Membros de Honra DIVANEI Postado Quinta às 18:32 Membros de Honra Postado Quinta às 18:32 (editado) Mais um relato da SÉRIE 30 ANOS DE AVENTURA PEDRA DO RODAMONTE – A LENDA( 2022) Já é final de tarde quando ascendemos a crista final que nos separa de uma lenda da Ilha da Aventura. Eu e o Potenza estamos completamente tomados por um sentimento avassalador, um misto de ansiedade e medo, misturado com encantamento e deslumbramento. Thiaguinho e Morado seguem à frente, abrindo uma espécie de bambuzinho apenas com a força do ódio, já que vínhamos enfrentando uma vegetação cretina desde a parte da manhã. Quando nossa alma tocou o último degrau, o ultimo e derradeiro penhasco e a PEDRA se apresentou para gente, aí sim, fomos inundados por um oceano de emoções, porque sabíamos que havia chegado a hora, o desafio havia sido lançado em nossa direção, fomos chamados para a aventura ou a gente escalava aquele gigante rochoso ou simplesmente teríamos que enfiar o rabo entre as pernas e voltar para casa com um fracasso no bolso. A PEDRA DO RODAMONTE é daquelas montanhas que ao longo do tempo, acabou por se tornar uma LENDA entre a comunidade montanhista, bom, pelo menos entre o nicho dos montanhistas raiz, aqueles poucos que ainda restaram em matéria de montanhismo de aventura e exploração. Muito porque, a única menção a essa formação rochosa, vinha de um aventureiro do passado (AUGUSTO), que tentou chegar até ela por duas vezes, mas não obteve sucesso. Mas tudo na vida parece ter o seu tempo e sua hora, então acabou que a gente se dedicou a tocar “trocentos” outros projetos, inclusive subindo outros picos selvagens na própria Ilhabela, montanhas que receberam muito menos gente que a lua. E toda vez que eu olhava aquelas montanhas na travessia da BALSA, sempre me vinha à cabeça sobre os mistérios que poderiam se esconder no topo daquela PEDRA, que num passado muito distante, eu até pensei que ela seria o tal do Pico do Papagaio, pela semelhança com a ave bicuda. ( Rodamonte ao fundo) O tempo passou, subimos não só o Papagaio, como o Queimada do Frade, o Pico do Eixo, o distante Serraria, a Agulha do Bonete, sem contar o turístico Baepi, além de explorar uma infinidade de rios selvagens e praias e cachoeiras isoladas dos olhos humanos, mas chegou uma hora que não foi mais possível adiar e assim, o RODAMONTE entrou em definitivo no nosso radar, já era tempo de formar um grupo e botar os pés naquela montanha lendária, mesmo que a gente ainda não soubesse qual seria o nosso ponto de partida. ( Foto tirada pelo Augusto em 2001, um zoom que fez a pedra ficar menor) As discussões giraram em torno do relato do Augusto, que teria partido lá pelos lados da Cachoeira do Veloso, encontrado uma picada que o levou bem próximo da PEDRA. Mas o relato era de mais de 20 anos atrás, bem provável que essas picadas nem mais existissem, além do que, também não é muito fácil conseguir extrair todas as localizações apenas de um relato, então simplesmente resolvemos descartar essa possibilidade e fomos a procura de outra solução, tentando achar pelo menos um ponto de partida. Localizamos no aplicativo de trilhas (wikloc ) um caminho que partiria próximo ao píer do CABARAÚ e que subia a encosta por trilha até acima da cota 250 de altitude, o que já era melhor do que partir varando mato da cota zero. Bom, realmente imaginávamos que aquele caminho seria uma trilha, mas não foi bem isso que encontraríamos durante a expedição. Traçado a estratégia, lançamos o convite nos grupos de trilhas, que a cada dia ia ficando cada vez menor ou ao menos, com cada vez menos gente a fim de se enfiar nessas expedições dos quintos dos infernos, alguns botaram a culpa no trabalho, outros quando ouviram falar na possibilidade de escalada com corda, já pularam