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Porto Velho, RO (FERROVIA MADEIRA MAMORÉ ABANDONADA) Twister 07


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Esta é minha primeira postagem enquanto Relato e tenho duas notas adicionais / explicativas:

1º Não sei se este estilo é compatível à proposta do site, mas segue; (meio On the Road, Jack Kerouac);

2º Toda viagem carrega uma poesia, um sentido oculto nas coisas que vemos; assim, tudo que fazemos nas viagens tornam-se atemporais; este relato é de 2007 e não sei se os locais citados ainda estão na superfície; com a construção da usina de Santo Antônio, tudo desapareceria; espero que ainda esteja lá;

o Relato de Viagem, confesso ser um gênero não definível e fácil de articular, mas procurarei narrar com fidelidade de memória emotiva, que sempre me leva onde quero. Inspiro-me na grande obra de Jack Kerouac, On the Road. Esta viagem surgiu motivada pela vontade de aprofundar meus conhecimentos acerca da ferrovia Madeira Mamoré. No início de 2007 estive na Capital e pude contemplar a grandiosidade histórica da ferrovia. Vim de lá com a ideia fixa de escrever sobre a Madeira Mamoré. Imbuído por este propósito, li duas obras durante o semestre: “Mad Maria” de Márcio Souza e “A ferrovia do diabo” de Manuel Ferreira. As fotos de Dana Merryl marcaram-me, construído um imaginário acerca desta magistral história de abandono e ocultação dos registros materiais. A viagem estava mais do que propositada e planejada. Ir de moto dá a dupla sensação que procurava: a aventura e o sabor da estrada. A estrada se confunde com a mente. Hipnotizado pelas sensações da velocidade e do caminho se desdobrando pela frente, a mente flui e vaga por sobre as paisagens. A capacidade de transcender os espaços faz com que moto e homem unam-se em prol da chegada. Homem e máquina juntos, um dependendo do outro. Esta sensação de dependência do corpo para com a moto torna a proximidade com o elemento material mais afetiva. Mais tênue e delicada. Ela e você não podem falhar. Esta cumplicidade amorosa cria apego à máquina.

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O dia anterior chegado é mais importante que o dia verdadeiro. A sensação e ânsia criam a perfeição que a própria viagem não fornece. Moto lavada, minuciosamente. Parte do meu ritual de lavar o veículo, eu mesmo, antes de qualquer viagem. Lavando seus componentes, peça a peça, tocando nas partes móveis e frias, consigo entendê-la. Percebo seu temperamento e pressentir problemas. Sinto-me seguro ao fazê-lo. Lubrificada e limpa está tudo pronto. O acidente com o avião da TAM no pouso no aeroporto de Guarulhos provocou-me medo. Na noite anterior, uma sensação de ausência do domínio das variáveis me assolou. O trecho entre Cacoal e Médice é mal recapado, e a twister vibra muito. Mas com a suspensão dianteira mais baixa e a moto pesada, com acompanhante, deu mais estabilidade ao veículo. Na saída o frio, e para isso luvas. As luvas dificultam a dirigibilidade, pois engrossam a pegada da mão na luva do acelerador. Mas em pouco tempo acostumei. Percorremos o trecho de Cacoal a Presidente Médice muito rápido. Continuamos até Ji-Paraná, com quase 100 km percorridos, um bom trecho para descansar. Paramos em um posto de Gasolina alguns minutos para abastecer. Demos sequência à viagem já com parada para o café da manhã tradicional em Ouro Preto, mais 25 km de percurso. A moto andou muito bem. Andando em média de 120 e 125, com picos de 130. A sexta marcha ajuda muito, pois é possível descer em over drive em subir reduzindo para quinta, aumentado o torque a mantendo a velocidade. A twister perde um pouco na subida, talvez pelo motor mais acentuado em altos giros, em função das válvulas (duplo comando). A próxima parada foi em Ariquemes. Andamos muito, pois a distância é de 140 km da última parada. Trecho um pouco cansativo, paramos para beber um suco e lubrificar a corrente. A moto sempre anda em alto giro, o que torna um pouco tensa a pilotagem. A velocidade de cruzeiro é baixa para esta distância. Em média 110, o que é insuficiente para percorrer trechos mais longos e de rodovias abertas. Saindo de Jaru curvas maravilhosas, delícias de serem feitas com mais ousadia. O trecho entre Ariquemes e Porto Velho é longo. Quase 180 km. Foi preciso parar no meio do caminho para descansar. A chuva estava ao largo, amendrotadora. Era possível ver sua negritude e sua umidade. Mas não nos alcançou. A chegada em Porto Velho foi marcada por uma sensação maravilhosa. Percorridos 486 km, das 7:00 da manhã até às 12:30. Uma viagem perfeita. A primeira viagem de moto das muitas que pretendo relatar aqui. Nada é melhor, na moto, que recompor o que é realmente o conceito de viagem; o que está intrínseco a ela; o movimento que permite ver a paisagem ao largo; a estrada acontecendo, tangível; as paradas rápidas para os cafés, sucos ou coca-colas; gente nestes locais, diferentes, falas diferentes, coisas acontecendo; viagem a moda antiga, sentindo os trechos, acompanhando o ir, o fluxo, sentindo o deslocamento; os tempos modernos não mais permitem esta sensação; das antigas tropas, que andavam dias e dias para atravessar trechos curtos, cavaleiros, carros menores, motocicletas cruzando rincões; o mundo era muito maior e o tempo inexistia; a vida era mais insinuante e as coisas e sensações mais importantes de se sentir; tudo se torna mais relevante, mais digno de viver; hoje, aviões cruzam em segundos espaços inteiros de beleza, sugando deles a existência, anulando qualquer forma de beleza que ainda ostentam.

