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  1. Divanei Goes de Paula 24/02/2022 17:04 Editar TRAVESSIA VALE DO CAPIVARÍ : Valendo a Vida . Travessia pelo vale do Capivarí , da tragédia à contemplação da vida, em um dos vales mais lindos da Serra do Mar Paulista. Acampamento Cachoeira Trekking TRAVESSIA VALE DO CAPIVARÍ Foi numa manhã um pouco fria, no início de maio de 2015, que a tragédia nos apanhou. Já fazia algum tempo que vínhamos conversando sobre a possibilidade de um dia, termos que sair daquelas expedições, tendo que carregar um corpo e por isso mesmo, havíamos decidido que a partir daquela travessia, iríamos implantar uma série de equipamentos, começando pelo capacete, mas infelizmente o grupo acabou crescendo muito e a recusa por partes de alguns em adotar o equipamento de segurança, acabou por desencadear uma série de acontecimentos que no final, terminaria com uma cabeça rachada ao meio e outro desaparecido e provavelmente MORTO. Por incrível que pareça, apesar de um grupo extremamente grande, a enorme maioria era formada pelo que havia de melhor em exploração e travessias selvagens no Estado de São Paulo, gente tarimbada, acostumada a enfrentar terreno hostil, que só a Serra do Mar Paulista pode nos dar e talvez por isso, o excesso de confiança acabou por nos encaminha para essa tragédia. E a desgraça acabou por começar a se desenhar logo antes da primeira curva do rio. Metade do grupo atravessou para a margem esquerda, mas foi uma travessia tensa, porque o Rio Capivari tem a premissa de ser um rio caudaloso e aquela era uma parte dele onde o seu leito se afunilava e formava uma torrente potencialmente perigosa. A outra metade, não querendo ariscar, resolveu que subiria um grande barranco, cruzaria por cima e encontraria a outra metade um pouco mais à frente, coisa de menos de 80 metros, mas essa tomada de decisão não contava com a instabilidade das encostas íngremes, onde pedras se soltavam apenas com as vibrações dos passos. Do lado esquerdo, olhávamos toda a movimentação do grupo que iria subir o barranco, mas até então, sem nenhuma apreensão, já que essas ações eram comuns e corriqueiras naquelas travessias. Dois exploradores tomaram à frente e escalaram a parede cheia de mato e tomando cuidado para não soltar nenhuma rocha e acabar desencadeando uma avalanche de pedra sobre quem estava embaixo, esperando a sua vez de subir. Aqui preciso abrir um parêntese: O Eduardo Loures havia convidado uns amigos para essa expedição, mas esses amigos dele, já começaram a dar pit quando havíamos botado os pés no rio. Os caras não tinham se dado conta de que aquelas travessias não eram caminhadas clássicas, como por exemplo uma Serra Fina, uma Marins x Itaguaré, que são travessias duras, mas comparadas com essas travessias selvagens, não passavam de um passeio no jardim da infância. Quando viram o tamanho da encrenca, começaram a definhar e se perguntarem se valia a pena continuarem seguindo ou se deveriam voltar e quando viram que tinha que escalar uma parede protegida pelos guardiões do inferno, aí foi que começaram a aloprar a cabeça do Eduardo e ele se sentiu na obrigação de abrir caminho para seus 3 amigos, como a tentar incentivar os caras a seguirem em frente. Nesse tempo de indecisão, os DOIS EXPLORADORES que subiram o barranco primeiro, sumiram no mato, pensando que o grupo estava vindo na sua cola, já que foram abrindo o caminho e deixando um rastro atrás de si. E ainda do outro lado do rio, eu, o Marcos Prince e mais seis aventureiros, continuávamos acompanhando toda a movimentação, só esperando que o grupo todo subisse o barranco e depois descendo, atravessasse o rio num lugar mais raso e viesse se juntar a nós do lado esquerdo. A situação ficou tensa com os três amigos do Loures, que já estavam quase dando meia volta, então o Loures decidiu que abriria caminho no barranco, escalando também a parede e tentaria encontrar o rastro de trilha que os dois exploradores haviam deixado. Segundo o que me contaram, o Loures subiu se agarrando no mato e foi aí que a tragédia começou a se desenhar de verdade: Uma PEDRA GIGANTE de uns 30 kg se desprendeu do barranco e rolou na direção da cabeça do Loures e só houve tempo dele tentar desviá-la com a mão, mas mesmo assim, ela atingiu sua cabeça e ele despencou, caindo no chão ensanguentado e totalmente desnorteado. Do outro lado do rio, conversávamos descontraídos, sentados sobre uma grande rocha, só esperando que os caras se juntassem a nós. Mas foi com grande surpresa que ouvimos silvos de um apito que era precedido com balançar de braços, indicando claramente que alguma merda havia acontecido. Rapidamente retornamos, atravessamos novamente o rio e já encontramos o Eduardo Loures recebendo os primeiros socorros e tendo sua cabeça totalmente enfaixada. Estava consciente, mas com os olhos arregalados, como se tivesse totalmente fora de si. A ação foi rápida, não havia telefonia para se chamar um possível resgate, então decidimos evacuar o ferido nós mesmo, já que ele ainda podia caminhar, mesmo que amparados por duas pessoas, afinal de contas, ainda estávamos no máximo há umas 2 ou 3 horas de onde se podia conseguir um socorro. Mas uma pergunta precisa ser respondida: Que fim havia levado os dois exploradores que haviam subido o barranco e não retornaram? Pois é, ao invés de voltarem, continuaram descendo, pensando que o grupo estava no seu encalço e na serra do Mar a gente sabe que uma vez que você desce um barranco, voltar a subir é algo quase impossível ou ao menos muito penoso. Então ao descer para o outro vale, se mantiveram parados, esperando que o grupo pudesse se juntar aos dois, coisa que não aconteceu por causa do acidente. Vendo que os dois não voltavam, destacamos uma pessoa para tentar descer o rio por um instante a fim de localizar os desgarrados, enquanto dois ou três ficaram parados no lugar do acidente, caso eles retornassem. Quem desceu o rio não os encontrou, mas ficamos sabendo que os dois ouviram os apitos, que eram o alerta para que eles retornassem, mas os dois fizeram uma leitura errada e ao ouvirem o som dos apitos no rio, pensaram que todo o grupo tinha mudado de estratégia e ao invés subirem também o barranco, teriam atravessado o rio e já estavam todos no fundo do vale e aceleraram o passo a fim de nos alcançar e acabaram foi se distanciando mais. O resumo daquele dia de expedição foi um com a cabeça quebrada e dois perdidos no vale. O Eduardo Loures foi levado ao hospital, onde recebeu todos os cuidados e levou umas duas dezenas de pontos na cabeça. Eu e mais três exploradores nos posicionamos estrategicamente e acampamos na antiga usina, onde começa a descida do rio, a fim de esperar caso os dois resolvessem retornar. Passou-se o resto do dia, a noite todo e quase o meio dia posterior e ninguém retornou, então chegamos à conclusão de que os dois desgarrados haviam descido o vale e mesmo sabendo que era um vale extremamente perigoso, confiávamos plenamente na capacidade dos dois, mas mesmo assim, resolvemos retornar para a cidade, mais precisamente para a casa do Prince, onde conseguimos um carro para nos levar até o litoral, até a aldeia indígena, onde seria a saída, o final de toda a travessia e assim, poderíamos ajudar os dois a voltarem para casa mais rápido, evitando que perdessem quase um dia andando numa estradinha enfadonha para chegarem ao litoral. No final do terceiro dia, desde que começamos a expedição, chegamos à tribo e lá encontramos, já na entradinha, um dos dois exploradores. Surpresos por não encontrarmos os dois juntos, perguntamos onde estaria o outro e ficamos sabendo que os dois haviam se separados no início da manhã. Houve um desencontro, depois que um resolveu seguir um pedaço pelo rio, enquanto o outro resolveu varar uns 80 metros de mato morro acima, para evitar a água gelada. O que foi pelo rio esperou o que foi pelo mato e vendo que ele não chegava, nadou de volta até onde haviam se separado, mas também não o encontrou mais e depois de esperar por muito tempo, resolveu seguir descendo pelo rio, muito porque, já estavam na parte plana do rio, onde não havia mais perigo algum, estando eles a não mais que 3 horas da trilha que os levaria direto para a aldeia indígena. Vendo que faltava um dos companheiros de aventura para sair do mato, resolvemos que acamparíamos na tribo para poder recebe-lo, já que ainda havia a possibilidade dele estar por chegar. Mais ele não chegou, nem naquela noite, nem no dia seguinte, o que nos levou a pensar que ele poderia ter tomado o rumo contrário, já que ao interceptar a trilha que leva à aldeia, também havia a possibilidade de pegar outra trilha subindo para a Estrada de Ferro e de lá caminhar uns 10 km até onde se pode pegar um ônibus para voltar para São Paulo, então, tomamos o caminho de casa e retornamos, eu para o interior Paulista e os outros foram se perder nos quatro cantos da região metropolitana. Já em casa na segunda-feira, soubemos que, apesar da gravidade, o Loures estava super bem e já em boa recuperação, mas por hora, o outro explorador ainda não havia dado notícias, mas até então não achamos que deveríamos nos preocupar, já que naquela época a comunicação era horrível, sendo que a telefonia móvel ainda deixava muito a desejar, além do que, os celulares poderiam estar descarregados. Passou toda a segunda, passou toda a terça-feira e nada do desaparecido dar sinal de vida, aí foi hora de acender o alerta. Destacamos uma pessoa para ir até a casa dele para saber se havia dado alguma notícia para os parentes ou se até já estaria em casa, mas as notícias não eram nada animadoras, então havia chegado o momento difícil que nunca imaginávamos ter que enfrentar: HORA DE ACIONAR O RESGATE. Os seis meses que se seguiram foram de tempos difíceis para todo mundo, mesmo que o resgate só tenha ficado na serra por pouco mais de uma semana, acabamos nos mobilizando por meses, para tentar encontra-lo, mas esse é um mistério que perdura até os dias de hoje e dizer o que realmente aconteceu, é só especulação e sinceramente, vou me abster de entrar nesse mérito e só contei essa história porque realmente não tive como evitar, porque todo o clima que antecedeu essa nossa NOVA TRAVESSIA, passado anos depois dessa tragédia, estavam ligados entre si . Depois dessa tragédia, parte do grupo se reciclou, alguns nunca mais voltaram a se juntar, mas outros continuaram unidos e cerca de um ano depois, voltaram aos projetos de explorações selvagens na Serra do Mar e em muitos outros lugares Brasil afora, mas o Vale do Capivari ficou como uma pedra no sapato, uma travessia entalada na garganta, pelo menos dos que ainda seguiram nesse tipo de aventura. Muitas foram as vezes que cogitamos a volta ao vale, mas havia algo que nos barrava sempre, ou eram as mudanças repentinas de tempo ou a gente que acabava por inventar desculpas esdrúxulas para não realizar a travessia, sei lá, formou-se uma barreira psicológica do qual parecíamos não conseguir transpor. Sobre as minhas costas, pairava esse fracasso, essa travessia inacabada, uma espécie de fardo que eu tinha que eliminar da minha vida, precisava passar uma borracha para poder seguir, afinal de contas, já havia se passado meia dúzia de anos desde o fatídico dia. E aí, as coisas começaram a acontecer do nada, quando procurávamos ver se alinhávamos alguma travessia e foi quando alguém sugeriu do nada, que fizéssemos a TRAVESSIA DO VALE DO CAPIVARÍ. Na hora meio que tomei um susto, porque não esperava que ela poderia entrar na pauta ainda esse ano, mas mesmo diante de um calafrio repentino, comprei a ideia, mas pouco depois de dar o meu sim, me senti um pouco mal, não sei, parece que ainda não estava preparado, mas mantive meu compromisso. O grupo que estava por se formar, eram de pessoas muito diferentes das que estiveram na primeira tentativa do passado, muito porque, foram poucos que ainda se mantiveram na ativa e os que ainda estavam no grupo, haviam sobrado apenas eu e mais um( Trovo) e mesmo assim, esse outro sobrevivente não conseguiu data para poder ir, então pedi para os caras, pelo menos uma ou duas vagas para eu tentar chamar alguém do grupo de 2015, porque poucos eram os que eu realmente teria um grande prazer em retornar naquele vale e por fim, conseguimos convencer dois a descerem com a gente, mas não eram dois quaisquer, eram simplesmente o EDUARDO LOURES E O MARCOS PRINCE, dois protagonistas, não só daquela tentativa de descida no passado, mas também dois dos ícones das explorações Selvagens da Serra do Mar, que começaram comigo uma dezena de anos atrás e isso me deixou extremamente contente. O grupo foi tomando corpo e para completar a seleção, Paulo Potenza, Alan Flórido e Júlio Ronchese, formaram um dos “elencos” mais forte que já tivemos, ainda que hajam outros, que não puderam estar com a gente e a partir daí, começamos a monitorar o tempo, que a priori, estaria perfeito para essa travessia. EM PÉ: ( Paulo Potenza, Júlio Ronchese, Divanei, Eduardo Loures) AGACHADOS: ( Alan Flórido e Marcos Prince) Na semana que antecedeu a expedição, eu estava tenso, muito tenso. Muito porque, o tempo começou a mudar e outros exploradores, além de caírem fora, ainda começaram a fazer piadinhas macabras sobre a situação atmosférica , que havia virado para frio e chuva, além de outras tantas conversas sobre possíveis acidentes, mesmo que isso viesse em tom de brincadeira, mesmo assim, aquilo foi me deixando com o nervo a flor da pele , mas a gota d’água veio quando um amigo me mandou uma mensagem e essa não era em tom de galhofa, me dizendo que havia sonhado com uma tragédia na travessia. Fiquei mais apreensivo ainda, mas toquei o foda-se, como sempre faço em relação a essas coisas, “dito sobrenaturais” e além do mais, eu mesmo tinha prometido ao Loures que desceria aquele rio com ele, nem que fosse o dia do juízo final, já que eu estava devendo isso pra ele, por já ter dado mancadas de outras vezes. O Rio Capivari localiza-se no extremo sul da cidade de São Paulo. O lugar é tão distante do centro da capital, que mais um pouco, já estamos no litoral. O lugar é tão surreal, que além de comportar o rio mais limpo da cidade, ainda tem a honra de abrigar a maior cachoeira (Cachoeira da Usina), algumas aldeias indígenas e estar próximo do Bairro da Colônia, que fica surpreendentemente dentro da cratera de um meteoro. É um rio extremamente volumoso, um pouco acima das características da maioria dos rios da Serra do Mar, mas com acesso relativamente fácil, sendo frequentado na parte do planalto, onde há até camping estruturado. Mas a partir da Cachoeira da Usina, onde o rio se joga do planalto em direção a planície litorânea, ele se torna num monstro quase indomável, pronto para arrastar qualquer um que se meta em seu caminho, aonde paredões e gargantas quase intransponíveis ficam à espreita, tentando aniquilar os desavisados que lá se metem. Mas tinha um outro, porém. As coisas haviam mudado um pouco desde 2015 e agora a fiscalização na linha férrea, que é o caminho natural até a Cachoeira da Usina, estava muito mais intensa e não foram poucos os que foram barrados e obrigados a retornar quando se dirigiam para visitar a grande cachoeira. Além do mais, na programação inicial, voltaram a discutir a possibilidade de tentar pegar o trem de cargas que desce a Serra do Mar para podermos passar pela fiscalização encima dele, sem levantar muita suspeita, mas isso me remeteu novamente a primeira expedição de 2015, quando pegamos o trem a noite e ao saltar dele em movimento, tropecei num dormente e fui arremessado no chão e sai rolando com mochila e tudo e ao me levantar, estava todo ralado e por muito pouco, não tinha me espatifado contra as paredes de um túnel . Essa questão do trem estava tirando meu sono, eu não queria mais subir naquela desgraça, não a noite, mas o Júlio e o Prince insistiam que era o melhor a fazer, porque nos evitaria uma dezena de quilômetros de caminha enfadonha pela linha do trem, além de nos protegermos contra a fiscalização, mas eu estava resoluto e fui confabular com o Loures sobre a gente deixar os caras irem de trem e nós irmos a pé mesmo, já que todos tínhamos um só destino, que era a usina em ruínas. Mas o Eduardo loures, além de comungar com minha ideia, fez mais, propôs que a gente pudesse arrumar 2 veículos que nos levasse bem perto, há não mais que 3 km de caminhada da trilha de acesso a usina, evitando que tivéssemos que usar o trem. Às nove da noite, na estação Santo Amaro, me encontro com Júlio, com o Potenza e com o Flórido e a última vez que fizemos algo juntos, foi na Expedição ao cume do Eixo em Ilhabela, alguns anos atrás e dessa vez a travessia prometia ser sensacional. Pegamos um ônibus para Parelheiros e lá nos encontramos com o Eduardo loures e o Prince, cada um em um carro, com seus respectivos motoristas e em pouco mais de uma hora, estávamos passando pela Estação Evangelista de Souza, lá perto do Bairro da Barragem, um fim de mundo perdido a meio caminho de lugar nenhum. A noite estava ainda meio embaçada, alguns chuviscos esporádicos e a partir da estação histórica, seguimos por uma estradinha paralela até que ela nos devolveu novamente à linha de trem, onde passamos no silêncio total a fim de evitarmos ser pegos por alguém. A caminhada nesses quase 4 km de linha férrea, foi meio tensa, já que a todo momento pensávamos que pudéssemos ser pegos pela fiscalização, mas menos de uma hora depois, abandonamos ela em favor de uma trilha à direita, que em mais meia hora nos desovou direto ao Rio Capivari, bem onde antes havia uma ponte que se sustentava sobre trilhos e que hoje só sobraram 2 ou 3 trilhos paralelos, que não tardam em cair também e é por ele que temos que seguir. É possível cruzar o rio por baixo da ponte se valendo de uma corda, mas aí tem que ver a profundidade do rio, ter que tirar a roupa e as botas, então fomos por cima, mas é um tanto ariscado, trabalhoso e é possível que uma hora alguém despenque daqueles trilhos e cause mais um acidente grave e para falar a verdade, quando se está lá no meio da ponte é que você se arrepende da estupidez que resolveu fazer. Por mais uns 20 minutos, seguimos descendo, usando uma trilha enlameada, que faz alguns descer de quatro pés, até que nos vimos na entrada do grande galpão da antiga USINA DO CAPIVARI, hoje completamente em ruínas. Na verdade, em 2015 ela já estava bem deteriorada, mas agora até o teto caiu e a gente ficou vendidos, sem saber onde acampar, já que o próprio chão é um mar de lamas e entulhos. O Loures e o Júlio esticaram suas redes nas paredes que ainda se mantiveram em pé, já o resto do grupo subiu na laje dos dois banheiros, limpou os entulhos de telhas e esticou uma lona encima e embaixo e lá nos esticamos até as sete horas da manhã. Olha que maravilha !!!! O dia que amanhece é um dia quente, de muito sol e totalmente aberto, tanto que é possível ver até os prédios lá do litoral, coisa rara em se tratando de Serra do Mar. A previsão era a pior possível, mas não era o que estávamos presenciando naquela manhã e tudo estava correndo tão bem que isso chegava a me assustar um pouco. Mas não poderíamos nos enganar, podia ser uma grande cilada do Vale do Capivari, porque até ali na usina todo mundo chega, mas dali para baixo é terreno reservado à meia dúzia, cada metro daquele vale seria uma surpresa, por isso nos agarramos uns aos outros e demos início a mais essa AVENTURA. Era agora ou nunca mais, finalmente eu estava de volta ao meu maior pesadelo e como sempre digo, É CHEGADO A HORA DE BOTAR A FACA NOS DENTES. Depois do acidente de 2015, o único que teve a oportunidade de descer o vale foi o Prince, mesmo porque ele é morador ali da região, na verdade desceu mais de uma vez e em duas oportunidades, estava acompanhado do Júlio Ronchese, mas a gente sabe que nunca se desce o mesmo vale, sempre que se retorna, o caminho não é o mesmo, mas claro, sempre tem algumas passagens que ficam gravadas, então esperávamos que eles se lembrassem desses caminhos para facilitar um pouco nossa progressão, porque não tínhamos mais que três dias para realizarmos todo a travessia até o litoral. Saindo de dentro da USINA em ruínas, pegamos para a esquerda. Andamos por cinco minutos e nos detivemos por uma meia hora, junto a um pequeno córrego que é um afluente do rio, para tomarmos um café, mas ainda sem acessar o vale. A descida até o Rio Capivari é feita usando uma espécie de escadaria de cimento e logo de cara somos apresentados a MAIOR CACHOEIRA da cidade de São Paulo. A CACHOEIRA DA USINA é mesmo um monstro, despenca de mais de 60 metros, afunilada numa gargantinha lateral e é por causa dela que a usina existiu. Ali, diante daquele monstro aquático, ficamos parados por um tempo para contemplações. Mas é preciso ficar esperto porque é um terreno mais liso que costas de lobó e qualquer descuido pode levar a um acidente grave, porque pouco dá para ficar em pé. Tirada todas as fotos que foi possível, seguimos margeando do lado direito, varando algum mato até descermos quase uns 200 metros abaixo da cachoeira, onde uma gruta de granito forma um grande salão e esse é um dos pulos do gato para continuarmos seguindo, é ali que está a passagem secreta para o grande vale. A GRUTA DE PASSAGEM é uma formação natural, onde uma espécie de claraboia vai nos levar para o outro lado, mas a passagem é tão estreita que o Florido foi obrigado a ser puxado por cima e empurrado por baixo para poder desentalar. Ali tem que ter mesmo uma certa habilidade de escalador e mesmo os mais ágeis vão sofrer um pouco, meio que parecendo que você está vivenciando um parto, é como sair do útero da sua mãe. Claro que seria possível varar mato pelas paredes laterais, mas o terreno é terrivelmente perigoso e as pedras rolam o tempo todo e tivemos essa desagradável experiência em 2015, que veio a culminar com o acidente grave, portando a passagem pela gruta foi um excelente achado e ainda nos deu a possibilidade de podermos cruzar o rio em um ponto menos perigoso. Estamos descendo a grande reta do rio. De qualquer lugar, ainda é possível visualizar a grande Cachoeira da Usina, mas menos de 100 metros antes do rio se curvar de vez, é preciso cruzar para o lado esquerdo do rio, tentando se manter em pé na correnteza e tomando cuidado para não ser levado. Essa é a hora de molhar as bolas, é o batismo definitivo, é quando realmente você fica sabendo que não tem mais volta, é quando a água extremamente gelada faz você acordar, faz você lembrar que aquilo ali não é um passeio e que você está diante de uma das mais desafiadoras travessias do Brasil. É um sacode que o rio te dá, ele grita na sua cabeça para você ficar esperto, respeitar e se apegar à oportunidade que será lhe dada, sair vivo agora é com você, é hora da concentração, olhos firmes, passadas decisivas para não errar o pulo e não se quebrar todo. Abandonamos tudo, deixamos para trás a grande queda, demos um adeus e quando o rio se curvou definitivamente e entrou numa sequência de gargantas, caímos no mato pela esquerda de quem desce o rio. Estávamos na cota 550 de altitude e agora o que nos restava era abrir mato no peito, escalar grande paredes, escorregar de vale em vale, atravessar pequenas depressões até que os meninos que iam à frente de batedores , conseguiram descer um barranco que nos levou acima de uma grande cachoeira, de onde o rio se jogava no vazio, então foi hora de nos sentarmos por um instante, apreciar o salto e comer alguma coisa, já que a manhã chegou a sua metade e o relógio marcava umas 10:30 e a barriga roncava um pouco, mas ainda não era hora do almoço. Voltamos para o mato e começamos a descida na tentativa de interceptarmos a base da cachoeira. Continuamos pelo lado esquerdo e fomos comendo mato, perdendo altitude entre grandes buracos, que eram atravessados alcançando seu fundo e voltando a subir do outro lado da parede, num terreno totalmente instável, aliás, como todo os terrenos que compreendem a Serra do Mar de São Paulo. Ficamos enroscado, sem encontrar uma mísera rampa que pudesse nos devolver ao rio, até que resolvemos encarar uma fenda de um pequeno afluente, onde ao descermos, desencadeamos uma avalanche de matérias soltos até que finalmente tocamos o solo e consequentemente o rio. O meu sentimento sobre o Rio Capivari, sempre foi achar que era um rio sombrio, com pouca luz, cânions fechados com pedras lisas, onde a mata abraçava tudo, mas minha impressão foi desabando, como as pedras que se ancoram nos barrancos ao serem tocadas. Mas tocado, foi o meu coração diante daquele cenário. O rio se abriu e de cima de nossas cabeças, desabava uma cachoeira deslumbrante, com várias quedas, se espalhando de um lado ao outro, sendo finalizada com uma outra grande queda que se jogava num poço que se escondia atrás de outra grande pedra. Cada qual soltou sua mochila, deixou em qualquer lugar e se jogou no rio atrás do melhor ângulo, numa corrida frenética para ver quem chegava primeiro na rocha que dava de frente para o grande espetáculo. O dia chegara a sua metade, o tempo melhorou consideravelmente e mesmo a água ainda estando um tanto fria, não vimos problemas em nos esbaldarmos de tanto nadar de um lado a outro e teve os mais afoitos que foram mais longe, tentando pegar uma boa foto da galera reunida encima da grande rocha que adornava o leito do rio, na COTA 500 de altitude. Aquele era um grupo forte, não tínhamos dúvida disso, mas além da grande experiência que cada membro daquela expedição carregava, a gente se juntou numa comunhão poucas vezes vista, cada um ajudando o outro a superar os obstáculos e talvez isso tenha feito a gente ir ganhando cada vez mais confiança e ir dissipando a áurea ruim que se abateu sobre a gente antes da descida desse rio. A descida do rio foi fluindo, fomos vencendo etapas, às vezes boiando em corredeiras potencialmente perigosas, outras vezes nadando em remansos tranquilos, onde poços fundos eram cruzados de um lado a outro e pedras eram escaladas de um lado e serviam de escorregador natural para irmos perdendo altitude e avançando, mesmo que lentamente, mas sempre seguindo. Depois de perdermos bastante altitude e nos enfiarmos de vez num mundo completamente selvagem e sem chances nenhuma de escaparmos de lá, tendo que contar com ajuda de alguém, a gente se sente só. Somos meia dúzia de humanos que vagueiam num ambiente completamente hostil, tentando sobreviver a nós mesmos e as besteiras e erros que podemos cometer. Somos reféns das nossas próprias escolhas e escolhemos estar ali, mesmo que o mundo nem saiba onde estamos, mesmo que sejamos apenas meia dúzia de vidas alheias ao mundo, presos no centro selvagem de uma serra quase intransponível, mesmo assim, somos tomados por uma satisfação indescritível, porque a gente ama fazer isso. Pouco antes de uma da tarde, fomos descendo meio que emparedados, passando por algumas piscinas naturais com águas muito transparente, até darmos de cara com uma bela CACHOEIRA, que despencava de um afluente que vinha da nossa esquerda, uma queda d’água estreita, mas caindo de uma parede até com uma altura considerável. Ali formou-se um cenário muito bonito, onde troncos gigantes enfeitavam o leito do rio, eram arvores mortas dando vida e beleza ao lugar. As paredes foram se fechando e se elevando, formando uma fortaleza quase que intransponível e a gente foi se afundando cada vez mais num caminho sem volta, tanto que eu estranhei muito a atitude do Prince e do Júlio, que não caíram fora daquela armadilha e não tomaram o caminho do mato, subindo o barranco bem antes para podermos nos librar daquela arapuca. Fomos nos enfiando, desescalando grandes pedras, aliás, eram pedras cada vez maiores e estava na cara que ia chegar um certo momento no rio que a vaca iria para o brejo. Mesmo assim continuamos seguindo, confiando de que os meninos tinham um plano, já que estiveram ali outras vezes, mas chegou uma hora que o caminho se fechou de vez, não havia mais como continuar descendo, fim da linha para nós, parecia que o terreno simplesmente havia nos levados para uma cilada. À nossa frente, apenas um buraco que sugava parte do rio e parecia encanar a água para as entranhas do inferno. Uma CAVERNA formada por grandes matacões sobrepostos. Essa era a passagem secreta que segundo o Júlio e o Prince, nos levaria para o mundo de baixo, vencendo um desnível importante, que nos faria avançar sem ter que escalar grandes paredões ao nosso redor. No começo duvidei que fosse possível descer ali, primeiro porque nos pareceu ir além da nossa capacidade em dominar ambientes perigosos, do qual um simples escorregão, poderia significar um acidente grave, mas o Júlio tratou de mostrar que era possível e se enfiou no buraco, levando água gelada na cara e ao descer uns 2 metros ou 3 metros, conseguiu apoiar os pés numa pequena ranhura de pedra, até se pendurar e ir perdendo altura e ganhar novamente parte do leito do rio. Aquela ação, sem nenhuma proteção, me pareceu meio suicida e não tardei em protestar e pedir para que se instalasse