fora, enfim, o mundo do montanhismo raiz vem a cada ano se desintegrando, perdendo adeptos para outros esportes menos filhos da puta, como a escalada, por exemplo. Então, além de mim, o Thiago Silva e o Paulo Potenza, veio se juntar a nós, o paranaense mais casca grossa do Estado. Marcelo Morato se deslocou do sul do pais e veio nos fazer companhia, formando assim o quarteto fantástico, mas nem tanto. ( rsrsrsr) Antes das nove da noite, o Thiaguinho e o Morato nos apanhou na rodoviária do Tietê e mesmo antes da meia noite, já estacionamos em São Sebastião e como de costume, atravessamos para a ilha pela balsa, apenas como passageiros, já que agora em diante não necessitávamos mais do carro e optamos por usarmos o transporte público, que pouco antes da uma da manhã, nos deixou bem em frente ao PIER DO CABARAÚ. Tomando portando, o asfalto no sentido sul da ilha, não andamos nem 2 minutos e já entramos à esquerda, subindo numa rua calçada e em mais 5 minutos passamos em frente a uma casa onde o asfalto terminou e aí aceleramos o passo para nos livrarmos logo de um cão barulhento e ganhamos a escuridão da noite, já longe de qualquer habitação. Interceptamos o caminho marcado pelo gps, subindo um córrego a nossa direita, abandonando em definitivo a estradinha que a frente se tornaria uma trilha, mas que a gente não havia se dado conta disso. Estávamos caminhando agora às margens desse riacho, subindo ele, mas não era propriamente uma trilha e sim uma picada que desaparecia constantemente, fazendo com que a gente caísse no leito do riacho, pulando pedras para não molharmos as botas. Aquele traklog era cretino e parecia que não nos levaria a lugar nenhum e a madrugada foi chegando, a gente caindo de sono e nada de encontrar um lugar decente para acamparmos, mas depois de nos lascarmos todos numa florestinha de espinhos, interceptamos uma trilha vindo da esquerda, que nos levou para longe do riacho e nos jogou num bosque plano e com arvores frondosas e aí não tivemos mais dúvidas, jogamos as mochilas ao chão e demos por encerrada nossa caminhada noturna. Já eram três da manhã, estávamos exaustos e eu e o Potenza optamos apenas por jogar nossos isolantes ao chão e bivacar, mas o Thiaguinho e o Morato ainda tiveram forças para montar suas redes, mesmo que nem tenham se dado ao trabalho de montar os toldos, já que a previsão era zero milímetro de chuvas e a noite estava extremamente quente. Antes das nove da manhã, desmontamos tudo e partimos. A trilha/picada nos devolveu à TRILHA PRINCIPAL, justamente a que havíamos abandonado depois que a rua acabou, mas que a gente não se deu conta que existia. Foi aí que notamos que o caminho que seguimos tratava-se apenas da marcação para medir a qualidade de água ou para jogar algum larvicida a fim de diminuir a infestação de borrachudos na ilha. Paciência, nos lascamos à toa, mas agora, na trilha larga e desimpedida, vamos avançando até que essa trilha também nos leva para outro leito de rio, atravessa para o outro lado e em 2 minutos tropeçamos numa cerca junto a um final de um possível condomínio, mas ainda longe das casas. Pulamos a cerca e subimos para a esquerda, vamos passando por várias caixas d’agua até que essa trilha termina a 270 metros de altitude, bem numa minúscula barragem, de onde despenca uma cachoeira e as vistas se alargam de vez, fim da linha. Ali traçamos nossa nova estratégia: Decidimos que usaríamos esse outro riacho como caminho, subindo por ele até onde fosse possível, depois o abandonaríamos para a direita em direção ao Rodamonte, mas antes era preciso achar um jeito de escalar uma parede de uns 100 metros de altura para ganharmos o alto da cachoeira. Optamos por subir pela direita da grande cachoeira, subindo por uma rampa de pedra até