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Textos ecológicos


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Em uma canôa e com uma rede curta o pescador estava pescando.

Aos poucos, o pescador sente um movimentar estranho nas águas quando olha para o horizonte do mar, e ele avista um barco. Este barco foi indo em direção à costa e consequentimente passou pelo pescador, fazendo uma parada para uma prosa. O pescador viu aquela nave espacial se aproximando, um iate. A nave para e um homem pergunta:

-Quanto está o peixe?

-Bôa tarde!-O pescador responde, sem ter ouvido ao certo oquê tinha sido falado pelo homem.

-Bôa tarde! O senhor vende peixe? - pergunta o homem.

-Não vendo não.

-Não? mas, porque? vc poderia fazer uma bôa grana com este teu barco, depois compra outro maior com motor, e então chama seus filhos e abrem uma firma, com o tempo vc vai ficar podre de rico.- explica o demagogo.

-Mas, toda essa complicação pra quê?- pergunta o pescador.

-Ueh! Para vc levar uma vida mais tranquila, podendo viajar e conhecer mares - responde o demagogo

-Mas eu ja levo uma vida tranquila, e conheço os mares muito bem em minha canôa.- ensina o pescador.

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A PLANTA

De dentro de uma semente rasgou, certo dia, uma planta...

Ainda era muito cedo para brotar...

Mas era melhor o frio externo do que suportar a casca que lhe sufocava

O vento lhe queimava a pele, e a sol forte quase não a deixava respirar

A terra onde nasceu era seca, e as pedras impediam que criasse raízes

Mas as raízes insistiam em crescer, e apodreciam porque no solo não conseguia se fixar...

Suas folhas pequeninas não sobreviviam muito além de alguns dias... logo secavam e caiam por

terra...

E a planta se deixou levar ao vento, na esperança de encontrar solo fértil...

Areias quentes, alagados, solo infestado de raízes velhas

Em algum lugar precisava encontrar terra, onde pudesse florescer

Mas na terra não houve um só canto onde pudesse fixar suas raízes

E numa estranha mutação a planta aprendeu a se nutrir do vento

E se acostumou a ver suas folhas caírem por terra, e frutos nunca ter...

Por muito tempo viajou por mundos ignotos e conheceu seus costumes

Por muitos mundos ela passou sem ser notada...

Por outros deixou suas folhas secas nutrindo a terra...

Seu sonho era ser como as outras plantas, criar raízes, florescer, frutificar...

Um dia um jardineiro a recolheu num vaso, e ali regou suas raízes

E ela cresceu e floresceu, sentia-se viva e feliz

E por uma vez sentiu o calor da terra

Sentiu suas raízes crescerem, sentiu pela primeira vez sua natureza de planta

Todo o seu ser lhe foi grato, como se na vida toda estivesse esperando por este momento

O jardineiro lhe deu o precioso momento de ser...

E a planta nunca esquecerá do jardineiro...

Porque mesmo por pouco tempo,

A lembrança de ser planta, de ser cuidada e de ter raízes na terra ficará para sempre

E agora ameaça o vento a lhe arrancar do vaso numa noite dessas

E de novo lhe levar pelo ar para estranhas terras

E novamente ela terá que aprender a se nutrir do ar

Mas por onde for ela levará a lembrança de que um dia foi planta e teve terra...

E a imagem do jardineiro a regar seu vaso...

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A ANDORINHA

(Luís Vilela)

Não esperaria mais, que elas podiam voar. Havia seis pousadas agora, juntas. Apontaria numa: às vezes podia errar e acertar na outra perto. Colocou a pedra no couro. Fez pontaria. O coração começou a bater depressa, contou até dez, apontou, apontou, e deu a estilingada. No primeiro instante viu confundidos as pancadas de seu coração e o vôo assustado das andorinhas - e então gritou "acertei!" "acertei!" vendo uma andorinha despencando rente ao poste. Quis logo correr a ela, mas estacou lembrando-se de repente que talvez ela não estivesse morta, pelo jeito de cair ainda parecia viva, e teria de se aproximar com cuidado, senão ela poderia fugir. Vira bem onde ela caíra: no monte do capim seco ao redor do poste. Ele acertara e ela estava lá, talvez morta, talvez viva ainda. Pôs outra pedra no estilingue e aproximou-se. Ao curvar-se sobre o capim viu atônito a andorinha voar e deu a estilingada a esmo; viu-a voando rasteiro, rente à parede do armazém, e correu a procurar outra pedra que só achou ao fim de alguns minutos; colocou-a no estilingue e correu para a andorinha.