uma corda de proteção ali e minha voz foi seguida com um coro de outras vozes, até que sacamos logo uma cordinha e na ponta dela, dois aventureiros fizeram a proteção. Me enfiei no buraco. Uma mão na corda e a outra caçando rocha para me segurar, num esforço tremendo, usando meu corpo para fazer atrito nas pedras, até alcançar algo que me desse sustentação e apoio para os pés e também baixei ao rio, reencontrando minha mochila, que havia sido passada sem mim, já que a porta do inferno era tão estreita que mal passava um homem magrelo. Quando todos desceram, seguimos, mas como eu já havia dito, apesar do dia estar com um tempo muito bom, apesar das previsões de muita chuva, a água continuava um pouco fria, mesmo já beirando as duas da tarde e eu já começava a sofrer com isso. A sequência que se seguiu, foi de muitos poços e corredeiras e toda vez que a gente era obrigado a cair na água, eu nadava desesperadamente, tentando sair logo e mal respirava. Escalávamos as paredes laterais até quando dava e quando ela simplesmente se tornava quase uns noventa graus de inclinação, não tinha jeito, erámos automaticamente catapultados para dentro do rio profundo. Se por um lado isso se tornava algo muito divertido, por outro lado, era a hora do sofrimento com as baixas temperaturas dos lagos profundos. Eu tentava usar minhas habilidades de escalador meia boca o máximo que podia, mas a força da gravidade se encarregava de zoar com a minha cara e me jogava na água , só para ver o meu desespero, nadando feito um maluco . Mas a gota d’água se deu pouco depois das três da tarde, quando a sequência de saltos para dentro do rio se tornou frequente. O rio não deu mais tréguas, era subir numa pedra e já se jogar e nessa hora eu fui definhando, de tal maneira que já não conseguia mais gerar calor. Aí já sabemos qual é a sequência dessa história, porque já fica difícil raciocinar, manter a concentração e cuidar da segurança. Fiquei amoado, não queria dar o braço a torcer, não queria ser o responsável por quebrar o ritmo que até então, era intenso e fui cada vez mais sofrendo com isso, tremendo de uma tal maneira que mal conseguia falar e já estava nadando com sofrimento e senti que já era o fim da linha para mim. Quando nos elevamos em mais uma rocha, avistamos do outro lado uma PRAINHA DE SEIXOS, junto a um lago de águas transparente. Era um lugar incrivelmente belo, um paraíso que se apresentava à nossa frente, como uma tábua de salvação que se apresenta para um naufrago. Quando vi que parte do grupo se dirigiu em direção a ela, já saquei que ali seria o lugar do nosso acampamento, então saltei pela última vez na agua aquele dia e meio capenga, nadei o mais rápido que consegui e quando meus pés tocaram as pedrinhas da praia, joguei minha mochila ao chão e cai sobre a quentura da rocha e lá fiquei por um bom tempo, deitado, recebendo o calor do sol, até que recobrei as energias e fui retirar a roupa molhada e vestir roupa seca. Não poderia haver lugar melhor para acampar. Uns 10 metros longe do rio e acima o suficiente para não ser pego por uma cabeça d’água, um terreno plano e cheio de grandes árvores, nos dava tranquilidade para fazermos daquele lugar, nossa casa por uma noite. Cada qual tratou de montar suas redes, conforme seus equipamentos. Como ainda era muito cedo, alguns trataram de colocar suas coisas para secar, enquanto outros já foram cuidar da janta, mas eu, assim que armei minha rede, tratei foi de me jogar para dentro do saco de dormir e tirar um cochilo e só lá para as cinco da tarde é que fui fazer algo para comer, mas aí já renovado. O Loures já fez logo um banquete junto com o Prince, mas eu também não me furtei em fazer uma janta encorpada e fiz questão de comer até não aguentar mais. De barriga cheia, ficamos no ACAMPAMENTO DA PRAINHA DE PEDRAS, apenas jogando conversa fora e vendo a vida passar sem compromisso algum, enquanto alguns outros malucos resolveram tomar banho, coisa que nem me passou pela cabeça, já que havia tomado 528 banhos ao longo do dia. A noite foi maravilhosa e 12 horas de sono é capaz de renovar qualquer pessoa, muito porque, sabíamos que o dia seria de desafios intensos, que a nossa frente teríamos um terreno duro onde seríamos desafiados pela mãe natureza . Estávamos ali, mais ou menos na cota 370 de altitude e logo de cara iríamos ter que desafiar uma garganta gigante. Atravessamos o rio logo pela manhã, antes das oito e isso é algo que nos traz um certo sofrimento, o de ter que se jogar na água fria tão cedo. A caminhada segue no mesmo ritmo de sempre, revezando travessias de rios, pulo em poço, escalando paredes laterais, varando algum matinho. Tudo corria conforme os protocolos, mas em um desses pequenos vara mato, afim de nos livrarmos de uma pequena garganta, mas que era impassável pela água, fomos tentar subir um barranco pela esquerda, sendo que o Júlio e o Potenza tomaram à frente, enquanto eu e o Loures nos mantínhamos atrás e abaixo deles. Era uma parede de quase 90 graus, onde a gente tinha que se valer das raízes para ganharmos altura. O Potenza ganhou uns 3 ou 4 metros da gente e num movimento rápido, deslocou uma pedra de mais de um quilo, que surpreendentemente, mais uma vez, veio a EXPLODIR bem na cabeça do Loures e depois chocou-se contra o meu ombro. O Loures ficou parado, olhos arregalados. Demorou um tempo para que ele dissesse algo e eu mesmo nem tive forças para falar nada na hora. Eu e o Loures nos olhamos e não teve como não nos vir a cabeça a tragédia de 2015, era como se o vale nos desse o recado, de que deveríamos nos apegar a segurança e por sorte, o Loures dessa vez, estava munido com um resistente capacete de escalada e não sofreu nada, só o susto e a lembrança de tempos difíceis passado no mundo da aventura. Passado essa vara mato, voltamos ao rio bem encima da grande cachoeira, um gigante que se jogava vale abaixo, então tivemos que subir um grande barranco e começar a varar mato até atingir uma altitude considerável e descermos numa diagonal nos valendo de um afluente seco até nos vermos de volta ao rio, mas agora aos pés da grande queda d’água, hora de parar e apreciar essa grande obra da natureza. Ali estava ela, a grande CACHOIERA DOS TREZENTOS, que é como eu chamei ela desde os primeiros estudos há muitos anos atrás, por estar localizado mais ou menos na cota de altimetria dos 300 metros. É um gigante despencando num vale aberto, mostrando todo o poder desse rio, um volume de água avassalador que despenca abaulada, em um salto que tem seguramente mais de 50 metros de altura, mas que, do lado que estamos, nem é possível vê-la na sua totalidade. Largamos as mochilas e corremos para escalar suas grandes pedras e nos posicionarmos o mais perto possível da sua queda. O grupo estava frenético, em êxtase, por termos a consciência de estarmos em um lugar onde poucos tiveram a chance de estar e aproveitando o momento, tratamos logo de mandar um “CHUPA” para os amigos que desistiram e outros que desdenharam, uma brincadeira que fazemos com a galera que sempre nos acompanha nessas aventuras no coração da serra do Mar. Abaixo dessa queda, coisa de não mais que uns 10 minutos, o rio Capivari simplesmente resolve se espremer e se joga numa garganta incrível, fim da linha para a gente, o jeito foi retornar e tentar um vara mato pela direita, desviando de enormes blocos de pedras, abrindo caminho num mar de espinhos e pedras soltas até conseguimos sair em um afluente, onde uma cachoeirinha nos barrou a passagem. Estávamos dentro de um vale e a nossa frente, uma parede nos barrava o caminho e vimos logo que nosso destino seria tentar descer o riacho para voltar ao rio Capivari, torcendo para que ele nos levasse bem abaixo do salto da garganta. O Júlio instalou a corda e desceram no exato lugar onde o vale começa, já eu e o Loures, aproveitamos a sobra da corda e baixamos ao fundo do vale um pouco mais à frente, mas ao descermos por uns 50 metros, fomos obrigados a nos valer novamente da corda para vencermos mais um degrau. Fomos desescalando, perdendo altitude e ouvindo cada vez mais perto o barulho do rio se jogando e em vinte minutos desembocamos justamente no GRANDE POCO, de onde uma CACHOEIRA de uns 20 metros emoldurava um lugar de sonhos. Aquela GARGANTA, sem dúvida, perfazia uma das coisas mais bonitas já vistas nesses rios paulistas e não tardou para os mais malucos escalarem uma grande pedra e saltarem de lá para dentro do poço profundo, mas é um salto ariscado porque uma correnteza pode levar o cara direto para um salto mais abaixo, onde a chance de sair vivo não é lá muito grande. Aliás, o Prince e o Júlio disseram que talvez fosse possível continuar seguinte, tentando desescalar a próxima cachoeira, mas numa análise mais apurada, decidimos que o risco não valeira a pena e poderíamos correr o risco de ficarmos emparedados, então nos reunimos para tomar uma decisão sobre a sequência daquela expedição. É preciso abrir um parêntese : esse afluente que usamos pra chegar até essa GARGANTA, com certeza é o único caminho viável para se chegar até aqui, caso contrário, corre-se o risco de passar direto e não conseguir acessar essa parte do rio, mas por hora, também não nos pareceu ser possível mesmo, conseguir descer depois da garganta partindo do seu grande lago, então a única decisão para seguir com segurança, foi subir novamente pelo afluente até as suas cachoeirinhas e de lá empreender um vara mato na diagonal até atingir o final da garganta, uns 100 metros de desnível, mas antes disso acontecer, esteja preparado para tomar um surra do terreno. Portando, abandonamos de vez a GRANDE GARGANTA DO CAPIVARI e voltamos a subir o afluente que havíamos pego para chegar até ali. Subimos de volta até as cachoeirinhas, onde instalamos novamente a cordinha para facilitar a subida até um degrau, onde poderíamos passar para o lado esquerdo do riacho, vencendo uma parede íngreme. A intenção era ganhar altura e depois empreender uma diagonal de volta até o rio mais a frente, nos livrando da garganta espremida. O planejamento era perfeito, mas faltou combinar com o terreno. Nossa saga começa ali mesmo, na parede do outro lado do rio, onde teríamos que escalar e contornar imensos blocos de pedras. Nessa jornada de passagem, acabei ficando para trás e quando chegou a minha vez de escalar a parede, já não havia mais terreno para eu me segurar. Então me vi completamente perdido, sem lugar para apoiar as mãos, junto a uma parede que insistia em querer me jogar para o fundo do vale. Gritei para que alguém pudesse me jogar uma corda, mas todos já havia feito a curva atrás da pedra e não me ouviam mais. E para piorar, eu estava me apoiando numa pedra que não tardava em despencar e me levar junto com ela. Nessas horas a gente além de perder o chão, também perde o rumo, fica meio que vendido, meio que em transe, o medo vai tomando conta da gente, que fica ali, parado, inerte, na iminência de cair e não importa quantas vezes você tenha passado por isso. Tentei manter a calma, chutei a terra para que um buraco no barraco se abrisse e eu pudesse apoiar o pé esquerdo e tirar força do direito que se apoiava levemente sobre a rocha que ameaçava cair. Cravei a unha no barro da parede, já que hão havia nenhuma bromélia, raiz ou qualquer outra vegetação em que eu pudesse me segurar. Os dedos entraram na parede úmida e então botei o pé direito no mesmo instante em que retirei o esquerdo e avancei. A cara foi raspando no barro. Me mantive a noventa graus e quando me dei conta, já consegui me agarrar a um arremedo de raiz e me elevar para fora da via exposta, completamente abalado pela situação de risco em que me coloquei. Quando a gente conta, ninguém acredita, mas na Serra do Mar, você anda o tempo todo no fio da navalha e essa foi mais uma vez em que me perguntei se já não estava mesmo velho para ficar passando por isso. Voltei a me juntar ao grupo, que não foram mesmo muito longes, já que o terreno simplesmente não deixava progredir. Começamos a subir degraus, quando deveríamos era descer, mas o terreno não nos deixava. Sem querer, fomos ganhando altitude, mas surpreendentemente, não progredíamos em direção a sequência do rio, só nos afastávamos dele. Paramos para conversar e analisar o terreno, já que outra parede que se anunciou, fez com que parte do grupo protestasse quanto a falta de segurança, onde pedras gigantes despencavam e ameaçavam atingir a cabeça de quem vinha atrás. Então foi preciso tomar uma decisão radical: Ou a gente ariscava descer aqueles degraus gigantes na cordinha ou corríamos o risco de não voltar mais para o rio naquele dia, mesmo porque, já havíamos chegado a parte da tarde. Cada qual tentou achar um caminho de descida, mas o único que nos restou, foi tentar avançar por um vale, mas para lá chegar, tivemos que instalar a cordinha e fazer um RAPEL. Montamos os equipamentos e usamos uma fita e um freio ATC, mas infelizmente acabamos botando o cara mais robusto (gordo) para ir primeiro e o Alan Flórido desceu com a cordinha vagabunda chiando, como se fora estourar e arremessá-lo de uns 10 metros de altura sobre umas pedras perigosas. Agora com a cordinha mais comprometida ainda, descemos todos, cada qual implorando para o seu Deus, que não a deixasse arrebentar e os que não tinham a quem se apegar, apenas desceram resilientes de que a vida já havia valido a pena. Juntos, ganhamos a descida do vale, e fomos descendo em meio a uma vegetação caótica, entrelaçada com cipós e bambus, por onde um pequeno riacho que ia ganhando vida, até que uma grande rampa, nos devolveu ao Rio Capivari, mais ou menos na altimetria 250 e aí foi hora de abandonarmos tudo e nos jogarmos no rio, lavar a alma e comemorar mais essa passagem, agora com uma sensação de que aquele rio estaria prestes a ser vencido, mesmo que não fosse naquele dia, conforme planejamos. O dia passou de pressa, a hora voou. Já passava das três e meia da tarde quando retomamos nossa descida e o ambiente não mudou em nada, continuávamos escalando pequenas paredes e nos lançando freneticamente nas corredeiras do rio, algumas vezes beirando cachoeirinhas potencialmente perigosas, onde a correnteza arrastava tudo, querendo nos jogar nos pequenos abismos. A temperatura havia melhorado muito e dessa eu vez eu não sofria com a temperatura da água, mas obviamente que todos estavam já cansados pela surra que o terreno nos deu naquele dia. Pouco antes das 17 horas, trombamos do que nos pareceu ser o local onde o explorador desapareceu em 2015, mas minha cabeça sofreu um bloqueio e sinceramente não consegui ter a certeza do local exato onde um teria seguido pela água e o outro teria subido o barranco para varar mato e nunca mais teria sido visto, desaparecendo para sempre. Aquela cachoeirinha não me era estranha, muito porque, eu já havia botado os olhos nela vindo de baixo, nas ocasiões da tentativa de resgate. O grupo se adiantou, mas eu não pude seguir, fiquei ali, alguns minutos olhando para ela, olhar meio que perdido, como a me despedir daquele lugar, como a tentar exorcizar os fantasmas que me atormentaram durante muito tempo depois do ocorrido naquela tragédia de 2015. Talvez eu precisasse daquele momento, um último olhar, um último adeus, para poder seguir minha vida definitivamente e para isso, posicionei meu celular numa pedra e botei no time, para tirar uma última e derradeira foto. Apressei o passo para alcançar o grupo, que se adiantou e ao pular de uma pedra para outra, dei uma titubeada e escorreguei e despenquei de uns 2 metros, vindo a bater o joelho violentamente contra uma rocha. Fiquei lá, urrando por mais um minuto, até que sai do buraco onde estava e apressei a passada. Seguimos descendo o rio até depois das cinco da tarde, quando do lado esquerdo nos surgiu um lugar perfeito para montar acampamento. Estávamos exaustos, acabados fisicamente e sem muita conversa, cada qual foi tratar de encontrar 2 árvores para montar sua rede. Nessas horas sempre tem os espertinhos que pegam os melhores lugares, mas eu não fui um deles, fiquei meio amortizado, sentei-me ali, tirei minhas botas, a roupa molhada, coloquei roupas secas, belisquei alguma coisa e depois é que fui cuidar da minha vida. Naquela noite estávamos bem animados. Enquanto cozinhávamos, nos divertíamos, confraternizávamos, sabendo que nossa missão naquele rio estava prestes a ser cumprida. Nossa posição na altimetria era menor que 180, ou seja, o encontro do Capivari com o Branquinho não estava a mais que 100 metros de desnível, onde uma trilha nos esperava. Às 6 da manhã, estávamos em pé, mas só depois das sete foi que conseguimos partir. Botar a roupa molhada logo sedo chega a ser uma tortura, mas quando você lembra que já de cara terá que se jogar na água fria matutina, então apenas se conforma com o seu destino. E não é qualquer travessia de rio, é simplesmente um mergulho para dentro de uma correnteza que vai te arrastando até te jogar para dentro de um poço profundo e gelado, fazendo você nadar desesperadamente para voltar a se aquecer. A caminhada vai alternando pulos na água e escalaminhada em grandes pedras, passando por algumas pequenas grutas e foi numa delas que a gente parou para ver o Júlio fazer seu show: Do nada, vimos quando o Júlio se embestou de onde estava, correndo freneticamente, pulando de rocha em rocha, até que se jogou para dentro de uma gruta escura, por onde o rio corria por baixo. Eu particularmente não entendi foi nada, fiquei vendido, só acompanhando com os olhos e sem saber no que daria aquela maluquice, até que vimos o doido sair de lá com uma serpente nas mãos. O desgraçado sorria, num tom meio sarcástico, feliz por ter agarrado aquela cobra e eu com os olhos arregalados, me perguntando porque aquele “cretino” foi pegar uma jararaca, animal que eu só faço correr e passar longe depois que fui picado por uma há mais de uma década atrás. - Calma Diva, é apenas uma falsa jararaca, segura aqui para você ver. - Foda-se, sai pra lá com essa porra dessa cobra. Não dava para negar, era um animal extremamente bonito e as características não deixavam dúvidas que era uma FALSA JARARACA, mas meu mecanismo de defesa achou melhor ignorar essa informação, melhor apreciar de longe, mas iria chegar a hora para curar esse trauma que me acompanha por todos esses anos. O rio se aplainou de vez, a tal ponto que o caminhar ficou suave e desimpedido, mesmo que a gente ainda continuasse a se jogar nas pequenas correntezas, mas agora muito mais por diversão do que por necessidade e antes das dez da manhã, chegamos à GRANDE ILHA DO RIO, ainda que houvesse outras, mas essa era uma marcante, tanto pelos acontecimentos passados, quanto pelo que viria a acontecer em instantes. Antes da tragédia de 2015, parte do grupo fez uma tentativa de descer o Capivari. O grupo pouco viu do rio e acabou varando muito mato na época, inclusive o Prince e o Loures estiveram naquela primeira expedição, juntamente com o explorador que viria a desaparecer em 2015. Na ocasião, eles passaram pelo lado direito da ILHA e numa tentativa de cruzar um braço do rio, o Loures e o explorador, acabaram caindo numa tormenta e despencaram para dentro de um refluxo e foram cuspidos pelo rio, tomaram um susto, mas saíram são e salvos daquela vez e agora, o Loures tomou a decisão de tentar repetir a descida, só que dessa vez irai se jogar de propósito. Cada qual como pode, tomou o seu assento. Eu me posicionei bem à frente da fenda, bem onde o rio se jogava. Ficamos na expectativa de saber no que aquela maluquice do Loures iria dar. Uma coisa era cair uma vez, outra coisa era entrar naquele turbilhão de água de propósito, mas enfim, nos preparamos para acompanhar o show. O Loures de capacete, colete, perneiras e luvas, agarrou na sua mochila estanque e só fez deixar que a força brutal da agua se encarregasse de lhe arrastar e lhe jogar de cima da cachoeirinha. Foi uma bela queda, bateu e subiu rapidinho e sem deixar com que a mochila lhe escapasse, surfou encima dela, corredeira à baixo, até que conseguiu voltar para a margem, sobre o aplauso de todos os presentes. O show não terminou, novos artistas se prontificaram a continuar, por isso , também continuei sentado no mesmo lugar, pena não ter uma pipoquinha para acompanhar. O Prince logo se posicionou. Ele era um dos que estavam também quando o Loures caiu acidentalmente, mas agora iria testar a sensação de se jogar propositadamente. Subiu mais acima do rio e se jogou. Rodopiou, caiu e foi engolido pela torrente e demorou uma eternidade para subir e quando emergiu, agarrou-se como pode na sua mochila, mas não saia do lugar, ficou girando perigosamente, desesperadamente, até que o Loures, que acompanhava tudo bem de pertinho, conseguiu agarrar a mão dele e os dois foram parar na correnteza, que os arrastou rio abaixo, enquanto a galera gritava freneticamente, como a saudar o pica-pau descendo as Cataratas do Niágara num barril. ( hahahahahha) O Prince se lascou todo, emergiu cheio de hematomas, mas não deu nem tempo de contar isso para ninguém, muito porque, mais um trouxa ( opssss corajoso)se posicionou. Mas dessa vez, além de estar sem os equipamentos de segurança, ainda se deu ao disparate de tentar descer sem a mochila estanque que obviamente, serviria de uma boia para poder jogá-lo de volta para a superfície. Na verdade, ele levou a mochila, mas jogou-a na água e saltou no rio e o resto foi história. Afundou e virou passageiro numa máquina de levar, foi debulhado, triturados, esfolado, um boneco a serviço das forças da natureza. Quando subiu , não se deu conta, talvez pela adrenalina do momento, tentou resgatar sua mochila, mas desistiu e se deixou levar pela correnteza até poder voltar onde estávamos e constatar que os deuses das profundezas haviam zuado com ele, estava trucidado, cheio de machucados e hematomas em todo o corpo e essa foi a primeira vez que vimos o Júlio fora de combate. Mas ficou o aprendizado, de que equipamento de segurança sempre vão ajudar, tanto que o Loures saiu intacto, enquanto o Prince e o Júlio foram moídos pelo rio. Para o Júlio ao menos sobrou a honra de batizar o salto, que ele felizmente chamou de FENDA DE HADES, em homenagem ao Deus do submundo, para onde vão as almas dos mortos na mitologia grega . Findado a brincadeira, foi hora de quase todos se jogarem na correnteza abaixo da fenda e se deixar levar pelo rio, caindo em lagos calmos. O rio aplainou de vez e quando dava, usávamos as margens para ganharmos terreno ou mesmo cruzando por dentro de ilhas até que às 11: 30 da manhã, interceptamos o RIO BRANQUINHO, com águas extremamente transparentes, fazendo jus ao nome. É um encontro maravilhoso, uma amplitude linda de ver. Ali é onde finda o RIO CAPIVARI, é onde ele encontra com o Branquinho e vai dar vida ao GRANDE RIO BRANCO. A gente estava extremamente feliz e eu estava radiante por essa conquista especial, mesmo que ainda faltasse umas 2 horas de caminhada até a tribo. Senti como se uma tonelada fosse tirada das minhas costas, era algo que eu precisava riscar da minha vida, por tudo que aconteceu no passado. E ali, no encontro dos rios, juntamos todo os 6 integrantes do grupo e tiramos uma última foto juntos, para marcar mais essa conquista e botar definitivamente nossos nomes na história das expedições na Serra do Mar Paulista. E por que dessa última foto, se ainda faltavam 2 horas para terminarmos definitivamente essa travessia? É que esse encontro dos rios, marca duas possibilidades para se voltar à civilização: Subindo o Rio Branquinho e consequentemente um morro enorme, pode-se acessar novamente a Estrada de Ferro e caminhando por uns 10 km, voltar ao bairro da Represa, onde se pode pegar um ônibus de volta para São Paulo. Essa é uma opção duríssima e cansativa, mais muito mais barata porque não tem que descer até o litoral e voltar a subir a serra. Já a outra opção, apesar de mais fácil, é preciso contar com a sorte de, ao chegar na tribo indígena, conseguir um carro que te leve ao litoral de Itanhaém, onde tem que pegar um ônibus para São Paulo. Acontece que o Prince mora perto da Estrada de Ferro e o Loures havia deixado seu carro na casa dele , então os dois resolveram que o melhor era subir para a linha do trem. Poderíamos subir todos, mas o Júlio ficou muito machucado depois de cair na Fenda de Hades e ainda tinha o caso do Florido e do Potenza que não conheciam a tribo e faziam questão de passar lá. Então nos despedimos do Prince e do Loures e cada qual foi se perder numa direção, os 2 subindo o Branquinho e nós 4, atravessamos a foz do Capivari e interceptamos a trilha indígena do outro lado, onde uma placa avisa que estamos entrando em reserva protegida. A trilha é plana e irá atravessar uma dezena de afluentes do Rio Branco, que vai estar sempre a nossa esquerda, mas não andamos nem 200 metros e a abandonamos em favor de uma picada que nos levará ao GRANDE POÇO, bem na primeira curva do rio, um lugar deslumbrante, onde a gente fez uma parada para um lanche mais demorado, mesmo porque, o dia já ia pela metade e ainda não tínhamos almoçado. Depois de vários mergulhos, resolvemos nos adiantar e então retomamos a trilha principal e metemos marcha a todo vapor, mas não se passou nem uma hora, quando o Júlio resolveu aprontar novamente. Pulou no mato e saiu de lá com uma COBRA GIGANTE nas mãos. Era um exemplar lindíssimo de uma CANINÃNA. Mesmo com medo, apesar de saber que é uma serpente sem peçonha e inofensiva, dessa vez tinha que curar essa minha fobia e fiz questão de segurá-la , mesmo que com a supervisão do Júlio, que até deixou a cobra picá-lo , pra mostrar que não tinha perigo algum, mas é um exemplo que não deve ser seguido por ninguém , porque cobras devem ser deixadas em paz. Pois não passou meia hora e já tivemos mais um encontro com outra cobra, dessa vez um legítimo filhote de jararaca e esse, eu não quis nem graça. Passamos por um grande pé de laranja, onde no passado encontrei uma grande Anta, até que duas horas depois, desde que deixamos o Capivari, atravessamos o último afluente, já perto das malocas dos índios. Ficamos muito apreensivos, já que fazia muitos anos que eu não me encontrava com meu amigo VERA TUPÃ, uma espécie de líder ancião da TRIBO RIO BRANCO, o único índio a morar desse lado do rio. A casa dele estava vazia, mas logo chegamos à outra casa, cercada por dezenas de palmeiras Jussara. Batemos palma e lá veio ele. Baixinho, cara de índio mesmo. Diz ele ter quase 90 anos, mas não precisa nem se esforçar muito para ver que pouco passa dos 70, porque ele mesmo se contradiz nas conversas. Sentamos sobre a área de sua habitação e nos pomos a conversar sobre causos antigos. Seu Vera Tupã é dos nossos, carrega o bom humor e o sarcasmo na alma. Perguntei como a tribo estava em tempos de pandemia e ele com a cara meio triste, nos disse que a coisa estava feia, que não estavam podendo comer nem suas mulheres. Depois, levantou a cabeça e disse que comer, só as mulheres dos outros, e então soltou uma gargalhada que ecoou por toda a tribo. ( rsrsrsrsrsrsrssr) A situação econômica da tribo nos pareceu um pouco melhor do que havíamos encontrado anos atrás, mas o seu Vera ainda nos pareceu viver com muitas dificuldades e como não havíamos tido tempo de comprar um presente, deixei um bom dinheiro para que ele pudesse comprar algo, mesmo que ele não tenha pedido. Ele nos informou que havia um índio com uma VAN fazendo o trajeto até o litoral, coisa que nos deixou muito contentes, porque o lugar até onde se pode pegar um ônibus está há mais de 5 horas de caminhada, numa estradinha para lá de enfadonha. Nos despedimos do nosso amigo índio e atravessamos o Rio Branco para outra margem, mas antes de adentrar de vez na tribo, paramos para um último banho demorado, uma despedida glamorosa num dos mais belos rios do Estado. A tribo também não mudou muito, talvez tenha aumentado algumas casas. Logo alguns curumins atravessam o nosso caminho pedindo doces, mas nós já não temos mais nada de comida. Exatamente 20 anos atrás, quando estive por aqui, numa travessia, encontrei índias que ainda viviam seminuas e curumins que só falavam guarani. Encontramos o índio dono do transporte e combinamos a viagem até o litoral. Quando a Van passou na entrada da Cachoeira dos 3 Tombos, surpreendentemente, encontramos um grupo de amigos que havia feito a Travessia do Rio Branquinho e aí foi aquela festa quando eles também vieram à bordo e a farra se estendeu até Itanhaém, onde pegamos o ônibus para São Paulo e cada qual foi para um canto da região metropolitana e eu peguei o caminho da roça, chegando ao interior Paulista só na madruga. No meio da expedição, Paulo Potenza me disse que aquela travessia era VALENDO A VIDA a todo momento e eu voltei com isso na cabeça, um jeito simples de dizer que havia perigos o tempo todo, sempre caminhávamos no fio da navalha. Mas isso a gente já sabia, toda travessia selvagem na Serra do Mar Paulista, o risco que se corre é gigantesco, tanto que naquele mesmo rio, a gente já tinha perdido um amigo. Mas a minha concepção de “ valendo a vida “ era outra, era como se precisássemos voltar ali naquele lugar, exorcizar todos nossos fantasmas, para que a própria vida voltasse a fluir normalmente. Era preciso destravar, era preciso enterrar de vez aquela história que nos atormentou por tantos anos. Juntamos um grupo excelente, mesclado com exploradores do passado e do presente, mais do que isso, um grupo de amigos, que atravessou de um lado e saiu do outro como uma família e é isso que verdadeiramente faz a VIDA VALER A PENA e agora o Vale do Capivari é passado, é história.
