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USHUAIA - trekkings e perengues no fim do mundo - II


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  • Membros de Honra

Dividi o tópico Ushuaia em dois distintos para que o primeiro não ficasse muito longo. E, afinal, tratam-se de dois trekkings distintos.

 

PASO DE LAS OVEJAS.

 

Esta trilha de 3 dias (muita gente faz em 2 dias) é muito popular. Passa entre os Montes Martial (logo atrás da cidade de Ushuaia) e o Cordón Vinciguerra, dentro do Parque Nacional Terra do Fogo. Trilha fácil exceto no trecho final.

 

Segue primeiro pelo belo vale Andorra e, depois do passo de las Ovejas, percorre o cañadon de las Ovejas, vale glacial estreito, bonito e imponente. Faz jus a sua popularidade.

 

Descansei um dia em Ushuaia (26/02/2011) após o cansativo trkking anterior - ver tópico. Comprei um tênis de trilha Hitec (trail runner) para substituir minha valente e acabada bota Salomon, pão e queijo para a trilha. Minha Salomon foi aposentada num lugar especial para uma bota de trekking: Ushuaia. Preferi comprar um tênis porque acredito que faria menos calos que uma bota, não amaciado.

 

27/02/2011 – LAGUNA LOS TÉMPANOS – ENTRADA DO P.N. TIERRA DEL FUEGO

 

 

Peguei um remis Carlitos (companhia de táxi de Ushuaia) com preço fixo de 32 pesos (8 dólares), que não achei caro considerando a distância e o fato da estrada ser de rípio.

 

Cheguei na porteira verde da Turbalera às 11 horas. As distancias são pequenas e a trilha fácil, daí não ter tido preocupação com o horário. Decidi primeiro fazer um side trip sugerido pelo Lonely Planet, a laguna de los Témpanos e/ou laguna Encantada, ambas lagoas glaciares. Cruzei o Arroyo Grande logo atrás das instalações da turbera (10 minutos ou menos da porteira) e segui para a laguna.

 

Não há ponte sobre o Arroyo Grande, mas a travessia é fácil com a água abaixo do meio da canela. Cautela com as pedras do rio que são um pouco escorregadias. Saí num pasto. Não vi trilha e resolvi seguir direto para uma floresta de lengas, ao pé de um vale lateral onde estavam as lagunas, achando que dentro da floresta estaria mais seco que naquele pasto encharcado.

 

Eu me enganei. Havia também lama e charco dentro da floresta, mas progredi na direção desejada até que cruzei uma trilha bem batida. Provavelmente o correto seria seguir pela margem direita (verdadeira) do rio que cruzei, até achar a trilha.

 

A trilha rapidamente começou a subir. Antes de uma subida mais acentuada escondi a mochila atrás de uma árvore e levei apenas o tampo da mochila que se converte em pochete. E tão prático que hoje em dia não compro mais mochila que não tenha esta facilidade. Não iria precisar da mochila lá em cima, já que voltaria pelo mesmo caminho.

 

Comecei a subida e depois de 20 a 30 minutos, uma bifurcação. Placas indicavam o sentido da laguna Encantada (direita) e dos Témpanos (esquerda). Optei pelos Témpanos, mais elevada, por causa do glaciar, algo que nós brasileiros não temos.

 

Com vinte minutos morro acima encontrei um casal e perguntei pelo tempo que faltava. Informaram 40 minutos – 1hora. Ela, simpática, disse que o pior já teria passado. Devia ser só para me incentivar, porque achei logo adiante um trecho mais íngreme, com árvores caídas. Entretanto os guarda-parques estiveram lá com serras e cortaram os troncos sobre a trilha. À medida que subia a floresta ficava mais bonita. Mais no alto, as mesmas lengas, antes altas e eretas no fundo do vale, eram agora baixas e tortas, efeito da altitude e dos ventos, mas elas são mais bonitas assim.

 

Subi pela trilha fraldeando a beirada de um vale, que conduzia o rio que saia da laguna de los Témpanos, até que cheguei na beirada de um platô. Imaginei que havia chegado na laguna, mas o platô era preenchido por um brejo e uma represa de castores mais à esquerda. A laguna ficava mais acima. Havia dois ou mais grupos descendo da laguna. Subi e cheguei na laguna ultrapassando um casal de argentinos com um guia. Levei duas horas desde o início da caminhada na porteira verde.