Podia agora vê-la inteiramente: ela estava encolhida no chão, no ângulo formado pelo armazém e uma pilha de tijolos velhos; era uma andorinha de asas muito pretas e luzidias. Não parecia que ia tornar a voar: uma de suas asas estava estirada sobre o chão, e a cabecinha levemente erguida. Ela estava deitada, estava caída, como se não pudesse firmar-se. Pensou que ela talvez estivesse apenas tonta; talvez a pedra só tivesse atingido de raspão e ela fosse voar a qualquer instante. E se ele errasse a próxima pedrada, ela podia assustar-se e desta vez voar para o céu, para bem longe - e ele teria perdido tudo, perdido a grande sorte que tivera aquela tarde, acertando pela primeira vez.

Mas era engraçado: vendo o pássaro ali no chão, à sua frente, pertinho, não tinha vontade de dar a estilingada. Era muito diferente vê-lo em cima do fio, o peito erguido, a cabecinha destacando-se contra o azul do céu. Ali embaixo, caído no chão, encolhido contra a parede escura e suja do armazém, tão fácil de acertar, ele não tinha mais aquela vontade violenta de dar a estilingada. E era engraçado também como ele estava calmo, como seu coração não estava batendo doidamente.

Caminhou devagar para ela, o estilingue em punho, esperando apenas o primeiro movimento dela para desferir a pedrada. Mas ela não se movia. Talvez não estivesse apenas tonta; talvez estivesse ferida, tão ferida que não podia mover-se.

Chegou bem perto: ela encolheu-se um pouco mais contra a parede, mas não fez ameaça de voar; havia qualquer coisa: ela não voaria. Afrouxou o estilingue e ficou olhando. Percebeu o medo no olhinho que piscava, sentiu-se poderoso e cruel diante da insignificância e fragilidade do pássaro. Estava ali, sem fuga, sem vôo, sem distância, sem erro, o que seria seu primeiro pássaro - por que não dava logo a pedrada mortal? Por que não o matava?

Agachando-se, estendeu a mão devagar para não assustá-la, e então segurou-a: ela não se debateu: e antes que abrisse os dedos para olhar, sentiu a umidade e compreendeu que era sangue: a pedra havia acertado de cheio. E então teve raiva; teve raiva de si mesmo, do domingo, e do que fizera; teve raiva; teve raiva de sua astúcia, sua espera, sua alegria, e agora sua impotência: sabia que a andorinha ia morrer, sabia que ela ia morrer e que não podia fazer nada.

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A ÁRVORE DA SERRA

(Augusto dos Anjos)

- As árvores, meu filho, não têm alma!

E esta árvore me serve de empecilho...

É preciso cortá-la, pois, meu filho,

Para que eu tenha uma velhice calma!

- Meu pai, por que sua ira não se acalma?!

Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?!

Deus pôs almas nos cedros... no junquilho...

Esta árvore, meu pai, possui minh'alma! ...

- Disse - e ajoelhou-se, numa rogativa:

«Não mate a árvore, pai, para que eu viva!»

E quando a árvore, olhando a pátria serra,

Caiu aos golpes do machado bronco,

O moço triste se abraçou com o tronco

E nunca mais se levantou da terra!

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O PÁSSARO VERMELHO

(autor desconhecido)

Nas matas da selva Amazônica vivia Ipezinho, um indiozinho alegre, de olhos puxados, sorriso maroto.

Naquele tempo, a selva ainda não estava desmatada. Tudo era verde, imensamente lindo e intocado.