  2. VALE DO ITAMAMBUCA Aquele foi um duro golpe na minha carreira de Explorador Selvagem. Pela primeira vez em anos estudando mapas, eu não conseguia chegar há lugar nenhum. Foi mesmo uma madrugada perdida aquela, fui dormir frustrado pela minha incompetência para encontrar uma rota que pudesse nos levar às nascentes do rio Itamambuca, no Litoral Norte Paulista. Aquele era um rio perdido, uma nascente que possivelmente nasceria num fim de mundo inacessível ou pelo menos, com uma rota inviável pelo tanto de dias que sempre despúnhamos para essas expedições. Partindo do último ponto que era possível avistar o rio no mapa de satélite, o lugar habitado mais perto ficava ao norte, por intermináveis quase 10 km de florestas e montanhas selvagens e quase a mesma distância a oeste, conseguíamos localizar uma estrada e diante disso, chegar ao rio e interceptar seu nascedouro, era tarefa praticamente impossível e talvez não valesse o esforço, então deixei para lá e fui cuidar da minha vida, investir em outros roteiros. Apesar de ter deixado esse rio de lado, sempre quando podia, voltava novamente meus olhos para ele e numa noite vazia, com mapas mais modernos, sem querer, um ponto perdido na imensidão verde me chamou a atenção: ao aproximar a imagem e ir mudando os mapas, consegui localizar uma construção isolada no meio da floresta, uns 3 km a oeste do rio. Na hora levei um susto e me enchi de alegria por encontrar o que me pareceu um barracão e, mesmo sem demostrar qualquer caminho para lá chegar, era obvio deduzir que haveria uma trilha ou uma estrada, mesmo que abandonada, o que nos daria uma chance de subir o rio partindo do litoral, varar esses 3 km de florestas até essa construção e lá tentar achar um caminho que nos levasse para a estrada. Esse roteiro ficou lá, guardado por anos, como um tesouro escondido, uma riqueza para ser gasta no futuro, até a chegada de novos exploradores ao nosso grupo. Thiago e Alan estavam acostumados a se embrenharem em Ubatuba e quando me falaram que também tinham interesse em explorar o Itamambuca, juntar forças e conhecimento, foi questão de tempo. Eles também tinham “ganhado” a construção e igual a mim, viviam esse dilema de tentar solucionar esse entrevero, achar um caminho que pudesse nos levar direto para a nascente ou ao menos, nos devolver para a civilização, caso optássemos por subir o rio. Tocamos alguns outros projetos juntos, enquanto a solução não vinha e com a advento de novos mapas, observamos que um caminho partindo perto da Osvaldo Cruz poderia nos levar nessa construção perdida na floresta, mas foi numa noite de sorte que um desses meninos conseguiu um Traklog( caminho marcado no gps) dizendo que existia mesmo uma estrada até o casarão e ia mais além, a estrada continuaria por mais uns 10 km , passando bem na cabeceira do Rio Itamambuca e diante desse achado, o mistério havia sido solucionado, era preciso achar uma data e montar um grupo que se dispusesse a tirar aquele vale selvagem do anonimato. Por diversas vezes, tentamos marcar uma data, mas o tempo sempre se encarregava de passar a perna na gente e por outro lado, um dos integrantes só dispunha de 2 dias, contando com uma segunda feira, então ficava sempre complicado conciliar previsão de tempo boa e dias disponíveis. Além do mais, parte do grupo se recusava a enfrentar essa expedição se a previsão não nos desse 100 % de certeza de tempo favorável e para piorar, um dos meninos do Norte, numa outra expedição, acabou por fraturar o pé, o que nos levou a dar uma brochada e ir deixando esse rio de lado. Mas chega uma hora, que é preciso tomar uma decisão e sair da moita e com uma previsão perfeita uma semana antes, resolvemos que o Itamambuca iria virar história naquele fim de semana combinado com uma segunda feira, formamos um grupo forte e partimos para Ubatuba. Num sábado à tarde, Thiago Silva passou na Rodoviária do Tietê e pegou a mim, o Paulo Potenza e o Júlio Ronchese e debaixo de uma chuva dos infernos, nos dirigimos para o litoral Norte. Pois é, o tempo virou de última hora e a metade do grupo que se recusava a botar a expedição em pratica com mal tempo, foi de São Paulo à Ubatuba praguejando e tentando convencer a outra metade que era loucura seguir com aquela chuvarada toda, que a chance de dar merda era grande, mas eu e o Júlio não arredávamos o pé, queríamos seguir de qualquer jeito, confiando de que a temperatura prevista de mais de 30 graus e apenas 10 milímetros de chuvas, não era motivos para cancelamento , mas estava causado o impasse : Eram dois votos a favor e dois contra, mas faltava o voto de minerva do quinto elemento, um nativo de Ubatuba seria o fiel da balança, seria dele o voto pelo sim ou pelo não . ( Ubatuba - foto net) Chegamos em Ubatuba na boca da noite e fomos muito bem recebidos pelo Tomaz “Pontes” Lamosa, o cara que organizou toda a logística para nos deixar no topo da serra, de onde partiríamos para tentar achar a nascente do Itamambuca, mas surpreendente, o nativo ficou atrás da moita. Uma hora queria ir, outra hora achava que poderíamos abandonar a ideia e irmos explorar outro rio ali pelo litoral mesmo, fazer turismo, achar pocinho, ou seja, se manteve neutro e o impasse continuava, com o Potenza e o Thiago pesando na nossa cabeça pelo cancelamento. Nada se resolvia, ninguém queria ceder, ninguém queria abrir mão das suas convicções, até que resolvemos parar de discutir e ir comer algo numa lanchonete, antes de chegarmos a um acordo e foi nessa hora que eu e o Júlio montamos uma estratégia perfeita: Teríamos que subornar um dos 3 e fazer com que viesse para o nosso lado, o lado do “ FODA-SE O TEMPO, VAMOS DESCER O RIO NEM QUE SEJA O DIA DO JUIZO FINAL”. De todos os três que ali estavam, não haveria outro mais propenso a ser subornado. Na fila da lanchonete, colamos atrás dele e o encostamos na parede. No início ele se fez de difícil, dizendo que a gente poderia morrer com o rio cheio, poderíamos pegar uma cabeça d’água, deslizar barranco abaixo, morrer afogados, trucidados por um raio, uma árvore poderia cair na nossa cabeça, mas a gente não queria saber de conversa fiada e quando dissemos a frase: “ A GENTE TE PAGA UM PÃO DE QUEIJO”, Paulo Potenza foi definhando em suas convicções, amoleceu as pernas, perdeu o rumo, gaguejou, fingiu demência até que não mais aguentou: “- TÁ BOM GENTE, MAS TEM QUE SER PÃO DE QUEIJO DOS GRANDES. ”( rsrsrsrsrsr) Uma vez decididos seguir com a expedição, nos jogamos no transporte descolado pelo Pontes e rumamos serra acima e quando chegamos ao topo, abandonamos a Osvaldo Cruz em favor de uma estradinha de terra que margeia o Rio Paraibuna e pouco mais de 1 km depois, saltamos na escuridão da noite e adentramos numa porteira. A porteira estava fechada com cadeado, mas não foi necessário pular, porque existe uma abertura lateral destinada a pedestres. A placa indicava o caminho para várias cachoeiras, mas tão pouco dizia nada sobre ser proibido passar pela estrada, mas ficamos ligeiros, não queríamos dar de cara com nenhuma guarita do Parque que nos fizesse voltar, então nos pusemos a caminhar com muita cautela, numa estradinha de terra que corta uma floresta exuberante. Caia uma fina garoa, tão fina que mal era sentida. Os passos eram rápidos e decididos e a noite já ia alta quando nossas lanternas iluminaram algo que nos pareceu ser uma placa ou mesmo a parede de uma casa, pelo menos foi o que nos passou pela cabeça e imediatamente, um facho de duas lanternas nos interceptou. Uma luz alta explodia na nossa cara sem que tivéssemos um poder de reação rápida. Nossa ação foi atabalhoada, corremos para o lado errado da estrada e acabamos por trombar num barranco de uns 3 metros de altura à nossa direita. Quem conseguiu, escalou o barranco e se escondeu floresta à dentro, mas os outros não conseguiram em tempo hábil e ficaram encostado nele, com a bunda de fora e a cara na terra, feito um avestruz envergonhado. A cena era trágica e cômica ao mesmo tempo. As lanternas se aproximando da gente e nós com o coração e a respiração parada, com medo de sermos pegos e deportados imediatamente para fora da rota. Ficamos ali, inertes, numa posição constrangedora, parecendo facínoras fugitivos da polícia, enquanto o cara com a lanterna na mão, gritava para que saíssemos, porque ele já havia nos vistos. Naquela hora, na minha cabeça, a casa tinha caído, seríamos enxotados, teríamos que dar explicações, seríamos humilhados e teríamos que engolir um fim de expedição que nem havia começado. Poderíamos ter tentado nos enfiarmos floresta à dentro, mas nem isso era mais possível, o jeito era aceitar a derrota, era preciso reconhecer que dessa vez havíamos perdido, tínhamos que sair, enfrentar nossos pesadelos de frente e antes mesmo que tentássemos qualquer discussão do que poderíamos fazer, Thiago e Pontes caíram na estrada, bem aos pés do que pensávamos ser o vigilante de alguma possível guarita que havia por ali. O Thiago já foi tentando se explicar e eu cheguei logo dizendo que não tinha armas, que não era caçador e nem palmiteiro, varrendo o tal segurança de cima a baixo, procurando saber onde ele carregava a arma, mas nada encontrei, o máximo que vi, foi um cara super educado, de fala mansa, um pouco assustado com a nossa presença repentina. Tratava-se de um casal de biólogos, que procuravam sapos na estrada e a expressão “ vai caçar sapos” nunca me pareceu tão atual. O biólogo se ligou logo que éramos aventureiros, muito porque, nossa roupa não deixava qualquer dúvida de que estávamos apenas a procura de aventura e não oferecíamos mal a ninguém. Ele nos perguntou para onde iríamos e eu lhes disse que dormiríamos na construção uns 5 km à frente e na manhã seguinte, voltaríamos para estrada por outra trilha. Claro, não quis dizer que a verdadeira intenção era achar a nascente do Itamambuca e descê-lo até o mar. Então, não tendo mais nada a dizer e como ele não fez menção de nos barrar, nos despedimos e seguimos enfrente, agora numa velocidade de foguete, querendo sair o mais rápido dali, antes que eles mudassem de ideia. Os próximos 5 km passaram voando, fomos passando por rios que atravessavam a estrada e pulando por cima de jararacas que cruzavam nosso caminho e antes da meia noite, tropeçamos no casarão perdido no meio da selva e aí vimos que se tratava de uma base de pesquisa e fiscalização, por sorte, completamente vazia. Claro, não íamos ficar dando bobeira ali, esperando que chegasse alguém que pudesse nos mandar embora, então fizemos uma parada rápida e logo seguiríamos enfrente, na intenção de acampar no mato, já na nascente do Itamambuca, mas fomos obrigados a mudar nossos planos e mais uma vez voltarmos a viver sob tensão. Paulo Potenza se apresenta a nós com cara de choro, dizendo que a expedição acabara para ele, que a bota nova havia destruído seu pé e que no outro dia iria voltar. Pior ainda, disse que não poderia ir a lugar nenhum naquela noite e que teríamos que pernoitar ali mesmo, na varanda da base de fiscalização. Foi um verdadeiro balde de água fria, muito porque, eu não tinha certeza de como o grupo reagiria àquela situação, se deixaria ele voltar sozinho, afinal de contas, era apenas uma estrada ou se dariam por encerrada a expedição. O certo é que fizemos de tudo para tentar recuperar o pé do Potenza, lhe enfiando remédios potentes e tentando achar uma solução para que ele seguisse e consequentemente a travessia também. Mas naquela noite ainda embaçada, teríamos que ariscar a nossa pele, teríamos que dormir ali e se tivéssemos sorte, às 5 da manhã, partiríamos para cumprir nossa jornada. Jogamos os sacos de dormir no chão e alguns montaram suas redes nas pilastras, mas eu apenas encostei por ali, meio que desolado e crente que a qualquer momento seríamos apanhados, portanto, mal preguei o olho e quando o relógio bateu 5 da manhã, me levantei e fiquei apressando todos para partir. O pé do Potenza estava melhor e o Júlio se propôs a trocar de bota com ele, cedendo-lhe suas botas macia para que ele continuasse e, antes mesmo que o sol resolvesse nascer, botamos o pé na estrada e demos início a travessia. Retomamos novamente à estradinha no meio da floresta, mas desta vez, ela se transformou numa trilha, cheio de árvores caídas onde era impossível passar qualquer carro, foi aí então que me dei conta de que a partir dali, estávamos por conta e risco e o sucesso da empreitada só dependia da nossa competência e não de interferências externas. Por mais 3 km fomos ganhando um pouco de altitude e por quase uma hora rasgamos o caminho até estacionarmos numa placa que divide os núcleos dos parques, bem encima de onde havíamos marcando o início da nascente do rio, era chegada a hora, voltar atrás já não era mais possível. Enfrente a placa, nos enfiamos no mato e fomos descendo levemente, nos desviando de alguma vegetação mais espinhenta, tentando escapar de um ou outro bambuzinho até que, sem ter como fugir, nossas botas empaparam. Um filete de água começou a escorrer e a cavar o chão, até que uma pequenina queda d’água nos faz pensar que estamos dentro do Itamambuca, mas 20 minutos de caminhada nos leva a um pequeno riacho, esse sim a verdadeira nascente do rio. E como é lindo e prazeroso pegar um rio com as mãos, meio palmo de água cristalina que escapa do seio da terra. A partir dali, só havia um caminho a seguir, o rio seria nossa trilha, nossa estrada, nosso rumo, nossa linha de salvação por pelo menos 2 dias, seria a ele que nos apegaríamos, mesmo porque, foi para isso que viemos, foi para isso que perdemos dias e dias nos debruçando em mapas e montando logística. A cada passo, a cada metro percorrido, vamos vendo o rio crescer e se enfiar em valetas cada vez maiores, onde cachoeirinhas, mesmo que ainda tímidas, vão despencando para o fundo do vale. Os primeiros trechos iniciais de um rio são, na maioria das vezes, feitos para contemplação, porque são planos e com vegetação exuberante, donde pequenos afluentes vão fazendo com que ele vá aumentando de tamanho, formando vários pocinhos cênicos e é um caminhar gostoso e desimpedido, mas por ainda ser bem de manhã, mesmo já ensopados, vamos tentando fugir da água, até que que alguma gargantinha nos fecha a passagem e somos obrigados a nos jogarmos nas pequenas correntezas . O rio vai crescendo e vamos avançando rapidamente. Partimos de 1.100 metros, que é a altitude de sua nascente, e quando chegamos a 915 metros de altitude, depois de termos avançados por quase 3 km, somos obrigados a nos determos por um momento, mesmo porque, não há mais chão para prosseguir. A nossa frente, o vazio se apresenta e a água que corria calma e serena, se joga no nada para formar uma CACHOEIRA em forma de catarata, não muito alta, mas assim mesmo de encher os olhos. A passagem para descer aos pés da cachoeira, parecia bem obvia pela esquerda, tanto que o Potenza e o Júlio já se encaminharam para lá, na tentativa de ganharem uma fenda e fazer a descida, mas logo esse caminho se mostrou um tanto exposto, então o Thiago e o Pontes puxaram a fila pelo caminho da direita. Uma descida bem ruim, onde tivemos que usar nossas bundas como freio para não sermos arremessados no vazio, tendo que nos enfiarmos em baixo de uma rocha gigante e usá-la como proteção até conseguirmos escorregar rente a parede e nos vermos em segurança, apreciando aquele espetáculo em forma de água caindo da pedra, uma abertura digna e da grandeza que aquele rio representa para a Serra do Mar Paulista. As CATARATAS DO ITAMAMBUCA, marcam definitivamente o início do encachoeiramento do rio, que vai alternar entre corredeiras e pequenas quedas, encontros com afluentes maiores. Agora era preciso muito pula pedra, sobe e desce. Muito escorrega de cima de grandes matacões para dentro da água. É mesmo um caminhar lento e cansativo, mesmo porque, estamos praticamente sem dormir e isso vai minando a nossa energia, mas não há tempo para murmúrios e lamentações, é preciso seguir e uns 100 de desnível abaixo das Cataratas, cerca de 1500 metros depois, um grande poço nos diz que é hora de nos determos por um instante, tomarmos um folego, comermos alguma coisa e aproveitarmos para estudarmos os mapas. Apesar de já termos andado muito, o dia mal passava das onze da manhã, mas o dia permanecia lindo, com o sol brilhando e sem nenhuma nuvem no céu. Até então, a previsão de chuvas não se confirmou e isso ajudava muito a manter o moral do grupo bem elevado. Quase sempre o Júlio seguia à frente, abrindo caminho e nos levando a perder altitude, não com muita velocidade, mas qualquer metro perdido era muito comemorado e quando podíamos, nos jogávamos para dentro do rio e virávamos passageiros da aventura, deixando com que as águas mais furiosas, nos conduzisse para mais abaixo no rio, ganhando assim metros e tempo preciosos. Quando o rio não nos parecia seguro, era hora de cair no mato por um breve tempo, tentando perder altitude e transpor trechos muito técnicos, onde passar sem corda poderia ser potencialmente perigoso, mas assim que víamos que o perigo havia passado, era hora de voltar ao rio e seguir por dentro dele. Uma cachoeirinha é deixada para trás, até que uma outra, mas desta vez bem grande, nos barra o caminho e nos faz novamente nos pendurarmos em barrancos até conseguirmos descer diante dela. É sem dúvida outra bonita queda e ele vai marcar também uma nova faze na nossa Expedição, porque após ela começa uma sequência de lajes, hora de estacionar novamente, pensar bem qual caminho seguir, porque uma oposta mal feita, uma caminho mal planejado, poderá nos tomar um tempo e comprometer nossa jornada. A nossa frente, o vale abriu. O rio começou a descer em pequenas cachoeiras, que iam debruçando suas águas em lajes que desciam em patamares, aparentemente lisas e impossíveis de descer. Ao lado o barranco do rio se transformou em paredes altas onde teríamos que nos desdobrarmos para tentar escapar delas. Mas o Júlio deslumbrou uma passagem, uma descida pelas lajes do rio. Aquilo era algo meio insano, mas a gente foi encontrando passagens perfeitas, nos aproveitando de pequenas ranhuras, pequenos patamares, onde fomos usando uma fita para nos dar sustentação e fomos avançando, perdendo altitude. Era uns quebra cabeças que iam se juntando, peça por peça, até que montamos a descida perfeita. Conseguimos descer quase 500 metros de distância da cachoeira, foi sem dúvida uma das mais bem-sucedidas descidas de rocha de todos os tempos e para comemorar, paramos numa pedra exposta ao sol para almoçarmos e planejarmos os próximos passos. Com a barriga cheia e o ânimo renovado, pela estratégia vitoriosa, retornamos nossa jornada, descendo o rio como dava, as vezes tendo que cair no mato para transpor algum trecho mais técnico. O avanço é lento, moroso e por vezes cansativo, mas é preciso continuar. Por vezes pouco nos falávamos, concentração total para descer e subir pedra, um ajudando o outro ou cada um escolhendo o caminho que mais lhe convém, prezando pela sua segurança, tentando economizar energia até que uma nova CACHOEIRA cruza o nosso caminho. Metade do dia já havia escorrido pelos nossos dedos já fazia mais de hora e o sol, ainda a pino, iluminou aquela cachoeira, transformando-a em alguma bela queda de águas clara do Cerrado mineiro. Nem era uma grande queda, mas se estendia de um lado a outro do rio, escorrendo suas águas numa bonita laje de pedra. A gente estava bem contente com o avanço da expedição, todo mundo bem, apesar do sono, e então, fizemos mais uma parada estratégica para jogarmos um pouco de conversa fora e guardar aquela paisagem para sempre na memória. Daí para frente, o rio vai se transformando, ficando cada vez mais complicado. Vamos avançando muito pouco e a altimetria não baixa de jeito nenhum. Vamos perdendo tempo em pequenos trechos técnicos, onde a passagem exige esforços descomunais, até que uma GARGANTA interrompe de vez a nossa jornada. Abrir a carta topográfica do gps era necessário, mas demos bobeira e acabamos tentando passar pela direita e fomos dar com os burros n’água. Escalamos paredes perigosas, beirando precipícios. Mas quanto mais nos enfiávamos mato à dentro, mais diminuíamos as chances de dar certo e quando resolvemos estudar a carta topográfica, foi que nos demos conta de que estávamos indo para um caminho sem volta e seríamos barrados por um afluente profundo, com chances muito poucas de conseguirmos descê-lo. Apesar de ser uma decisão sempre difícil, resolvemos voltar para a garganta, cruzamos o rio para o outro lado e só nessa ação desastrada, gastamos um tempo precioso. A passagem pelo lado esquerdo da garganta foi mesmo providencial. Escapamos da garganta e voltamos novamente ao rio, que continuava terrivelmente complicado, com uma infinidade de pula pedras e descidas exaustivas e quando o relógio chegou às 4 da tarde, o Potenza já começou a aloprar a gente para acampar. Eu era quase um zumbi vagando pelo rio, efeito de uma noite inteira sem dormir e um dia de atividades físicas intensas, mas não me passava pela cabeça, interromper a caminhada tão cedo, haja vista que ainda poderíamos avançar por pelo mais uma ou duas horas de sol. A minha preocupação era simplesmente porque não havíamos descido nem até a parte crítica do rio, verdade mesmo é que estávamos bem longe na cota 550, que era a passagem pelos cânions e desfiladeiros gigantes e se déssemos bobeira, não acabaríamos a travessia no tempo previsto, então protestei contra a parada, protestei veementemente. O empasse estava instalado no grupo. Parte queria acampar, mas eu e o Júlio achávamos que deveríamos seguir, mas como não houve um acordo satisfatório, a minoria perdeu e democraticamente, engolimos a derrota. Não que eu não gostasse de um bom acampamento com mais tempo, longe disso, sempre voto por acampar com o máximo de luz possível, mas dessa vez estávamos mega atrasados, mas acatei a decisão da maioria e nos dirigimos para uma encosta do lado esquerdo do rio e ao encontrarmos um bosque favorável, que dava para acomodar todas as redes, jogamos nossas mochilas ao chão e encerramos esse dia de caminhada, de aventuras intensas. Localizei 2 árvores, retirei um cipó enrolado em uma delas. Fixei meu toldo e em seguida minha rede. Uma ação que não levou mais que 15 ou 20 minutos. Era eu, um ser totalmente alienado ao ambiente, meu mundo se resumiu a mim mesmo, só ouvia murmúrios dos meus companheiros de aventuras, numa luta incessante para tentarem estabelecer um acampamento descente. Só ouvia os esporros do Potenza tentando ensinar os caras velhos de mato a montarem suas redes. Depois de tantos anos de expedições selvagens, não entendo qual a dificuldade de montar esse tipo de acampamento, algo tão simples, que poderia ser feito com os olhos fechado, mas enfim, nem tinha mesmo forças para ajudar ninguém, então minha crítica chega a ser cretina e nem deve ser levada em conta. O certo é que esquentei 300 ml de água e tentei fazer uma comida liofilizada, que outrora me agradou o paladar, mas que dessa vez, foi difícil de engolir. Então dei umas três colheradas e me joguei para dentro do meu saco de dormir e parti para outro mundo e só voltei a me ver como ser vivente, lá pela meia noite, quando me levantei para ir regar uma moita na escuridão daquela noite de verão, no centro selvagem da Serra do mar. Às 6 da manhã caiu uma chuva, mas não durou nem 5 minutos e já cessou. Foi a deixa para pularmos para fora da rede e desmontamos tudo. Mas eu estava preocupado, principalmente ao consultar o gps e descobrir que estávamos ainda na cota 630, uma altitude absurda diante do desafio que teríamos pela frente e era de se pensar que talvez não conseguiríamos terminar o roteiro naquele dia, o que me deixava um pouco angustiado. Às oito partimos! E a nossa partida, como sempre, já foi tendo que nos enfiarmos para dentro do rio gelado, uma atitude inevitável, já que teríamos que cruzar para a margem direita. A caminhada segue o ritmo do dia anterior, varando mato quando necessário e voltando novamente para o rio, perdendo altitude lentamente, escorregando para patamares mais abaixo, até que 1 hora abaixo de onde acampamos, o chão desapareceu mais uma vez, nos obrigando a nos deter, analisar o terreno e apreciar um monstro de Cachoeira que se jogava no vazio. Estávamos a cerca de 550 metros de altitude e ali marca definitivamente a entrada do Rio Itamambuca nas GRANDES GARGANTAS E Cânions e a partir de agora, serão mais de 300 metros de desnível para serem vencido. Hora de fazer o sinal da cruz e enfrentar o inferno de frente, hora de se apegar um ao outro e tentar escapar vivo do que há de vir. Não havia mais como seguir pelo rio e por isso traçamos uma estratégia tentando escalar uma parede íngreme pela direita, tentando dar a volta na abertura da garganta para podermos nos posicionar do outro lado e tentar apreciar a queda d’agua do lado oposto de onde estávamos. O Júlio seguiu à frente, escalou um arvore e isso nos fez elevar barranco acima, mas a segurança foi deixada em segundo plano, mesmo assim, passamos encostado a uma parede e fomos descendo até ganhar um patamar mais abaixo, subir outro barranco e conseguir descer até ficarmos com a CACHOEIRA sorrindo para nossa cara. A Cachoeira se jogava para dentro da garganta, onde era impossível descer sem equipamentos de rapel, então nos contentamos em apreciá-la lá de cima, cientes que nem sempre era possível ter o prazer de poder estar em baixo delas, mas conscientes de que éramos um dos poucos a botar os olhos nessa maravilha, onde possivelmente, como sempre digo, recebeu menos gente que o solo lunar. Retornamos um pouco mais acima, tentando escapar das paredes escarpadas. O terreno nos pareceu de fácil locomoção, mas as vezes as aparências tende anos derrubar. Passamos um bom tempo caminhando com uma vegetação bem favorável, apesar de termos que descer e subir elevações com algum potencial de perigo. Mas logo a coisa começou a encrencar. O terreno começou a ficar cada vez mais profundo e ver as grandes cachoeiras era possível apenas por trás das grandes árvores e aí teve uma hora que o negócio ficou mesmo feio e fomos obrigados a estacionar para uma releitura do caminho. Estava claro que tínhamos nos afastado muito do rio, bem mais do que gostaríamos. Mas não foi por falta de aviso, porque eu e o Júlio estávamos sempre gritando para que o rumo fosse colado às gargantas, assim, quando possível fosse, voltaríamos para a água , mas o Potenza estava sempre aprontando um berreiro quando a gente tocava no assunto, ele ficava sempre insistindo que a gente ia morrer se passasse junto aos cânions e talvez o safado tivesse até razão, mas já é sabido que parte de nós sempre presa por andar colado às paredes , mas como não há um líder eleito e nem instituído, quem grita mais leva e nisso o Potenza ganha de longe. Eu da minha parte nem fiz questão de opinar muito, mesmo porque, minha opinião não havia mudado e então, nem me estranhou o fato de terem decidido se distanciar ainda mais, tentando contornar um vale lateral perto da sua cabeceira, ao invés de ariscar uma descida de volta para ao rio. Ao chegarmos à cabeceira desse afluente, fomos obrigados a descer de corda ralando a cara no barranco e acabamos sendo travados num beco sem saída. Enquanto o Júlio tentava ganhar a parede oposta, Paulo Potenza insistia que deveríamos descer por dentro do próprio afluente, nos valendo de uma escadaria de pedra. A ação foi toda descoordenada, nenhuma das alternativas parecia viável, até que o Júlio conseguiu ganhar um arbusto mais acima e se jogar para o alto e puxar o resto do grupo com a ajuda da corda. Da minha parte, esse caminho tomado, foi uma rota escolhida com a bunda. Na continuação, teríamos que ascender uma parede de quase 90 graus de inclinação, passando com a barriga encostada a um abismo, onde era preciso e possível, apenas nos segurando com a força da alma. Pior ainda para os que vem por último, que já não tem nem mais uma lasca de vegetação para uma segurança psicológica. Minha mochila pendeu para o lado, porque o barranco insistia em querer me jogar para o abismo, fiquei vendido. Não conseguia mais ir para frente e nem retornar. Pé esquerdo travado na terra e cara encostada na pedra com a unha da mão direita grudada no musgo. A força da gravidade rindo da minha cara e eu só pensando se já não estava velho para ficar passando por isso, mas antes mesmo que eu chegasse a alguma conclusão filosófica sobre o assunto, minha mão esquerda encontra uma raiz, onde cravo minhas unhas na terra