que interceptamos uma CORDA, provavelmente usada pelos locais para dar manutenção nas mangueiras de captação. Escalamos pela corda e ganhamos metade da cachoeira, pulamos o leito do rio, onde tinha uma piscininha e um pequena gruta e vendo que a parede a nossa frente era impossível escalar, nos afastamos para a esquerda e empreendemos um vara mato após contornar uma grande pedra e galgar um barranco que nos levou direto para um amontoado de matacões que formavam excelentes abrigos em formato de grutas. Passamos raspando as barrigas nessas enormes pedras até voltarmos para o rio, agora no topo da cachoeira, num cenário de tirar o fôlego. Estamos há exatos 400 metros de altitude, sentados no topo de uma cachoeira com pouca água, mas com uma vista deslumbrante, onde céu, mar e montanhas se confundem com a própria água do riacho e o mundo nunca nos pareceu tão azul. Mal passa das 10:30 da manhã e a equipe, que até então estava meio ressabiada com a decisão de tomar aquele rumo, agora se abriu num sorriso de felicidade e satisfação, porque conseguir ver caminho aberto através do riacho, nos dava esperança de que poderíamos avançar mais rápido, sem ter que comer muito bambu, coisa que a gente tentava evitar a qualquer custo. Agora, dentro do rio, fomos ganhando altitude aos pouco, transpondo grandes lajes com laminas d’agua, que nos permitiam subir escalaminhando e quando essas lajes aumentavam a inclinação, sempre conseguíamos encontrar um caminho subindo pela margem esquerda, as vezes nos valendo de vestígios de algumas picadas ou simplesmente varando mato ralo de acesso tranquilo ou pulando pedras no leito do rio, até que ganhamos em um hora de caminhada, pouco mais de 130 metros de desnível, chegando aos 530 de atitude, praticamente havíamos ganho metade da altitude que teríamos que percorrer, mas um CACHOEIRA de um afluente nos fechou o caminho, hora de picar a mula do rio e voltarmos para o inferno de bambus. Abandonar um caminho desimpedido e de acesso livre, não é fácil, mas infelizmente a direção que o rio tomou, não serviria mais aos nossos propósitos, então escalamos o barranco a nossa direita, que nos prendia dentro do vale e ganhamos o alto, para azar nosso, tomado com os desgraçados bambus. E mais uma vez, ali estávamos nós, presos naqueles malditos bambus da Ilhabela, avançando 100 metros por hora. É um sofrimento em conjunto, mas também individual e cada qual cultiva sua dor como pode, ainda mais que agora tivemos que aumentar o peso nas mochilas, tendo que apanhar uns 3 litros de água por pessoas para sobreviver nos próximo dia e meio. O avanço é lento, modorrento, dolorido, cansativo, ainda mais porque, mesmo estando em pleno inverno, a ilha está sob a influência de uma massa de ar quente, que faz a temperatura se aproximar dos 32 graus, é um verdadeiro inferno de calor e mormaço. Quando uma floresta de bambus é vencida, simplesmente nos jogamos ao chão para um gole de água mais demorado e para mordiscarmos alguma coisa, tentando premiar o nosso corpo pelos feito recente. Mas é preciso avançar, ganhar terreno, ganhar altitude, porque o dia já passou da sua metade faz tempo e se não nos apressarmos, corremos o risco de bater na PEDRA só à noite, aí a nossa chance de tentar bater cume, simplesmente diminui muito. Outra floresta de bambu é cruzada e quando já não aguentamos mais comer bambu, somos levados pelas curvas do terreno em direção a um terreno onde nos deparamos com arvores grandes, um bosque onde tropeçamos numa picada antiga. Estamos acima dos 700 metros de altitude e essa antiga picada vai nos conduzindo cada vez mais para cima, até que vimos surgir bem ao longe, a sombra do Rodamonte, mas é apenas a ponta do gigante, que vimos por entre a vegetação. Os meninos querem avançar