Ipezinho era o reizinho de uma tribo alegre e ágil. O único filho de um casal de índios, Ana e Iberê.

Sua vida se chamava liberdade, a nudez esparramada no rio, as pernas ágeis correndo, as mãos flexíveis manejando o arco e a flecha. O sorriso estampado no rosto, os olhos brilhando de prazer.

Um dia, conheceu o amor. Caçava na floresta densa, quando percebeu um lindo pássaro vermelho. Pousado no galho, o pássaro de plumagem brilhante entoava uma canção. Ipezinho ficou fascinado pelo canto da avezinha encantada.

Quando estava perto dela, mirando as penas brilhantes, ouvindo a música do seu canto na selva, sua alma se agitava de prazer.

Começou uma linda amizade. Ipezinho tinha companhia para suas caçadas e pesca. O misterioso pássaro vermelho acompanhava-o voando e cantando.

Acostumara-se a adentrar a mata com seu vôo saltitante e o canto magnífico.

Uma tarde, quando chegou à mata cerrada, procurou o pássaro vermelho e não mais o encontrou.

Seu coraçãozinho índio ficou oprimido pela angústia da perda.

Vários dias se passaram; o indiozinho já não era mais o mesmo. Onde estava seu amigo?

Quando retornou à selva, depois de vários dias, ouviu um canto familiar. O coração de Ipezinho disparou. Lá estava, num galho alto de uma árvore centenária, o pássaro vermelho. Voou e voou fazendo-lhe festa, e o índio sorriu de novo.

Conhecera o amor, a amizade... Agora, a angústia, o medo da perda..., a saudade.

Uma idéia espicaçou-lhe o íntimo. Foi para sua tribo e, com alguns galhos e cipós, confeccionou uma gaiola para seu amigo, o pássaro vermelho.

O pai observou o trabalho caprichado do filho, mas nada comentou. Olhou para o indiozinho e perguntou:

— Filho, por que a gaiola? Todos nós aqui somos livres...

Ipezinho não respondeu e correu para a selva. Lá estava sua avezinha predileta, seu verdadeiro amigo.

O amiguinho recebeu-o com festa, voando e pousando em seus ombros. Ipezinho foi ágil, segurou a avezinha e colocou-a na gaiola.

O pássaro começou a se debater, mas depois ficou quieto. Logo após, em seu poleiro, começou a cantar uma canção maravilhosa.

Ipezinho sorriu, mas sentiu um aperto no coração, como se fosse um mau presságio.

No entanto, seu amigo estaria com ele para sempre. Nunca mais o perderia; ele, que conhecera as doçuras do amor e da amizade, agora conhecia o apego, a posse. O lindo uirapuru era somente seu agora.

Voltou para casa e ninguém comentou sobre a avezinha da gaiola.

Ipezinho acordava com o som do canto do pássaro vermelho. Ele cantava sempre, mesmo preso, e o indiozinho carregava aquela gaiola para todos os cantos.

Um dia, durante uma caçada, Ipezinho caiu numa armadilha feita por caçadores. Não conseguiu sair do buraco durante muitos dias.

O uirapuru cantava dia e noite... Acompanhando o menino em suas noites de horror e medo... Até que o pai do indiozinho encontrou-o enfraquecido e desmaiado dentro do buraco.

Febre e delírio durante vários dias. Na gaiola, o pássaro vermelho cantava para que Ipezinho voltasse à vida.

Quando Ipezinho se restabeleceu completamente da queda na armadilha, o pai chamou-o para uma conversa. Estava abatido, o rosto tinha um vinco de sofrimento:

— Filho, sua mãe está muito doente. Ficou desesperada com seu desaparecimento e não é mais a mesma. Vou-lhe pedir uma coisa: até que ela se restabeleça, não quero mais que vá para a mata.

Só terá permissão para ficar por aqui na tribo. Sua mãe está desesperada, não quer mais lhe perder.

Ipezinho sentiu um nó na garganta e foi ver a mãe. Estava irreconhecível, febril, alienada:

— Filho, não saia mais de perto de mim... — disse, apertando seu bracinho com força.