molhada e me impulsiono para fora linha da “morte”, estabilizo o corpo e dou uma banana para o abismo, ganhando a linha de arvores acima da minha cabeça. Uma parada para consultar os mapas e a conclusão era mais do que óbvia: teríamos que fazer uma diagonal direta para a esquerda, voltar para o rio agora era prioridade, então nos empenhamos nisso, fazendo uma descida alucinante, rasgando a floresta no peito até escorregarmos novamente para dentro do rio. Essa ação de subir e descer barranco nos tomou pelo menos umas 2 ou 3 horas de caminhada, portanto, estávamos exaustos e havidos por um bom banho e por sorte, nossa volta ao rio se deu bem em frente à uma cachoeira com um poço enorme, que nos sugou para dentro dele e lá ficamos por um bom tempo até recobrarmos as forças e o ânimo. Havíamos descido mais de 200 metros de desnível e nos encontrávamos a 350 metros, o que me deixou mais confiante que poderia ser possível terminar ainda hoje aquela travessia. Mas o rio não queria se entregar e continuamos a sofre muito para perder altitude, mas dessa vez ao invés de ser só sofrimento, o rio também nos deixou brincar, deslizar de cima de grandes pedras para dentro de poços incríveis, pulos cinematográficos nos fazia darmos muitas risadas, feitos crianças no parque de diversão. A travessia foi se alternando entre ir pelo rio e seguir pela sua margem. Tudo era questão de permissão do terreno, que as vezes parecia que nos deixaria avançar rapidamente, mas logo nos fechava o caminho, fazendo com que a gente tivesse que voltar a nadar e atravessar poços gigantes, alguns até com uns 100 metros de comprimento. Caíamos na correnteza e ela nos conduzia rio abaixo e a gente apenas se mantinha na superfície da agua, aproveitando a carona até que o rio voltasse a despencar em alguma pequena gargantinha, um pouco perigosa para continuarmos. Pequenas cachoeiras são tantas que é impossível contar e catalogar todas, às vezes, nem foto a gente tira. É uma descida alucinante. Entra num poço e já cai em outro, pula de cima de uma cachoeira e já é obrigado a se jogar de outra. O dia vai passando nesse ritmo, fora dali o mundo não existe, só temos olhos para a frente, não há espaço para outros pensamentos, é preciso que a concentração esteja onde se coloca os pés, onde se pula, onde se agarra, que galho ou que raiz servirá para a continuação do caminho. Cuidado com a cobra, cuidado com o buraco, fica esperto com a pedra lisa e instável. A tarde chegou e com ela o cansaço também se instala, então a todo momento vamos tentando encontrar alguma trilha, já que estamos abaixo dos 200 metros , mas surpreendentemente, nenhum vestígio de que algum ser humano tenha passado por ali, não no vale, talvez lá encima na crista, mas no vale nem a presença de palmiteiros e caçadores é notada , o que nos indica que o Itamambuca é um rio ainda em estado bruto , que ainda se mantém longe dos olhos humanos , mas isso nos pareceu estranho devido a estarmos num parte plana, com as margens abertas, o que facilitaria muito a subida de alguém mais ousado . O rio vai nos fazendo alternar de margem, entre um ou outro pulo em algum poço, que as vezes de tão grande, acaba se transformando em lago, mas chega uma hora que a nossa pergunta sobre porque não encontramos trilhas e nem sinal de gente é respondida: O rio é espremido por duas paredes gigantes e somos obrigados a escalar algumas paredes pela direita e voltar a pular grandes pedras, nos enfiando novamente dentro do rio e nos tornando mais uma vez, passageiro de correnteza. Quando era possível, caminhávamos pela sua margem esquerda, vendo passar dezenas de outros grandes poços até que um deles nos chama a atenção. Já se aproximava das 4 da tarde e uma nuvem marota nos ameaçava, deixando o céu escuro. Atravessamos o lago, que se chama POÇO DA PEDRA RASA e do outro lado, nos surpreendemos com uma trilha larga e consolidada, que fez nosso coração disparar, era nosso caminho de volta para casa, nossa linha de fuga de volta para a civilização, já não era sem tempo, estávamos inchados de tanto nadar. Pegamos essa trilha, que estava na cota dos 180 metros de altitude e por elas nos adiantamos, mas em menos de cinco minutos, o céu desabou sobre nossas cabeças e uma tempestade de verão veio para lavar nossa alma, não que precisássemos. Mas do mesmo jeito que chegou, foi embora e não tardou para que o sol voltasse a brilhar novamente. A trilha foi se enfiando mato à dentro, atravessando alguns pequenos riachos, se elevando sobre alguns morrotes e se transformou em duas, uma para esquerda e outra para direita. Tocamos para a direita, mas ela se perdeu. Voltamos e pegamos para a esquerda e ela também não nos levou a lugar nenhum, apenas nos devolveu novamente para o rio, que havia feito uma curva. Resolvemos tentar novamente para a direita e dessa vez descobrimos o erro e achamos a sequência dela, depois de algumas árvores caídas. A trilha atravessa mais mato e volta para o rio e o segue na paralela da direita, até que ela se abre de vez e finalmente, avistamos uma casa. Saímos nos fundos de um sítio e a pedidos do Tomaz, tivemos que passar em silêncio, mas não era preciso, não havia mesmo ninguém. A estradinha do sítio nos levou à uma porteira e como não havia nenhuma placa dizendo que era proibido sair, só entrar, pulamos o portão e ganhamos a rua. Uns 20 minutos de caminhada nos leva até uma fazenda de plantação de palmitos, que nos sopraram ser um antigo quilombo, que mais parece um bairro e sobre o olhar incrédulo de parte dos seus habitantes, passamos na cara dura, sem dar nenhuma satisfação, até cruzarmos um grande portão e nos pormos para fora, agora livres, sem a necessidade de dar mais conta da nossa vida a quem quer que seja. A estrada da Casanga vai acompanhar o Itamambuca de longe e uns 20 minutos depois, somos devolvidos à Rio-Santos em Ubatuba, hora de oficializar as comemorações finais, os cumprimentos da vitória, mas uma travessia concluída com sucesso. Todo projeto ousado, primeiro nasce de uma ideia que num primeiro momento pode parecer estúpida, até que apareça alguém e diga que é possível. Anos atrás era só um sonho, sonhado por mim e por mais 2 ou 3 malucos e agora, quando olhamos para trás, nos bate aquele sentimento de vitória, de satisfação pessoal, de saber que valeu a pena tanta dedicação. Enquanto estávamos no Centro da Selva Paulista, banhista e surfista se deleitavam na foz do Rio Itamambuca, sem nem imaginar que aquele rio calmo e manso, desaguando numa das mais famosas praias do Brasil, nasce há mais de mil metros de altitude, se jogando em cachoeiras gigantes, abrindo caminho a força na Serra do Mar. Uma grande expedição não se faz com homens bravos, mas sim de gente disposta a resistir, a aguentar as agruras da natureza, gente que carrega dentro de si o amor incondicional pela AVENTURA, e quanto a isso, esses caras que me acompanharam nessa jornada alucinante, não devem nada pra ninguém. (Foz do Itamambuca - foto net ) Divanei - 2018
  3. Travessia Cuscuzeiro x Forquilha- De Paratí ao Patrimônio (Vagner, Thiago, Divanei, Trovo e Tomaz ) Todos em fila indiana. Cabeças baixas, passos lentos e olhares laterais. Respiração presa e movimentos friamente calculados a fim de não irritar nenhum índio. Na hora me lembrei do Alemão Hans Staden, que quase foi devorado pelos índios Tupinambás quando foi capturado nessa região, 500 anos atrás. Agora não era o caso, mas mesmo assim, estávamos apreensivos com aquela situação. Atrás de nós, uns 30 índios nos seguiam, enquanto um que parecia ser o líder, nos dizia desaforos impronunciáveis a fim de mostrar poder e, se a intenção dele era fazer com que nos cagássemos de medo, no tocante a minha pessoa, ele estava tendo um grande sucesso. A caminhada nos leva onde me pareceu ser a casa de reza da aldeia e ali se encontravam alguns velhos índios, que também nos queimavam com os olhos, enquanto alguns de nós pediam perdão, esperando que aquele pesadelo acabasse logo....................... Não foram poucas as vezes em que me vi pesquisando sobre a clássica travessia da Trilha do Corisco, uma caminhada que outrora ligava Ubatuba à Parati, cortando as escarpas da Serra do Mar, na divisa entre São Paulo e Rio, partindo na altura da Praia da Fazenda, num dos cenários mais bonitos do país. Acontece que sempre achei uma caminhada muito curta, coisa de um dia, para me deslocar da minha casa no interior paulista até lá. Mas com a chegada dos mapas de satélite e com maior acesso às informações, comecei a notar que no alto da serra poderíamos acessar o PICO DO CUSCUZEIRO, um gigante visto das cercanias de Picinguaba, em formato de um grande vulcão. (foto Thiago silva) O tempo foi passando e outras montanhas tomaram meu tempo, mas quase todo fim de ano, lá estava eu em Picinguaba ou na praia da Fazenda, olhando para o gigante, assim que o tempo permitia, já que nem era sempre que as nuvens deixavam. Mas eis que um dia o Thiago Silva me manda uma mensagem me convidando para tal empreitada e achei que era essa a deixa para ir lá riscar esse ícone quase desconhecido do montanhismo paulista, da minha lista de montanhas a serem subidas. (Cuscuzeiro e Forquilha) O Pico do Cuscuzeiro é um gigante, em se tratando de Serra do Mar, mais alto que o Pico do Corcovado, e abre a cadeia de montanhas que separa Ubatuba de Parati, no extremo norte paulista, que ainda vai contar com mais 2 montanhas, o FORQUILHA e o Pico do Papagaio. Nossa intenção, portanto, ia muito mais além do que subir o próprio Cuscuzeiro, pensávamos em cruzar toda a serra da divisa, mas não sabíamos nada sobre a continuação dela depois do Cuscuzeiro, nem se havia trilha, tão pouco se a inclinação do terreno permitia um vara-mato selvagem até o cume do Forquilha, mas resolvemos pagar para ver. Oito horas da noite de uma sexta-feira, Thiago Silva nos apanha no terminal rodoviário do Tietê, na Capital Paulista, onde eu, o Daniel Trovo e o Vagner já o esperávamos ansiosamente. Aquele era um grupo de respeito, mas ainda faltava conhecer o quinto elemento, um amigo do Thiago que só conheceríamos em Ubatuba. A viagem para o litoral foi tranquila, muita conversa sobre expedições passadas e muitas risadas de presepadas presentes, até desembocarmos na charmosa cidade litorânea, vazia por estarmos no inverno. Foi hora de sermos apresentado ao Tomaz Lamosa, um Ubatubense jovem, praticante de artes marciais, mas que nos deixou uma impressão não muito boa, ao aparecer com uma mochilinha do jardim de infância, donde pendia um saco de dormir para fora, parecendo que iria numa excursão de acampamento de igreja, mas logo demos um jeito de ficar mais apresentável, colocando as coisas no seu devido lugar (rsrsrsrsr) A recepção do Tomaz foi de primeira, organizou a logística impecável, com um transporte que nos deixaria na boca da trilha, lá nas cercanias do Bairro do Corisco, em Parati, já que optamos por subir a trilha do Corisco partindo do lado Fluminense, por ser menos íngreme e mais curta até o ombro da serra, no marco que divide os 2 Estados. Já era alta madrugada quando apeamos um pouco acima do Bairro do Corisco, um fim de estrada até onde achamos que dava para ir motorizado. Mas a estrada continuava, é por ela que seguimos a passos largos. Thiaguinho imprimiu um ritmo alucinante e eu e o Tomaz fomos no encalço dele, mas o Trovo e Vagner que não queriam saber de correria desnecessária, ficaram para trás até nos juntarmos num providencial ponto de água, ainda na estradinha meio que abandonada. A estradinha histórica vai ganhando altura e ficando cada vez mais intransitável, cruza por um rio mais largo, onde passamos pulando pedras para não molhar as botas e uns 3 km desde quando saltamos do veículo, começa a curvar-se para a direita, mas não é para lá que seguimos, vamos abandoná-la em favor de outra estradinha que saí a esquerda, tendo que pular mais um rio e intercepta-la mais à frente. Nesse pedaço, por estar noite, demos uma bobeira e pensamos que a trilha subia paralela ao rio, mas logo sacamos o erro e retornamos e localizamos a estradinha do outro lado do rio e por mais uma meio hora, talvez menos, demos de cara com uma porteira junto a um córrego onde atravessamos e nos estacionamos 100 m mais à frente, junto a uma grande clareira e ali resolvemos dar por encerrada nossa caminhada noturna, porque já se aproximava das três horas da manhã. O local é ótimo para montar barraca, redes, mas eu resolvi apenas bivacar, montar uma loninha e esticar um isolante térmico com meu saco de dormir até que o sol da manhã de sábado viesse para nos dizer que era chegado a hora de recomeçar. Quando clareou, foi que ficamos sabendo que havíamos adentrado em propriedade particular e acima de onde acampamos, havia uma casa de grande porte e por sorte pareceu estar vazia. Desmontamos tudo, saímos para fora da propriedade, fechamos a porteira e interceptamos a trilha do lado esquerdo de quem chega. Verdade mesmo que é preciso forçar passagem no mato ao lado da cerca para encontrar o rabo da trilha, que logo se estabelece e um minuto depois, surpreendentemente reencontra a estradinha vindo da casa que acampamos. Sem saber, ao interceptarmos a estrada, pegamos para a esquerda, quando o caminho correto é justamente entrar na porteira a direita da trilha, com quem vai adentrar na direção da casa, mas imediatamente subir a esquerda para dentro da mata, agora definitivamente. A trilha vai subindo, ganhando altitude, mas as vezes meio confusa e aí é preciso tomar cuidado e se valer da experiência para não se perder ou estar o tempo todo grudado no gps para se manter na direção correta. E assim vamos, subindo aos poucos, passamos pelo último ponto de água e nos abastecemos com 2 litros por pessoa e mais ou menos hora e meia, depois que deixamos o acampamento, tropeçarmos no marco da divisa de Estado, datado de 1954 (720 m), hora de pararmos, jogarmos as mochilas ao chão para um breve descanso e uma alimentação mais descente. O MARCO DA DIVISA significa que estamos no ponto mais alto da Trilha da Corisco e se continuássemos por ela, poderíamos descer à Ubatuba por mais uns 7 km até a Casa da Farinha, mas nosso caminho parte a esquerda do marco e agora vai subir um caminho de matar mula por mais ou menos 4 km. Logo no início já é preciso subir se apoiando em uma corda que foi providencialmente instalada ali para diminuir o sofrimento, mas quem aqui sobe com uma cargueira carregada, não vai encontrar nenhuma moleza. ( Marco da divisa RJ/SP ) A caminhada vai seguindo lentamente, muito lentamente, o tempo fechado faz chover sobre nossa carcaça e só nos faz lamentar a possibilidade de chegar no cume e não conseguir ver nada. Mas montanhista experiente já sabe que esse excesso de neblina molhada, é sinal de que vai fazer um grande dia de sol, mas como se aproxima das 11 da manhã, a gente já começa a desconfiar que vamos chegar ao topo com mal tempo. Hora ou outra, um tímido raio de sol aparece para alegrar nossas almas, mas some com uma rapidez impressionante e nos faz voltarmos a praguejar contra a má sorte. Pouco mais de uma hora depois, atingimos um ombro da montanha e vamos galga-la por mais de uma hora até que um pequeno selado se apresenta a nossa frente onde se poderia acampar, mas ainda é cedo para pensar nisso e apertamos o passo para a subida final em busca da gloria, mas a única coisa que vemos é mato atrás de mato, um cume fechado, sem visão para lugar nenhum, uma decepção coletiva e silenciosa. Nossa jornada passa por cima do cume, sem nem perceber , já que não existe algo proeminente que nos diga que ali é realmente o ponto mais alto e segue enfrente até que o mundo desaba sob os nossos pés, fim da linha, fim da montanha e por causa da intensa neblina, não conseguimos enxergar um palmo à frente do nariz. Não há grandes árvores no cume , só pequenos arbustos de pouco mais de metro e meio e foi entre esses arbustos que buscamos alguma visão do litoral de Ubatuba ou da parte voltada para Paratí, mas sem nenhum sucesso, até que um pequeno trilho é encontrado e demos a missão de investigar para o Vagner , que em menos de um minuto gritava feito um gata copulando no telhado. Todo mundo correu como deu e quando lá chegamos, um vento forte soprava e aos poucos o litoral foi descortinando à nossa frente, como a nos dizer : " Venham meus amigos , aqui está o vosso presente, aqui está a recompensa pela vossa ousadia e determinação , apreciaí-vos essa maravilha, bem vindos ao CUSCUZEIRO ( 1278 M) , o cume mais alto do extremo norte de Ubatuba. O vento que soprava das montanhas em direção ao litoral, fazia as nuvens dançarem. Por baixo da branquidão algodoada, era como se um novo mundo surgisse do nada, um mundo fascinante e encantador, que ia devastando a nossa mente com uma beleza hipnotizante. Um sonho de litoral, um mundo vazio de gente e entupido de sonhos, resumido em praias selvagens num dos mais belos cartões postais do Brasil. Ninguém arreda pé, olhos vidrados, olhares fixos para não perder cada minuto do espetáculo. Lá está a Praia da FAZENDA com o rio Picinguaba lhe inundando de água doce. Lá está o complexo da Ilhas das Couves, pontilhando o litoral de pequenas outras ilhotas. Do lado direito, a Baia de Ubatumirim complementa o cenário que se estende até onde a vista alcança, num mar de montanhas verdejantes como em nenhum outro lugar. Mais abaixo, aos nossos pés, um vale gigante nos encanta com seus abismos até a planície litorânea, por onde repousa a outra metade da Trilha do Corisco até seu fim junto a Casa da Farinha. As caras, até então meio carrancudas pela pouca expectativa, agora sorriam por qualquer coisa, afinal de contas, havíamos sido agraciados com aquele espetáculo indescritível, quando já não esperávamos mais nada. Sem querer ir embora, decidimos ficar por mais uma hora no cume, tempo suficiente para cozinharmos um almoço e nos aquecermos ao sol do meio dia. Mas a gente sabia que não poderíamos viver de ilusão, tínhamos uma meta a cumprir, chegamos num pico, que mesmo com trilha consolidada, ainda pode-se contar nos dedos os que já tiveram a honra de lá chegarem, mas dali para frente saltaríamos rumo ao desconhecido, um mundo de incertezas seria o nosso futuro naquela travessia, hora de respirar fundo e deixar que a aventura nos guie . Eu havia traçado um caminho usando as curvas de nível para tentar descer com segurança de cima do Cuscuzeiro em direção ao Pico da Forquilha, mas esperávamos encontrar uma trilha que nos conduzisse direto para ele. Na nossa inocência, achávamos que outros montanhistas pudessem vislumbrar o mesmo que nós, mas outra vez quebramos a cara. Ali, onde o Cuscuzeiro simplesmente deixa de existir, só abismos profundos foi o que encontramos e sem muito tempo a perder, nos jogamos para o vazio, já descendo para os degraus mais abaixo da montanha, como a dar adeus para o cume de um cuscuz, como a deslizar de cima de um bico de funil e começar a nos perder na descida de um vulcão. Eu e o Thiaguinho vamos à frente, colados um ao outro e alguns metros abaixo do cume, já foi o suficiente para nos darmos conta da encrenca em que havíamos nos metido: Nos penduramos numa árvore e nos jogamos de cima dela para o fundo do vale, bem a tempo de parar antes que fossemos tragados pelo nada. Atrás de nós, Tomaz, Daniel Trovo e Vagner já começaram a caçar outra rota porque se ligaram que aquela era suicida. Trovo tomou a dianteira e encontrou uma passagem junto a uma grande rocha e abriu caminho lateralmente, mas logo se viu acuado pelo abismo que lhe chamava, mas recusando o convite, deu passagem para que o Vagner tentasse. Vagner, macaco velho, já deitou no chão e gritou para o abismo que o dia dele estava contado. Alguém gritou para que sacassem a corda que o bicho ia pegar, mas o Vagner se atirou numa canaleta rochosa e deslizou nela usando a força da gravidade, até repousar em segurança no fundo do buraco. Sem perder tempo, usamos a canaleta como tobogã e um a um fomos baixando, um festival de rolagem e eu me enrosquei num cipó e fiquei pendurado feito Siri no pau até que alguém conseguiu me libertar para que eu despencasse e fosse também repousar num patamar mais abaixo. As encrencas iam sendo resolvidas conforme iam surgindo e por sorte, não demorou muito para encontrarmos um filete de água, o suficiente para molharmos a goela e nos alegramos com a possibilidade de não passar mais sede naquela travessia. A vegetação se alterna entre palmeiras, cipós espinhudos e bambus entrelaçados, aquela vegetação típica de altitude da Serra do Mar, seca e que vai enervando a gente, mas logo o filete de água vai ganhando corpo e vai nos proporcionando um corredor que vai sendo cavado, agora por um riacho e é por ele que vamos, desescalando pequenas cachoeirinhas e de olho na direção. Mas chega uma hora que a inclinação do riacho nos obriga a cair fora e tentar seguir pela crista rumo ao nosso primeiro objetivo, que era um selado antes da subida final do cume que buscávamos. A tarde já era nossa companheira e o avanço pela vegetação era lento e modorrento, corcovavas vão sendo subidas e descidas, sempre tentando acompanhar a linha previamente traçada até que desembocamos no SELADO, um marco importante, mas que surpreendentemente não encontramos nenhuma trilha de conexão que pudesse nos dar um caminho fácil até o cume do Forquilha. Até encontramos uma marca de facão, mas estava claro que poderia ser alguma passagem entre as 2 montanhas, mas nada que denunciasse que alguém tenha subido ao cume por ali. O selado em questão era uma área muito promissor para se acampar, mas a expectativa de podermos pegar um possível pôr do sol no cume, fez com que tirássemos força sei lá de onde para continuar. E é mesmo uma subida dos diabos, uma parede em pé onde é preciso ir se agarrando onde dá para não voltar a descer novamente, ir desviando de algumas grandes rochas, procurando um caminho mais desimpedido, subindo cada ombro , cada curva topográfica até que uma hora depois, estávamos encima do platô , faltava apenas localizar onde seria o ponto que marcava o cume daquela montanha isolada do mundo, no meio da linha que divide os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a meio caminho de lugar nenhum, numa quiçaça de dar dó. Bambuzinhos vão sendo arrastados no peito, pequenos arbustos são cruzados, as vezes nos rastejando para um melhor deslocamento. Em algum lugar ali haveríamos de localizar o cume exato, um lugar que nos desse uma vista do horizonte, mas a noite foi caindo e a gente não avançava e para piorar, não havia um só lugar para montarmos nossas barracas. Por causa da densa neblina, a vegetação encharcou toda nossa roupa e alguns de nós já estava com muito frio e não via a hora de acampar, mas cada vez mais, nos enfiávamos em algum buraco, tentando localizar algo descende para passar a noite. Até achamos uma pedra que poderia nos dar um abrigo, mas uma urubu fêmea chocava um ovo embaixo dela e a todo momento nos dizia que não seria um bom negócio usar ali de casa. O desespero aumentou, já estávamos no nosso último bastão de energia e quando alguém gritou que iria ficar por ali mesmo, foi a deixa para os outros jogarem suas mochilas ao chão e dar por encerrado aquele dia de caminhada. Aquela área para acampar era o que tinha de pior, não havia um palmo de terra plana e para piorar, beirava um barranco de uma dezena de metros. Não havia o que fazer, não havia como limpar coisa alguma, era jogar as barracas encima das raízes e assimilar o duro golpe. O Daniel Trovo estava de rede e conseguiu monta-la, usando 2 arremedos de árvore, bem ou mal resolveu seu problema. Tomaz e Thiaguinho iriam dividir uma barraca em conjunto e o Vagner acamparia numa barraca individual e esses 3 últimos se foderam bonito, tendo que aguentar pau no lombo a noite inteira. Eu estava sem rede e sem barraca, havia levado apenas um isolante térmico e um plástico mequetrefe, mas encontrei um lugar incrível embaixo de uma grande rocha e ali montei meu bivac, um grande achado que me proporcionaria uma noite de sono perfeita e assim que a janta ficou pronto, me joguei para debaixo dela e dormi por 12 horas quase seguidas, até que o sol viesse nos dizer que era hora de voltar para a aventura. O dia nasceu radiante, mas os meninos das barracas amaldiçoaram a noite mal dormida. Uma choradeira dos infernos! Nosso plano de continuar galgando a crista da serra foi por água abaixo, sabíamos que era impossível realizar tal façanha de descer o Forquilha e emendar com a Crista do Papagaio num dia só, então havia chegado a hora de pormos em pratica o plano B, traçado justamente para ser usado caso isso acontecesse, mas os caras das barracas (Thiago e Tomaz) tramaram um motim durante a noite e quando o dia nasceu, haviam decidido que mandaria também o plano B a merda e traçariam um plano C. O plano B consistia em descer o Forquilha pela sua continuação em direção ao Papagaio e quando chegássemos no selado, viraríamos a esquerda e interceptaríamos uma possível trilha que nos levaria direto para a estrada e para o Bairro do Patrimônio, junto à Rio-Santos. Mas diante da possibilidade de ter que voltar a arrastar bambu no peito por mais um pedaço da crista e depois enfrentar um desnível de abismos gigantes, eles resolveram que tentaríamos começar a descer imediatamente, mas antes, para marcar nossa presença ilustre naquela montanha isolada do mundo, deixamos um livro de cume, uma CAPSULA DO TEMPO, improvisada com uma garrafa, onde um manuscrito exibe a data, o nome dos exploradores e o caminho que fizeram para até ali chegarem. ( capsula do tempo) Pois bem, falamos de tudo, mas faltou falar do principal, daquilo que nos leva a empreender tal jornada árdua para subir esse tipo de montanha: As largas vistas que presenteiam nossas almas. Tomando, portanto, o rumo leste, que é a direção na reta de Parati, escalamos a rocha que eu havia bivacado embaixo e ascendemos ao cume, simplesmente para descobrimos que era ali que estava o nosso presente. Diante de nossos olhos a imponência gigantesca da encosta do Cuscuzeiro, que havíamos descido no dia anterior. Não tivemos duvidas, ali marcava o topo daquela montanha, o PICO DA FORQUILHA ( 957 m ) estava ao nossos pés e de cima dele as largas vistas da Baia de Parati, de toda a Reserva da Joatinga , Ilha Grande e por incrível que parece, até o imponente Pico do Frade desfilava na paisagem. A visão lá de cima é realmente grandiosa e a gente estava feliz de ter podido no último minuto, encontrar essa visão lá de cima e aproveitando que ali estávamos, era hora de aproveitar para desenvolver melhor a nossa fuga lá de cima. ( Ao fundo Baia de Parati-RJ) Tomamos em mãos o mapa eletrônico, nos baseando no satélite e na carta topográfica. De cima do Forquilha, localizamos ao longe em meio a floresta, uma habitação solitária, de onde saia fumaça pela sua chaminé. Se há uma casa, com certeza teríamos uma rota de fuga, que nos levaria ao litoral. Azimutamos a direção e calculamos que poderíamos lá chegar em cerca de umas 4 horas de caminhada, um cálculo cretino, só para animar o grupo, porque na real mesmo, não tínhamos a menor ideia de como seria a nossa descida e o que a jornada até lá nos reservaria. Traçado o plano e estratégia, abandonamos o cume do Forquilha e já despencamos da pedra em direção ao vale, tentando achar um caminho que nos fizesse ir perdendo altitude, mas outra vez nos vimos acuados numa encosta de abismos perigosos, desescalando barrancos escorregadios, onde lajes pedregosas, pontilhada por vegetação rasteira e arbustos soltos, iam nos dizendo que a gente havia entrado em outra encrenca. Trovo e Vagner tomam à frente e vão nos metendo em uma roubada atrás da outra e a gente vai vendo que aquele caminho começa a nos levar para uma rota suicida, onde apenas samambaias soltas são o fio que nos segura antes da desgraça final. É hora de parar, analisar e ter a consciência que a rota tem que ser mudada e é justamente isso que os caras da frente fazem, tomam a rota lateral, numa diagonal reta para a esquerda a fim de ganharem uma linha de árvores e retomarmos novamente a direção combinada. A estratégia deu resultado e não demora muito cruzamos por uma nascente de onde brota um filete de água, que vai se encaminhando por cima de uma pedra lisa dentro da floresta de árvores gigantes. Uma descida rápida em meio à vegetação mais fechada, nos leva a um degrau e ali um grito dado por um membro da equipe faz com que paremos imediatamente: “ Uma ponte gente, corre aqui, tem uma ponte atravessando para o outro lado”. Eu estava atrás e logo levei um susto. Aquilo era inacreditável, estávamos numa encosta de montanha onde era possível que jamais teria recebido pés humanos e como poderia uma ponte naquela altitude, que aparentemente não ligaria nada a lugar nenhum. Corremos para ver a tal ponte e lá só encontramos um tronco velho, caído encima de uma laje de pedra, nada mais que isso, pura obra da natureza. Tomaz Lamosa, o menino da mochilinha dourada, já começava a ter alucinações naquela descida e a gente achando que Lamosa