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SP-Guarabira: Viagem pra Cabra Abestado!


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SAMPA-GUARABIRA: UMA VIAGEM PRA CABRA ABESTADO!

Sempre pensei q p/ se ter uma viagem longa, demorada, desconfortável e sacal, porem surrealmente bela, pitoresca e inesquecível fosse necessário saír do pais, tipo ir p/ algum buraco na Bolívia ou nos cafundós da Patagônia. Me enganei. Basta garantir aqui mesmo, no Term. Tietê, passagem p/ qq cidade no extremo norte/nordeste p/ chegar à conclusão q nossa malha rodoviária não deixa a desejar em termos de aventura a nossos vizinhos latinos. É verdade q rasgar 7 estados durante quase 3 dias a fio requer desprendimento, desapego e, sobretudo, paciência. E se longas caminhadas exigem bom preparo físico, longas viagens de bus demandam preparo mental. Só assim p/ colher, no fluxo incessante de imagens e sensações q passam dentro e fora do interestadual, aquelas q valem a pena guardar na memória. E o q pode ser "martírio" p/ uns pode se tornar uma experiência igualmente impar, emocionante e exótica.

 

Cheguei correndo à plataforma de embarque nº 55, preocupado em perder a hora no Tietê. Q nada. Mal haviam colocado td a bagagem - composta principalmente de enormes cxs de eletrodomésticos e sacas de arroz - no convencional da Itapemirim. Enqto isso, os passageiros se acotovelavam do lado de fora aguardando o embarque derradeiro, numa muvuca similar à do metrô em horario de pico. Logo o local fica agitado c/ corre-corre ao ser anunciada a iminente partida, mas é o tempo suficiente dos passageiros acenarem a familiares c/ rosto embargado. Destino: Guarabira (PB). No meio, apenas boa parte do nordeste do Brasil. Me benzi, fiz o sinal da cruz, respirei fundo e entrei no busao.

Zarpamos c/ atraso, as 17:40, em direção à Dutra, mas e daí? Estávamos tds ainda naquela euforia q precede td e qq viagem. Foi o tempo de dar uma geral nesse novo habitat e me familiarizar c/ aquele povo q seria cia pelos próximos 3 dias. O busao não era lá essas coisas. Nem ar condicionado tinha, nos obrigando a abrir as janelas p/ não sufocar naquele calor abafado de final de tarde. Tds os passageiros, s/ exceção, não escondiam sua origem nordestina, o q me fez sentir um "estranho no ninho" e fora de contexto, ate pela ausência de sotaque. Eu era o único "turista", s/ vinculo consanguineo c/ aquela terra à qual nos dirigíamos. Me sentia no Largo da Batata, até pq não tardou p/ alguém ligar um estridente radinho no talo tocando "Cavaleiros do Forró - Volume 7". Isso somado ao choro em coro de 3 bebês à bordo já deu o tom do q viria a seguir. Mas quem ta na chuva é p/ se molhar. E olha q nem sequer reclamei (ainda) q minha poltrona estava quase ao lado do banheiro.

O resto daquele dia não teve novidades. O cansaço acumulado da semana fez q pegasse no sono antes mesmo de anoitecer. Pensei q fosse ter problemas c/ o calor, mas dureza mesmo foi aturar o frio; o cara à minha frente deixara a janela escancaradamente aberta e td vento vinha na minha direcao! Tentei fechá-la, mas a trepidação tendia a abri-la aos poucos. Dane-se. Pior q eu não levara agasalho algum, mas aí improvisei c/ minha toalha um cobertor. So assim consegui dormir feito neném. Teve 2 paradas na madruga (em RJ e BH), nos entrepo$to$ Graal, mas não quis saber de descer pq fiz uso dos meus petiscos devidamente preparados p/ trip. E tornei a dormir, mesmo ouvindo alguém vomitando ruidosamente no banheiro, logo atrás de mim.

A manha sgte acordei as 8hrs, em Gov. Valadares (MG), onde tivemos parada p/ um breve café, sob olhar altivo do imponente Pico Ibituruma. É sempre agradável apreciar as verdejantes paisagens das serras mineiras, q agora se sucediam emolduradas pela janela. Como "zelador" do banheiro, via constantemente o vai-vem dos passageiros. Logicamente q não tardou o mau cheiro invadir as narinas, embora os d+ ao meu redor mostrarem indiferença. Não me restou opção senão escancarar a janela ao meu lado! Cotudo, não bastasse o mau cheiro vindo de trás, ele vinha tb da frente; duas senhoras c/ neném trocando fraldas ali mesmo, à seco. Paciência. Contei ate dez e tornei a me distrair c/ o visu da janela.

