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Voltar à serra da Bocaina depois de mais de uma década era uma pendência antiga, mas não era o plano A para o último feriado de Corpus Christi. O destino acabou sendo decidido pela exclusão de inúmeras outras ideias frustradas, a grande maioria delas pelo lamentável descaso no atendimento e falta de informações relacionados a diversos parques de conservação do estado de São Paulo. É difícil entender as tentativas de incentivo ao ecoturismo quando vários dos nossos atrativos requerem do visitante a posse de um carro próprio (que paradoxo, não?) dada a inexistência de transporte público que ofereça acesso.

 

Enfim...

 

Dentre os variados pontos de visitação da serra da Bocaina, surgiu a possibilidade de realizar a trilha do Ouro, famosa por ter servido como "descaminho" durante o Brasil colonial. Em outras palavras, um atalho ilegal utilizado por aqueles que pretendiam fugir do pagamento dos impostos estabelecidos pela coroa portuguesa. O passeio se estende por três dias e compreende os municípios de São José do Barreiro, em São Paulo, e Angra dos Reis, no Rio de Janeiro. O acesso ao início da trilha depende de um percurso de mais de 20 km serra acima, portanto fica-se refém da contratação de um serviço de transporte. Como os valores pesquisados ultrapassavam o limite de sanidade, acabei me inscrevendo num grupo da agência MW Trekking, de São José do Barreiro, que disponibilizou transporte ida e volta, além de dois guias.

 

Ainda assim, não estava tudo resolvido com relação à logística, visto que o extremo leste do estado de São Paulo não é bem servido por companhias de ônibus a partir da capital. Por conta da baixa demanda, São José do Barreiro (que possui menos de 5 mil habitantes) é atendida apenas uma vez por semana pela Pássaro Marron, com saídas aos sábados. As cidades mais próximas com serviço diário são Guaratinguetá/SP e Resende/RJ, com diversas linhas. Para mim, a solução foi percorrer a rodoviária do Tietê em busca de algum trajeto alternativo para uma quarta-feira à noite. Acabei comprando uma passagem com destino a Itatiaia no intuito de descer em Queluz, última cidade paulista às margens da Dutra antes do Rio de Janeiro e que fica a 40 km de São José do Barreiro. O ônibus sairia à meia noite, com previsão de chegada a Queluz por volta das três da manhã. Fui positivamente pego de surpresa pela MW, que me informou que estavam acostumados com a situação e que conheciam um taxista que me buscaria em Queluz no meio da madrugada. Não havia outra opção, então aceitei.

 

Quinta - 30/05

Como em toda boa véspera de feriado, São Paulo não deu a menor trégua para quem estava deixando a cidade. O ônibus atrasou quase uma hora, deixando o nervosismo aflorar por conta de um táxi que me esperava em outra cidade e de um sono absurdo que poderia me trair e fazer perder a descida em Queluz, onde a linha não faz parada. Acabei chegando pouco antes das quatro horas e conheci um paciente Luizinho, que parecia não ter se importado com a espera (que tentei apaziguar com duas ligações). O senhor de uns 70 anos e bom de papo valeu os contratempos da (des)organização da viagem. Com o melhor sotaque do mundo, desandou a contar histórias durante toda a meia hora que demoramos para chegar a São José do Barreiro. O serviço custou R$ 80,00.

 

Tendo dormido apenas uma hora de forma desconfortável no ônibus, cheguei à praça central da cidade a pouco mais de duas horas antes do horário marcado para o início do primeiro dia de caminhada: 07:00. Fiz do coreto gelado a minha cama só pra dizer que descansei. Senti bastante o cansaço durante a trilha, mas nada que tenha estragado os bons momentos vividos.

 

Os 4x4 que levaram o grupo de 14 pessoas até uma pousada no topo da serra fizeram uma viagem de quase três horas, já com belíssimas paisagens para desfrutar. Na chegada, fomos recebidos pela dona da MW (e também esposa do prefeito da cidade), pelos dois guias e por um providencial café da manhã. Conversamos um pouco e já partimos para os primeiros 2 km de caminhada até a entrada do parque nacional. Dali, seriam mais 26 km até a pousada de Dona Palmira, representando o dia mais pesado da trilha.