 

Laguna cor cinza-cimento. Ao fundo um glaciar, não muito grande, talvez sofrendo o efeito do aquecimento global. Havia algumas cercas de pedra para proteção de barracas. Segundo o guia eram para os andinistas que subiam o Cordón Vinciguerra, especialmente aqueles que tentariam as torres do Rio Chico, do outro lado. Ali ventava bastante. Todo glaciar é uma usina de ventos.

 

Lanchei, tirei fotos e conversei um pouco com o guia e o casal de argentinos, de BsAs. O guia – Alejandro - disse que pretendia tirar férias na praia, no Brasil. Recomendei minha terra, a Bahia, especialmente o baixo sul da Bahia, onde estão as melhores praias. Disse-lhes que por isso gostava tanto da Patagônia: o perfeito contraste com a Bahia! Belezas em extremos opostos.

 

O guia informou que em 4 horas e meia estaria na Laguna de los Caminantes, meu destino planejado para aquele dia. Bom, considerando que escurece 21 horas e comecei a descer da laguna as 13:30. Chegaria lá aproximadamente 18 horas.

 

Desci, peguei a mochila. Cheguei no chão do vale 14:40. Em vez de voltar à turbera, que seria perda de tempo, decidi cruzar o rio tomando uma direção diagonal para dentro do vale, atravessando o turbal. Não havia trilha, mas a lógica deveria funcionar. Após cruzar o turbal subi a encosta oposta e, de baixo, vi um platozinho mais acima que parecia ser uma estrada, o que se confirmou. Tinha a largura de estrada, mas parecia que há muito tempo não passava carro devido a sua má conservação. Como trilha era excelente.

 

Depois de quarenta minutos cheguei na entrada do Parque Nacional Tierra del Fuego, indicado por uma placa num bonito gramado. Atravessei um trecho de bosque e saí noutra bonita clareira gramada, bem maior, cercada de floresta. Duas tendas com uma dupla de chineses ou coreanos. Um deles preparava uma refeição no fogareiro. Acenei e segui em frente, pois não tinha tempo a perder.

 

Saí da floresta numa castorera. Como estava seca deu para andar nela por um trecho. Quando cheguei num alagado o jeito foi subir um barranco, subida difícil, mas havia indícios de passagem de gente. Segui bem por uns 10 a 15 minutos pela borda deste barranco tendo a represa lá embaixo à direita. Terminava numa descida íngreme, com uma trilha meio apagada. Estranhei. Afinal este trekking não era popular (batido)? Continuei seguindo pela margem direita (verdadeira) de um rio que acreditei que descia do cañadon Negro, um vale lateral ao Vale Andorra.

 

A trilha terminou nas margens do rio. Vi na encosta de uma crista que seguia paralela do outro lado do rio, uma trilha subindo. Lá vou eu, tirar botas e cruzar o rio. Não me recordava do guia LP falar disto... A trilha subiu e encontrou uma trilha bem maior e batida. Imaginei que na verdade aquela era a trilha. Por engano, segui erradamente pela encosta lá na castorera. Segui por cima da crista até que ela acabou e desceu suavemente. Acontece que ali também a trilha desaparecia. Tentei reencontrá-la. Foi um tal de vara mato, com o risco de me perder (a gente só se perde quando não sabe mais o caminho de volta!). Finalmente os neurônios saíram do recesso. Devia estar errado já algum tempo. Não fiz o básico: na dúvida volte ao ponto que sabemos, com certeza, que faz parte da trilha. Este ponto era a entrada do parque nacional!

 

Voltei tudo de novo, desta vez pela crista. Ao ler o mapa, confrontando-o com o relevo ao redor, notei que na verdade cruzei o rio do cañadon Negro logo na entrada do parque (ele se subdivide numa série de córregos). O rio que atravessei depois era já o Arroyo Grande, que na verdade jamais deveria cruzar. Acabei indo para o outro lado do vale. A floresta que havia percorrido impediu uma melhor visão da topografia.

 

Cheguei ao gramado onde estavam as tendas dos chineses. Atrás dela havia uma placa e estacas amarelas que indicavam a trilha correta. Uma boa ponte de madeira cruzava o rio do cañadon Negro e a trilha subia por uma crista. Por falta de atenção perdi cerca de 2 horas! Na pressa e evitando olhar para o lado das tendas, para os chineses não pensarem que era curioso, perdi a trilha desde o início.