Ipezinho conhecera o amor, a saudade, a angústia, o apego, agora, o desespero.

Quando as pessoas amavam, sofriam...

Sua vida mudou completamente. Agora, eram duas gaiolas: a dele e a do uirapuru.

Acabaram-se os mergulhos nas águas do rio, as conversas com os botos, a pesca e a caça.

Acabaram-se a liberdade, a molecagem índia, a vida livre... Ipezinho não saía mais da cabeceira materna, sussurrando ao ouvido da mãe:

— Mãe, estou bem... Mãe, não saio mais de perto da senhora...

O pássaro vermelho batia as asas na gaiola, cantava para a alegria do Ipezinho. No entanto, o indiozinho já não era mais o mesmo...

O dia nasceu dourado e vozes na mata acordavam todos. Ipezinho acordou sobressaltado, o pássaro na gaiola cantava sem parar.

Queria tomar banho no rio, pular, caçar e pescar. Queria gritar bem alto, rir e cantar... No entanto, sua gaiola estava trancada. Os dias se arrastavam e a sua mãe não melhorava...

Um dia, o pajé da tribo confidenciou-lhe com tristeza:

— Ipezinho, nada mais posso fazer por sua mãe! O restabelecimento de Ana está em suas mãos — disse com ar grave no rosto.

O indiozinho saiu da tenda do pajé. Estava triste e cabisbaixo.

Sentou-se e encostou-se no tronco de uma velha árvore. A gaiola à sua frente e o seu lindo amigo cantor, o pássaro vermelho.

Olhou para o céu e viu os pássaros cantando, as asas livres num vôo fantástico. Depois, seu olhar se voltou para seu amiguinho, o UIRAPURU.

Era o seu grande amigo; mesmo preso, continuava cantando sempre. Cantava embalando seu sono para dormir e, nas manhãs ensolaradas, cantava para despertá-lo. Nos dias de chuva, cantava também.

Olhou para a gaiola, um espaço restrito, árido e sem vida... Naquele momento, em que olhou para a avezinha aprisionada, seu coração foi tocado. Naquele momento, sentiu um grande amor e grande compaixão...

Não, o lugar do seu amor, do seu amigo não era ali, e se o amava, deveria querer para ele o melhor...

Respirou fundo... Uma lágrima desceu pelo rostinho torrado pelo sol... E abriu a porta da gaiola.

A avezinha vacilou, por um momento, ficou estática, como se estivesse olhando para ele. Logo depois, pulou do poleiro improvisado e ganhou o céu. Voou tão alto, que Ipezinho não a viu mais...

Ipezinho sentiu uma estranha alegria e parou de sofrer. Quando soltou a avezinha, libertou-se de todos os fantasmas de sua angústia.

Pegou a gaiola e a inutilizou...

Logo depois, o seu pai veio ao seu encontro:

— Ipezinho, sua mãe está melhor. Já se alimentou e pergunta por você.

O indiozinho esboçou um largo sorriso e correu para ver a mãe:

— Ipezinho, meu filho... — disse ela — Não posso mais aprisioná-lo. Querido filho, volte para sua liberdade e seja feliz e que os deuses da floresta o protejam — disse a índia acariciando o rosto do seu único filho.

A manhã veio ensolarada. Ipezinho ganhou a floresta. Estava radiante, pulou, brincou e cantou...

De repente, um farfalhar de asas... E uma avezinha pousou num galho de árvore. Era o pássaro vermelho. Quando ele canta, os sons da floresta ficam inaudíveis. Toda a natureza se curva para ouvir o canto do uirapuru.

Ipezinho, que conhecera o amor, a amizade, o apego, a tristeza, a frustração, agora, conhecia realmente o amor e a felicidade.

Enfiou-se pela mata adentro e não havia mais medo em seu olhar.

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O VERÃO DE 92

(Luís Fernando Veríssimo)

As minhas férias. Composição. 10/3/1992.