 

Nunca fui muito fã de andar em grupo, mas não posso fazer qualquer reclamação desta vez. Os integrantes (vindos do Rio, de Minas, do Paraná e de São Paulo) pareciam ter combinado o encontro meses antes, tão fácil foi o relacionamento e dada a compatibilidade de ritmo e condições físicas. Os guias Angelita e Herbert também foram excelentes companheiros, tendo se mostrado essenciais para uma não tão bem sinalizada trilha, além de terem nos entretido com bom humor e com grande conhecimento da região.

O primeiro dia teve como destaques duas cachoeiras (Sto. Izidro e das Posses) e a celebrada chegada à pousada. A caminhada pesou e muitos foram dormir ainda antes das 20:00, depois de um generoso jantar preparado por Palmira, uma anfitriã de mão cheia. O pernoite, não incluso nos serviços oferecidos pela MW, custou R$ 70,00 e ainda teve café da manhã e um revigorante banho de água aquecida por serpentina - as casas do parque não dispõem de energia elétrica. O forno a lenha, os animais, a horta e toda a simplicidade das organizadas instalações do local são inesquecíveis e só há como agradecer a existência de um ambiente assim tão perto de duas capitais. Goiabada, manteiga, doce de leite... Tudo é feito lá mesmo. Sabor inigualável.

 

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Sexta - 31/05

O sono prolongado foi suficiente para recuperar a todos e a saída para o segundo dia, bem mais leve (apenas 10 km), aconteceu às 09:00. Esse foi o dia mais contemplativo e a Bocaina deu um show de cor verde. A trilha beira o impecável, com o fator negativo ficando por conta, claro, da ação do homem. Em diversos pontos há traços de turistas desrespeitosos e nosso grupo foi coletando o que dava para tentar preservar o patrimônio que é de todos.

 

A trilha do Ouro é toda acompanhada pelo rio Mambucaba, além de pequenos cursos de água potável que permitem a constante reposição de líquido. A MW não oferece os lanches de trilha e orienta os participantes do grupo a pensarem em todo o trajeto antes de fazerem as suas mochilas. Ou seja, ainda que seja uma viagem guiada e contratada, o perfil mochileiro não é afetado e as responsabilidades individuais são mantidas, o que achei extremamente positivo.

 

Pinguelas e pontes improvisadas com troncos são corriqueiros no segundo dia, que inclui ainda um divertido passeio de "bondinho" para chegar à segunda pousada do parque. A água é extremamente gelada, tornando o banho uma aventura a mais e muito gostosa. A atração principal do segundo dia é a cachoeira dos Veados, imponente em todos os sentidos.

 

A segunda pousada da viagem também é um retorno a outros tempos, com a vantagem de poder ser aproveitada por toda a tarde. A recepção não foi tão calorosa quanto a de Dona Palmira. Alegaram demora na nossa chegada e não serviram o almoço. Também não esquentaram a serpentina com antecedência suficiente para que todos pudessem aproveitar a água morna. Ainda assim, o jantar estava bem gostoso e os quartos acolheram a todos. O pernoite acabou parecendo um pouco caro em comparação ao que havíamos vivenciado no dia anterior: R$ 80,00. Ainda assim, todos preferiram acreditar que não foi um bom dia dos anfitriões e que aquilo não devesse interferir em nosso humor. Todos confraternizaram ao redor de uma fogueira na companhia de outros grupos de viajantes e aproveitaram um pouco antes de dormir.

 

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Sábado - 01/06

A saída às 06:00 prometia a dureza de acordar cedo, mas é impossível enxergar algo de ruim nisso quando o céu das 05:00 em São José do Barreiro se mostra repleto de estrelas. Os 18 km até Angra dos Reis poderiam ser encarados como difíceis em meio ao constante sobe-e-desce e da quantidade de lama. O primeiro dia, no entanto, faz o caminho parecer apenas prazeroso. E é mesmo.

 

O dia que encerrou a trilha foi o mais selvagem, com diversas surpresas da fauna. Demos sorte que o guia Herbert é biólogo, tendo reconhecido as duas espécies de cobras que foram encontradas, a primeira das quais, uma "papa-rã", pudemos segurar. E a pequena foi solta depois de brincar um pouco por entre os dedos dos curiosos visitantes.