 

Uma distração, mesmo numa trilha fácil, leva a perda de tempo. Pelo menos conheci um lado mais selvagem do vale Andorra. E as pegadas na trilha errada, que avistei? Provavelmente gente que cometeu o mesmo erro, ou caçadores/pescadores. A trilha tão batida em cima da crista provavelmente foi gado que fez.

 

Como já era 17:30 resolvi acampar ali, pois, caso contrário, chegaria muito tarde, perto do escuro, na Laguna de los Caminantes.

 

Acampei no gramado justo na entrada do parque para preservar a privacidade dos chineses (a minha também), no outro gramado. Montei a barraca num avarandado formado pelos galhos de um bosque de lengas pequenas. Armei a barraca. Começou a chuviscar um pouco. Finalmente fiz uns sanduíches e esquentei uma sopa. Tomei um banho de panela no riacho. Local bonito. Deveria ter acampado ali quando passei da 1ª vez, afinal 3 dias é muito para apenas 32 km (mais 10 km considerando o side trip para a laguna los Témpanos).

 

Outro dia ensolarado, com exceção da pequena chuvinha ao anoitecer. Dormi antes do escurecer.

 

 

28/02/2011 – ENTRADA DO P.N. TIERRA DEL FUEGO – LAGUNA DEL CAMINANTE

 

Saí 10 horas para retomar a trilha. Noite sem chuva, o dia amanheceu bonito. Será que estava de fato na Patagônia?

 

Pouco antes os dois chineses passaram por mim em direção oposta, mal cumprimentando.

 

A trilha é batida, fácil. Estacas amarelas indicam mudança de direção (cruze de rio, direção a seguir numa bifurcação) ou por onde seguir quando não há trilha visível (num brejo, por exemplo). Eles são mais econômicos que os chilenos na colocação de estacas sinalizadoras, mas estava de bom tamanho.

 

Cruzei e recruzei o rio do cañadon Negro e segui pela floresta. Cerca de uma hora depois a trilha passava não distante do Arroyo Grande, a minha direita. Uma hora e pouco mais tarde cruzei duas vezes o Arroyo do Caminante, tributário do Arroyo Grande, a primeira delas através de um tronco com corrimão de arame.

 

Pouco depois, a trilha de repente é interrompida por uma confusão de troncos e galhos caídos. Um barranco as margens do rio deslizou. Duvidei que alguém pudesse passar a ali. Depois de algum quebra-cabeça, cruzei o rio e vi a trilha continuando em zig-zag, subindo, após o ponto de deslizamento. Provavelmente um deslizamento de terra recente. Os guardas-parque não tiveram tempo ainda de atuar com moto-serras. Por melhor que sejam as trilhas aqui sempre pode haver uma surpresa. Haveria ainda outras...

 

A subida era íngreme, serpenteando pela encosta. Uma placa de metal em uma árvore confirmava o caminho. Ali já estava ganhando altitude para subir ao Paso de las Ovejas. Neste ponto a trilha muda da direção geral Oeste para Sudoeste, fazendo uma curva subindo para o Passo. O Arroyo del Caminante (descia da laguna onde iria acampar) seguia num canyon a minha esquerda. Parei várias vêzes para descansar e tirar fotos. Aquele rio dentro do canyon era extremamente fotogênico! A floresta de lengas contribuía para a beleza. Mais subida e finalmente cheguei numa placa apontando para Paso de las Ovejas (esquerda, continuando) e laguna del Caminante (direita, também subindo).

 

Virei para a direita e passei pelo mais bonito cenário de toda a viagem, um dos cartões postais de Ushuaia, usada nos folders e cartazes das agências de trekking da cidade. Subi pela encosta de um prado gramado, com flores. Lá embaixo, à direita, um dos dois riachos que saem da laguna e, na margem oposta, uma floresta de lengas. No horizonte ao norte o cordón Vinciguerra, com a montanha de mesmo nome se destacando, com um baita glaciar suspenso na sua parte mais alta. À esquerda da trilha um paredão rochoso subia. Valia uma parada para admirar e sacar muitas fotos. A partir do topo a trilha segue mais um pouco descendo até chegar a uma placa com a indicação da bela laguna, lá embaixo, a direita. Realmente, como diz o LP, imperdível este side trip.