Ao passar por Teófilo Otoni e Pto do Marambaia, por volta das 10hrs, já temos uma mudança significativa no visu pela BR-116: a vegetação vai lentamente diminuindo (em tamanho e tonalidade) e da horizontalidade da paisagem destoam enormes morros de pura rocha e belos lajedos de tons acobreados. Apos Pde Paraíso, tivemos um pit-stop maior em Pto dos Volantes, as 13hrs, onde tomei uma ducha p/ me refrescar do calor quente e seco q tendia a aumentar conforme subíamos o estado.

Na estrada novamente, as 14hrs passamos por Itaobim, c/ seus verdes vales forrados por arbustos. Mas a paisagem tem seu triste tributo, pois aqui boa parte dos morros, lajedos e rochosos serve de "outdoor" p/ mensagens religiosas esdruxulas do tipo "Caminhoneiro, Jesus é a única rodovia q leva você para você". O interior do bus tb se transformava, pois àquela altura tds as janelas já haviam se tornado cabide, fosse p/ roupas, toalhas ou ate sacolas de guloseimas. S/ falar q o busao já tava imundo, c/ o chão forrado de sacolas e garrafas dagua vazias, restos de frutas, embalagens de bolacha e salgadinhos, enfim.. um chiqueiro! Uma senhora reclamava tb do lixo enqto comia uma bala e largava o papel no chão. Foi qdo ouvi alguém la da frente comentar de ter encontrado um carrapato na cortina da janela (!?) Será mesmo?? Mal sabia q as surpresas mal haviam começado...

Cruzado o manso Rio Jequitinhonha, vemos os primeiros cactos e urubus dando o ar da graça na paisagem, em meio a belos canions rochosos e versões miniatura do Pão-de-Acucar, salpicando de ambos os lados. A camelagem à beira das janelas é + intensa, pois basta o busao reduzir velocidade q inúmeras crianças e jovens avançam feito formigas vendendo castanhas, umbus e refrescos. As 15hrs passamos pela ultima cidade mineira, Divisa Alegre, onde o visu mudou radicalmente: de região serrana e acidentada, ela praticamente torna-se plana, árida e forrada de vegetação ressequida. Estamos entrando na Bahia. Foi ai q um dos passageiros, um tiozinho esquálido, ameaçou se jogar pela janela inconformado c/ as desgraças da propria vida, das quais vinha se lamentando desde o inicio da viagem. Era o q faltava: pinel depressivo à bordo! O mesmo teve de ser contido por outros três passageiros do tipo "armário", mas ainda assim insistia em levar a cabo seu intento. A coisa era deprimente mas ao mesmo tempo engraçada. Apenas qdo o motorista parou ameaçando-o deixa-lo na delegacia da próxima cidade q o doido sossegou. E devia sossegar mesmo, ate pq outros passageiros + retados estavam dispostos a enchê-lo de porrada caso reincidisse. Eu inclusive. E assim a viagem pareceu seguir normalmente.

Vitória da Conquista é alcançada as 17hrs, numa parada q + parecia uma feira qq de Sampa. Em meio à cacofonia do som de forró-axé de cds piratas, peço uma bem-vinda "quentinha" envolta decentemente num prato de aluminio. Meus petiscos haviam terminado faz tempo e tive q me render aos preços abusivos destes postos, onde uma simples coxinha custa R$3!!! Bem, se fosse pra comer q fosse um prato decente de arroz e feijão por R$8. A terra seca, o calor intenso e mta mosca são característicos da região. Comia c/ uma mão e espantava moscas c/ outra. On the road again, a paisagem permanece a mesma ate chegarmos a Jequié, as 19hrs.

"Compare as belezas q a janela descortina c/ o prazer de conhecer um passageiro agradável", foi o q aprendi certa vez c/ um gringo mochileiro. Uma máxima nada + q acertada, pois qdo o tédio e mesmice tomavam conta do visu buscava ocupar meu tempo lendo ou principalmente conversando c/ os d+ passageiros. O bus facilita o contato humano, seja em esbarroes no corredor, na fila do banheiro ou nas paradas p/ comer, e a vida dentro dele pode ser tao interessante qto o visu la fora. Por conta disso conversei bastante c/ a menina sentada ao meu lado, q viajava c/ a mãe indo visitar seus avôs, q nem sequer sabiam de sua existencia. Mas nao somente c/ ela, pq depois fiquei sabendo da historia de quase tds os passageiros: era gente visitando familiares q não via à séculos, gente retornando após se dar mal na "cidade gde", gente levando muamba p/ revender, etc.

