Membros de Honra Jorge Soto Postado Abril 5, 2006 Membros de Honra Postado Abril 5, 2006 SUSTO E CA(N)GAÇO PELAS ESTRADAS DO SERTÃO Recorrente no romanceiro popular nordestino, o cangaceiro carrega a aura mística e anárquica necessarias p/ romantizar qualquer "bom-ladrão" q se preze. Na vida real, o cangaço terminou há quase um século, em tese. Contudo, viajar pelas estradas q rasgam o sertão e caatinga nordestinas - principalmente na área do "Poligono da Maconha" - pode revelar-se bem + arriscado e emocionante se levarmos em consideração q esta paupérrima região do nosso país ainda continua sendo terra de ninguém e q este velho personagem nordestino continua + presente do q nunca, porem com nova roupagem. Deixei a simpática São Raimundo Nonato ("a cidade q tem + urubu que pardais", segundo um amigo) no primeiro dia do ano, por volta das 20hrs, com destino à Teresina. Estava um caco de podre, físicamente falando. A maratona dos dias anteriores rodando a Serra da Capivara, Confusões e o animado reveillon fizeram c/ q dormisse aquele inicio de noite, q iria se revelar mais longa e imprevisivel q o desejado. Ouvira falar superficialmente do tal "Polígono da Maconha", ampla área do vale do Velho Chico, na divisa de Pernambuco e Bahia, cujas estradas sao consideradas as mais perigosas do pais. Tanto q no mapa rodoviario 4 Rodas trechos como Cabrobó-Petrolina e Afrânio-Picos consta tacitamente como apresentando "alto indice de assaltos". Boatos de q onibus noturnos so transitavam em comboio apenas reforçavam a péssima fama local. Verdade ou não, o fato é q chegara em São Raimundo sem nenhum entrave desta natureza e agora viajava pela BR-324 p/ depois tomar a Transpiauí (PI-140), já no limite oeste do Poligono. Portanto, aparentemente sem razão alguma p/ maiores preocupações. Dormia confortavelmente qdo subitamente o ônibus parou e um certo burburinho tomou conta do corredor. Ouvi alguém comentar q gente parada no meio da estrada obrigara o motorista a parar. Estávamos nalgum trecho entre Tamboril do Piauí e Recanto do Buriti, isto, é no meio do nada e lugar nenhum. Ainda sonolento, naquele estado entre o sono e a vigília, vejo homens entrando com fuzis e revólveres em punho, e não eram policiais. "Puta m...! Fudeu!", pensei. Com a real possibilidade de minha trip se encerrar prematuramente ali acordei rapidinho, lógico! Instintivamente, peguei meu cartão e dinheiro vivo q levava e enfiei no meio do banco, c/ discrição. A maquina fotográfica coloquei embaixo da poltrona, enqto deixei uma pequena "caixinha" na minha pochete caso precisasse. Seja o q Deus quiser agora.. Nervosa, uma senhora começou a chorar em silencio. Do fundao, outro passageiro pede encarecidamente p/ não molestar ou machucar ninguém, na tentativa de amenizar o clima de tensão q tomou conta dentro do busao. O casal à minha frente resmungava algo enqto os jagunços ordenam p/ ninguém levantar dos assentos e p/ entregar celulares. Estavam sem mascara e de rosto limpo e pela fisionomia deviam ser da região ou arredores. Baixos e atarracados, pareciam ser jovens beirando a meia-idade. A ação foi rápida mas pareceu durar uma eternidade. Enquanto 2 nos revistavam, um tomava conta na porta e outro aguardava num veiculo, na frente do busao e com motor ligado. "Passa grana, passa grana!", ordenavam, avançando pelo corredor e revistando freneticamente carteiras, bolsas ou simplesmente apanhavam relógios ou jóias à esmo e enfiavam nos bolsos. Tive a leve impressão q buscavam algo (ou alguém) especificamente e, não encontrando, tentavam compensar de alguma maneira. Notei tb q o tratamento era discriminado; gringos e pessoas + bem-vestidas eram as q tinham boa parte de seus pertences arrancados. Não era meu caso: barba por fazer, pele tostada, sem banho a 2 dias, cabelo desgrenhado, chinelao, trajando bermuda e camiseta surradas, enfim, o protótipo do bicho-grilo-riponga sem um puto no bolso, conforme já havia sido confundido noutras ocasiões. No entanto, isso não impediu q tb me borrasse e sentisse um medao danado. Minha garganta secou qdo um deles passou por mim, parou, me olhou dos pés à cabeça e seguiu corredor adentro. Ufaaa! Minha aparência desta vez serviu (+ uma vez!) p/ alguma coisa. Devo ter sido considerado "indigno" de ser assaltado. Ainda bem. Mesma sorte não teve o senhor do meu lado, q ficou sem sua rechonchuda capanga. Em seguida, desceram e parece q reviraram o bagageiro às pressas. E assim, tão rapidamente quanto surgiram, nos largaram ali p/ se perderem