pela picada, que morre aqui, renasce ali, mas eu já acho que é hora de parar de subir e apontar logo o nariz em direção à Pedra, porque já tô achando que estamos ganhando altitude desnecessária, até que ao batermos na COTA 1000 de altitude, me rebelei e insisti em mudar de direção. Esse ato de indisciplina, causou um pouco de mal-estar porque alguns achavam que deveríamos ir ao cume da crista e tentar ver se não haveria uma trilha mais consolidada lá encima, talvez a própria picada ou trilha citada pelo AUGUSTO há mais de 20 anos atrás. Mas eu estava de saco cheio, queria varar mato logo em direção ao PEDRA, deixar de lenga-lenga e partir para o nosso destino de vez. O impasse durou por algum tempo, até que o Thiaguinho contornou uma grande rocha e se dirigiu para PEDRA, varando mato novamente. Eu o acompanhei de perto, até que assumi a dianteiro e vento o rasgo iluminado no meio da floresta, me livrei dos últimos malditos bambus e ganhei uma RAMPA DE BARRO, um deslizamento de uns 100 metros, uma verdadeira parede em pé que nos levou a quase 1.100 metros de altitude, vem aos pés de um amontoado de pedras gigantes que muito provavelmente marcaria o cume da crista e que imaginamos que a foto tirada pelo aventureiro do passado, teria sido feito do seu cume, mas com acesso vindo por trás, porque onde estávamos era impossível subir. De onde estávamos, era possível ver o bico da pedra, um pedaço minúsculo por entre as árvores, mas o suficiente para botar pilha no grupo. Agora teríamos que voltar a perder mais de 150 metros de desnível, num buraco descomunal, onde tivemos que nos valer de algumas fitas para conseguir descer. Avançamos lentamente, com cuidado, até que encontramos uma CRISTA perfeita, que não media mais que 3 metros de largura com abismos dos 2 lados. O avanço foi lento, a crista estava tomada por um bambuzinho de difícil transposição. Thiaguinho e Morato iam à frente, enquanto eu e o Potenza nos mantínhamos na retaguarda. Mãos geladas, coração disparado, adrenalina inundando nossa capacidade de nos mantermos concentrados e quando a PEDRA surgiu no final da CRISTA, a gente quase enfartou. Diante dos nossos olhos, aquilo que até então não passava de um projeto sobre uma carta topográfica ou uma imagem de satélite, se materializou na nossa frente, um MONSTRO GIGANTESCO que se elevava do outro lado do vale de onde estávamos, muito maior do que imaginávamos. Ali marcava o final da crista e agora era preciso encontrar um caminho que nos levasse na base da pedra. Era preciso nos lançarmos definitivamente para baixo, nos atentando para os abismos, que pareciam nos chamar e enquanto o Morato e Thiaguinho desenrolavam essa descida, eu e o Potenza nos prostramos à frente da pedra colossal, meio que em transe, extremamente nervosos e ansiosos pelo que viria pela frente. Claro que o fracasso e sucesso de uma expedição depende de todo mundo, é o grupo quem faz algo dar certo, mas no fundo, nós dois sabíamos que de agora em diante, se fosse necessário escalar, seríamos nós quem deveríamos assumir a bronca, afinal de contas os pseudos especialistas na escalada éramos nós dois e isso nos deixava angustiado e ansiosos. Surpreendentemente, ao lado do final da crista, uma rampa entre duas paredes, nos abriu um portal que nos levou quase que escorregando no tobogã, para bem mais abaixo, mas foi precisa passar com toda a atenção para não sermos jogado para o vazio, aí outra rampa cercada de mato nos conduziu para o ultimo e derradeiro patamar, que nos apresentou a GRANDE FENDA de rocha e mata, um rasgo na pedra, o caminho que traçamos para o topo, era chegada a hora da onça beber água. Os meninos que iam à frente abrindo caminho, estavam tão pilhados, que quando eu e o Potenza nos aproximamos da fenda, Morato