Nas férias eu fui quase todos os dias à praia. Apesar dos protestos de mamãe. Mamãe não gosta de praia desde que um parente dela foi dar um mergulho e se dissolveu na água. Meu pai diz que é bobagem, que é só a gente prestar atenção nas bandeiras. Bandeira branca é quando o mar está cheio de detergente. Não há perigo. É só a gente não chegar muito perto da espuma superativada. No ano passado o meu irmão menor, o Tuca, brincou muito com a espuma e está até hoje com uma estranha luminosidade. Dentro de casa não dá para ver bem mas, quando a gente faz o teste da janela com o Tuca, ele brilha. Mamãe sempre grita para a gente ter cuidado para não largar o Tuca da janela do apartamento, mas ele gosta. Bandeira amarela é arsênico. Dizem que também não tem muito perigo, contanto que a gente não abra a boca nem os olhos embaixo da água. Mas no último campeonato de surf que fizeram no Arpoador com bandeira amarela, quando os competidores ficavam de pé na prancha não tinham mais calção e quando chegavam na praia não tinham mais a prancha. E a parafina do cabelo ficava verde e o cabelo começava a cair. O que dava de gatão escaldado! Bandeira vermelha é mercúrio. Também não é perigoso, mas a pessoa deve ficar em observação durante 24 horas depois de sair da água. Se as unhas começarem a encolher, deve-se chamar um médico. Bandeira preta é óleo na água. Isto é o mais comum. É chato porque suja, mas também não tem muito perigo. Até hoje só houve três ou quatro casos de pessoas que ficaram tomando muito sol depois de um mergulho no mar cheio de óleo e se incendiaram. Bandeira preta esfarrapada com caveira é ácido. Isto sim é perigoso. Nesse a onda é que fura você. Neste verão eu inventei de testar a água num dia de bandeira preta e é por isso que estou com o pé enfaixado. Sinto uma falta do dedão...

Mas a praia continua uma beleza, depois que a gente se acostuma com o cheiro de amoníaco e peixe morto. Mesmo quando não dá para entrar na água e sair inteiro há muita coisa para fazer. Castelo de farelo de carcaça, por exemplo. Ou escalar cadáver de baleia. Em alguns trechos a gente enxerga areia por baixo das camadas de marisco podre. Papai diz que antigamente a praia era só areia, mas não dá para confiar muito nele. Ele também diz que o mar era verde e que peixe se comia.

Joguei muito futebol na praia antes de perder o dedão. Era difícil formar os times porque ninguém queria jogar na ponta e pegar um respingo do mar no olho e ficar cego. O chão de osso de peixe rala o joelho da gente e, quando a bola cai na água, explode. Mas foi ótimo. Apesar de tudo, ainda tem gente que nada até além da rebentação. É muito arriscado. O perigo não é o afogamento, é respirar o vapor que sobe da água. Banhista não entra mais no mar para salvar ninguém. Salva por megafone. Fica gritando "Vem! Vem!" e, quando o afogado chega na praia e o banhista vai fazer respiração artificial, não junta mais gente como antigamente. Agora todo mundo sai de perto porque pode esguinchar.

Todo dia tem novidade na praia. Nossa turma ficava torcendo que aparecesse menininha com maiô de crochê, que não precisava nem entrar na água, se desmanchava com a brisa do mar. Teve um dia que uma fileira de caranguejos saiu de dentro da água, andando de lado e meio cambaleando. Dizem que o da frente trazia uma bandeira branca, mas isto deve ser invenção. O cheiro do mar era tão forte que um dia abateu um daqueles aviões que passam com faixa de propaganda. O piloto saltou de pára-quedas sobre a água, mas o pára-quedas, em vez de descer, subiu. Um dia foi uma grande sensação. Apareceu uma gaivota. Todo mundo correu para ver. Eu só conhecia gaivota de ouvir papai falar. A gaivota rodou, rodou e, de repente, mergulhou na água. Quando apareceu outra vez tinha um peixe preso no bico. Mas logo cuspiu o peixe fora e disse - deu para ouvir direitinho, da praia - "pshaft!" Depois voou para longe. Todo mundo riu. Mas não muito.