na escuridão da caatinga, estrada adentro. Demorou um tanto p/ ficha cair p/ todo mundo, mas logo o motorista tomou a dianteira perguntando se estava td mundo bem. Com o celular de um passageiro (q estava bem guardado dentro da bagagem) ligou p/ policia mais próxima, q tardou meia hora em chegar. Nesse tempo, cada um avaliava seu preju, amaldiçoava os larápios ou ameaçava de processo a empresa de ônibus. Pra minha felicidade, minha surrada e modesta mochila ainda estava no bagageiro! Graças a Deus! Com outro passageiro tomei conhecimento da situação q ali impera. A região do Rio São Francisco oferece condições perfeitas p/ o plantio da maconha, q abastece boa parte dos traficantes das gdes cidades do país. A seca e a pobreza faz com q gente "de bem" aceite dinheiro de traficantes p/ plantar a droga. Consequentemente, circulam muitas armas e os assaltos a carros e ônibus - interestaduais e municipais - são justamente p/ financiar as lavouras. E comuns. Qdo a precária viatura chegou, tivemos q acompanha-la p/ cidadezinha mais próxima (q nem me recordo o nome) q mais parecia um vilarejo, onde por mais uma hora permanecemos registrando BO. Ate aquela altura td mundo tava cansado e so queria continuar viagem. A noite do sertão estava terrivelmente estrelada e quente, contrastando com o frio glacial do ar condicionado do busao. Depois de toda a burocracia no DP, o busao continuou sua viagem, desta vez mais leve. Alem do q foi subtraído, alguns passageiros ficaram por lá na esperança (!?) da policia reaver seus pertences ou por não ter condições de prosseguir. Paciência.. Ainda não recobrados do ocorrido, creio q ninguem conseguiu dormir depois, embora o busao seguisse seu trajeto num silencio sepulcral. Com todos esses percalços, ainda assim chegamos na capital piauiense no horario previsto, quase 5 da madruga, onde tive q aguardar um tempao ate abrir o guichê e garantir passagem p/ Piripiri, afim de ir p/ PN 7 Cidades. A rodoviária em si é muito suja e feia, mas ainda assim consegui me aninhar num banco e cochilar p/ repôr o sono e cansaço daquela noite pitoresca. Enqto isso, a policia dos municípios no entorno do Polígono tem atuado em conjunto p/ coibir a ação desses grupos especializados, com relativo sucesso. Mas não é suficiente. Prender os criminosos não ataca a raiz do problema, uma vez q a pobreza generalizada da região oferece permanentemente mão-de-obra p/ estes traficantes, q simplesmente ampliam mais o seu raio de ação dando seqüência a este circulo vicioso. E se o cangaço dos tempos de Corisco & Lampião sucumbiu c/ a chegada das estradas no sertão, é por ironia do destino q justamente delas hoje sobrevivam estes "neo-cangaceiros". Um problema social calcado num eufemismo q não tem nada de romântico. Citar
Colaboradores cmcf Postado Abril 5, 2006 Autor Colaboradores Postado Abril 5, 2006 Quando era ainda criança, viajando de carro com meus pais, nos perdemos e fomos parar no meio do polígono, pertinho de Cabrobró. Lembro que chegamos num trecho em que meu pai perguntou a uns senhores qual o melhor trecho pra seguir a viagem e eles recomendaram que atravessassemos de balsa e pegássemos uma outra estrada que tornaria o percurso maior em mais de 1 hora. Perguntávamos porquê e eles desconversavam, mas diziam que realmente deveríamos fazer isso. Aí é que caiu a ficha do meu pai e fomos pelo tal caminho mais longo e deu tudo certo. Citar
Membros de Honra michel Postado Julho 11, 2006 Membros de Honra Postado Julho 11, 2006 Olá Jorge, também passamos por experiência parecida nesse mesmo trecho de nossa viagem (SR Nonato a Teresina), acordamos durante a madrugada com homens armados revisando nossas bagagens, felizmente eram policiais civis do Piauí, estavam a procura de bandidos e drogas. Em todo o Nordeste existe o perigo de assaltos e não acredito na justificativa da pobreza, nada justifica cometer crimes. A pobreza dessa região só existe pela falta de visão pois em cada canto que se olha é possível ver oportunidades em negócios de turismo, agricultura ou pecuária, e esses negócios não necessitam de grandes investimentos, basta ter vontade e disposição de trabalhar. Os políticos deveriam parar com esses "programas" de renda mínima que dão dinheiro a troco de nada e investir em capacitação para as pessoas terem seus pequenos negócios e não precisarem de esmolas do governo ou de roubar, traficar e matar para sobreviver, e assim viver com dignidade. um abraço, Citar
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