e Thiaguinho já estavam no meio dela, escalaminhando a parede íngreme e lá dentro, o Morato deu um grito, nos avisando que havia encontrado um rudimento de escada, já pulverizada pelo tempo. Eu e o Potenza nos olhamos, mas ninguém disse uma palavra e nem precisava, imediatamente a expressão de alivio saltou das nossas faces e lá no fundo, nós sabíamos que se alguém tivesse subido aquela pedra, nós também subiríamos, mesmo ainda não sabendo como, mas não sairíamos dali sem botar os pés no cume. O Potenza se adiantou e foi se juntar aos dois que já se posicionaram ao lado da escadinha de troncos, de onde pendia um cabo de aço e uma velha corda carcomida pelo tempo. O Morato subiu em um laço do cabo, enfiando um dos pés e com o outro apoiou na escada, mas sem botar muita força, até que sua mão conseguiu segurar na corda e se elevou, vez ou outra apoiando na parede que subia atrás das suas costas. Lá embaixo, ainda socado na entrada da fenda, eu acompanhava com apreensão, porque ouvia a velha corda chiar, como se fosse estourar a qualquer momento, numa angustia que parecia não ter fim. Por sorte o Morato ganhou o alto e instalou umas fitas de escalada para que o Potenza e o Thiaguinho pudessem subir com mais segurança, mas quando o último antes de mim partiu, levou para sempre o que restara da velha escada e eu simplesmente fiquei sem apoio para os pés, mas percebi logo que eles estavam bobeando, estavam tentando passar espremidos entre as duas paredes e estavam sendo travados pela mochila, quando o melhor a fazer era simplesmente balançar o corpo para esquerda e escapar da rocha e ganhar altitude apenas se elevando, caminhando na parede, fácil e sem desgaste físico e psicológico. Retiramos as fitas e partimos para o segundo lance, que não passou de uma escalaminhada sem maiores problemas, até que nos vimos diante de uma enorme parede que subia à nossa esquerda, sendo que à nossa frente, a PEDRA se partia ao meio, formando uma fenda gigante e ao lado direito, era possível se elevar numa escalaminhada, mas que não dava para lugar nenhum, então nos concentramos em achar uma solução na parede à esquerda, se houvesse um caminho, teria que ser por ali, mas não tinha nenhum vestígio deixado por exploradores do passado, teríamos que dar o nosso jeito, conquistar aquela montanha dependia só da gente. O Potenza foi o primeiro trouxa que se apresentou para tentar escalar a parede. E era uma escalada na unha, numa prede com uns 80 graus de inclinação, forrada de vegetação baixa, que ao serem tocadas, desgrudavam da rocha e deixava a pedra nua. Esse tipo de escalada é muito pior do que uma escalada clássica, porque embaixo da vegetação, a rocha fica molhada e não há aderência para os pés e também tem o fator de ir subido e não ter onde proteger, então o escalador vai ganhando altura e ficando cada vez mais exposto a despencar e isso vai minando o psicológico, enervando quem escala e a gente que está plantado lá embaixo, tentando nos manter concentrados para minimizar a queda do escalador, caso ele despenque, muito porque, numa queda, a chance de passar reto do patamar mais abaixo e despencar no vazio , é enorme. E o Potenza sofreu e nós sofremos juntos. Na eminencia de despencar, ele chamava por todos os santos, na ânsia de que os mesmos viessem em seu auxilio, espantar os demônios que pairavam sobre os seus ombros. Lá embaixo, a gente dava apoio psicológico e eu pedia para que ele se mantivesse colado o máximo à rocha, com as mãos grudas em qualquer vegetação que ele pudesse segurar, até que ele chegou ao patamar mais acima e os nossos corações se acalmaram de vez. O segundo a subir foi o Thiaguinho, que foi arrastando os últimos vestígios de vegetação e quando chegou bem perto, foi puxado pelo Potenza. Agora, lá