.

  • 3 meses depois...
  • Membros de Honra
Postado

Olá Jorge,

 

também passamos por experiência parecida nesse mesmo trecho de nossa viagem (SR Nonato a Teresina), acordamos durante a madrugada com homens armados revisando nossas bagagens, felizmente eram policiais civis do Piauí, estavam a procura de bandidos e drogas.

 

Em todo o Nordeste existe o perigo de assaltos e não acredito na justificativa da pobreza, nada justifica cometer crimes. A pobreza dessa região só existe pela falta de visão pois em cada canto que se olha é possível ver oportunidades em negócios de turismo, agricultura ou pecuária, e esses negócios não necessitam de grandes investimentos, basta ter vontade e disposição de trabalhar. Os políticos deveriam parar com esses "programas" de renda mínima que dão dinheiro a troco de nada e investir em capacitação para as pessoas terem seus pequenos negócios e não precisarem de esmolas do governo ou de roubar, traficar e matar para sobreviver, e assim viver com dignidade.

 

um abraço,

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