era sobrenome muito pomposo para compor aquela expedição de gente rude e sem grife, resolvemos batizar nosso novo amigo como Tomaz Pontes e assim será chamado nas expedições em que esse valoroso expedicionário participar em nossa companhia. Estávamos agora enfiados dentro de um vale profundo, justamente por onde a nascente que encontramos corria e ia cada vez mais se transformando num rio. Pulando pedra por dentro do riacho ou até mesmo tendo que subir o barranco para nos livrarmos dos degraus de mais de uma dezena de metros, vamos prosseguindo a trancos e barrancos, mas nos preocupa a direção que aquele rio vai tomando, abrindo muito para a esquerda, nos tirando da direção traçada. A tarefa é árdua, o rio vai aumentando de volume e pequenas cachoeiras começam a despencar em vales cada vez mais profundo. A hora vai passando e a gente perdendo altitude vagarosamente até que ao avistarmos um grande poço, resolvemos nos deter por um instante para comer alguma coisa, enquanto alguns corajosos resolvem se jogar na água fria daquele final de manhã, gente sem noção, porque para mim, quem faz isso no inverno, é capaz de qualquer coisa. ( rsrsrsrs) Havíamos decidido que qual fosse o rumo que aquele rio tomasse, seria por ele que seguiríamos, na esperança de quando chegasse ao fundo do vale, poderíamos encontrar alguma trilha junto a talvez, algum rio maior, mas um golpe de sorte, ou talvez nem tanto, viria para mudar o rumo daquela expedição, algo que jamais esperaríamos, algo que transformaria uma travessia de montanha em mais uma experiência para contar para os nossos netos. Saímos do rio e fomos margeando, sempre andando a não mais que uns 50 metros da margem, quando se supetão alguém gritou que haviam encontrado um rabo de trilha, um arremedo de caminho, mas estava claro que não era trilha de bicho e quando um corte de facão na diagonal de um galho foi encontrado, tivemos certeza de que poderíamos contar com uma saída mais rápida daquela expedição. Mas nem precisou ir muito longe, 15 minutos de caminhada nos levou ao que nos pareceu ser uma ponte no meio da floresta, agora algo feito pelas mãos humanas, mas logo percebemos que era apenas um tablado grande, onde era usado como apoio para cortar madeira. Logo imaginei que poderia ser um daqueles lugares usados para se construir canoas parcialmente, quando se derruba uma árvore gigante e lapida-se até ficar no formato da embarcação, aliviando o peso da mesma até que se aguente puxa-la para fora do mato. A minha tese não foi confirmada, mas isso pouco importava, o certo era que a partir dali, uma trilha consolidada nos serviria de caminho. Num primeiro momento ficamos apreensivos porque poderia haver algum rancho de caçadores por perto e não seria muito bom para nós, irmos chegando de supetão, vindos de lugar nenhum. Caminhando devagar e em silêncio, poucos minutos foram o suficiente para eu avistar um telhado reluzente entre as folhagens e já cantar a bola para que os cuidados fossem redobrados e 5 minutos depois a trilha deixou de existir e deu lugar para um roçado em um descampado, num morro na descendência, donde do outro lado, também encima de outro morrote, sem que estivéssemos preparados, um amontoado de casas foi nos apresentados pelo destino. Sem óculos e sem acreditar naquilo que meus olhos pareciam ver, esperei que o meu cérebro processasse a informação: Puta que o pariu, aquilo era uma tribo indígena ou eu estava vendo coisas? À frente seguia o Thiaguinho e o Pontes, ninguém os escolheu para serem os caras que iriam fazer o contato antropológico, mas nessa vida tem que ter uns trouxas para liderarem, mas esses aí entraram mesmo de gaito no navio e coube a eles botarem o peito para levarem a primeira flechada e, ela veio, mas veio sem dó e nem piedade, aquela intimada que ecoou desde o Cuscuzeiro até Forquilha: - PAREM IMEDIATAMENTE, SE APRESENTEM ANTES DE CHEGAR. Nessa hora nem sei para onde foi parar o Daniel Trovo, eu já fiz menção de sair correndo de volta para a mata, mas logo vi que seria inútil, principalmente porque tudo que era índio daquela tribo, resolveu abandonar sua maloca e ir ver que quiproquó era aquele que estava acontecendo. À minha frente, e atrás dos nossos “antropólogos”, Vagner parecia o documentarista de uma expedição sertanistas, filmando e fotografando os novos povos da floresta, parecia alheio a gravidade do problema, cagando e andando para a situação, mas logo foi atingido por uma flecha certeira: - PODE PARAR DE TIRAR FOTO DE ALDEIA, NÃO É PARA TIRAR FOTO DE ÍNDIO NÃO ! O instrumento do nosso documentarista de araque, que na verdade era seu celular, quase rodopiou no ar e em um segundo já foi parar no fundo da mochila e esse coitado foi outro que teria fugido comigo para o mato se pudesse. Enquanto isso, Thiaguinho e Tomaz Pontes gaguejavam mais que carro velho à álcool no inverno, tentando explicar o inexplicável, muito porque os índios não estavam a fim de ouvir explicações cretinas. - QUEM É O GUIA DE VOCES? ESTÃO INVADINDO TERRA DE ÍNDIO. VOCES ESTÃO VINDO DE ONDE? ESTÃO PERDIDOS? Aquelas eram perguntas que não podíamos responder, eram flechadas que não conseguíamos nos desviar. A comunicação era aos berros, mas nós berrávamos mansos, enquanto eles nos derrubavam com as palavras. Aos poucos, vendo que a vaca já havia ido para o brejo, nos juntamos em um só grupo. Ali, naquela maloca de índios, éramos reféns do destino, estávamos a mercê das circunstâncias, não dependíamos mais de nós, já não controlávamos mais a situação e eu já estava extremamente nervoso pelo rumo que aquilo estava tomando. De cima do morrote, esse índio que parecia querer mostrar poder, nos dizia palavras duras e impronunciáveis. Uma velha índia pede que esse líder nos pergunte se temos armas, mas ele não nos repassa a pergunta, apenas continua a nos esculhambar. - VOCES NÃO PODERIAM INVADIAR TERRA INDÍGENA, VÃO EMBORA SE NÃO VAMOS CHAMAR O REPRESENTANTE. Não ficou claro se ele iria chamar o representante máximo da tribo, talvez o verdadeiro CACIC ou se ele estaria se referindo ao pessoal da Funai, ou órgão Federal que lhes dá apoio, mas para a gente pouco importava, queríamos era sair voados dali imediatamente, picar a mula para o mato, cortar volta, desaparecer da frente deles, sumir no tempo e no espaço. Atendendo à solicitação do índio, começamos nosso processo de cair fora de lá e fomos nos dirigindo pela esquerda do morrote, como a dar a volta na aldeia para cair na capoeira. Fomos cruzando o pequeno roçado, agora no máximo uns 20 metros de onde a tribo nos observava e finalmente começamos a achar que o pesadelo estava próximo do fim, íamos passar e ir embora definitivamente, mas outra flecha foi nos atirada, uma flechada agora à queima roupa. - NÃO, NÃO, NÃO ! PODEM SUBIR, VENHAM PARA O MEIO DA TRIBO, VÃO PASSAR POR AQUI AGORA. Viche , agora fudeu ! Estava claro que não iam nos deixar ir embora assim, primeiro era preciso nos impor uma humilhação que talvez até merecêssemos, mas eu particularmente já estava no meu limite de apreensão, sabíamos que nada poderíamos fazer, nem nos defender poderíamos, éramos seres indefesos diante daquela situação. Em fila indiana, um atrás do outro, subimos do roçado para o meio da tribo. Alguns de nós só fazia era pedir desculpas, perdão por ter ido parar ali, mas eu se pudesse, já estaria era implorando clemencia. Agora atrás de nós, uma multidão de índios nos empurrava, nos encurralava para o meio da aldeia, um lugar onde me pareceu ser a casa de reza, o barracão das festas tradicionais. Sob uma saraivada de impropérios, seguíamos a passos lentos, respiração presa, sem movimentos bruscos que viesse a irritar qualquer um índio daqueles. Eram velhos, mulheres, homens, crianças, índio magro, índio gordo, sei lá, tinha de tudo atrás de nós. A situação era desfavorável, mas segundos de pensamentos tem o poder de nos remeter ao passado, um passado muito distante, mas o cérebro não quer nem saber, quer sabotar nossa capacidade de acreditar que tudo vai dar certo e logo me traz à tona a história, faz nos lembrar de que no passado, aqui mesmo nessa região, os índios Tupinambás teriam nos devorado em rituais antropofágicos, que começava , numa narração simples e simplória, por dar uma paulada na cabeça e depois outro pau era enfiado no rabo para que nada de lá saísse. Por sorte os tempos são outros, a tribo é outra, mas por azar, nós somos nós mesmos. Enfrente a casa de reza, alguns velhos índios conversavam em línguas estranhas, talvez em tupi, certamente não era português e se nada compreendemos, pelo menos esses xingamentos também não absorvemos, mas dos olhares nos queimando não tivemos como escapar. Ali era o ponto crucial, o centro da aldeia, era ali que a questão teria que ser resolvida. A gente continuava implorando para ir embora, mas sem deixar de caminhar, apenas olhando de rabo de olho, mostrando humildade e sem querer afrontar nenhum daqueles índios. A multidão nos seguia, não sei qual o propósito daquele cortejo, mas o alivio só veio quando o índio mais bravo gritou: - PEGUEM ESSA ESTRADA E SUMAM DAQUI! Mais que depressa quebramos a direita e ganhamos o caminho de terra batida, descendo do morrote em direção à um córrego de aguas cristalinas, uns 100 metros mais abaixo, mas na minha cabeça só havia uma frase que não escapuliu por muito pouco: COOOOOOORRE NEGADA! ( rsrsrsr) Mais que depressa e sem perder tempo, nos pusemos a caminhar aceleradamente, na tentativa de sairmos o mais rápido possível das vistas dos índios, mas eles não arredaram pé do alto do morro, muitos com o peito estufado, felizes de terem nos enxotados de lá feito cães sarnentos. Menos de 5 minutos nos leva até o riacho, onde uma placa intimidatória nos avisa que ali é a Reserva Indígena , com entrada proibida, mas no caso nem nos preocupamos, já estávamos saindo mesmo e ali nos vimos mais aliviados, pensando já estarmos a salvo da “panela”, mas nem tudo é tão ruim que não possa piorar. Enquanto os índios ainda nos fitavam com cara de poucos amigos de cima do morro, tratamos logo de subir a ladeira que nos levaria em definitivo para longe das vistas deles, mas 100 metros acima, quando o terreno se nivela, uma paulada nas nossas esperanças foi dada pelo destino: Eu mal conseguia acreditar no que estava vendo, mais uma vez estávamos encurralados. À nossa frente, estacionado bem na nossa passagem, um carro do Órgão Federal nos "convidava" para arrancar as nossas penas. Mas que inferno! Não tínhamos nem acabado de nos recuperar da experiência traumáticas com os índios e já teríamos que enfrentarmos mais um pesadelo. E agora era muito sério, se aqueles caras que protegem os índios nos pegassem, iriam arrancar o nosso couro, seríamos multados, esculachados, estuprados, espancados e talvez conduzidos para uma delegacia, onde mais uma vez iram arrancar a nossa pele ou o que sobrasse dela. Pelo menos era isso que passava na minha cabeça, enquanto andávamos à passos lentos e modorrentos em direção aos nossos novos algozes. Nessa hora, por azar, estou à frente. Nem respiro, arrasto meus pés como quem monta uma defesa para não ir à lugar nenhum. Se pudesse teria parado os batimentos cardíacos para não fazer qualquer barulho, mas é aí que o coração desanda a bater rapidamente, com uma substancia que inunda o estomago e faz as pernas dar uma amolecida. Dou uma olhada de rabo de olho para ver se alcanço a profundidade do problema, ao mesmo tempo que rezo para que meus olhos não consigam mirar outros olhos humanos. A estratégia não dá certo, abaixo a cabeça e passo ao lado do veículo branco e noto estar vazio. Na sede do Órgão Federal, do lado direito, simplesmente não consigo enxergar, não posso nem relatar do que se trata, apenas deixo que o meu cérebro me conduza para longe e só paro quando uma curva mais à frente nos tira das vistas de quem quer que seja. Já passava do meio dia e muito provavelmente a fiscalização deveria estar almoçando e antes mesmo que a gente virasse a sobremesa, desembestamos ladeira abaixo e só paramos quando a estradinha nos desovou em uma estrada maior, já fora da reserva indígena – mais uma vez à salvos, mas passou perto. UFA! Somos agora um grupo em êxtase! Cinco aventureiros maravilhados com a Aventura vivida, com o desdobramento que aquela expedição acabou nos levando. Parecemos não acreditar no que acabávamos de presenciar. Atrás de nós, todo o esplendor da Serra que divide Rio e São Paulo, desde o Cuscuzeiro, passando pelo Forquilha até a sensacional Serra do Papagaio. A euforia acaba por tomar conta do grupo e virando à esquerda, depois que deixamos a estradinha da aldeia, nos pomos a caminhar numa leveza estonteante, quase a levitar pela alegria da conquista e quando nos deparamos com a ponte que cruza por cima do RIO PARATÍ-MIRIM, justamente o mesmo rio que descemos desde o Forquilha, jogamos as mochilas ao chão e comemoramos o nosso sucesso, não só da empreitada, mas de sabermos que escrevemos mais um capítulo de uma vida bem vivida. Aproveitamos o rio, não só para lavar a alma, mas também para nos livrarmos do barro impregnado nas nossas roupas, já que saímos dessa travessia só o farrapo humano. O caminho à frente nos reserva uma caminhada tranquila e como o sol estava bem quente, 40 minutos depois nos detemos em mais um rio para fazermos um lanche e em outros 40 minutos já adentrávamos no Povoado do Patrimônio, onde o pai do Tomaz nos esperava para nos dar uma carona salvadora de volta para Ubatuba. Era para ser uma travessia entre montanhas, uma caminhada selvagem até o topo desconhecido( Forquilha) ou quase nunca frequentado de uma montanha perdida no extremo norte de Ubatuba, mas o destino fez com que pudéssemos viver uma grande aventura, um encontro inusitado com esses maravilhosos povos da floresta, um choque cultural inusitado, não programado, até um pouco conturbado, mas encantadoramente surpreendente. Saímos dessa travessia inebriados pelo momento vivido, pela experiência adquirida, pelo novo amigo que ganhamos, o mesmo que nos fez torcer o nariz com uma mochilinha de escola, mas que surpreendeu com bom humor e competência. E essa aventura entra para o nosso vasto currículo de roubadas e perrengues memoráveis, numa busca incansável por fazer a vida valer a pena. IMPORTANTE: Esse relato reflete o sentimento de quem o escreveu, sua visão de ver a aventura e talvez não seja a mesma visão dos outros participante. Por vezes , mesmo sendo uma escrita rude e de quem conhece pouco da lingua portuguesa, há de se conisiderar as licenças poéticas e literárias, mas mesmo assim, o texto se mantendo fiel aos acontecimentos. Divanei - junho - 2018
  4. VALE DO RIO RIO PURUBA- Serra do Mar Paulista Na calma e serena foz do Rio Puruba, onde ele se junta ao Quiririm, na praia de mesmo nome, canoas caiçaras vão e vem, fazendo a travessia de banhistas que não querem se dar ao trabalho de atravessar o rio com a água pela cintura. A praia do Puruba figura entre as mais belas praias do litoral de Ubatuba, se mantendo ainda selvagem e quase que isolada e é justamente por abrigar dois grandes rios que ali faz sua foz, que a torna uma das mais charmosas praias do litoral do Brasil. Quem por lá passa e se dá ao deleite de desfrutar desse paraíso, jamais consegue imaginar a fúria que o Puruba exerce sobre os contrafortes da Muralha da Serra do Mar, se jogando em cânions gigantescos num dos maiores desníveis do litoral Paulista. E é nesse cenário, com o mundo se acabando em chuvas, que nove homens tentam escapar do inferno em que se meteram, tentando atravessar o monstro ruidoso, da sua nascente até o litoral, entre pedras que rolam, abismos escorregadios, torrentes de águas avassaladoras. E é com homens à beira do limite físico e emocional, que essa história vai se desenrolar, uma aventura para poucos, no coração da Selva Paulista. (Abaixo Praia do Puruba) ( Os Exploradores - Divanei,Thiago,Flórido,Régis,Rafael,Vagner,Potenza,Luciano e Júlio) O GRANDE Rio Puruba nasce aos pés do ALTO GRANDE (1662 m), na divisa Cunha, Paratí e Ubatuba, uma montanha que marca o CUME DA SERRA DO MAR PAULISTA, na sua porção litorânea, inclusive essa mesma montanha foi oficialmente medida por nós na Expedição de 2019 (https://aventurebox.com/divanei/travessia-alto-grande-x-espelho-cume-da-serra-do-mar-sp/report ) , onde deixamos também um livro de cume, tanto no Alto Grande, quanto na Pedra do Espelho, outro ícone da região. É incrível poder atravessar o Puruba com não mais que um palmo de água, mas depois ele vai crescendo, ganhando outros afluentes e serpenteando floresta à dentro por uns 10 km até se jogar abruptamente do Planalto Paulista em direção à Planície litorânea. ( Foz do rio Puruba- foto tirada em outra caminhada)-https://aventurebox.com/divanei/travessia-picinguaba-x-puruba-10-praias-em-ubatuba-sp/report A intenção de desbravar o Vale do Rio Puruba, nasceu na minha cabeça muitos anos atrás, mas só voltou à tona depois que conhecemos o Thiago e o Flórido, dois andarilhos do extremo litoral norte e quando fechamos o projeto, coube a eles a incumbência de irem lá nos Campos de Cunha, no alto da serra, investigar o caminho que nos levaria às bordas da Serra do Mar, onde o grande rio se joga em direção ao litoral. Se juntaram aos dois exploradores o menino Júlio e quando voltaram da missão, trouxeram na bagagem um caminho pronto até o grande Lago Superior, um ponto que marcamos no mapa como crucial para iniciarmos a descida. Foram meses de discussão sobre esse projeto e no final acabamos por formar um grupo bem heterogêneo, tanto que eu cheguei a confessar para alguns em off, que essa descida iria separar homens de meninos, devido à dificuldade da empreitada. O desnível do rio era algo que talvez a gente jamais tivesse enfrentado antes e como era um grupo com alguns ainda sem aquela experiência mais consistente, a chance de haver dificuldades seria realmente enorme, mas pelo menos estávamos todos animados e bem preparados quanto aos equipamentos de segurança. Formado o grupo, partimos em uma Van da Rodoviário do Tietê, na capital Paulista, em direção à Cunha e ao longo do trajeto, fomos colocando a conversa em dia e revendo os planos traçados e quando lá chegamos, na alta madrugada, ainda tivemos que rodar por mais 30km, boa parte numa estradinha de terra, até que essa estrada já não tivesse mais condições de prosseguir motorizados. Nos pomos a caminhar na escuridão da noite e quando interceptamos uma mansão em reforma no alto de um morro, não tivemos dúvidas, nos jogamos para dentro dela e por lá ficamos, descansando o esqueleto até que o sol se levantasse e nos dissesse que era hora de partir. Nove homens animadíssimos seguem a passos firmes e decididos, ainda mais por termos sido surpreendidos com um dia ensolarado daqueles, muito porque, a previsão era de chuvas intensas durante quase todo o feriado de Carnaval, mas aquela belezura de tempo não duraria muito. Vamos atravessando sítios e porteiras, campos e pastos, fugindo de vacas invocadas, até que adentramos na mata fechada e começamos a descer em direção a um afluente do Rio Puruba e ao tropeçarmos com uma cachoeirinha, resolvemos seguir por dentro dele até que ele interceptasse o próprio Puruba, justamente no lago que havíamos marcado como referência. Foi uma caminhada rápida e nosso relógio marcava pouco depois das dez da manhã, a primeira parte do nosso objetivo estava cumprido com sucesso. Como previu a meteorologia, o tempo virou repentinamente, mas nem o sol da manhã foi capaz de diminuir a vazão do rio que se mantinha cheio e bufando. Do lago encontrado, partiu uma discreta trilha descendo na margem direita do rio, talvez usada por caçadores e palmiteiros, mas quinze minutos depois ela abandona o rio e vai morrer mais acima e é nessa hora que o Puruba vai se jogar nos abismos da serra, hora de abandonarmos também a tal trilha e nos jogarmos junto com o rio para um mundo desconhecido e sombrio. Desse ponto em diante, vamos entrar no coração da Serra do Mar, onde provavelmente ninguém tenha pisado e se pisaram, foram tão poucos que não contaram para ninguém. O vazio se apresentou à nossa frente, um abismo medonho, donde teríamos que nos valer de uma rampa escorregadia para acessarmos a primeira queda do rio. Já logo me espanta a cara de horror feita pelo Rafael, olhos arregalados diante do problema que se apresentou à nossa frente , querendo continuar subindo pela trilha, sem nem saber para onde o caminho iria dar, mas foi preciso lembra-lo qual era o objetivo daquela expedição e sem ter o que fazer, ele se jogou atrás de nós e foi escorregando floresta a baixo, resmungando e amaldiçoando o desgraçado que resolveu tomar aquele caminho e essa reclamação era totalmente procedente porque por pouco, alguns não foram rolar barranco a baixo diante daquela parede íngreme. Quando chegamos de volta ao rio, junto a uma cachoeira, nos posicionamos no seu patamar, na cabeceira de outro abismo e ali vimos a chuva chegar de vez e nos avisar que aquela expedição seria muito mais difícil do que esperávamos. Mesmo assim, ainda nos mantínhamos confiantes de que se passássemos pelo quilometro inicial, poderíamos ter êxito, mas ainda sabedores que era algo que talvez jamais tivéssemos enfrentado nesses anos de expedições selvagens. Abandonamos a primeira queda e pela direita fomos perdendo altitude, mas o terreno resolveu nos dar as boas-vindas de vez: Pedras e mais pedras rolavam ao menor toque e faziam com que os que iam mais abaixo, tivessem que se esquivar para não serem atingidos. Aos trancos e barrancos, conseguimos descer ao próximo lance, de onde uma CACHOEIRA enorme despencava. É preciso dizer que foi até aqui que o grupo que fez a primeira incursão exploratória chegou e batizaram-na de VAPOR BARATO, uma alusão a uma água que era aspersada ao bater em um tronco de madeira preso no meio da queda. Era realmente uma queda extraordinária, mas sem um grande poço do qual pudéssemos nadar, além do mais, a temperatura com a chuva começou a baixar e só um ou outro maluco se deu ao trabalho de se enfiar embaixo dela para uma foto mais ousada. A chuva chegou de vez, não uma chuvica molha bobo, mas um dilúvio que era amparado pela floresta antes de despencar nas nossas cabeças. Abaixo da Cachoeira Vapor Barato, decidimos que teríamos que cruzar o rio para seu lado esquerdo, aliás, essa decisão já havia sido tomada em casa com bases nas curvas de nível da carta topográfica. Com uma corrente humana, tentando proteger para que ninguém do grupo virasse pica-pau sem barril, passamos um a um em meio a água extremamente gelada e na tentativa se salvar as bolas, alguns quase que levitaram, mas por causa da profundidade e da correnteza, não molhar as costas já era lucro. O rio era simplesmente um funil desabando no abismo profundo e ter que escalar barranco foi se tornando a regra daquela travessia. Tínhamos que subir e ao chegarmos a certa altura, mandávamos uma diagonal de volta para o leito, mas pelo tamanho dos matacões que formavam seu curso, ficava quase impossível desescalar e tocava a gente voltar para as paredes gigantes e escorregadias, sempre tentando encontrar os melhores caminhos até retornarmos para a água. Interceptamos mais uma grande cachoeira de onde o rio se jogava em fúria. Infelizmente não havia poços para os mais ousados nadar e os que ainda tinham coragem e pouco juízo, se metiam de meio corpo dentro da cortina d’água, mas eu mesmo só olhei, já estava sofrendo com as baixas temperatura e não queria correr o risco de ter que gastar mais energia para tentar reaquecer o corpo. Descemos um pouco mais de rio, perdendo altitude vagarosamente, nos metendo embaixo de grandes pedras e passando com a água quase acima da linha da cintura, mas sempre atentos com a possibilidade de o rio subir mais ainda e nos arrastar. Os obstáculos iam sendo vencidos, metro a metro, centímetro a centímetro, mas chegou uma hora que o rio simplesmente nos empurrou de volta para as paredes rochosas novamente. O grupo estava cansado e não era nem três da tarde, mas os esforços iam minando a energia da gente e a chuva gelada nos jogava para um caminho perigoso, porque parte do grupo parecia já não conseguir mais gerar calor. O terreno simplesmente não ajudou, não conseguíamos mais voltar para o leito do rio e a cada subida, crescia a ansiedade de alguns e quando o caminho chegou ao fim num abismo, foi preciso parar e pensar numa solução: Raramente carregamos equipamento de rapel, às vezes uma cordinha de duas dezenas de metros para uma descida mais perigosa, mas dessa vez o Júlio resolveu carregar uma corda de rapel de uns 30 metros e alguns equipamentos. Na beira do barranco de uns 20 metros, decidimos que era hora de instalarmos a corda para voltarmos para o rio. Instalada a corda, o Vagner foi o primeiro a se pendurar, mas dispensou quaisquer outros equipamentos e se pendurou daquele fio molhado e despencou com mochila e tudo. O Júlio perguntou se eu precisava que ele montasse o freio e eu vendo que o Vagner desceu sem, apenas respondi que iria descer no “modo sertanista”, na mão mesmo. Me agarrei à corda molhada e me posicionei com os pés paralelo ao barranco, olhar firme, corpo ereto, passadas decidias de um explorador das antigas. Mas não demorou muito para sentir o peso da mochila e da gravidade a me puxar para o fundo do barranco. A mão começou a queimar, mesmo com luva, o braço já quase não dava mais conta. As pernas tremeram, enrolei a corda na mão direita, cair já era o que estava tendo, mas quando eu já havia dado a parada como perdida, uma raiz veio ao meu socorro e meio minuto depois eu estava em segurança, caído em meio a lama, aos pés daquela parede sombria. Ia mandar o Vagner se fuder por não ter me avisado daquela decida dos infernos, mas logo vi que ele próprio teve que descer com seu satanás pendurado às costas, então me contive e avisei para o Júlio que os próximos deveriam descer de rapel, não deveriam seguir nosso exemplo. Fui confabular com o Vagner sobre a possibilidade de acharmos rapidamente um lugar para acamparmos, porque do jeito que estávamos, capaz de sofrermos algum acidente grave, diante do frio que todos estavam sentindo, já em estado de semi-hipotermia. Mal acabei de terminar minhas considerações, foi quando ouvimos um grito ecoando da parede: Pendurado feito um siri no pau, menino Luciano gritava desesperado por ajuda, com as pernas balançando no ar, na iminência de despencar da parede. Eu não sabia se ria ou se acudia o companheiro: - O filho da puta, não te avisaram que era para descer no rapel? - Vai se fuder Diva, me ajuda a descer daqui, caralho! Todos os outros vendo que a gente já havia se lascado, desceram presos à corda e quando estávamos todos juntos, resolvemos que não haveria como prosseguir, mesmo diante de um terreno cretino, seria hora de montarmos acampamento. O frio era tanto que alguns não conseguiam nem se mexer mais, era hora de pôr em pratica nossas habilidades de improviso e torcer para que parte daquela parede não desabasse na cabeça de ninguém durante a noite, já que a chuva resolveu mostrar quem manda naquele pedaço isolado do mundo. Árvores que prestasse não havia. Apesar de haver árvores gigantes, eram esparsas, em um terreno inclinado à beira de outro patamar que havia mais abaixo de nós. A chuva varria tudo por lá, uma lava nojenta sob nossos pés, mal nos deixava parar em pé. Cada qual tentava se virar como dava, amarrando suas redes e cobrindo com toldo, mas fazendo um serviço dos mais porcos possíveis, parecíamos principiantes na arte de acampar com redes. Sem achar nada que prestasse, eu e o Régis resolvemos montar nossas redes juntas, no estilo beliche. Tentamos jogar a lona primeiro, mas ela era curta e não havia lugar para amarrar as cordinhas e tudo que tentávamos fazer, dava errado. Eu já havia perdido a capacidade de pensar, o frio já havia tomado conta. Regis tentou de tudo quanto é jeito e quando a tenda ficou de pé, foi que vi que aquilo não passava de uma grande merda e que a gente estava mesmo era fudido. Fudido e mal pago. Deixei o Régis e fui tentar achar outra solução, ou eu saia da chuva imediatamente ou sucumbiria ao frio daquele final de tarde. Desci ao patamar mais abaixo e lá encontrei dois pés de pau, um arremedo de arvore e lá estiquei meu toldo. Me joguei para debaixo dele e retirei a roupa molhada, vesti uma seca e instalei minha rede, tirei meu saco de dormi e me joguei para dentro dele e lá fiquei, tentando me aquecer. A chuva não dava trégua. O toldo não aguentou, foi empapando até que começou a pingar água para todos os lados e meia hora depois, meu saco de dormir já estava completamente úmido. Havia combinado de fazer a janta com o Régis, mas acabei apagando e nem vi a noite cair, nem fiquei sabendo como o grupo mais acima havia se virado, só sei que o Régis havia se dado bem mal e não demorou muito, veio chorar as pitangas na minha tenda. - O Diva, tá tudo molhado cara, tudo ensopado, uma lama só . A cara de desespero do Régis era de dar dó, o aventureiro forte e destemido de outrora, agora havia se transformado num menino assustado, aquela cara de quem não sabia o que estava fazendo ali naquele inferno molhado. Era um homem murcho, encolhido, destruído pelas agruras do tempo. - Olha Diva, vou te dizer uma coisa, eu avisei que com essa previsão de tempo iria dar merda, que a chance de dar errado era grande e olha a situação que a gente se meteu, não dá Diva, puta que o pariu. Me deu vontade de rir, confesso que ver o Régis naquela situação acabou sendo engraçado, muito porque, eu mesmo estava na mesma situação dele, éramos passageiros da mesma canoa furada e só me contive em perguntar se ele queria que fizesse uma janta. - Não, vou comer qualquer coisa fria mesmo. Melhor assim, nem me dei ao trabalho de sair mais da rede e mesmo todo molhado, por lá fiquei, no meu sofrimento individual, torcendo para acordar vivo no outro dia. E esse outro dia nasceu, sem chuvas, mas ainda embaçado. Foi mais uma noite de cão, daquelas para entrar para história. Voltei ao patamar superior e lá fiquei sabendo que os caras passaram, como eu, uma noite no inferno. O grupo estava destroçado, alguns desbocados amaldiçoavam a noite mal dormida, xingando os palavrões mais cabeludos, menos o Thiaguinho, menino bem-nascido, de uma polidez nórdica, apenas se conteve em dizer uma frase que entraria para os anais das conversas fiadas das travessias selvagens na Serra do Mar: - Noite difícil, hen Potenza?!