embaixo, vendo que não existia mais no que se segurar, eu tive que contar com o auxílio das fitas de escala, que foram unidas para que pudéssemos nos agarrar a elas e ter uma tábua de salvação caso despencássemos. E foi mesmo preciso que o Thiaguinho e o Potenza fizessem a segurança de corpo, porque não havia nem árvores para ancorar a nossa corda na direção de onde estávamos, claro que poderíamos subir um pouco mais e usarmos uns arbustos um pouco mais acima, mas sem querer perder tempo e já com adrenalina a mil, improvisamos a subida final. Quando eu cheguei ao patamar onde estavam os 2 primeiros, eu estava já tresloucado. Me livrei da fita e fiquei olhando os 2 darem segurança para o Morato subir e então meu coração não conseguia se aquietar. Eu olhava para todos os lados, cassando a sequência da subida, admirando sobre minha cabeça, um monólito descomunal de onde descia uma parede que se estendia até onde não poderia mais ser vista, servindo aos abismos profundos. Eu estava eufórico, não tinha mais como segurar. Me encostei na rocha que estava do meu lado esquerdo e fui ganhando uma crista fina, meio metro de largura até que uma espécie de rampa fosse baixando e eu conseguisse subir numa rocha exposta e me lançar direto para a própria rampa, ganhando o alto e com um pulo certeiro, me pus à caminho do estirão final. Quando me pus de pé e os horizontes se alargaram sobre o Canal de São Sebastião, eu quase desmontei e mesmo sabendo que poderia galgar a rampa e atingir o cume, que estava a menos de um minuto de onde eu estava, fiz questão de esperar que o grupo se juntasse, a glória do montanhismo só pode ser completa quando pode ser compartilhada por todos. No momento em que eles chegaram, eu já estava envolto em lágrimas, extremamente emocionado. Cada qual que ia tomando ciência do momento mágico que estávamos vivendo, igualmente a mim, iam se desmanchando de tanto chorar e quando todos se abraçaram naquele finalzinho de tarde, a PEDRA DO RODAMONTE virou mar e esse talvez tenha sido o dia mais emocionante que vivemos juntos em todos esses anos de montanhismo selvagem. Ainda não era o cume, porque nos faltava galgar a rampa final, um lance de não mais de 20 metros, onde era preciso saltar sobre uma boca de fenda escondida pelo mato e quando lá chegamos, o abraço coletivo novamente se repetiu e aquela montanha, aquela PEDRA, que até então fazia parte do nosso imaginário, existindo apenas como um ponto perdido numa carta topográfica e numa tosca imagem de satélite, se materializou definitivamente e seus não oficiais 938 metros de altitude, mais uma vez recebeu pés humanos, como eu disse, provavelmente menos gente que o solo lunar. (Thiaguinho , Divanei , Morato e Potenza ) O CUME DO RODAMONTE era pequeno, não mais que uns 3 metros de comprimento por 2 de largura, pontuado por uma gramínea e uns arbustinhos que se estendiam até a beirada do abismo. Na sua parte rochosa de cume, antes da rampa, nos surpreendemos com um marco do CAP (Clube Alpino Paulista) datado de 1.990, a data da conquista e também cunhado na plaqueta de alumínio, uma inscrição que nos levou a entender que estiveram lá, também em 2001, mas não era possível ter certeza se era isso mesmo. O certo é que nos pareceu mesmo, que depois disso, a montanha foi simplesmente esquecida e ignorada pelo montanhismo tradicional, tanto que não é possível encontrar nada, nem no limbo da internet,que possa nos dizer que outros voltaram a subi-la, talvez um nativo ou outro, mas ainda assim por ser uma montanha que exige um nível técnico, essa chance nos pareceu bem inviável. Esquecendo um pouco da parte geográfica, mas nem tanto, voltamos a nos concentrar nas larga vistas que a montanha nos proporcionava e podemos afirmar que essa é de longe