A noite chega e inadvertidamente pego no sono. Mas antes disso me sinto vitorioso, afinal, sobrevivera à mais um dia daquela longa e exaustiva trip!

Desperto por volta da meia-noite c/ gente limpando o ônibus. Estamos na longa parada em Feira de Santana. Há um certo ar de tensão e nervosismo no ar nada mais q justificado. A partir daqui entra-se na região conhecida como "Polígono da Maconha", onde costumam ocorrer assaltos à noite aos ônibus vindos da região sudeste. Por esta razão os mesmos so transitam em comboio, tal qual as caravanas nos filmes de bangue-bangue!!! Já passara por experiência similar (de assalto a bus) no Piauí, mas ali era diferente pq essa "tradição" na região envolvia as viagens numa aura q mistura muita lenda e pouca verdade. Era ver p/ crer. Bem, particularmente não tava nem ligando p/ isso, apenas atentei q o busao esperou um tempão ate juntar outros 3 p/ somente assim tds prosseguir a viagem noite adentro, em fila india. E tornei a dormir despreocupadamente.

Deviam ser 4 da madruga qdo acordo c/ uma balburdia generalizada. Olho p/ frente e vejo gente berrando, alem de metade do vidro da frente totalmente trincado, quase quebrando! Pergunto o q acontecia e me respondem q tentaram assaltar o bus!!! Haviam jogado um enorme tijolo no pára-brisa p/ forçar o motora a parar, mas este - numa manobra de fazer corar o Bruce Willis - teve tempo de desviar de tal forma q o "projétil" atingiu o lado do passageiro, permitindo ainda visibilidade. Porem não por muito tempo, pq o vidro estava tao detonado q não resistiria por muito tempo! Bem, antes uma pedrada q um tiro de fuzil, como é costume desses "novos jagunços". Por isso o bus se desgarrara do comboio e agora dávamos voltas pelas ruas escuras de uma cidadezinha qq à beira de estrada entre Estância e Sapé, em Sergipe.

Tdos parabenizavam o motorista pela manobra, do contrario teria q parar na estrada onde seriamos roubados nalgum canavial. No entanto, parece q o perigo ainda não havia terminado. "Tem uma Kombi nos seguindo!!", alguém berrou. "Pisa fundo, motorista! Não pára q não quero perder meus 'romi-tíeter'!", respondeu outro. E de fato, havia uma Kombi nos seguindo, provavelmente dos meliantes, aguardando q o bus parasse. So sei q o interior do busao tava uma zona: mulheres gritavam estéricas, homens berravam palpites pro motorista e crianças choravam copiosamente. O tempo parecia não passar. Rodamos aquela mirrada cidadezinha td por ruas escuras e s/ alma viva um tempão, à procura de algum lugar "seguro" e nada! Pergunta aqui e ali, caímos na DP local, onde estacionamos de vez. Por sorte, a Kombi havia sumido um pouco antes, provavelmente pq já amanhecia. No DP, um delegado nos atendeu (de cueca) e não pudemos fazer BO pq simplesmente não havia papel p/ isso. Coisas do Brasil. Assim, não nos restou opção senão aguardar o sol emergir e debruçar seus raios pelo sertão e prosseguir viagem ate Aracaju, onde chegamos as 6:30. Mudamos de ônibus ao invés de apenas trocar o pára-brisa, tomamos café e demos continuidade à trip nordeste acima, já bem longe daquela perigosa estrada, carinhosamente chamada de "Transmaconheira".

Cruzamos a enorme ponte sobre as águas calmas do sempre grandioso Rio São Francisco as 8hrs, limite natural c/ o estado de Alagoas. A partir daqui a horizontalidade dos vastos e secos descampados salpicados de palmeiras e bombas de petróleo emoldurados pela janela dão lugar a canaviais s/ fim, q se estendem ate onde a vista alcança! Bodes errantes cruzam a BR-101 s/ ceremônia acompanhados por bandos de urubus, logo acima. Enqto isso, dentro do ônibus reparo q tem um cara dormindo espremido num estreito espaço no final do bus, logo atrás das ultimas poltronas, acima do motor. Pergunto o q fazia ai, se não tinha lugar e ele responde q havia cedido o lugar à uma criança p/ q esta não viajasse no colo da mãe o resto da trip. Entao tá. Solidariedade é isso ai. Antes ali q aninhado a meus pés, como é costume na Bolívia.