(rsrsrsrsrsrsrrssr) Enquanto alguns tomavam café, descemos até as barrancas do Puruba para verificar se já seria possível continuar por dentro do rio, mas o encontramos tão furioso quanto a tarde anterior. O jeito foi traçar uma diagonal longa, passar ao lardo, um pouco mais acima, quase que margeando a uma distância de pouco mais de 50 metros. O terreno continuava de difícil navegação , mas encontramos um bom corredor plano, quase uma crista longa que nos fez avançar muito e logo achamos um jeito de voltarmos ao rio novamente. Mais uma cachoeira afunilada se apresentou à nossa frente e como havia uma grande rocha plana, aproveitamos para comer alguma coisa, enquanto alguns malucos se enfiavam embaixo da cortina d’água. Não nos demoramos muito por lá e logo ganhamos novamente o barranco, porque passar pelo rio ainda estava fora de cogitação. Nesse dia deixamos a cargo do Alan Flórido, a navegação, já que ele é quem tinha um gps e pode ir olhando melhor as curvas de nível do terreno, mas tinha horas que quem estava à frente exagerava em querer subir mais que o necessário e aí tínhamos que intervir e deixar bem claro que o intuito daquela expedição era seguir sempre pelo rio ou ao menos perto dele. O dia foi passando numa velocidade impressionante e cada vez que consultávamos o gps, percebíamos que mal havíamos saído do lugar, estávamos avançando muito devagar e a todo momento, uma voz se levantava insistindo de que o rio seria sempre o melhor caminho. Voltamos ao rio, mas para isso foi preciso descer uma parede muito íngreme, aliás, cada vez mais, íamos nos metendo dentro de grandes paredões e nos sentindo presos, como a nos enfiarmos num caminho sem volta. No rio, outras cachoeiras iam despencando afuniladas, nos indicando que ainda estávamos envoltos em uma encrenca das grandes. Analisando o terreno, vimos que seria hora de voltarmos para a margem direita, mas cruzar a torrente de água não estava fácil. Montamos uma operação com uma corda, afim de que um trouxa se apresentasse para tentar o salto suicida e como o Júlio foi o primeiro a levantar as mãos, amarramos a corda à sua cintura e esperamos que ele sobrevivesse sem ser arrastado para queda d’água, mas ao pular e tentar nadar com todas suas forças, foi levado perigosamente para as beiradas do vazio e logo a galera se apressou em puxá-lo de volta. O Júlio ficou puto, deu esporro em todo mundo, dizendo que ele iria conseguir e que lhe puxaram a corda quando ele já estava chegando ao outro lado, mas não quisemos nem saber de conversinha, ninguém estava a fim de se ariscar ali, então enrolamos a corda e voltamos a escalar paredões novamente, a fim de ganhar altura, pegar uma nova diagonal e voltar para o rio mais abaixo, para procurar uma passagem onde ninguém corresse o risco de morrer. Pelo menos a chuva deu uma cessada, mas o mormaço acabou aquecendo um pouco nossos miolos, ainda mais tendo que a todo momento, ficar tendo que subir paredes onde o esforço físico ia quebrando parte do grupo ao meio. Numa tentativa desesperada de voltarmos novamente ao rio, tivemos que despencar em mais uma parede vertiginosa e quando lá chegamos, conseguimos finalmente avançarmos por dentro da água, cruzando por baixo de matacões imensos e nos enfiando dentro de grutas de granito até que novamente fomos barrados por uma sequência de quedas. Não eram quedas altas, longe disso, mas descê-las parecia algo muito ariscado, então nos juntamos para tentar uma solução, já que à nossa frente, duas paredes laterais nos pareceu quase intransponíveis. O Vagner e o Flórido tentaram ver se era possível atravessar o rio, mas concluíram que a correnteza era muito forte para passar e voltaram dizendo que a parede do lado direito tinha quase 90 graus de inclinação e mesmo que conseguíssemos passar, ficaríamos presos do outro lado. Eu e o Júlio ficamos conversando sobre a possibilidade de, com a ajuda de uma corda, descermos por dentro do rio, mas sabíamos que seria uma atitude meio que suicida e só faríamos isso quando não houvesse outra opção. Por outro lado, a parede da esquerda era mais promissora, talvez fosse possível escalar a uns 3 ou 4 metros do chão e conseguir uma passagem para o outro lado e de lá, tentar ganhar um caminho para prosseguir, mas essa nossa ideia foi rechaçada de imediatamente por parte do grupo, então só nos restou mesmo, tentar retroceder e tentar fazer o que a gente fazia, que era subir a montanha , ganhar uns 100 metros de altura e descer na diagonal mais à frente, nos livrando de mais essa garganta do rio. Retrocedemos não mais que 20 metros e começamos a subir uma parede gigantesca, junto a um pequeno afluente, na tentativa de cruzá-lo mais acima e ganhar a direita de vez, mas o caldo foi entornando, o terreno cada vez mais instável, ia cedendo a cada passo dado e quando ganhamos uma altitude considerável, percebemos que a transposição para ganharmos o restante da parede era impossível, porque uma parede com mais de 50 metros de altura se erguia abruptamente. O esforço físico para lá chegar havia sido descomunal e alguns já começavam a dar sinais de exaustão e agora seria preciso nos afastarmos para a esquerda e tentarmos ganhar mais altitude ainda e essa atitude deixou alguns ainda mais preocupados. O dia passando e a gente preso na parede, subindo sem parar e nada de conseguirmos uma diagonal para direita. Era uma subida quase que inútil e alguns, já começaram a protestar com quem ia à frente porque achavam que era hora de ariscar e abandonar aquela estratégia que não estava nos levando a lugar nenhum. Os mais putos com o destino que aquela expedição estava tomando erámos eu e o Júlio e por mais que a gente vociferasse com quem fazia as vezes de guia, eles pareciam não nos ouvir, até que um dos homens caiu prostrado no chão, com a língua de fora, fazendo mais ânsia que gato com uma bola de pelo na garganta. O Rafael quebrou, chegou ao seu limite físico e emocional, estava acabado e para piorar, praticamente já estávamos sem água, pendurados numa parede há centenas de metros do rio. A situação dele parecia bem delicada, não que já não tivéssemos vistos outros exploradores abrir o bico nas inúmeras expedições, mas dessa vez estávamos numa jornada que exigiria o máximo de cada um e naquele momento específico, onde tentávamos desesperados arrumar uma maneira de prosseguir, a coisa ficava ainda pior. Numa breve reunião, resolvemos que seria melhor dividirmos parte da bagagem do Rafa com o resto do grupo, porque do jeito que ele se encontrava, naquela subida sem fim, ele não conseguiria seguir em frente. Metade do seu peso foi parar nas nossas mochilas e mesmo assim, o Rafael empacou, estacionou seu corpanzil avantajado e como uma vaca que atolou no brejo, recusou-se a continuar. - Olha gente, vou dizer uma coisa, essa é a última expedição que faço com vocês, nunca mais me chamem para essas Expedições desgraçadas. Com uma só frase, Rafael anuncia ali, de supetão, para todo mundo ouvir, que acabara de se aposentar e para provar que não estava brincando, começou a distribuir parte do seu equipamento, presenteando alguns amigos com o que lhe era desnecessário naquele momento e prometendo outros equipos quando estivesse a salvo, na civilização. Mesmo com o Rafa doente, era preciso seguir, porque ainda não me passava pela cabeça, outra coisa que não fosse terminar aquela travessia até o litoral. A subida se deu a passos lentos, e cada metro que ganhávamos, parecia que mais nos complicávamos no roteiro. À frente do grupo, feito uma cabra cega, Flórido e Thiaguindo não nos dava ouvidos, quando pedíamos para tentar desviar o rumo para a direita e parar de subir, porque tínhamos que tentar cruzar para o outro lado e achar de qualquer jeito uma maneira de voltarmos para o rio, mas logo a gente sacou qual era a deles, haviam decidido tentar outra rota e voltar para Cunha, via crista da montanha. Tivemos que parar para dar um rumo para aquela EXPEDIÇÃO. O Rafa não progredia de jeito nenhum, mas alguns de nós ainda tentávamos convencê-lo de que se alcançássemos parte da crista, poderíamos pegar uma longa descida de volta para o Puruba, alcançando a cota 450, onde achávamos que poderíamos seguir tranquilamente até a praia, mesmo com o Rafa naquela situação. Mas a conversa não evoluiu e o Flórido bateu o pé, queria porque queria voltar para o topo da serra ou seja: DAR POR ENCERRADA AQUELA EXPEDIÇÃO. Eu e o Júlio protestamos veementemente, não queríamos abandonar nada, queríamos seguir. Um ou outro, mesmo que timidamente, tentaram ser solidário com nós dois, mas outros não moveram uma palha para tentar persuadir parte do grupo a prosseguir com a Expedição. Eu compreendia que tínhamos um companheiro quase fora de combate, que vez por outra vomitava diante do grande esforço físico, mas achávamos que ainda não era hora de jogar a toalha, talvez pudéssemos descer novamente ao rio e tentarmos passar por onde fomos barrados ou mesmo ganhar a crista e continuar descendo, o que não aceitávamos era a derrota sem luta. Mas não teve jeito, parte do grupo estava irredutível e uma outra parte se omitiu. O Júlio estava transtornado, mandou todo mundo se fuder, chamou parte do grupo de cuzões e propôs que eu e ele seguíssemos na travessia. -Olha Júlio, mesmo eu discordando dessa posição de abandonar a expedição, não poderia abandonar o grupo, mesmo sabendo que poderiam seguir muito bem sem a gente e voltariam para casa em segurança, mas se algo acontecesse, teríamos que carregar essa culpa nas costas, então já que o grupo decidiu e estão irredutíveis, o jeito é engolir esse fracasso, enfiar o rabo entre as pernas e tentar voltar com um grupo mais homogêneo de uma próxima vez. Claro que o Júlio não aceitou, continuo bem puto pelo resto do dia. Mas se aquela expedição havia chegado ao seu fim e tínhamos um integrante doente, não fazia sentido continuar aquele sofrimento, sem água e subindo até sei lá onde, então combinamos de subir só até encontrarmos um bom lugar para acampar, para recolocarmos as ideias no lugar. Mais 40 minutos, foi o tempo que levamos nos arrastando até perto de uma crista, na verdade, uma hora abaixo dela, num selado mais plano onde árvores mais espaçadas nos deu a condição de montarmos nossas redes. Com o fracasso já engolido e conformados com nosso destino, pouco a pouco o grupo foi voltando a se animar e depois de uma janta quentinha, já nem lembrávamos mais das discussões acaloradas do meio de tarde e já que estávamos ali, era hora de celebrar a vida e a amizade, que era mais importante que qualquer descida de rio. Um pouco de chuva a noite, nos deu um pouco de água para um café e assim que desmontamos tudo, partimos para o topo da crista. O Objetivo era, ao atingir o seu cume, azimutar uma direção direto para o grande poço do Rio Puruba, o mesmo que havíamos encontrado logo no início da expedição e aí interceptar novamente o afluente que havíamos descido, subi-lo e voltar para a civilização, novamente nos Campos de Cunha. A caminhada foi retomada e mesmo sendo logo pela manhã, as dificuldades não mudaram devido a inclinação do terreno. Era uma subida interminável e mesmo já tendo passado a frustação do dia anterior, ainda havia um resquício de desgosto por estarmos abandonando aquela travessia, mas algo mudaria completamente o ânimo daquele grupo: Ao chegarmos no topo da crista, o terreno arrefeceu e ao percorrermos por sua planitude, agora no sentido de Cunha, uma clareira nos chama atenção e quando para lá corremos, fomos surpreendidos com um espetáculo então INIMAGINÁVEL. Estávamos bem encima de um Pico, uma montanha com vistas largas e surpreendentes para todo o litoral. Aos nossos pés, um Oceano qualhado de praias e horizontes abertos, pontilhado por ilhas, num cenário de tirar o fôlego. Estávamos encantados, alguns até eufóricos diante daquela beleza toda. Era possível avistar um mar de florestas, de onde o próprio Rio Puruba serpenteava como uma grande cobra, emoldurando toda a planície litorânea e lá estava, surpreendentemente, a famosa cratera de Ubatuba, onde pesquisadores acreditam que um meteoro de grandes proporções se chocou com a Serra do Mar, milhões de anos atrás. (Pico Puruba - Cratera de Ubatuba) Diante daquele cenário deslumbrante, cada qual pegou seu assento, seu lugar favorito, para poder guardar na memória aquele momento único e muitos já nem lembravam mais das agruras daquela expedição, que não havia chegado nem perto de atingir o objetivo proposto, mas por hora, havia conseguido aplacar um pouco da frustação que lhes consumia, se não à todos, pelo menos a parte mais exigente do grupo. Para marcar aquela conquista, que acabou se dando por puro acaso, resolveram batizar aquele pico com o único nome possível, uma homenagem àquela vale que acabava de nos vencer momentaneamente, PICO DO PURUBA (1200 m) , é assim que deve ser chamando e assim que deverá constar no mapa das montanhas selvagens de Ubatuba e da Serra do Mar Paulista. A visão era hipnotizante, mas ainda tínhamos o objetivo de encontrar o caminho de volta para casa, ou seja, voltarmos para a parte superior do rio, próximo ao grande lago de onde partiria nossa trilha para a civilização. Seguimos agora pela crista da montanha, varando mato e outros bambus irritantes, tomando o caminho dado pelo gps e por suas curvas de nível e quando uma direção nos foi favorável, mudamos de rumo até cairmos na própria calha do rio Puruba, pouco abaixo do grande poço, umas corredeiras, donde agora o rio corria cristalino, translucido e como já se aproximava da hora do almoço, resolvemos parar e aproveitar para um bom banho e para prepararmos um rango. Ali nos demoramos um bom tempo, jogando conversa fora e aproveitando o sol , admirando a beleza do rio , tentando digerir tudo que havia acontecido naquela Expedição, fazendo um balanço e as vezes lavando uma roupa suja, conversando sobre o que nos levou ao fracasso e qual lição havíamos tirado daquela jornada. Atravessamos o rio e partimos apressadamente até que, uns 15 minutos depois, interceptamos o grande poço e começamos a voltar pelo afluente e logo que trombamos com a cachoeirinha, abandonamos ela em favor de uma trilha que nos levou rapidamente para os campos abertos e os pastos cercados por montanhas arredondadas, pontilhadas por pinheiros e outras araucárias e um pé à frente do outro, nos devolveu à estradinha rural. Quase uma hora de caminhada nos levou até o casarão que havíamos acampado na primeira madrugada e lá conhecemos um nativo, proprietário de uma fazenda local às margens do Rio Paraíbuna, na sua porção córrego e ele nos ofereceu um abrigo momentâneo até que conseguíssemos entrar em contato com uns taxis que poderia nos tirar da área rural e nos levar até Cunha ou Taubaté. Mas não foi só um abrigo que ele nos deu, nos presenteou com um café que mais pareceu um banquete, onde quase morremos de tanto comer, nos deliciando com as maravilhas da roça, com direito a leite tirado direto da vaca. Enquanto os taxis não apareciam, ficamos encantados com as histórias contadas pelo fazendeiro, algumas de cair o queixo, outras difíceis de acreditar, tipo o dia que ele matou 12 catetos com apenas 12 cartuchos ou a cobra tão grande que deixaria qualquer anaconda no chinelo, sem contar os 300 kg de linguiça para um só acampamento, que serviu de acompanhamento para umas 15 pacas assadas. (É mentira Teca ? VERRRRDADE! ) Rsrsrsrsrsrsrrsrsrss Já era noite quando conseguimos voltar para Taubaté, de lá alguns afortunados, a elite do grupo, conseguiu achar um carro que os levou de volta para Capital, mas a ralé, a parte à margem da sociedade, resolveu dormir na rodoviária, jogados ao chão, feito mendigos e quando o dia nasceu, pegaram os ônibus para suas comunidades, uns para São Paulo e eu para minha aldeia, perdida no interior do Estado. Fica aí o relato e a descrição da nascente de um rio importante do Litoral Norte Paulista, por hora esse é o único registro de um grupo que chegou tão longe e conseguiu avançar naqueles desfiladeiros monstruosos. Alguns desses homens voltam para casa com o certificado de aposentadoria na bagagem, outros carregam ainda dentro de si a esperança de ver todo o mistério desvendado e ainda não se deram por vencidos. O maior aprendizado de tudo isso é que entramos juntos e saímos juntos, um protegendo o outro, demos muitas risadas e mesmo nos momentos mais difíceis, soubemos aguentar firmes e mantermos o grupo unido. Mais de 2 meses depois, nesse exato momento que escrevo esse relato, o mundo passa por uma transformação que jamais pensávamos passar. Uma pandemia mundial, com um vírus mortal, devasta parte da humanidade e corpos são empilhados em todos os cantos do mundo. Nosso sonho de descer novamente o Puruba, teve que ser adiado, sabe-se lá para quando, tudo é incerto, nem sabemos se vamos sobreviver para lá voltarmos, mas se vivos estivermos, vamos juntar o grupo novamente e da próxima vez, com a previsão do tempo favorável, a vitória vai ser certa, vamos celebrar mais essa conquista e o prazer de continuarmos vivos, explorando um mundo fantástico, resumido em florestas, rios e montanhas quase virgens, numa das mais fascinantes Serras do mundo.
  5. Trevas, escuridão, sede, fome, GPS inutilizado, água podre até o pescoço, lama para todo lado e numa fila de 5, dois otários se revezam, um na ponta e o outro fazendo às vezes de cu de tropa. Eu e o Vagner juramos um dia nunca mais pormos nossos pés novamente nas Restingas de Bertioga e agora nos encontrávamos justamente no lugar que prometemos nunca mais voltar. Havíamos partido quase 4 dias atrás para desvendarmos os mistérios de um rio Selvagem, descobrindo sua nascente, no longínquo Planalto Paulista e percorrendo-o até quase a sua foz, já na Planície litorânea e para escapar da fúria dos índios, resolvemos nos meter em mais essa furada, varando mato, mas nunca imaginávamos que, mais uma vez, o alagadiço litorâneo pudesse nos humilhar daquele jeito. Luciano Carvalho e os biólogos Fiorotto e Plácido, são os outros 3 trouxas que deixaram se levar pela ânsia da aventura e agora pagam o preço pela ousadia e com certeza, irão sair dessa empreitada mais bicho que homem. Há uma angustia grande sobre as costas de cada um daqueles aventureiros, são homens que ainda não desistiram porque não lhes sobrou essa opção, cientes de que é preciso continuar lutando, seguindo, navegando, mesmo que a saída não lhes pareça possível tão cedo. A ideia de fazer uma Expedição completa do Rio Silveiras, surgiu quando resolvemos subir a lendária Pedra da Boracéia e na verdade, naquela ocasião, o projeto inicial era subir a montanha e já despencar para o litoral utilizando o próprio rio como caminho, mas com um tempo curto e um grupo grande, acabamos por deixar esse plano para depois e desmembrar a travessia em duas partes, então subimos a Boracéia e voltamos pelo planalto mesmo, deixando o Silveira para uma próxima. Com a chegada do tempo quente, resolvemos que em novembro seria a vez de investir no Silveiras, mas o chamado de um amigo para outro rio icónico da Serra do Mar, nos fez mudarmos os planos e tentar juntar os grupos, mas o tempo virou e a previsão nos dava chuvas torrenciais para a região desse outro rio e aí um impasse se instalou: Metade queria continuar com o projeto, mas a outra metade achava que seria suicídio com aquele aguaceiro todo, principalmente no primeiro dia, que era o mais complicado. Conversas e debates acalorados começaram a dividir o grupo de vez, uns queriam ir, outros não, foi aí então que ressurgiu a possibilidade de retornamos os planos para o Rio Silveiras, já que o primeiro dia poderia ser feito com chuvas e a partir do segundo dia, a meteorologia já nos daria tempo bom para podermos enfrentar as gargantas. Egos inflamados e picuinhas desnecessárias de quem não quis abrir mão das suas convicções, fizeram o grupo rachar em três. A divisão ficou entre os que queriam descer um rio, entre os que aceitavam fazer o Silveiras e os que já não estavam a fim de fazer porra nenhuma. No fim, de quase 15, alguns picaram a mula e de um lado sobraram 5 para o Silveiras e outros 3 para o rio inicial e assim foi dado o start com dois grupos distintos, que um dos participantes rotulou em: Grupo dos Fudidos e Grupo dos Coxinhas, nós do Silveiras acabamos sendo esse segundo, claro, porque segundo ele, havíamos arregrado para o plano inicial, paciência, aceitamos a brincadeira e deixamos rolar.(rsrsrsr) O planejamento do Silveiras estava pronto, a intenção era ganhar o coração da floresta subindo o mesmo Rio do Alegre que nos deu acesso para uma rota inédita até o cume da Pedra da Boracéia e a partir da cabeceira desse rio, varar mato por uns 2 km até onde eu imaginei ter encontrado sua nascente, mas sem aquela certeza, então seria mesmo uma incógnita, um tiro no escuro achar essa nascente e a partir daí, despencar nas gargantas profundas e cânions vertiginosos até a planície litorânea, realizando um caminho inédito, uma verdadeira Expedição selvagem. Às nove da noite, na estação Tatuapé do metrô, lá me encontrava , sentado perto das catracas, quando apareceu os 4 cavaleiros do apocalipse com suas mochilas às costas e aí me juntei a eles e seguimos para a Estação Estudante, em Mogi das Cruzes. A chuva já havia dado novamente as caras e foi debaixo de um aguaceiro que tomamos o ônibus que vai para Salesópolis, que rodou um quarto do planeta até nos desovar bem no entroncamento com a ESTRADA DA PETROBRAS, fim de mundo perdido, junto a um boteco fechado, já que a noite já ia pela sua metade. Havíamos combinado o transporte com um taxista, velho conhecido de outra expedição, mas a notícia de que ele talvez não poderia nos levar para o nosso destino, começou a nos preocupar, ainda mais quando o Luciano fez menção de pegar o ônibus e retornar para São Paulo. Esses jovens parecem meio impacientes, querem resolver tudo de supetão, mas eu estava mais que decidido esperar o quanto fosse possível para por aquela expedição em prática e para nossa sorte, não levou nem 15 minutos e o taxista apareceu, e nos atiramos dentro do taxi, que saiu com lotação acima do permitido e fomos nos perder lá para as bandas do Bairro dos Pintos, 15 km de estrada de terra até sermos enxotados para fora do veículo, mas não sem antes morrer com uma garoupa, pagamento pelos serviços prestados. O Vagner era o cara que havia decorado o caminho de acesso para a trilha que nos levaria até o Poço Bonito, um atrativo do Rio Claro e realmente não demorou nem meia hora e lá estávamos nós, enfiados num caminho aberto e gostoso de trilhar, numa noite fresca, já que a chuva havia dado um tempo. Apertamos o passo e ganhamos terreno rapidamente, mas por pouco esse início de caminho não acabou se tornando numa tragédia: Entramos nessa trilha larga, descontraídos e eu nem perneira coloquei, já que logo acamparíamos e o descuido quase me fez ser picado por uma jararaca monstro, coisa que fazia tempo que eu não via, não daquele tamanho. Chegamos a pisar 2 dedos da boca dela e por muita sorte ela se manteve imóvel no meio da trilha e essa foi a deixa para eu me equipar com todos os equipamentos de segurança possíveis. Duas horas depois, desembocamos nas margens do Rio Claro. Poderíamos ter acampado na areia do Poço bonito, mas estávamos sem uma boa corda para montar um bivac mais elaborado, então decidimos usar uma clareira antes de atravessar o rio e ali a fizemos de nossa casa por umas 4 horas, tempo suficiente para dar uma descansada até que um novo dia surgisse, nos avisando que era hora de partir para aventura. (Poço bonito) Nosso caminho segue pela esquerda, subido o rio, ainda nos utilizando de uma trilha larga que vai nos levar até a Cachoeira do Poço Bonito, dessa vez um pouco mais cheia, devido às chuvas. Atravessamos o rio para a outra margem e nos enfiamos na mata, afim de ganharmos o alto da cachoeira e seguirmos subindo o rio, mas ao acessarmos a cabeceira, percebemos logo ser impossível ir pela margem do rio, que além de cheio, com vegetação impassável. O nosso objetivo era interceptar uma grande cachoeira que encontramos quando utilizamos esse caminho para a Expedição ao cume da Pedra da Boracéia e a partir dela, ganhar o afluente, subindo o Rio do Alegre para o sul até a sua nascente. ( Cachoeira do Poço bonito) Da esquerda para a direita - Plácido, Divanei, Luciano, Fioroto e Vagner. Azimutamos nossa direção para leste e fomos varando mato 100 metros paralelo ao Rio Claro, mas como eu havia marcado errado a posição da grande cachoeira, acabamos achando que havíamos cometido algum erro e ficamos desorientados. Eu e o Fiorotto tentamos voltar para o rio, mas não o encontramos mais, então foi aí que notamos o erro cometido e seguimos na direção proposta até desembocarmos de vez no Rio do Alegre, um pouco mais acima do encontro com o Rio Claro. A fim de mostrar a grande cachoeira para o Fiorotto e o Plácido, que não estiveram com a gente na subida da Boracéia, descemos o afluente por cinco minutos, interceptamos o principal e subimos por mais uns 10 minutos até tropeçarmos com a incrível CACHOEIRA PADRE DÓRIA, uma monumental queda d’água, conhecido por quase ninguém, além de nós e um ou outro caçador ou palmiteiro que por ali perambulem. ( Cachoeira Padre Dória) Voltamos para o Rio alegre e debaixo de uma chuvinha gelada, nos pomos a caminhar rio acima, transpondo pequenas cachoeiras, escalando barrancos baixos e as vezes nos metendo nas margens entrelaçadas por cipós e vegetação quase que intransponíveis. O rio vai subindo sem muito aclive, as vezes fundo nas curvas, outras vezes caminhávamos pela areia dentro do rio. Ao longo do dia a temperatura vai despencando e ter que passar com a água acima da cintura vai minando a gente. Uma hora ou outra, um trouxa tenta fugir de ter que passar pela água, se equilibrando em algum galho e faz a alegria da galera, quando despenca e vai bater com a fuça no fundo do rio gelado e como dizia o Plácido: “ Nossa menino, essa foi uma boa tainha que você deu”. Se referindo aos saltos dos peixes oceânicos. (Rsrsrsrsrs) (Rio do Alegre) O dia vai passando do mesmo jeito que começou, feio, embaçado e chuvoso. A gente vai definhando cada vez mais e não demora, alguns de nós já vão ao chão gritando com câimbras avassaladoras devido as temperaturas baixas. Pior que não podíamos nem reclamar, já havíamos previsto que aquele seria um dia para se fuder mesmo, mas a gente nunca está preparado para esses sofrimentos, então apenas caminhávamos, sem esperar nenhuma melhora, resignados com as desgraças do tempo. Nosso objetivo era chegarmos às cabeceiras do Rio alegre, bem onde ele passa por baixo das linhas de alta tenção e se fosse possível, continuar avançando para o norte e ganhar terreno para no dia seguinte conseguir acesso cedo a nascente do Rio Silveiras, mas diante do sofrimento coletivo, decidimos que acamparíamos embaixo da linha de transmissão, no mesmo acampamento que usamos para ir à Pedra da Boracéia. O nosso GPS nos diz que estamos perto, mas cada 100 metros percorridos, parece que estamos é retrocedendo e não avançando, talvez pelas curvas e meandros que o rio faz, se enfiando embaixo de árvores caídas, onde temos que nos rastejar, nos livrarmos de vegetação espinhosa, entrelaçada por cipós grudentos e as vezes dispostos sobre atoleiros. É nítido que estamos sofrendo, cada passo dado parece que arrastamos uma floresta nas costas. Todos não tiram os olhos do céu, tentando encontrar os fios da rede de alta tenção, como a buscar por uma salvação para suas almas, porque o corpo jaz numa penúria de dar dó, mas como não há sofrimento que dure para sempre, identificamos o barranco do lado direito