a vista mais espetacular que se pode ter da ilha vista de uma montanha. O sol já dando sinais de que iria nos deixar, mas antes disso, pintou um quadro que será difícil apagá-lo da nossa memória. Um oceano pontilhado de ilha, desde o Montão de Trigo até Alcatrazes, num canal onde barcos gigantescos navegam tranquilos feito canoas caiçaras e lá de cima o mundo nunca nos pareceu estar tão em paz. Atrás de nós, olhando para o interior da ilha, o PICO DO PAPAGAIO é o rei do horizonte e quando o sol se vai de vez, as luzes da cidade de Ilhabela e São Sebastião, nos dão as boas-vindas, nos chamando para um dos maiores espetáculos luminosos das nossas vidas. A noite chega com ventos secos e não querendo abandonar aquela visão dos sonhos, decidimos que iríamos BIVACAR no cume, um acampamento sem barraca, sem cobertura, apenas a arte de jogar isolante e sacos de dormir ao chão e acampar. Mas o cume é tão pequeno que o Potenza teve que se virar no sopé da rampa, enquanto os outra três, improvisaram um apoio com as mochilas para conseguir esticar o corpo, metade na rocha, metade na graminha de cume, mas nem pensar em rolar para não cair nos abismos da serra. No cume, sem barraca, não foi nem preciso nos levantar para ver a alvorada, apenas nos sentamos onde estávamos mesmo, para acompanhar o sol derramando seu prateado sobre nós, sobre a ilha e sobre o mar. O dia prometia ser novamente muito quente, apesar de estarmos em pleno inverno. Tudo aquilo era muito lindo, mas infelizmente acabei esquecendo de trazer o livro de cume que eu havia feito e então, improvisamos um descritivo com a data e os nossos nomes dentro de uma pequena garrafinha e a amarramos junto a placa da conquista e quando nosso coração decidiu que era hora departir, abandonamos o cume a sua própria solidão e partimos. ( Ao fundo, Pico do Papagaio , 1307 m) Para descer, optamos por instalar uma corda de rapel, amarrando numa pequena árvore, mas só o Potenza usou os equipamentos, nós três decidimos agilizar e descemos na mão mesmo e quando chegou na fenda, usamos também as cordas para descermos rápido até o sopé da pedra e quando todo mundo chegou, nos reunimos para montar a estratégia de volta: Antes da subida, eu e o Morato já havíamos confabulado sobre, ao invés de voltarmos a subir quase 200 metros de desnível, ganhar logo uma rampa de descida. E foi isso que fizemos, fomos caminhando encostados à PEDRA até que me deparei com um lance bem alto, onde continha um arremedo de corda, denunciando que talvez aquela fosse a rota da conquista. Logo à frente um buraco parece que vai nos deter, mas ao me aproximar dele, localizei uma rota de descida que nos levou até um patamar mais abaixo e foi quando me posicionei na “esquina” da PEDRA, bem na frente rochosa, onde um bico formava um balcão invertido, um monstro de pedra que marcava o fim da nossa rota, nos jogando agora para um mato fechado, um mato sem cachorro. Escorregamos para o mato desgraçado, perdendo altitude considerável, mas o que parecia estar ruim, piorou de vez. À nossa frente, uma floresta de bambus espinhudos, um inferno quase que intransponível. Eu e o Thiaguinho fomos à frente, nos revezando na arte de se fuder, abrindo caminho no peito e se já não bastasse as dificuldades que estávamos enfrentando, ainda tínhamos que ouvir as lamúrias do Potenza, reclamando do caminho tomado, segundo ele, fazia mais sentido retornarmos tudo, subirmos ao topo da serra e encontrarmos o caminho de volta. A gente não avançava, os espinhos iam nos destruindo, furando cada centímetro de pele exposta, mas a conversa fiada do Potenza, eram como espadas que dilaceravam a nossa capacidade de não mandar ele tomar no rabo. ( rsrsrssrs) Talvez o Potenza tivesse razão, talvez a gente tenha sido um pouco