 

Descida íngreme e enlameada para a laguna. À esquerda, a cascata que alimenta a lagoa. Entrei num pequeno bosque de lengas baixas e retorcidas onde todo mundo acampa. Algum lixo espalhado aqui e acolá. Percorri o arvoredo procurando o melhor ponto para armar a tenda. Às vezes escolhia um lugar para apenas, imediatamente, perceber que era um cagódromo, e sair dali.

 

Finalmente escolhi o local e armei a barraca com especial cuidado, pois estava bem perto da linha das árvores e não queria ter mais surpresa, na última noite de acampamento. Catei também um pouco de lixo dos outros, para ajudar na conservação do local. Cuidado para pegar a água para alimentação bem junto à cascata e não na laguna!

 

Como tinha tempo sobrando subi para a laguna Superior, localizada um pouco mais acima. Caminho fácil, 20 minutos mais, cerca de 1 km adiante. Local também bonito, não tanto como a Caminante. Ali já era acima da linha de árvores. Apenas gramíneas sobreviviam. Provavelmente bem exposta aos ventos.

 

Voltei e tomei um banho na laguna del Caminante. Cheguei a ensaiar um nado. Mas ali tinha que ser vapt-vupt, água gelada.

 

Fiz a janta, misturando purê de batatas desidratado da Yoki com uma farofa liofilizada da Liofoods. Esta farofa foi presente que ganhei no meio da noite de um casal de corredores de aventura no topo da Pedra da Mina, MG/SP, setembro passado. Eles estavam fazendo apenas uma pequena pausa porque iam continuar correndo noite adentro. Acho que estavam treinando para uma Ecomotion.

 

Gostei da mistura de farofa com purê. Além disto comi um peito de peru fatiado, também da Liofoods. Ou a refeição estava realmente boa ou a fome era grande!

 

Procurei dormir cedo, pois o tempo estava com cara de querer virar (volta e meia fica com esta cara). Apesar dos dias longos é sempre aconselhável acordar e partir cedo para a caminhada.

 

Por volta de 22 horas fui acordado por um barulho de saco plástico remexido. Imaginei que era o saco de lixo, que sempre penduro num galho fora da tenda, para os bichos não alcançarem. Porém desta vez pendurei baixo. Botei a lanterna de cabeça, abri a tenda e me ergui só o suficiente para olhar na direção onde coloquei o saco, atrás da tenda.

 

Avistei o saco rasgado, com o lixo espalhado no chão. Um rato devia ter alcançado o lixo. Puto, eu voltei para a tenda, me sentei e calcei meu tênis no vestíbulo, para arrumar a bagunça. Ao me levantar novamente minha lanterna iluminou, junto ao lixo, dois olhos brilhantes (olhos de bicho sempre brilham no foco da lanterna). Atrás destes olhos um zorro gris (raposa cinza) me mirava. Ela havia se erguido sobre duas patas e rasgado o saco. Gritei XÔ! PASA! FUERA! (afinal ela era argentina, não ia entender português).

 

Ela rapidamente deu meia-volta e saiu. Comecei a catar o lixo e enrolei-o como pude nos restos da sacola. Ao voltar para a barraca, vi a raposa rondando o acampamento. Para assustá-la de vez sai correndo atrás dela. Tropecei e quase fui ao chão. Imaginei: se a lanterna de cabeça caísse e quebrasse como voltaria para a barraca na noite sem lua, no meio daquela confusão de raízes e troncos. Sosseguei e voltei. Ao longe ainda vi a raposa olhando para mim. Provavelmente dando risada.

 

Decidi botar o lixo fechado num saco estanque dentro da barraca. Demorei para adormecer. Matutei: o que bateu na barraca na 1ª noite, na laguna Esmeralda, com certeza foi uma outra raposa. Nestes lugares de acampamento elas rondam de noite para vasculhar o lixo deixado. Há também os campistas que dão comida. Basta lembrar dos lobos guará no Convento do Caraça/MG.

 

Depois lamentei que, ao me levantar, não me lembrei de sair da barraca com a máquina fotográfica ligada, com flash. Iria postar aqui uma bela foto de uma raposa assustada! Fica para a próxima.

 

 

1º /03/2011 – LAGUNA DEL CAMINANTE – CAÑADON DE LA OVEJA – USHUAIA.