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O CÂNTICO DA TERRA

(Cora Coralina)

Eu sou a terra, eu sou a vida.

Do meu barro primeiro veio o homem.

De mim veio a mulher e veio o amor.

Veio a árvore, veio a fonte.

Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.

Sou o chão que se prende à tua casa.

Sou a telha da coberta de teu lar.

A mina constante de teu poço.

Sou a espiga generosa de teu gado

e certeza tranqüila ao teu esforço.

Sou a razão de tua vida.

De mim vieste pela mão do Criador,

e a mim tu voltarás no fim da lida.

Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.

Tua filha, tua noiva e desposada.

A mulher e o ventre que fecundas.

Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.

Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu filho.

O algodão de tua veste

e o pão de tua casa.

E um dia bem distante

a mim tu voltarás.

E no canteiro materno de meu seio

tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.

Lavremos a gleba.

Cuidemos do ninho,

do gado e da tulha.

Fartura teremos

e donos de sítio

felizes seremos.

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CASTIGO

(Herniqueta Lisboa, em O Menino Poeta)

Menino fez um mal feito

agora está de castigo.

Passarinho nada fez

e sempre esteve cativo.

Menino só meia hora,

passarinho toda a vida.

E enquanto o menino chora

sal de lágrimas a fio,

passarinho na gaiola

modula a sua cantiga.

As lágrimas do menino

brilham e cantam, são notas

no peito do passarinho.

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ARAUCÁRIA

Araucária,

Nasci forte e altiva,

Solitária.

Ascendo em linha reta

Uma coluna verde-escura

No verde cambiante da campina.

Estendo braços hirtos e serenos.

Não há na minha fronde

Nem veludos quentes de folhas,

Nem risos vermelhos de flores,

Nem vinhos estonteantes de perfumes.

Só há o odor agreste da resina

E o sabor primitivo dos frutos.

Espalmo a taça verde no infinito.

Embalo o sono dos ninhos

Ocultos em meus espinhos.

Na silente nudez do meu isolamento.

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DO CHARCO AO OCEANO

 

Conta a lenda que uma gotinha de água viva marginalizada dentro de um charco. Seu desejo, no entanto, era o de ter vida melhor. Aconselhada por uma gota de orvalho, tentou planejar uma maneira de caminhar em direção ao mar. Não queria ficar aí parada, espalhando maus odores em todas as direções. Sendo evitada por quase todos os seres vivos do planeta, principalmente pelo homem.

 

Ao tentar sair de sua situação, a lama se opôs, porque com sua saída ela poderia desaparecer. O sol e o vento viriam e ela secaria. Os micróbios se alvoroçaram, não teriam, depois, onde viver. E uma multidão de insetos nojentos ficaram tristes, pois exploravam-na, vivendo à custa dela.

 

A despeito de tudo, numa noite escura, enquanto a chuva descia sobre o charco, o nível de água aumentou, e a gotinha, driblando a vigilância dos que a escravizavam, sem ser percebida, escondida pelas trevas, esgueirou-se à procura do mar.

 

Do charco, auxiliada por outras gotas, conseguiu escorregar para dentro de um pequeno fio de água.Todas as gotas haviam tido a mesma origem. Estavam com o rosto sujo, mas caminhavam com uma nova esperança. Precisavam caminhar unidas se quisessem sobreviver e ter uma nova vida. Somente caminhando rumo ao mar haveriam de se purificar e alcançar o seu ideal.

 

A gota foi andando, e logo foi surpreendida com sua primeira grande queda. Caiu porque caminhava. Com a queda parou alguns instantes, rodopiou, depois, ainda tonta, vagarosamente reiniciou a caminhada.

 

Feito um longo percurso, com muitas voltas e quedas, a gotinha do charco entrou num rio maior. O rio ia se alegrando e a água, com o caminhar, tornando-se mais límpida. O ar era fresco e puro, o sol brilhante, o clima agradável, e o perfume alegrava o ambiente.