que ao ser subido, nos levou à grande área de camping, com grandes árvores espaçadas, o Jardim do Éden se apresentou para nós, nos chamou para a Terra da felicidade. Vamos falar de felicidade: Só quem já passou por isso, por essas situações é que sabe o quanto de prazer se tem ao sair da tempestade dentro de uma floresta e correr para debaixo de um abrigo, tirar as roupas molhadas e vestir uma seca, não haverá nunca nenhum orgasmo que supere isso, podem lhe oferecer qualquer coisa, não vai querer mais nada senão vestir seu agasalho quentinho, parar de tremer feito vara verde. Essas situações sempre nos farão dar valor as coisas simples da vida, agasalho seco, comida quente, cama quentinha, é só isso que precisamos. Falando em comida, logo após instalarmos nossas redes, botamos fogo no fogareiro, mesmo ainda sendo antes das quatro da tarde, e fizemos um arroz, esquentamos um frango e um feijão, juntamos uns bacons, umas azeitonas, polvilhamos com queijo ralado e brindamos com suco de jabuticaba, isso sim é que é FELICIDADE. Depois da janta ninguém quis saber de mais nada, pulamos para nossas redes e nos demos como mortos. Como eu estava bem agasalhado, dormi muito bem, mas alguns sofreram com as baixas temperaturas da madrugada, mas no fim, 12 horas de sono teve o poder de renovar todo mundo. A noite foi sem chuvas e o dia amanheceu até que com uns raios de sol tímidos. Ás nove da manhã partimos e ao invés de continuarmos seguindo para o sul, resolvemos virar para oeste por um breve momento e subir até umas das Torres de Alta Tenção para termos uma visão mais ampla do terreno a seguir. (Pedra da Boracéia) Dez minutos varando mato, nos levou a campo aberto e outros dez minutos nos colocou debaixo da Torre. Eu e o Vagner escalamos, enquanto os outros se maravilhavam com a visão das encostas da Pedra da Boracéia. De cima da torre parecia um caminho fácil, mas ser enganado pelo terreno já era rotina, então nos posicionamos novamente para o sul e fomos seguindo o caminho que eu havia traçado sobre o mapa topográfico. No começo comemos logo uns bambus, mas logo o terreno se alternou em florestas de bromélias em meio a campos abertos e matas fechadas, subindo e descendo vales, cristas e travessias de pequenos rios ou charcos pantanosos até que nos elevamos o quanto deu e quase 2 km desde o acampamento, avistamos um fundo de vale cortado no terreno e lá embaixo imaginamos que poderíamos encontrar a fascinante NASCENTE DO RIO SILVEIRAS. É surpreendente como se pode pegar um rio com as mãos, pela nossa posição no mapa, nos confins perdidos dessa parte da Serra do Mar Paulista, é muito provável que homem jamais tenha pisado por aqui, muito porque, pela dificuldade de acesso, não há um só vestígio de caçador e muito menos palmiteiros e três dedos de água dão vida a um dos rios mais espetaculares do Estado de São Paulo. Eu fiquei imensamente feliz de encontrar essa nascente, estava apreensivo de não ter feito o trabalho de mapas como deveria, mas localizar esse rio já me fez estar com o dever cumprido, agora era segui-lo quase até a sua foz, tarefa e responsabilidade de todos. ( Nascente do Rio Silveiras) Estamos emersos dentro de um vale profundo, no centro de uma montanha de onde um rio acabara de nascer e o único caminho possível, era para baixo. No início perdendo altitudes aos poucos, passando por baixo de árvores caídas, donde um rio com água pela canela começava a ganhar corpo ao receber pequenos afluentes, que lentamente vão rasgando a rocha ao meio, furando o terreno que vai se abrindo cada vez mais. O caminho traçado no mapa nos dava conta que mais à frente o rio faria um cotovelo para a direita, voltando para a direção sul, mas antes de lá chegarmos, foi preciso desescalar algumas paredinhas, onde alguns se esgueiravam feito o homem aranha para não cair na água fria e passado esse trecho, foi hora de nos determos por um instante para um lanche rápido e para revermos nosso roteiro. De todos os trechos que eu havia estudado no mapa, esse primeiro grande desnível na cota dos 900 metros, era o que mais me preocupava e quando fizemos a curva para o sul e perdemos um pouco de altitude, nos deparamos com esse desnível. Era algo assustador, como chegar ao inferno e saber que não tardaria ser apresentado ao diabo. Um despenhadeiro absurdo, do qual não conseguíamos nem ver o fundo. Talvez os meninos mais novos tenham ficado ainda mais impressionados, mas eu e o Vagner já estávamos calejados de nos deparar com tais situações e logo traçamos um plano pela esquerda, que era o de perder altitude aos poucos, procurando patamares que pudesse ir nos baixando lentamente. Pela esquerda era o caminho, desceríamos escorregando e nos agarrando ao Deus árvore, enquanto houvesse um, estávamos protegidos de cair nas entranhas do inferno. Atravessamos o rio e ganhamos, portanto, a esquerda e logo de cara o Fiorotto e o Plácido fizeram com que nos detivéssemos imediatamente para apreciar um exemplar raríssimo de sempre viva da Mata Atlântica. Eu mesmo, com tantos anos de andanças na Serra do Mar, não me lembrava de ter visto uma sempre viva daquelas, mas a visão dos biólogos é diferente de nós, simples exploradores, então se vi, não me lembro, mas apreciamos a espécie e as aulas dos nossos professores. Chegamos mais abaixo no cânion, talvez descemos uns 60 metros e fomos nos apoiar em um patamar a beira de outro abismo potencialmente perigoso, tiramos uma foto e partimos novamente pela esquerda até cairmos novamente em uma laje monstruoso, que despencava para mais uns 100 metros de desnível. Pensamos logo que agora o melhor caminho seria pela direita, já que o próprio rio mudaria de rumo e viraria também para a direita, mas ao invés de cairmos novamente mato à dentro, surpreendentemente consegui me enfiar em uma fenda e fui abrindo caminho, desescalando metro à metro, me valendo de fissuras que desafiavam nossas habilidades de escaladores selvagens e quando a curva se aproximou, aí sim caímos para o mato e despencamos mais uns 30 metros até nos vermos novamente à beira do rio, agora mais manso, mas ainda continuando a furar a rocha, se enfiando no submundo do terreno, formando cavernas e grutas, onde éramos obrigados a nos arrastar feito ratões do banhado e ganhar a escuridão até voltarmos a ver a luz do dia. A luta foi grande, não chovia, mas também não fazia sol e o avanço era lento e moroso, sempre nos pegávamos em dificuldades, mas estávamos todos animamos e a diversão era certa. Passamos o resto do dia desescalando pequenas cachoeiras e grandes lajes, ainda tendo que nos metermos dentro de cavernas e hora ou outra tendo que escorregar à beira de desníveis consideráveis, alguns mais corajosos se enfiavam em alguns poços, mas eu queria mesmo era chegar no acampamento com o roupa o mais seco possível, mas as vezes um descuido já nos fazia cair de novo dentro do rio e as “tainhas” eram inevitáveis. Quando passou das 4 da tarde, foi hora de consultar nosso gps e analisar bem o terreno e chegamos a conclusão de que o único lugar possível para se acampar seria lá pela cota 650. Onde o terreno se abriu com linhas mais espaçadas e realmente quando lá chegamos, não demorou muito, localizamos do lado direito uma área bem favorável, uma espécie de ilha do lado direito, um terreno plano entre dois rios, quase uma “ Mesopotâmia” em plena selva e ali naquele lugar extremamente favorável, montamos nossas redes e nos pomos a cuidar do jantar. Agora estávamos acampados num lugar excelente, descansados, felizes por tudo ter dado certo. Éramos um grupo totalmente descontraídos, as piadas eram inevitáveis e os causos iam surgindo aos montes, histórias de aventuras passadas e algumas mentiras cabeludas também. Os novos integrantes se mostraram totalmente ambientados e pareciam velhos companheiros das antigas. Plácido, coitado, de nome de cantor de ópera, ganhou logo o apelido de TAINHA, de tanto ficar zuando o coitado do Vagner que abusou de se fuder em tombos memoráveis na água. Luciano Carvalho resolveu gastar a bateria do GPS colocando uma musiquinha e mesmo que isso não tenha influenciado em nada no final da expedição, iria pagar com a zueira eterna quando a bateria do seu celular simplesmente desfaleceu na hora mais crítica da expedição. O certo é que foi mais um acampamento memorável e para agradecer a ilustre presença do Fiorotto, outro que veio abrilhantar nosso grupo, eu e o Vagner o convidamos para ser nosso convidado no jantar e depois que, quase morremos de tanto comer, ficamos até tarde da noite jogando conversa fora, perdidos em algum lugar selvagem, completamente longe da civilização, onde macacos gritam ao longe e outros animais selvagens desfilam livremente sem ser incomodados por ninguém, onde a vida segue, como sempre seguiu, desde que o mundo é mundo e era muito provável que não houvesse um só homem mais isolado em todo o Estado que esses 5 aventureiros metidos a exploradores e que estavam ali por escolha própria, pela simples paixão que nutrem pela Aventura Autêntica. Um novo dia nasceu, cheio de raios de sol enganadores. Foi uma noite tranquila e acordamos bem-dispostos, mas uma coisa me deixava muito preocupado: Estávamos na altimetria 650 e tínhamos apenas um único dia pela frente para sairmos na civilização e jamais, em todos esses anos de expedição, conseguimos descer tantos desníveis em um só dia e eu particularmente desacreditava que até a noite terminaríamos aquela jornada. O Luciano achava que sim, achava que poderíamos avançar muito. Às vezes eu até chegava a concordar com ele, me valendo da possibilidade de encontrarmos trilha fácil lá pela cota 200 ou 250, imaginava que os índios poderiam subir até essa altimetria guiando algum turista até as grandes cachoeiras ali localizadas, mas era pura suposição. Tomamos café e partimos. É sempre um grande sacrifício ter que se jogar logo de cara para dentro da água fria àquela hora da manhã. A gente vai tentando fugir dos lugares mais fundos, mais hora ou outra, alguém dá logo uma “tainha” e solta um palavrão, mas quando a coisa aperta mesmo, rio vira caminho para evitar vara-mato desnecessário. Vamos perdendo altitude lentamente até que um mundo de abre a nossa frente, dizendo que a moleza acabou e é hora de voltar a se enfiar nas gargantas novamente, mas a visão do mar que se descortina no horizonte, anima todo mundo, é uma visão tímida, mas lá está a ilha Montão de Trigo para nos dizer para que lado fica a nossa saída. Os desníveis são vencidos com muita dificuldade, é uma pulação de pedra sem fim, mas o que está por vir causa ansiedade na equipe e caímos novamente para o mato a fim de escaparmos de um desnível monstruoso, de onde uma cachoeira se afunila em gargantas impassáveis, até que subitamente desembocamos numa cachoeira mais larga, com um poço nos convidando para um mergulho, hora de largar tudo, abandonar mochilas ao chão e correr para o deslumbramento. Os meninos se deliciam feito crianças, mergulham naquela água de uma pureza incrível, onde talvez homem nenhum jamais tenha se banhado ou se alguém aqui chegou, não contaram para ninguém, mas isso pouco importa, porque naquele momento erámos donos absolutos daquele lugar único e a satisfação de poder estar ali depois de mais de 2 dias de jornada selvagem, nos deixava numa felicidade inenarrável. Nossa descida vai se estender até nos depararmos com os grandes desníveis da cota 500 e essa era mais uma parte do rio do qual temíamos muito e ele não nos decepcionou, o rio se enfiou novamente numa sequência de gargantas, formando cachoeiras cênicas ,mas ao tentarmos fugir de um despenhadeiro assustador, acabamos nos metendo num caminho sem volta, ao descermos uma parede pendurados numa fita de escalada que havíamos levado para uma segurança providencial. É preciso deixar bem claro que a gente não carrega conosco nenhum equipamento para rapeis ou coisa desse tipo, muito porque, a proposta é fazer a descida no modo sertanista, livre, usando nossa capacidade de improvisar e descobrir rotas possíveis que nos faça avançar sem a necessidade de equipamentos mais elaborados. Então ter descido aquela parede potencialmente perigosa quase foi o nosso fim. Nos vimos presos, sem ter quase como voltar e sem ter como avançar, como se estivéssemos na proa de um navio, sem poder descer ao chão, aliás nem o chão eu conseguia avistar de onde estávamos. O Vagner seguiu e eu fiquei dando cobertura, até que ele encontrou uma grande árvore na diagonal que poderia nos levar para baixo, mas sem nenhuma certeza. O Vagner entrou no grande galho, abraçando o tronco e foi perdendo altura, seguro apenas em uma fita mequetrefe, segurada por mim apenas para dar uma segurança psicológica. Aquilo não parecia que daria certo e a chance de dar merda estava clara. Se ele caísse levaria eu junto. "Volta filho da puta", pensei baixinho, mas o desgraçado foi. Enquanto segurava a fita, tentava encontrar o chão em meio a vegetação que abraçava aquele galho mequetrefe. A fita chegou ao fim e o Vagner continuou descendo e eu gritando para ele tomar cuidado e não se ariscar tanto, enquanto os outros três continuam mais acima, pendurados à beira do precipício. Vagner parecia uma dançarina de poli dance, pendurado num pau a uma dezena de metros do chão e minha angustia com certeza era muito maior que a dele, porque eu não enxergava coisa alguma, mas quando ele gritou que havia chegado, meu coração desacelerou por um segundo, mas quando me lembrei que o próximo seria eu, voltei a ficar angustiado. Me pus a escorregar encima do tronco, me agarrando a um arremedo de fita, até que ela própria me abandonou. A barriga vai raspando na árvore cheia de protuberâncias, mas isso acaba por não ter importância nenhuma, a gente não quer é cair e mesmo que a pele vá se desintegrando pelo caminho, a gente pouco vai sentindo, porque nosso cérebro está condicionado a fazer com que a gente sobreviva. Lá de baixo o Vagner vai orientando e quando o sofrimento chega a sua metade, é hora de mudar de posição e tentar se livrar da vegetação que já te abraçou e quase enrolou no seu pescoço e não tem jeito, é se soltar e escorregar até o chão e ir chorar em um canto, o monte de hematomas que acabamos de ganhar, enquanto assiste mais 3 indivíduos passar pela mesma coisa. Voltamos a labuta, agora perdendo altitude até que rapidamente, brincando de escorregar em lajes de pedra, tentamos manter o ritmo constante até o próximo objetivo, que seria o encontro com uma grande afluente que vinha da esquerda. Na carta topografia do exército constava como Rio Una, mas aí também temos uma confusão geográfica onde alguns dizem que o próprio rio teria esse como nome oficial , mas em outras cartas e mapas o Nome SILVEIRAS é o que impera e os próprios índios o chamam assim, então é mais do que justo que respeitemos o nome dado pelos nativos. Encontrar esse grande afluente do Silveiras nos dá uma alegria na alma, é saber que se nada mais der errado, poderemos sair ainda hoje próximo à civilização. Estamos na altimetria 300 e o rio corre manso e desimpedido, dando um refresco momentâneo para nossas pernas. É uma caminhada gostosa e as conversas voltam a fluir, enquanto observamos aquele cenário único. Grandes poços esverdeados começam a cruzar nosso caminho e isso faz a alegria da galera que se precipita para dentro, numa algazarra barulhenta. A metade do dia já se foi faz tempo e a tarde já se avizinha, quando subitamente tropeçamos numa parte aberta do rio. Estávamos na Cota 200 quando uma laje gigantesca se apresentou à nossa frente. Era um escorregador monumental e sem nem pensar, corremos ao seu encontro e deixamos que a força da gravidade nos conduzisse para baixo. É o homem voltando a suas origens, é o ser barbado se desvencilhando das obrigações de macho sério e voltando a se divertir como criança e é para isso que viemos, para sermos nós mesmo, sem carregar peso nenhum imposto pela sociedade, somos homens livres para fazer o que quisermos, somos passageiros da felicidade, vivendo num mundo de sonhos. Pensando ter acabado, eis que na sequencia dessa laje inclinada, uma grande cachoeira em forma de tobogã veio nos dar as boas-vindas. O queixo caiu e não demorou para que alguém tocasse o foda-se e se jogasse no meio da queda indo parar dentro do grande lago esverdeado, emoldurando a CACHOEIRA DO TOBOGÂ. Naquela hora, estando naquele lugar mágico, nos esquecemos de todos os perrengues passado em toda expedição e nos jogamos de cabeça ao ócio e ao divertimento. Aquilo sim era um poço de respeito e ninguém queria arredar o pé de lá, mas foi preciso avisar a galera que tínhamos um objetivo de sair ainda hoje daquele vale e era preciso se adiantar, porque não era possível ser feliz para sempre. O Caminho seguiu sendo pontuado por vários outros poços, lajes inclinadas, corredeiras deslumbrantes até que tivemos que fazer um pequeno desvio para ganhar o alto de mais uma cachoeira, que até então não sabíamos sua dimensão. Era alta e larga, mas da posição superior, a visão ficava prejudicada. Resolvemos que o melhor caminho para descer até sua base seria pela esquerda, mas ao tentarmos passar rente a queda, ficamos presos em um abismo considerável e retornamos a fim de transpormos uma grande rocha e perder altura pelo outro lado. Escalamos o meio dessa rocha monumental e deslizamos como deu, nos segurando numa vegetação rala. Eu e o Vagner íamos à frente, tentando encontrar um caminho para descer, escolhendo a dedo algumas árvores espaçadas e torcendo para que fossem firmes, caso contrário, a chance de despencar no vazio era enorme. Dei apoio com uma fita para que o Vagner e o Tainha dessesse até a próxima árvore, mas quando escorregaram, levaram toda a vegetação e nos deixou órfãos sem ter onde nos apoiar. Atrás de mim ainda restavam o Fiorotto e o Luciano, que tentam se apoiar em qualquer coisa para não despencarem. Tentei buscar algo para me segurar, mas sabia que se deslizasse, só poderia me salvar abrindo as pernas e parando uns 4 metros abaixo em uma árvore isolada, mas se erasse a direção era o meu fim. O corpo é invadido por um caminhão de adrenalina, a gente começa a se perguntar porque se mete nessas encrencas. Por sorte consegui achar em meio a vegetação um galho que se estendia até um pouco mais abaixo e quando ele acabou, deslizei bonito, mas meu coração quase parou. Segurado na árvore isolada, só fiz xingar e amaldiçoar toda a geração do desgraçado que resolveu escolher esse caminho dos infernos. Orientei os meninos que vinham logo atrás sobre o galho e desci rapidamente para tirar satisfação com os safados, mas quando lá cheguei, só conseguir dizer: PUTA QUE O PARIU, QUE CACHOEIRA É ESSA MEUS AMIGOS! O Espetáculo em forma de água despencando da rocha. CACHOEIRÃO DO SILVEIRAS é daquelas quedas d’águas que nos deixa sem palavras, um monstro em um vale aberto, com um véu cobrindo quase toda a extensão da parede. Quando todo o grupo se juntou ali na cota 180, era impossível não ver um sorriso no rosto de cada um daqueles exploradores modernos e mesmo a gente sabendo que possivelmente um ou outro índio suba até ali, a sensação era a de conquista, de quem havia partido de terras longínquas, enfrentado terrenos hostis só para se pôr à frente daquela maravilha aquática. Tudo ia bem, a gente estava animado, fisicamente ninguém dava sinal de algum problema, se não uma dorzinha aqui, outra ali, tudo normal, mas era hora de apertar o passo, nos preocupávamos de não conseguir sair naquele dia, e sem podermos nos comunicar com o mundo externo, corrermos o risco de alguém querer acionar o resgate, pensando que estávamos em apuros. Jogamos as mochilas às costas e apertamos o passo, pulando pedra e se jogando dentro do rio, descendo lajes e barrancos. Num determinado momento, eu ia à frente, hipnotizado por um grande poço mais à baixo, quando ouvi uma gritaria: Alguém desesperado se batia tentando se livrar de um ataque de vespas. Corri o quanto pude na intenção de me jogar no poço, mas vi logo que o ataque havia cessado. Mais uma vez, “novamente de novo”, outra vez, o mesmo infeliz de sempre, foi agraciado com três picadas no rosto. Esse Vagner parece ter o poder de atrair as desgraças para si, nunca vi, todo raio parece cair na cabeça dele. (Rsrsrsrsrsrsrsr). Paramos para socorre-lo, um comprimido aqui, uma pomada ali e logo ele parou de gritar, pelo menos dessa vez estávamos com a medicação para esse tipo de acidente, outras tragédias nos ensinaram o caminho das pedras. O dia vai findando e nada de encontrarmos as tais trilhas que pensávamos existir, aliás, em nenhum momento vimos qualquer vestígio de passagem humana perto das cachoeiras, nada que denunciasse que os índios trouxessem algum turista para conhece-las e não é de se entranhar, porque não há nenhuma facilidade para chegar até a cota 200. Continuamos descendo, elogiando os inúmeros poços translúcidos até que baixamos para cota 50, onde localizamos a primeira pegada humana em 3 dias de caminhada e não demorou muito, interceptamos do lado direito do rio, uma trilha larga e bem consolidada. Passava pouco das cinco da tarde e em mais uns 15 minutos, desembocamos numa bifurcação, onde o rio já é manso e sem nenhuma pedra aparente. Sabíamos que para a direita poderíamos encontrar a TRIBO SILVEIRAS, não mais de meia hora nos levaria direto para o encontro deles e de la até a Rio- Santos. Era mais uma caminhadinha fácil e rápida, mas havia um, porém, que deveria ser levado em conta: Estaríamos invadindo terras indígenas, onde relatos antigos davam conta de que alguns brancos haviam sido achacados por alguns índios, obrigados a pagarem o que não tinham, para serem liberados. O pior não era isso, estaríamos reféns das vontades deles, afinal de contas, éramos os invasores e não adiantaria chamar a polícia, chamar a mãe, ou chamar o que fosse, estaríamos sujeitos a apanhar de todo mundo. Então o melhor a fazer era deixar esse povo em paz, procurar outra saída, nem que fosse para se fuder para outras bandas. Pegamos um caminho para a esquerda, o oposto da direção da tribo e fomos seguindo paralelamente ao rio Silveiras. Acontece que eu já havia previsto tudo isso no planejamento e havia marcado um caminho para varar mato direto para a Rio-Santos, seguindo sempre para o sul, muito porque não sabíamos se poderíamos ter problemas com aquela trilha que se dirigia para leste, poderia ela cair dentro de alguma fazenda, alguma propriedade particular, então o melhor era cair no mato logo e enfrentar tudo no peito, mas estávamos enganados, pagaríamos um preço alto por isso. Paramos para decidir o que fazer e ao olhar aquele mato ralo, com grandes árvores espaçadas, mais parecendo um bosque, não tivemos dúvidas, miramos nossa direção para o sul e adentramos na floresta cantando e fazendo festa, tudo estava se encaminhando para um desfecho glorioso, logo estaríamos no litoral e lá comemoraríamos mais uma conquista inédita. No início eu ia à frente, com o Luciano na retaguarda dando a direção correta, consertando a rota com o GPS e com a bussola. Caminho desimpedido, parecia até estarmos numa estradinha antiga e abandonada, mas logo ela começou a atravessar uns charcos, uns alagados enlameados, tínhamos que mudar constantemente de direção para poder passar. O terreno foi piorando, bambus foram tomando conta de tudo, a noite caiu numa velocidade impressionante e os rostos começaram a ficar carrancudos. O revezamento de quem ia na linha de frente se fez necessário porque era um esforço descomunal para passar e aos poucos fomos nos dando conta do tamanho da encrenca que estávamos enfrentando. Eu e o Vagner nos olhávamos, mas nada dizíamos, nem precisava, sabíamos que mais uma vez, num mesmo ano, havíamos caído nas temidas RESTINGAS DE BERTIOGA. Aquele terreno não é coisa para ser humano, uma área alagada e pantanosa, onde bromélias espinhudas e cipós navalha vão destruindo a parte psicológica. Não se consegue andar, qualquer passo dado é uma energia brutal que se gasta, o aventureiro vai definhando aos poucos até chegar num estado em que já não sabe nem mais o que é, se é gente ou se é bicho. Eu olhava na cara do Plácido Tainha e ficava era com pena, parecia estar sofrendo muito, mas nem falava nada, eu mesmo já estava sofrendo tanto quanto ele. A gente não progredia, o GPS cada vez mais com as baterias se esvaindo. Hora ou outra, rodávamos em círculos porque era preciso mudar rápido de direção e isso nos desorientava momentaneamente até conseguirmos voltar para o rumo. A água acabou, só liquido podre é que abundava. A fome era tanta que já tinha gente comendo miojo cru. Eram míseros 2 ou 3 km de vara-mato, mas as distancias pareciam maiores que atravessar a Floresta Amazônica. Tentávamos chegar as margens do Rio Verde, um rio que se junta e dá vida a um tal de Una, sei lá , outro Una, uma confusão de nomes que não vem ao caso, mas antes de acharmos esse rio para cruzá-lo, onde achávamos que encontraríamos um terreno mais favorável, o GPS morreu de vez, MISERICÓRDIA, o Fiorroto havia dito para não ouvir musiquinha no acampamento.(rsrsrsr) Nem as trevas eram mais escuras que aquela floresta, as lanternas foram acesas, mas agora sem gps, o bicho ficou feio, apelaríamos para uma invenção milenar chinesa, era hora de navegar com a bussola. Ninguém andava, apenas se arrastava na lama, as vezes com a àgua na cintura. Achamos o rio que procurávamos, mas um pouco abaixo de onde me pareceu haver um tronco para poder atravessá-lo, mas por sorte conseguimos passar com a água pela cintura e subir até o ponto marcado. Encontramos o tal caminho aberto que pensávamos ser uma estrada, mas que na verdade parecia mesmo um grande aceiro de linha de transmissão de energia, mas sem nenhuma torre. Acontece que nesse local, que poderia nos dar passagem, o mato era gigante, com áreas tão alagadas quanto a anterior e para piorar, a floresta havia tomado conta novamente e a gente descobriu que havíamos saído de um inferno para entrar em outro. No começo até parecia que avançaríamos fácil, mas foi pura ilusão e agora além de arrastar uma floresta no peito, vez ou outra caíamos numa vala de córrego que tentava sugar quem lá despencava. Teve uma hora que eu fazia as vezes de cu de tropa, quando pedi passagem para ir à frente, porque a fila não andava e quando lá cheguei, ví todo mundo exausto, quase desmaiados e o Vagner estropiado depois de ter aberto um pouco de mato, teria sido melhor apanhar de índio. Assumi a dianteira, mas o arrependimento não durou nem 5 minutos para vir. Conseguimos achar um pouco de bateria em um dos nossos celulares e o Luciano foi nos guiando com a bussola, mas tudo parecia interminável, a escuridão da noite diante das lanternas já meia boca ia transformando tudo num sofrimento quase inaguentável e não demorou muito para alguns começarem a surtar. Ninguém mais se entendia quanto a direção, a gente não progredia mais, a gente se arrastava no lamaçal e no mato intransponível e foi hora de alguém dar um grito e por ordem naquela bagunça. O relógio já se aproximava das 10 badaladas noturnicas. Eu voltei a ser cú de tropa, estava extenuado, nem dava mais palpites, apenas me deixava ir e assistia as investidas que eram dadas nuns lírios do brejo com mais de 3 metros de altura, o máximo que eu fazia era indicar o caminho a seguir porque consegui mais um pouco de bateria no meu celular e acompanhava o caminho no aplicativo de gps. Ao longe, uma luz denunciava que a Rodovia Rio-Santos estava próxima e aí achamos energia sei lá de onde para prosseguir e quando subimos o barranco, caímos bem em um ponto de ônibus. Éramos bicho, éramos réptil, éramos qualquer coisa, mas homens é que não éramos. Cinco seres fedorentos e grudentos se abraçaram, como a agradecer uns aos outros pela oportunidade da aventura vivida, entraram nessa expedição amigos, saíram uma família. Já passava das dez horas da noite e a gente não tinha forças nem para tirar a roupa molhada e fedorenta, ficamos ali, largados e desmontados no chão por um bom tempo, até que surgisse alguma energia para nos recompor e quando apareceu um ônibus na escuridão da noite, subimos nele, mas ele apenas nos deixou na próxima praia, que era a da Boracéia, em frente a um condomínio de luxo, mas nesse trajeto conhecemos dois garotos da comunidade local e eles ficaram maravilhados quando contamos de onde vínhamos . Os meninos se foram e nós ficamos largados em plena madrugada fria numa rodovia deserta. Sem nada mais para comer e sem esperanças de chegar em Bertioga, ficamos ali parados em mais um ponto de ônibus, esperando que o destino nos mostrasse uma solução. Foi aí que do nada, os garotos apareceram em suas bicicletas caiçaras e surpreendentemente nos abasteceram com um monte de lanches e salgados, que eles compraram sabe-se lá onde e do mesmo jeito que aparecerem, sumiram das nossas vistas e para gente não restou outra coisa senão a de voltar novamente a acreditar na humanidade. Pouco depois da uma da manhã, nossa esperança de voltar para casa acabou de vez. Sem ter o que fazer, resolvemos acampar na praia, porque o desespero é que move o homem em suas atitudes e se a lei proíbe camping selvagem na areia, o desespero e o sono justificam a desobediência civil, então fizemos um bivac junto de umas árvores e ali, diante daquele oceano imenso, nos jogamos para debaixo da nossa mansão plástica até que um novo dia rompesse e nos trouxesse a esperança de retornarmos para Bertioga e quando lá chegamos, embarcamos às oito da manhã para São Paulo e cada um foi se perder para um canto da região metropolitana e eu voltei para minha aldeia, no interior Paulista. Essa Expedição ao Vale do Rio Silveiras acabou por nos ensinar uma lição muito valiosa; mais uma vez tivemos que resistir e continuar enfrente, mesmo quando tudo parecia sem uma solução aparente. Resistir ao frio inclemente, debaixo de uma chuva fria e dentro de um rio de águas geladas e depois chafurdados a noite, numa lama fétida, sem comida e sem água potável, sendo devorados por mosquitos e mutucas e expostos a mais baixa humilhação que a natureza pode nos jogar às costas. Fomos atrás de aventura e realmente a encontramos de uma tal forma, para nunca mais esquecermos, mas isso é coisa que a gente já sabia, entrar na SERRA DO MAR PAULISTA é ter a oportunidade de se reencontrar como espécie humana, é viver uma vida de intensidades, é mergulhar atrás da AVENTURA AUTENTICA, que há muito tempo foi engolida pela mediocridade da nova civilização moderna.