 

Choveu e ventou um pouco, durante a noite. Acordei antes das sete. Céu nublado. Saí sem tomar café, sem acender o fogareiro. Comi uma barra de chocolate. Arrumei as coisas na mochila ainda dentro da barraca. Saí da barraca e desmontei-a, colocando-a na bolsa canguru da minha Bora 80. Não costumo fazer assim, mas era um treino para uma ocasião em que necessitasse realmente desmontar por último a barraca (chovendo, por exemplo). Saí as 07:30.

 

Subi o barranco lamacento e desci pelo bonito prado. Tirei fotos do Vinciguerra ainda sem o sol bater nele. Ao chegar na placa rumei para o passo. Trilha não tão batida porque o chão era de pedras. Mas pircas indicavam o caminho (óbvio) a seguir. O vale faz uma curva em S antes do passo. Antes das 9 horas o transpus. Uma pirca marca o ponto, no meio de um platô rochoso e sem vegetação.

 

A descida através do scree vai até um ponto onde, a partir daí, devemos manter altura, fraldeando a encosta Leste do cañadon, deixando o fundo do vale 100 metros encosta abaixo, à direita. As estacas amarelas continuavam.

 

E possível ver a trilha seguindo ao longe, ao longo da encosta, até quase o final do canyon. Possivelmente para evitar área alagada de castores e mallíns no vale abaixo. Entretanto, se o tempo estiver ruim, é aconselhável ir pelo fundo do vale, mais abrigado.

 

Volta e meia uma rajada de vento, vinda por trás, obrigava-me a parar e flexionar os joelhos e me apoiar nos bastões, para não perder o equilíbrio. Descer rolando aquele scree deve ser algo semelhante a ser colocado dentro de um tambor-ralador girando. Subi o vale sem o agasalho de Goretex (ele fica muito quente), só com um agasalho de fleece. Mas agora já era mais que tempo para usá-lo. Queria um local abrigado do vento para tirar a mochila e vesti-lo, mas cadê? O terreno era bem exposto, sem proteção.

 

Até que finalmente vi umas pedras mais altas junto a um córrego que descia (único ponto para coletar água nesta encosta. Depois demora bem para surgir outro). Perto destas pedras uma placa informando o limite do P.N. Tierra del Fuego.

 

Atrás do rochedo maior alguém colocou uma laje de pedra fazendo um banco providencial!! Que delícia ficar ali parado ao abrigo do vento. Comi umas barras de cereal, biscoito doce e um doce de goiaba, o que melhorou meu humor. Como precisava daquilo.

 

Vesti o agasalho e tirei fotos do cañadon. Na boca via-se o morro Suzana e o canal de Beagle.

 

Ao final da trilha paralela a encosta uma descida pelo scree, em zig-zag, até a linha de árvores quase no fundo do vale. Perdi a paciência de fazer zig-zag e no último trecho desci direto.

 

Cheguei nos arbustos às 11 horas. Bebi o resto da água, comi mais um pouco. Ali começava a etapa final do trekking, passar pela floresta antes de chegar a uns pastos já perto da estrada para Ushuaia. A trilha começou bem, porém com 15 minutos começaram as árvores caídas (o guia Alejandro, na laguna Témpanos, me alertara quanto a isto). Muitas árvores caíram recentemente. Parece que pai e filho se perderam neste trecho faz pouco tempo. Vários deslizes de terra carregaram trechos inteiros de bosque. Um emanharado de árvores e lama ficou no lugar, obstruindo a trilha. Os guarda-parques botaram spray em árvores e fitas plásticas para indicarem o melhor caminho.

 

Toda hora uma grande árvore caída bloqueava o caminho, obrigando a subir o barranco até contornar a raiz desta árvore e descer novamente. Às vezes tinha de passar por baixo, quase rastejando. Parecia um campo de obstáculos de treinamento de forças armadas. Pela dificuldade este campo seria de um batalhão de fuzileiros navais ou de PQD.

 

Quando terminava um, respirava aliviado. Mas pouco depois começava outro. Não havia água e não repus água no cantil no ponto onde parei, na encosta. Tirei o agasalho. Na floresta fazia calor agora, com o esforço físico e abrigado do vento.

 

Vi que naquele trecho de encosta a camada de terra era muito pequena. Pouco abaixo da superfície havia uma camada de rochas. Assim aquelas lengas altas não tinham como fixar raízes profundas no solo. Ficavam muito vulneráveis a uma forte chuva ou forte vento. Provavelmente os dois juntos fizeram descer trechos inteiros da encosta.