 

Agora sim, valia a pena viver. E a gota dizia: "Como é difícil deixar o charco quando não se conhece a beleza de uma vida pura. Ou quando não se tem coragem de tentar uma vida melhor".

Por onde passava, a gotinha do charco olhava deslumbrada as milhares de gotinhas que desciam do alto das montanhas, batendo palmas, cantando, para fazer-lhe companhia. Quanta solidariedade! E todas buscavam a perfeição do mar.

 

Lá no charco, escondia-se do sol porque, quando agente não está bem com os outros, procura viver nas tervas. Aqui, o sol se espalhava nela e refletia-se na margem, nas árvores, nas montanhas, no céu.

 

À medida que avançava, as árvores da margem não cansavam de abanar com suas folhas verdes e alegres. As flores sorridentes se espelhavam nela e a brisa lhe acariciava o rosto com dedos de seda.

 

Agora colaborava para dar vida aos peixes. Servir de suporte aos barcos que os homens usavam para carregar alimentos ou como meio de comunicação entre eles.

 

Nas quedas, a gotinha do charco sentia-se mais perto dos homens. Pois era nelas que ajudava a fazer funcionar as hidrelétricas que iluminavam as praças das cidades e as casas dos homens.

 

Na verdade , depois de cada queda, a gotinha do charco parava alguns instantes para mergulhar em si mesma e refletir. Mas não desanimava porque, de queda em queda, aproximava-se do mar. E a perfeição consistia nisto: não parar. Pois, somente quem caminha, tropeça. E todo aquele que cai, para levantar-se deve dar um passo à frente.

 

E a gotinha, contornando obstáculos, escorando-se em barreiras, chocando-se em pedras, alisando rochedos, depois de longo e difícil percurso, contra todas as expectativas, com a cabeça erguida no meio das ondas, feliz e contente se lançou, com entusiasmo, nas águas do oceano.

 

Alguns penhascos que, na margem do rio, assistiam, sentados, à sua entrada no oceano, diziam envergonhados: "Já há séculos que nós velhos, estamos sentados aqui, preguiçosamente, usufruindo das belezas do mar. Apenas olhamos as águas de cima. E até procuramos pôr empecilhos ao seu caminhar. Estamos aqui com os rostos enrugados de teimosia, já todo enferrujados pelos anos e, até agora, apenas soubemos impedir a passagem das gotinhas que deslizam à busca do mar. Cometemos injustiças ao não reconhecer o valor do esforço que fizeram e o caminho cheio de peripécias que se obrigaram a enfrentar para chegar até o oceano. Gostaríamos que ficassem paradas como nós. Por isso, não aceitamos o caminhar da gotinha do charco. Não temos capacidade de julgar o quanto esta gotinha sofreu para conseguir uma vida nova. De quantas quedas ela se levantou, sempre sem desânimo, para poder alcançar o seu ideal, a sua grandeza. Caminhando e, de queda em queda, encontrou a sua maior realização: tornou-se parte do oceano que, com suas ondas, refresca nossos pés, acaricia nossos membros e alegra nossa vida com a maciez de suas espumas brancas."

 

E disseram mais: "Por mais limitado que alguém seja, por mais marginalizado que se sinta, nunca deixará de ser candidato a grandes missões. Pois não se mede o caminhar de alguém pelas quedas que sofreu, mas pela estrela que escolheu. Alguém sempre é medido por aquilo que busca, e não por aquilo que deixa. Tropeçar e cair é próprio de quem caminha. Os preguiçosos, os acomodados, os que não caminham, nunca tropeçam e nunca caem. Morrem cheirando o próprio cadáver. O caminhar de uma, duas, três, de um trilhão de gotas torna o oceano de força imbatível, que impõem respeito, porque enfrenta os mais altos e robustos penhascos. Foi de queda em queda, caminhando sempre, que uma gotinha de água desmoralizada, marginalizada e evitada por todos, deixando o charco, conseguiu superar-se para, com o pouco que tinha, ajudar o mar a ser mais perfeito e buscando assim, a sua realização.

 

É nas quedas que o rio ganha energia.

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