intransigente ou talvez não, o certo é que a gente tinha que achar um jeito de nos livrarmos daquele bambuzal e tentar uma diagonal para interceptarmos nosso caminho do dia anterior, mas para isso, tivemos que voltar a subir um pouco e mirar nosso nariz para o lugar onde haviam grandes árvores, num terreno mais aberto. A estratégia deu certo e quando alcançamos a área de bosque, o bambu já era passado e eu e o Potenza já estávamos fazendo galhofa do entrevero momentâneo. O Morato tomou a dianteira, mas não demorou muito, já teve que recuar por causa de uma jararaca monstro que interceptou seu caminho e não querendo incomodar a bichinha, demos a volta numa grande rocha e finalmente cruzamos com o caminho do dia anterior, já na altitude 690. Agora caminhávamos em caminhos melhores, até que interceptamos um arremedo de picada e pensando que ela nos levaria muito mais rápido para baixo, tentamos segui-la, mas essa simplesmente se perdeu do nada, então retornamos e nos grudamos ao nosso caminho do dia anterior, saindo levemente para a direita, até interceptarmos a nascente da cachoeirinha e ali paramos para um demorado lanche e para nos esbaldarmos de tanto beber água. A fim de evitar o bambuzal que sabíamos ter à frente, antes de chegarmos definitivamente de volta ao rio, decidimos usar o afluente como caminho, desescalando pedra e não demorou muito, já nos virmos no topo da própria cachoeirinha, então apenas saímos para a esquerda, descemos o grande barranco e finalmente chegamos ao RIO CABARAÚ, apesar do bambuzal no sopé do Rodamonte, esse caminho de volta foi quase perfeito. O rio é o melhor caminho que alguém possa desejar, pelo menos nessas expedições selvagens, porque é avanço rápido, desimpedido e sem os malditos bambus. Então ganhamos rapidamente as lajes com apenas uma lamina de água e descemos numa velocidade impressionante e como estávamos com tempo de sobra, paramos novamente no topo da cachoeira de acesso, para que alguns pudessem tomar um banho, naquela tarde extremamente quente. Com a energia renovada, desescalamos novamente a rampa que nos levou até o alto da cachoeira e ganhamos a picada na direita, passamos pelas grandes tocas, escorregamos pelo barranco e voltamos para a esquerda até interceptarmos o rio, cruzá-lo para outra margem, ganharmos o lance da corda e sem perder tempo, baixamos novamente para trilha principal, bem na barragem que represa água para abastecer as casas mais abaixo. Agora na trilha larga, caminhamos até o terreno descampado do final do condomínio, que nem chegamos a ver as casas, pulamos a cerca para a direita, ganhamos o riacho e atravessamos até nos vermos na grande trilha, que em meia hora nos devolveu à civilização, onde reencontramos nosso amigo cachorro, que continuava na espreita. Já na rua, passamos pelas casas na surdina, sem fazer alarde e ganhamos o asfalto principal, ENTRAMOS SEM SERMOS VISTOS, SAÍMOS SEM SERMOS NOTADOS, missão mais do que cumprida. Ao ganharmos o asfalto, nos dirigimos em direção ao píer do Cabaraú, mas antes de lá chegarmos, entramos no caminho à esquerda, que nos levou em 2 minutos, direto para a Prainha do Cabaraú, muito cênica, pontilhada por meia dúzia de coqueiros e uma água limpíssima. Na pequena praia, aproveitamos para lavar a alma e comemorarmos juntos, o sucesso daquela expedição, enquanto ao longe, admirávamos nossa PEDRA , um solitário monólito destacado da paisagem verde, que outrora fora um mistério , uma lenda entre os montanhista, mas hoje o nome RODAMONTE , é só mais uma na nossa seleta lista de conquistas nessa incrível ilha e nessa sensacional Serra do Mar Paulista. (Thiaguinho, Morato , Divanei e Potenza) Xxxxxxxxxxxx Editado Quinta às 18:33 por DIVANEI Citar
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