 

Depois de cinco ou mais trechos assim, eu cheguei num ponto onde a trilha tinha até troncos enfileirados para a passagem de pessoas em trechos alagados. A partir daí uma descida suave sem sobressaltos até uma área de pastos, desimpedida, chegado a uma porteira negra (tranquera negra) que marca o fim do trekking.

 

De lá se avista a estrada de rípio (continuação da Ruta Nacional 3) que liga Ushuaia até o setor Lapataia do Parque Nacional, onde está a estação do trenzinho do fim-do-mundo, para Oeste.

 

Desci por uma estrada até um portão fechado. Do outro lado cães latiram a minha aproximação e estavam soltos. Um cão apenas pode até fugir, mas juntos eles são valentes que só...Decidi virar para a direita para tentar cruzar a cerca mais abaixo. Saí num ponto antes do autódromo de Ushuaia. Andei ainda meia hora antes de chegar num ponto de ônibus justo antes de um ônibus chegar. Subi e sentei aliviado. Passagem 2,20 pesos. Que bom evitar mais uma hora de caminhada pelo asfalto.

 

O ônibus fez ainda muito zig-zag, subindo e descendo as encostas da montanha, passando pelas zonas pobres de Ushuaia. É uma pobreza digna, mais ainda sim pobreza. Ushuaia tem muitos problemas sociais, mas vamos deixar isto para outro tópico.

 

Terminei assim Paso de las Ovejas. Nos dois trekkings, Laguna Esmeralda-Sierra Valdivieso e Paso de las Ovejas fiz cerca de 110 km, considerando os side trips (planejados ou não!). Entre os 31 trekkings relacionados no Lonely Planet Trekking in the Patagonian Andes (3ª edição) a Sierra de Valdivieso é um dos três que tem a classificação Demanding (a Travessia do Villarica e a subida do Vulcão Lanin são os outros dois). Todos os demais são considerados pelos autores como mais fáceis, inclusive os Dientes de Navarino, para meu espanto classificado como Moderate-Demanding. No próximo ano terei a oportunidade de comparar Sierra Valdivieso com Dientes de Navarino, ojalá!

 

Posto fotos em seguida.

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  • Membros de Honra

Peter,

 

Excelente relato!

Você foi abençoado com tantos dias de sol na Patagônia!

Na verdade, foi pensamento positivo. Torcia para que desse tudo certo, já que não pude acompanhá-lo.

 

Minha Salomon foi aposentada num lugar especial para uma bota de trekking: Ushuaia.

Lugar muito mais do que especial para aposentar a bota!

 

Queria ter visto a cena em que correu atrás da raposa e quase foi ao chão quando tropeçou! Imagino a raposa ao longe olhando para você e rindo da situação ::lol4::

 

Como se comportou o tênis? Ouço muitos falarem a respeito da utilização de tênis em trekkings, principalmente em fóruns gringos. Particularmente, prefiro a bota pois como você está com peso, a proteção contra torções ou algo parecido é maior.

 

Abraço

Edver

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  • Membros de Honra

Edver: Foi tranquilo o uso do tênis.

 

Há muita gente boa, com muita experiência de trekking, que prefere tênis. Mas não qualquer um. O tênis tem que ter um chassis, um solado que não permita torção. Dizem que a bota em si não evita a torção, mas o tipo de solado sim. Não adianta ter um cano alto para evitar a torção. Se o solado não torcer, seu pé não torce. O cano alto não consegue evitar a torção.

 

Segundo eles, bota seria apenas para local com lama e, principalmente, neve. O peso da mochila não seria um fator a levar em conta.

 

Muito alpinista vai até o acampamento-base de tênis. Só calça as botas quando começa a escalar.

 

Antes de sair em Ushuaia comprei ainda uma Salomon 3D fastpack, pensando em Dientes pois a minha bota aposentada era a única de Goretex que tinha. Aliás, tenho outra da Salomon, pesadíssima, para uso com crampons. Não queria comprar outra no Brasil, bem mais cara. Esta bota, 3D fastpack é levíssima, e segue uma tendência entre os trekkers. O peso que mais cansa na trilha é o das botas. Gostei muito dela. Numa trilha que fiz na véspera de voltar de USH para BsAs, a senda costera do canal de Beagle, cerca de 4 horas, achei ela formidável. É uma bota de cano curto que alia o melhor dos trail runners com o melhor da bota. O ajuste é excelente no pé. O quesito resistência só saberei com o tempo.