 

A trilha se encerra ao lado do rio Mambucaba e com uma van já aguardando a chegada do grupo para iniciar o trajeto de volta. Há uma parada na fluminense Lídice para comer algo antes de retornar para São José do Barreiro.

 

Encerrada a fase mochileira do feriado, fui jantar com dois integrantes do grupo que permaneceram na cidade. O centro é bem charmoso e colonial e as opções de restaurantes, embora escassas, não deixam a desejar. A praça estava "cheia" devido às festividades religiosas e a noite foi muito gostosa.

 

Fiquei hospedado na pousada Estância Real, localizada na entrada da cidade. Quarto simples com bom café da manhã e um atendimento bem caseiro. Ninguém me obrigou a respeitar qualquer horário para o check-out e pude deixar a minha mochila lá enquanto esperava o horário do meu ônibus para São Paulo no dia seguinte. Preço: R$ 50,00.

 

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Domingo - 02/06

Um dia de ócio apenas para aguardar a saída do ônibus (desta vez, sem surpresas: linha São José do Barreiro-São Paulo pela Pássaro Marron). Uma volta por toda a cidade não leva meia hora, então dei umas sete delas. Tempo suficiente para comer bastante e comprar gostosuras caseiras para trazer para casa.

 

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Considerações:

 

Destino

Foi uma infelicidade muito feliz que tudo tenha dado errado para eu acabar indo a São José do Barreiro. Apesar do acesso complicado, tudo vale a pena. Sou suspeito para falar, porque sou um fã de carteirinha do vale do Paraíba. A região é deslumbrante e precisa constar na lista de todos os mochileiros. Para paulistas, fluminenses e mineiros, o ponto é especialmente estratégico.

 

Época do ano

Não sei como é a visitação ao longo do ano, mas os passeios foram quase que 100% exclusivos para o nosso grupo. Havia outras pessoas no parque, mas só foram avistadas ao longo da trilha. Nas atrações estivemos sempre "sozinhos" e os lugares nas pousadas também estavam garantidos. Choveu um pouco em dois dias e fez bastante frio. Ou seja, só coisas que eu adoro.

 

Hospedagem e alimentação

Totalmente dentro das expectativas e, em certos momentos, até mesmo acima. Não preciso mais comentar nada sobre a Dona Palmira. Em geral, tudo ok.

 

A viagem

Talvez a trilha do Ouro não seja para todos. A MW classifica o passeio como sendo de dificuldade alta e não é difícil entender os motivos. O grupo teve a sorte de contar com integrantes que estavam muito acostumados a trilhas do tipo e por isso não sentiu tanto o peso. Ainda assim, aconteceram pequenas quedas e bolhas nos pés de alguns. Nada de sério. As caminhadas cansam na medida certa. O parque é um prato cheio para quem, como eu, é fissurado em água. Todos os dias reservam locais para nadar. Basta não ter medo do frio. A fauna e a flora também são riquíssimos.

 

A MW Trekking

Aprovei integralmente o serviço, do primeiro atendimento à despedida. A organização do roteiro é muito inteligente, colocando o maior peso no trajeto menos exuberante de forma que se possa aproveitar por completo os dois dias seguintes. O grupo se manteve bem-humorado o tempo todo, o que não deixa de ser mérito também dos guias, ótimos conhecedores do parque. Os três dias (transporte + acompanhamento) ficaram por R$ 356,00, valor que eu consideraria caro num primeiro momento. No entanto, como já trabalhei com viagens e sei os altos custos de fretamento de veículos, o valor é totalmente compatível com os dois longos trajetos realizados com os 4x4 e com a van.

 

Vontade de voltar?

Sim!!! A serra da Bocaina ainda possui outras trilhas, muitas delas para fazer em um fim de semana ou mesmo em um dia. Imagino que eu voltarei ainda este ano.

 

Contatos:

MW Trekking – (12) 9726-7976 ou (12) 9728-1174

Luizinho (táxi) – (12) 9189-2311

Pousada Estância Real - (12) 3117-1201

 

Meu álbum completo pode ser encontrado no meu perfil do Facebook:

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