Xexéu é a 1ª cidade pernambucana em q paramos, as 12:30hrs. Feia e aparentemente mal cuidada, essa cidadezinha não me agradou nem um pouco, embora estivesse situada em meio a muitos morros interessantes. A partir daqui a aridez da paisagem vai aos poucos dando lugar ao verde, como em Palmares, por onde passamos as 13hrs. Na verdade, qto + proximo do litoral pernambucano + mata há, e a primeira visao de Recife é encantadora, lembrando um oásis claro, uma miragem de concreto e cimento, limitado pelo ceu azul e um horizonte esmeralda. E é la q estacionamos um tempao, sob um sol e calor desgraçados, as 14:15hrs.

Lanche e banho tomados, zarpamos hora depois, p/ logo cruzar o Rio Capibaribe e seguir atraves de uma paisagem bem + urbano-rural, reta e plana. Fazendo algum esforço, se consegue enxergar o oceano esmeralda, ao longe, à direita. E esse é o visu recorrente q se tem ate quase o final. O bus dá as costas a Pernambuco e ruma decidido p/ Paraíba; depois das curvas nervosas do interior do sertão, o "latão" escorrega suave rumo Atlântico, quase acompanhando a orla litorânea. Aos poucos, as pessoas se despedem e vão descendo conforme nos aproximamos de João Pessoa. "Vai um 'suco de camarão' aí?", um senhor me oferece meio alcoolizado, estendendo uma lata de Pitu na minha direção, enqto um radinho toca uma versão "forró-brega" de um hit americano. Mas surpreso mesmo fiquei qdo cantarolei espontaneamente um refrão do Chimbinha & Joelma!!! Meu Deus, isso é contagioso! "Pufavô!", me ouvi pedindo na ultima parada p/ comer. Qdo eu dei por mim, tinha trocado o erre áspero de Sampa p/ baixo pelo erre eufônico do Rio p/ cima!! Parece q já estava incorporado (quase) q plenamente àquele novo universo. Ôxe, q cabra é esse? Eita! E não é q era eu mesmo?

Chegamos, finalmente, na quente capital paraibana as 17:30, c/ quase 5hrs de atraso devido aos contratempos "normais" de trip. 90% dos passageiros saltava ali; o restante seguiria ate Guarabira, a meio caminho da divisa c/ RN, por mais 1 hr. Felizmente chegara a tempo de garantir passagem p/ meu proximo destino, uma cidadezinha perdida q atende pelo nome de "Passa e Fica", p/ dali fazer ataques e travessias pelo sertão/litoral potiguar.

 

Impossível disfarçar um certo orgulho pela missão cumprida. Mas apesar de estar contente por aquela longa viagem ter chegado ao fim, não deixava de sentir alguma melancolia por deixar td aquela galera e perrengue vivido p/ trás. Confesso q houve varios momentos em q me perguntei pq tava fazia isso, sendo q td seria + rápido e cômodo viajar de avião. Mas agora, 3 mil km depois, o sentimento de "sobreviver" àquela pitoresca trip, rasgando boa parte do nordeste num trajeto q quase une o norte e sul do país, já regozijava o espírito. E não deu outra, pois quase 3 semanas depois estaria retornando p/ Sampa de Mossoró (RN), de busao. Mas isso já é outra historia. Enfim, viajar longas distancias de ônibus sempre trás sempre um sabor de aventura. E pelo nordeste, entao, essa sensação é permanente e duradoura.

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  • Membros

Eu sou buseiro de fé, mesmo com a idade chegando...hehehehe...tua aventura é digna de ser contada aos teus netos....tb tive meus momentos cabra machos....ir de Itapemirim caindo aos pedaços é coisa para cabra macho mesmo....

 

Postei um tópico no papo de mochileiro a respeito de as maiores viagens de bus....

 

Em março tem mais...hehehe

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  • 3 meses depois...
  • Membros de Honra

Cara... apesar de poder curtir os caminhos que andei e ter amado as 38h enfiadas num busão até Feira de Santana uma vez... onibus convencional da itapemirim é osso, hein!!! kkkk

Parabens, é mesmo viagem de cabra abestado. Quem sabe me dá coragem , já que eu nao tenho 700 pilas pra dar na passagem aerea até Fortaleza visitar meu irmao (visitar o irmao nada... é mera desculpa pra me jogar nas praias cearenses kkk) e nao tinha coragem de enfrentar tres dias num busão hehehe

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