 

Abs, peter

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  • Membros de Honra

Fotos do trekking Paso de las Ovejas.

 

Lagunas los Témpanos com seu glaciar.

 

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Começando a descer da laguna.

 

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Descida bordeando o vale que conduz o rio de desague da laguna até o vale Andorra. Ao fundo os montes Martial. Atrás deles fica Ushuaia.

 

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O bonito bosque de lengas perto do platô antes da laguna.

 

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Já no 2º dia, travessia do rio que desce da laguna del Caminante, ainda no vale Andorra. Pouco depois a trilha começa a subir.

 

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O lindo canyon por onde desce o desague da laguna del Caminante.

 

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Subindo pela encosta rumo a laguna. Prado lindíssimo.

 

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Mesmo local, de outro angulo.

 

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No topo do aclive, logo antes da descida para a laguna. É o cartão postal das agências de trekking de Ushuaia. Pena que o fotógrafo não fez jus ao local. Errei no foco.

 

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Laguna del Caminante. Imperdível.

 

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Outra foto, desta vez com o Vinciguerra se destacando ao fundo, à direita.

 

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Cascata que desce da laguna Superior para a Laguna del Caminante.

 

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Laguna Superior, acima da linha das árvores.

 

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Tenda armada no bosque ao lado do lago. A raposa rasgou o saco de lixo.

 

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3º dia. Infelizmente na noite anterior fui ver as fotos gravadas na máquina e sem querer mexi no modo de fotos, mudando-o para multi-burst na minha Sony Cybershot. Olha aí o resultado. Não soube converter para o modo normal (acho que não é possivel).

 

Por isso postarei apenas 2 fotos do último dia.

 

Paso de las Ovejas.

 

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Vista geral do Cañadon de las Ovejas.

 

20110317135010.JPG

 

Fico devendo-lhes fotos melhores do 3º dia.

 

Lindo trekking, fácil, para se fazer numa visita a Ushuaia.

 

Abraços, peter

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  • Membros de Honra

Peter,

 

Excelentes fotos, especialmente a da Laguna del Caminante!

Confesso que achei o Paso de las Ovejas mais interessante dos outros trekkings que fizeste.

 

Achei estranho você não ter conseguido passar as fotos normalmente para o computador, pois a função multi-burst é uma facilidade existente em algumas câmeras digitais que permite que se tire várias fotos em sequência, com um só apertar de botão. Após a tomada das fotos, você escolhe a que mais lhe agradou. Se consultar o manual de sua câmera, verá como utilizar melhor este recurso. Mas é possível sim, passar as fotos para o modo "normal". Coloque o modelo de sua cybershot que tentarei te auxiliar.

 

Abraço

Edver

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  • Membros de Honra

Valeu Edver!!!

 

Achei também o Paso de las Ovejas mais bonito, mais cênico.

 

Minha Sony é a Cyber-shot DSC-200. Não sei onde está o manual dela e no menu ainda não encontrei o modo de selecionar uma das fotos. Se vc der uma luz para este ignorante, agradeço!

 

Abs, peter

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  • 1 mês depois...
  • 10 meses depois...
  • Membros de Honra

Pessoal:

 

Um alerta.

 

A trilha através do Paso de las Ovejas a princípio é fácil. Mas na Patagônia tudo é relativo e depende principalmente do tempo.

 

Encontrei Iean (escocês) e Hélène (francesa) em El Bolsón, Argentina, agora em março, na subida para Hielo Azul. Me contaram que, como eu, fizeram Sierra de Valdivieso e Paso de las Ovejas em Ushuaia. Mas no dia de cruzar este paso, ventava muito forte e eles desistiram. Uma alemã insistiu e continuou sozinha. Resultado: o vento a derrubou e ela teve que ser evacuada no lombo de um cavalo, com o rosto muito machucado.

 

Este casal tentou novamente no dia seguinte, com sucesso, pois o vento tinha amainado.

 

Na Patagônia vale planejar um trekking com um ou dois dias de folga (e com comida para estes dias a mais). Isto porque não vale a pena arriscar caminhar num dia de fortes ventos e tempestade acima da linha das árvores. Antes de ir para a Patagônia eu não sabia o que era vento forte.

 

Abraços, peter

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