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O objetivo da viagem era conhecer as locomotivas abandonadas e o cemitério da candelária. Ainda é possível contar aquelas máquinas abandonadas, solitárias, embrenhadas no mato. Absurdamente, mais de 10 locomotivas raríssimas jogadas à margem da estrada, próximas do rio Madeira.

Guiados pelos dormentes adormecidos, nos precipitamos rumo àquela estrada ladeada por mata e mato, região antiga de Porto Velho. Delas exalam memórias de tempos colossais, formadores da identidade regional, ora perdida. O marco inicial, a igrejinha de Santo Antônio, às margens das cachoeiras do Teotônio, estava coberta das folhas outonais dos ipês amarelos, construindo uma visão onírica e histórica. No alto do monte, aquela construção quadrada em sem adornos representava-se imponente à margem do rio.

 

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As pedras que constituem as cachoeiras, rijas, expressam a superioridade da natureza sobre o homem. Naquele ambiente de história, rejeição, perda, as macumbas soavam antigas e marcos étnicos de uma Porto Velho que vive submersa na sua própria história. Submergimos e incursionamos para mais fundo daquela antiga rota da estrada de ferro Madeira Mamoré e ficamos surpresos fronte aos antigos muros do velho casarão, que pareciam frondosos portais da cultura gótica inglesa e rock dos anos 80; parecia perigoso e solitário, mas excitante a descoberta do passado, descortinando-se em nossa frente.

 

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Seguindo o caminho profundo, os trilhos abalroam mais uma locomotiva tombada, como se acabara de escapar dos trilhos e iniciar seu sono de morte; marcas pequenas da presença internacional, como as insígnias ainda vivas das empresas americanas das placas de sinalização, ou nos dormentes e ferros retorcidos. Imponente, demos de cara com o antigo casarão amarelo, sobrado da época áurea da borracha, que possivelmente será submerso pelo rio em função da hidrelétrica. Construído à margem do leito do rio, na parte de dentro do monte que não permite visualiza-lo pela parte da igrejinha. Escondido, ladeando o rio de pedras na seca, ele aparecia imponente. Uma miragem.

Aquele museu / cemitério abandonado que conteplávamos, mais do que objetos amorfos e históricos, ainda lembravam os tempos de outrora com mais fidelidade se estivessem em um museu coberto; a sensação que temos é de estarmos mais verossímeis na própria história, aprofundados nela e ainda a vivendo, pois tudo ainda está no seu devido lugar, no lugar original do abandono, selando o futuro incerto e mostrando o passado tal qual era. E isto é assombroso para quem se precipita a conhecer, dando uma sensação de vacuidade pela fragilidade daquilo tudo, como se no futuro aquilo desaperecesse e perdêssemos para sempre da realidade, ficando apenas na lembrança. Tocar naqueles objetos adormecidos pelo tempo e ocultos pelo mato, naquele silêncio dos matagais, distante de tudo, ainda é possível sentir as energias colossais empregadas para romper os limites da natureza.

 

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Como que ocultado propositalmente, contemplar aquilo nos dá uma sensação de proibido, de oculto, como se pudéssemos descobrir um segredo, descortinar um erro do passado que agora se apresenta em cicatrizes por sobre o solo rondoniense. Esta Porto Velho ficará perdida pelo desenvolvimento; ficará oculta a todos que não puderam contemplar a força do homem e sua história avassaladora.

O retorno foi tranquilo. Saímos às 7:00 e paramos em uma composição artística moderna feita de ferro e solda representando um índio, na entrada de Porto Velho.

 

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Um pouco mais cansativo que a ida, a moto rendeu bem. Com o propósito de almoçar em Presidente Médice, na casa de um grande amigo, o cansaço pegou em Ji-Paraná, faltando 30 km. A esposa pegou a direção e pilotou até este destino. Na chegada em Cacoal, batemos o pó da viagem e dormimos sonhando com tudo o que tínhamos visto. Preparando a próxima.

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Saulo e Maria Emília; valeu pelo interesse e que bom que gostaram; a próxima etapa é o forte príncipe da beira; espero postar ainda este final de semana; a viagem aconteceu em 2009; mas pode ser um guia interessante; abraços a todos

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  • 4 semanas depois...

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