  6. De Biritiba-Mirim à Bertioga-SP “ Chafurdados no pântano até o pescoço, cinco criaturas se arrastam na lama, se esgueirando entre camas de jararacas e casas de jacarés do papo amarelo, tentando fugir das desgraças aquáticas proporcionada pela aquela EXPEDIÇÃO que havia partido do Planalto Paulista três dias atrás. A tarde já vai pela metade e já dão por certo ter que dormir dentro d’água e virar comida dos mais terríveis insetos asquerosos que habitam aquele inferno alagado. A resiliência parece já ter tomado a alma de cada um daqueles infelizes, isolados do mundo, sem comunicação nenhuma, largados à própria sorte e fadados a pagar seus pecados antes de se transformarem em criaturas do brejo, melhor seria se fossem logo comidos por uma sucuri gigante, seria um desfecho mais glorioso para aquele sofrimento. ” (Da esquerda para direita : Anderson , Potenza , Divanei , Vagner , Trovo . ) Alguns roteiros são planejados e quando se vê a impossibilidade momentânea de realiza-los, são jogados e esquecidos numa gaveta ou num arquivo qualquer do computador, indo parar numa espécie de limbo digital até que alguém te faça lembrar que ele exista. O Rafael Araújo me consultou sobre a possibilidade de botar essa expedição em pratica já que os planos iniciais para o feriado do Carnaval acabaram indo por água a baixo. Acontece que essa Travessia tinha um entrevero que até então eu não havia achado solução, aí foi preciso voltar às pesquisas nos mapas e cartas topográficas a fim de desvendar o mistério. O projeto inicial da travessia partiria de Biritiba-Mirim, mais precisamente nas dependências da SABESP, num lugarejo conhecido como CASA GRANDE, mais de 20 km do centro do citado município, um fim de mundo servido por uma estrada de terra toda zoada. Partindo de Casa Grande ainda seria preciso mais 5 ou 6 km de andanças até interceptar a trilha de acesso para a CACHOEIRA DO DIABO, uma queda d’água quase que desconhecida nas nascentes do rio Guacá, descer o próprio rio por mais de 1 km e a partir de aí abandoná-lo pela esquerda e se jogar num mundo desconhecido varando mato montanha acima até a crista da serra e despencar para fundo do vale, ganhando as nascentes do RIO GUAÇU, afluente do grande Rio ITAGUARÉ. Do topo da serra à quase 800 m, desceríamos o despenhadeiro até a planície litorânea de Bertioga e aí é que estava o enrosco: Como passar pela área alagada, um mundo feito de água, pântano, mangue e charco? A solução inicial pensada foi a de traçar uma linha reta quando o rio arrefecesse, direto para uma estrada a 3 ou 4 km a sudoeste (direita de quem desse o rio) e deixar que o destino nos guiasse no final da travessia, mas já prevendo que o capiroto poderia fazer sua morada naquele caminho. (laranha- trilha até cachoeira do Diabo) ( vermelho - caminho da expedição selvagem) Ultimamente o grupo de gente disposta a enfrentar essas Expedições incertas acabou por diminuir drasticamente, alguns simplesmente começaram a achar que algumas travessias vinham se enveredando por lugares extremamente perigosos, outros acabaram por buscar atividades com menos perrengues, indo aprender novos esportes ligados ao mundo da aventura e outra parte já haviam sinalizado com compromissos familiares. No final apenas cinco míseros corajosos se dispuseram a enfrentar esses caminhos nunca dantes navegados e então numa sexta-feira cinzenta o grupo se juntou depois das 10 horas da noite na Estação Estudantes, em Mogi das Cruzes de onde partiria nossa VAN com destino à Casa Grande, no município de Biritiba-Mirim. A viagem de Mogi até Casa Grande deve ter levado umas duas horas e meia, o certo é que estávamos tão envolvidos jogando conversa fora e revivendo expedições passadas que nem nos demos conta do tempo. Depois de chegar até as instalações da SABESP (Companhia de Águas Paulista) , ainda foi preciso que o nosso transporte se metesse por mais uns 5 km de estradas enlameadas até o PESQUEIRO DO LUCIANO, que na verdade nem pesqueiro era e muito menos pertencia ao Luciano , o caseiro do criador de carpas. Como o Vagner já conhecia o caseiro de outra passagem por ali, não se fez de rogado e já intimou o nativo a nos conseguir um lugar para passarmos a noite e, entre cachorro, gatos e galinhas, nos acomodamos no chão do casebre e apagamos até depois das seis da manhã. ( o cão BINGO : mergulha, pesca e caça) A previsão do tempo era péssima, marcando quase 40 milímetros de chuva para o sábado de Carnaval, mas surpreendentemente o dia amanheceu seco e quente e tão logo o café ficou pronto, nos despedimos dos nossos anfitriões e partimos para a aventura. Ganhamos novamente a continuação da estrada que havíamos chegado na noite anterior e avançamos por mais uns 1500 metros, coisa de meia hora e quando a estrada se bifurcou, com uma perna indo para direita e outra para esquerda, não pegamos nenhuma das duas e a abandonamos em favor de uma trilha em frente, para sudeste, que no começo é meio apagada e confusa, passando por uma casinha em ruínas a nossa esquerda. Tão logo nos distanciamos do casebre abandonado, a trilha volta a ficar mais nítida porque na verdade, trata-se de uma antiga estrada que muito provavelmente serviu para extrair madeira para as carvoarias, mas hoje a mata voltou a se regenerar e o antigo caminho foi engolido pela floresta, restando apenas o antigo corte no barranco. A trilha vai seguir praticamente em nível, cruzando uma infinidade de riachinhos e quase 3 horas depois vai desembocar no leito do Rio Guacá, bem perto das suas nascentes. O RIO GUACÁ é um velho conhecido meu, foi nele que comecei minha vida mateira há 25 anos atrás, muitas são as lembranças de acampamento e explorações nas imediações da sua foz, junto ao Rio Itapanhaú, então ter a oportunidade de conhecer sua nascente é sempre um grande prazer. Chegar a esse rio já é um grande trampo, pela logística ruim e pelas horas de caminhada, mas ainda falta a cereja no bolo, uma cachoeira selvagem e praticamente desconhecida, visitada apenas pela galera mais casca-grossa e experiente. O grande problema é que não há trilha para se chegar a essa cachoeira e será preciso varar mato meio que pelo rumo ou ir seguindo a direção do GPS até sua base. Claro que ao chegar ao rio é possível tentar encontra-la descendo por dentro da água, mas aí seria caminhar por mais de 1 km, perdendo assim tempo precioso. Como o Vagner já havia estado nessa cachoeira tempos atrás, atravessamos o rio e menos de 100 m depois chegamos a uma clareira de acampamento, o único vestígio de vida humana por essas paragens. Não há nenhuma trilha que ligue essa clareira direto para a cachoeira, então descemos mais um pouco até tropeçarmos em um afluente e nos enfiamos nele na certeza que uma hora ele encontraria com o rio principal, mas como começou a fazer muitas curvas, também o abandonamos e seguimos nossos instintos , apontando o nariz para a direção do rio e menos de meia hora depois tivemos êxito , encontrando um grande poço e aí foi só varar mato subindo pela margem direita até avistarmos a deslumbrante e selvagem CACHOEIRA DO DIABO. Gastamos pouco mais de 3 horas do “pesqueiro” até a cachoeira e foi uma grande alegria poder chegar ali e se maravilhar com aquela queda d’água onde poucos já tiveram a sorte de botar os olhos e ainda poder desfrutar de tamanha beleza com sol, coisa que jamais esperávamos com uma previsão tão ruim para aquele dia. A Cachoeira do Diabo é daquelas quedas clássicas, que se espalham de um lado ao outro do rio. Com o rio normal forma dois véus d’água , mas com o rio mais cheio os véus se juntam formando uma só . É possível se banhar embaixo das quedas, mas para isso é preciso se equilibrar sobre umas pedras mais lisas e escorregadias, a sorte é que um tombo ali causará pouco estrago. Já passava do meio dia quando resolvemos partir de vez e retomar nossa travessia, ainda mais porque a chuva que deveria ter chegado cedo, acabou dando o ar da sua graça. Descemos o rio nos valendo novamente de sua margem até estarmos novamente de volta ao grande poço, contornamo-lo pela sua esquerda e continuamos seguindo , alternando caminhada pelo mato e pelo próprio leito do rio Guacá até que nos surpreendemos com uma outra grande queda que nem esperávamos que havia e aí fomos obrigados a varar mato pra valer, subindo um pouco a encosta da esquerda e depois traçando uma diagonal até a base da cachoeira, onde eu e o trovo nos metemos dentro da água para ter uma visão privilegiada do salto . Um pouco mais abaixo desse salto, outras pequenas cachoeirinhas são vencidas e logo nosso GPS nos avisa que é hora de abandonar o lendário Rio Guacá, havia chegado o momento de nos jogarmos de corpo e alma para a aventura que almejamos buscar. Nos despedimos do rio e começamos nossa jornada rumo ao desconhecido, primeiramente subindo um grande barranco à esquerda e nos enfiando de vez mato à dentro e montanha acima. Encontramos uma espécie de rampa que nos deu um caminho bem promissor e nos fez ganharmos altitude rapidamente, mas logo que nos vimos bem acima, tivemos que abandoná-la porque ela tomou um rumo que não serviria aos nossos propósitos. Estávamos navegando com um aplicativo do celular, que já há muito tempo tem nos servido muito bem, mesmo nessas expedições selvagens, mas é preciso aceitar que às vezes um pequeno delay (atraso) pode dar uma desorientada básica e é preciso corrigir o rumo sem muito estresse. Nosso objetivo era ao atingirmos a crista da serra a quase 800 m de altitude, ganharmos a descida até as nascentes do Rio Guaçu e a partir de aí, nos jogarmos por dentro do vale e foi exatamente o que fizemos, só que primeiro tivemos que fazer um desvio para nos livrarmos de um vale que seria inútil descer para ter que subir novamente, então ganhamos uma subida a esquerda e quando nos vimos no alto da serra, concertamos o caminho voltando mais para a direita e por incrível que possa parecer, encontramos uma trilha larga correndo por cima da serra. Essa trilha, por sinal, muito consolidada, correndo por cima da crista, poderia tomar vários rumos que até então não tínhamos conhecimento, mas com certeza não nos serviria para nada, então a usamos apenas como descanso breve, antes de nos despencarmos terreno abaixo. E despencar era o termo correto, uma vez encontrado a calha do vale foi só nos mantermos dentro dele, avançando cada vez mais para baixo, desescalando o leito seco de um córrego até que a própria chuva que ameaçava desabar, desabou de vez e o que era seco e sem vida se inundou rapidamente até que finalmente chegamos ao que nos parecia ser as nascentes ou uma das nascentes do Rio Guaçu. A chuva castigou legal e o desnível foi aumentando e se transformando em um verdadeiro cânion, onde tínhamos que nos livrar de grandes pedras, às vezes sobrepostas por grandes árvores tombadas. O dia vai se findando, mas a gente resolveu estabelecer como meta chegarmos aos pés da grande queda que supúnhamos haver em um afluente vindo do lado esquerdo do rio, mas conforme a chuva aumentava, as dificuldades iam se multiplicando e alguns do grupo já vislumbravam a possibilidade de acampar logo e nos livrarmos daquele molhaceiro todo. Acontece que não encontrávamos um palmo de área plana para acondicionar todo o grupo, então a única alternativa era continuar navegando. A chuva aumentou de vez, mas por sorte a temperatura não caiu. Matacões eram descidos e a carta topográfica nos avisava que o terreno se abriria à frente, com linhas espaçadas, o que significa área mais plana e a possibilidade de estarmos perto da grande queda d’água que buscávamos e não deu nem quinze minutos para que um clarão alvo viesse a ofuscar nossos olhos em meio a selva densa. Foi o momento de euforia, estávamos bem perto de nos encontrarmos com aquilo que havíamos visto apenas por imagens de satélite. Abandonamos o rio em favor de um vara-mato em direção ao clarão branco formado pela cachoeira, cruzamos um riachinho para o outro lado, subimos mais um barranco e ao tropeçarmos no próprio afluente do qual desabava a cachoeira, jogamos as mochilas ao chão e saímos correndo, feito adolescentes indo ao encontro de um amor ainda desconhecido. Por sorte, bem nessa hora a chuva havia dado uma trégua, o que nos ajudou a fazer uma escalada pelas grandes rochas com mais segurança. Ao nos posicionarmos diante da parede onde despencava a grande queda, foi que nos demos conta da grandiosidade da Cachoeira. Uma parede inclinada de uns 70 ou 80 metros com um véu branco turbinado pela chuva que acabara de cair. Tiramos algumas fotos e partimos de volta para onde deixamos as mochilas, sabíamos que era hora de conseguirmos um lugar para acampar, tínhamos que aproveitar a trégua da tempestade para tentarmos montar nossas redes, muito porque, o Anderson já estava em estado terminal, inclusive ele foi o único que não teve forças nem para ir ver a grande cachoeira e acampar ali por perto lhe daria mais uma chance de conhecer a cachoeira no dia seguinte. Retrocedemos um pouco antes do riachinho e ali conseguimos uma meia dúzia de árvores descente para montarmos nossas redes. O primeiro dia de caminhada é sempre o mais complicado e cansativo porque se dorme muito pouco na noite anterior, então depois de montarmos nossas camas de mato e prepararmos uma janta, cada qual foi morrer na sua rede. Ali naquele vale onde o mundo não sabe que existimos, a noite passa de vagar, os bichos fazem barulho ao longe e o som das águas correndo sobre as pedras reina absoluto , só sendo ofuscado quando alguma grande árvore tomba na escuridão da floresta, gigantes que despencam arrastando tudo que tem em volta e assombram a nossa alma porque sabemos que se uma dessa cai sobre nossas redes, não sobra um pra contar história. O dia que amanhece é sem chuvas, mas a previsão ainda não nos é favorável. Foi uma noite de reis, quase 12 horas de sono e descanso merecido. Lenta e vagarosamente vamos desmontando nosso acampamento e nos preparando para aquele segundo dia de expedição e quando todas as mochilas ficaram prontas, partimos novamente para uma visita mais prolongada da GRANDE CACHOEIRA. O reencontro com o monstro despencando da pedra chega a ser mais prazeroso que o do dia anterior porque agora o grupo está todo reunido e sem as chuvas, fica fácil escalar as grandes pedras lisas para uma foto panorâmica. Falando em fotos, ao posicionar minha câmera numa rocha para um registro fotográfico de todo mundo junto, um vento se encarregou de joga-la dentro do rio e essa foi mais uma que a Serra do Mar comeu para todo o sempre, amém! Ali onde estávamos o nosso GPS marcava uma altitude de uns 550 m e surpreendentemente encontramos uma “inscrição rupestre” muito antiga em uma árvore onde se podia ler “ ALEMÃO”. A única explicação plausível para que alguém antes de nós tivesse chegado até aquela cachoeira perdida do mundo é que aquela trilha que encontramos na crista da serra, poderia ter descido rapidamente pelas encostas do lado direito da nascente e vindo desembocar aqui, mas esse foi o último vestígio humano que encontramos naquele vale e para ser justo com o nobre “europeu” que veio de tão longe para visitar essa queda d’água antes de nós, vou marcá-la como CACHOEIRA DA LAGE DO ALEMÃO. Deixamos, portanto, aquela cachoeira perdida e entregue a própria sorte e partimos descendo pelo próprio afluente, que mais nos pareceu ser mesmo o rio principal formador do Rio Guaçu e logo quando se encontra com o rio que descemos até ele, se encorpa de vez e cresce, tomando forma e jeito de rio digno dessas serras fabulosas. A retomada pelo rio principal segue praticamente a mesma toada do dia anterior, nos fazendo escalar e pular muita pedra, são matacões gigantes, onde é preciso se esgueirar dentro de pequenas grutas, atravessar pequenos corredores alagados, dar salto de uma rocha para outra, se segurar em rampas escorregadias e vez por outra se jogar no rio em ziguezague, cruzando de uma margem para outra, sempre procurando o melhor caminho. Poucos são os esportes em que você é obrigado a usar todos os músculos do seu corpo, aprender todas as técnicas de escalada livre que existem, tendo que se manter ligado em 100 % do tempo, porque uma bobeada, mínima que seja, você vai pagar caro e correr o risco de ver sua cabeça explodir numa pedra rio abaixo, sem contar que os olhos tem que estar fixo também no mato, tem que ficar esperto para não enfiar uma mão numa jararaca e sofrer um acidente sem volta, num lugar onde o resgate é quase que impossível por não haver comunicação com o mundo externo. O dia vai passando rapidamente e a chuva que ameaçou cair a manhã toda, desaba de vez e o rio que era manso e cristalino se rebela contra nós, tornando a aventura ainda mais desafiadora. Nosso grande objetivo desse segundo dia era encontrar outra cachoeira que nos pareceu bem grande no mapa de satélite e quando estávamos chegando perto do ponto marcado no gps, ficamos esperto com todos os afluentes que vinham do nosso lado esquerdo, porque era desses cursos d’água que pretendíamos encontrá-la, em um paredão gigante. Quando o terreno aplainou de vez, intuitivamente já sabíamos que ela estava perto e não demorou muito para alguém do grupo gritar eufórico que havia visto ela despencando ao longe. Era mais um gigante a nos surpreender, a gente de queixo caído, ficamos ali, hipnotizados diante daquela parede que ao longe ainda, nos fazia querer largar a mochila e correr ao seu encontro já que ainda seria necessário tentar escalar seu afluente, com outras quedas d’água com transposição difícil. A chuva não parava de cair e diante das dificuldades que enfrentaríamos para chegar até a base da cachoeira, decidimos deixar nossas mochilas e subir apenas com as câmeras ou celulares para tentar um registro e como eu não queria ariscar em perder meu telefone, como acontecer com minha câmera, decidi subir com a mochila estanque apenas me livrando temporariamente de alguns pesos desnecessários. Ainda era cedo, mal havíamos passado da metade do dia, mas o Anderson Rosa não estava se sentindo muito bem e decidiu não ir até a queda d’água. O Daniel Trovo tomou a frente e seguindo seu instinto, descobriu uma rampa inclinada que cortava as duas vertentes de água, dois rios que se formavam e se dividiam vindo da cachoeira. A rampa apontava para o céu e foi sendo vencida palmo a palmo até que fomos obrigados a subir o riacho da esquerda, escalando por dentro da água com o turbilhão aquático querendo jogar a gente abismo abaixo. A massa de água sobre nossas cabeças era assombrosa, um turbilhão que mal deixava a gente progredir, um espetáculo impressionante, 40 ou 50 metros de altura de cachoeira reinando soberana no coração daquele vale selvagem sem vestígio de passagem humana e para marcar esse ponto no mapa, vou dar o nome de CACHOEIRA DO ITAGUARÉ, para homenagear o rio que domina essas paragens. Essa cachoeira estava assentada sobre um degrau numa parede lateral e dela era possível avistar o mar e toda a área alagada da Restinga de Bertioga, infelizmente não conseguimos uma boa foto dela por causa da chuva intensa e de volume avassalador, mas vamos deixar gravado na memória esse dia incrível, de descobertas e explorações, o dia em que acrescentamos mais uma joia nos mapas da Serra do Mar. Não nos demoramos muito, estávamos com frio por causa da água e do deslocamento de ar provado pela queda e se já foi complicado subir, descer então foi muito pior, tanto que tivemos que contar um com a ajuda um do outro para passar pela beira da garganta, até ganharmos a descida da rampa e voltarmos ao rio principal, onde o Anderson nos esperava, dormindo sobre uma rocha. Retomamos a caminhada pelo rio, sempre espertos com o volume intenso e com alguma possível cabeça d’água, já que o rio havia se tornado totalmente escuro. O ritmo, agora mais lento tanto por causa de alguns já cansados pelo desgaste, tanto pelo terreno extremamente acidentado, com pequenas quedas e rios correndo por baixo de grandes rochas, nos causando um esforço físico para serem transpostas. As vezes era preciso correr para o mato e desescalar barrancos para tentar fugir das rampas mais íngremes que não nos oferecia uma segurança razoável para descermos. Nossa meta estabelecida eram dois grandes poços que havíamos identificados no mapa, mas que pareciam cada vez mais longe com as chuvas a nos castigar o lombo, mesmo em se tratando de chuvas com temperaturas altas, e quando esses dois poços foram encontrados, nos decepcionamos um pouco porque esperávamos e pretendíamos nadar neles, mas estavam com a água muito turva e só fizemos olha-los e partir imediatamente já que havíamos decidido começar a procurar um lugar para acampar. Abaixo desses dois grandes poços tivemos que cruzar o rio para sua margem direita e para isso tivemos que saltar de uma pedra não muito alta e tomar impulso para não sermos arrastado pela corredeira e foi nesse momento que o Vagner se lascou todo ao explodir com o joelho numa pedra rasa do qual não nos demos conta. Na hora já paramos para tentar prestar os primeiros socorros e ver se ele teria condições de progredir ou se seria preciso parar imediatamente e tentar acampar. Passada a dor inicial, o Vagner deu sinal positivo para que continuássemos até localizarmos um lugar mais descente para montarmos nossas redes. O Trovo se adiantou, mas a ilha a nossa frente não nos convenceu a ficar, então resolvemos empreender uma vara-mato pela esquerda porque era quase impossível passar diante de um abismo do qual o rio se jogava numa laje perigosa. Retornamos ao rio quando foi possível, bem aos pés de uma CACHOEIRA INCLINADA que havíamos sinalizado no mapa, uma bonita QUEDA de uns 50 metros, que nos fez parar para respirar um pouco e nos alimentarmos. A situação ia ficando angustiante porque a noite se avizinhava e nada de encontrarmos um lugar descente para acampar e cada vez que o terreno dentro do rio piorava e tínhamos que cair no mato, pior ficava, porque era uma floresta com transposição difícil, muitas árvores caídas e quando uma grande parede nos barrou do lado esquerdo, fomos obrigados a escorregar de cima do barraco nos valendo de grandes árvores, como se fôssemos bombeiros escorregando pelos troncos. Estando de volta ao rio, o Anderson e o Trovo se recusaram a fazer um pequeno desvio para conhecer uma outra cachoeira deslumbrante, alegando que estavam preocupados com o Vagner e seu joelho estourado, mas o próprio moribundo do Vagner já tratou de arrastar o Potenza varando mato até a cachoeira e logo me cheguei a eles e ficamos nós três a nos maravilharmos com mais um espetáculo em forma de massa aquática , batendo continência para uma CACHOEIRA de uns 20 metros , muito parecida com a própria cachoeira do Diabo, no Rio Guacá. Retrocedemos até onde o Trovo e o Rosa nos esperavam e descemos por mais uns 100 metros até que finalmente resolvemos acampar. E foi realmente um lugar incrível que a primeira vista não parecia lá grande coisa, mas depois de um estudo mais profundo da área, conseguimos alocar todas as redes e toldos de uma forma excelente, com conforto e espaço e assim que as redes se esticaram, fomos cuidar do jantar, já que o dia havia sido de andanças intensas. As atividades no acampamento são sempre intensas porque é preciso deixar as redes e os toldos impecáveis ou corre-se o risco de acordar durante a noite, molhado, e isso é uma coisa que ninguém quer, além do mais, fazer tudo direitinho é a certeza de dormir muito confortável. Uma vez deitado na rede, o corpo relaxa e o "marulhar" do rio embala aquele sono que é impossível ter nas grandes cidades, ainda mais se estivermos protegidos com um bom mosquiteiro, um conforto essencial contra os inúmeros insetos da floresta. Mais uma vez tivemos sorte, não caiu uma gota durante a noite e com a trégua das chuvas, o rio amanheceu novamente cristalino, uma água bonita e encantadora. Dormimos não muito acima dos 100 metros de altitude e sabíamos que logo estaríamos na planície litorânea, mas no início da caminhada daquele terceiro dia já fomos obrigados a descer umas cachoeiras e cruzar rio o rio várias vezes, o que não é muito agradável pela manhã, mas como já saímos do acampamento com as roupas molhadas, não há nem o que pensar muito, é se jogar na água e esperar o corpo se adaptar com a temperatura. Por sorte o sol apareceu logo pela manhã, ainda tímido, mas já era um grande começo. Pouco mais de uma hora de caminhada e nos deparamos com um GRANDE LAJEDO, uma formação rochosa diferente das que estávamos acostumados na Serra do Mar, uma pedra mais lixada, mais nem por isso mais escorregadia. O rio foi ficando cada vez mais plano, algumas ilhas vão surgindo, a gente já caminha com uma certa facilidade, já relaxados porque nossa carta topográfica já nos diz que o final do rio ou a parte mais complicada, a parte escarpada, já havia terminado e ao nos posicionarmos em um afluente para um gole d’água, encontramos um vestígio de trilha, que infelizmente mais à frente terminou no nada, mas nos deu a certeza que o rio finalmente havia chegado na planície litorânea, estávamos na chamada Restinga de Bertioga , mas ainda muito, mas muito longe de algum lugar habitado e civilizado , mesmo assim comemoramos muito essa conquista. Uma comemoração inútil porque era na próxima curva que o diabo nos espreitava, ia começar uma das maiores sagas desde que começamos com essas travessias selvagens na Serra do Mar Paulista. (Final dos cânyons, inicio da Restinga de Bertioga) A descida pelo rio plano era um passeio, se comparado com a descida dos cânions, íamos de um lado ao outro, batendo papo e acompanhando o nosso deslocamento no mapa, onde pretendíamos abandoná-lo de vez e tentar um vara mato de uns 3 ou 4 km até uma possível estrada, mas foi aí que uma nova trilha surgiu de repente e mudou o nosso destino completamente, mudou os rumo daquela expedição e nos jogou em uma das maiores furadas das nossas vidas. A trilha que encontramos era aberta e logo pensamos que ela poderia nos conduzir diretamente para a civilização no litoral. Rio se dividiu em dois e nem percebemos, então quando chegamos em um lugar onde a trilha se perdeu, resolvemos atravessar para direita até que tropeçamos em um rancho de caçadores que parecia estar abandonado há muito tempo. (RIO GUAÇU) Surpreendentemente, não vimos palmitos cortados naquela região, demoramos muito tempo para fazer a leitura do lugar, estava na cara que aquele lugar era totalmente inóspito e quem por lá andava, só o fazia porque chegava de canoa devido a dificuldade de acesso, mas como perto desse barraco de caça abandonado havia uma trilha, imaginamos que ela poderia nos tirar daquele fim de mundo, e ela realmente foi enveredando para a direção que nos favorecia, mas do nada acabou bem no RIO ITAGUARÉ , um rio bonito ,mas sinistro, cheio de algas e de cor avermelhada , onde a qualquer momento parecia que um jacaré do papo amarelo saltaria para fora e arrastaria um de nos . (Rio ITAGUARÉ) Fizemos uma pausa para mastigar alguma coisa e para pensar qual o rumo que tomaria aquela expedição e então enquanto as coisas não se resolviam, decidi tomar um banho naquele rio sinistro e a galera vendo que o caminho realmente havia se fechado, resolveram tentar seguir subindo o Rio Itaguaré até uma ponte que aparecia no mapa, uns 2 ou 3 km acima e realmente ao atravessar o rio para o lado esquerdo de quem sobe, encontramos algo parecido com uma trilha e decidimos seguir por ela. l No início parecia mesmo ser uma trilha, mesmo que a gente tivesse que atravessar áreas alagadas até a cintura, mas o caminhar não progredia, não avançávamos e 15 minutos depois um pântano nos barrou de vez, fim da linha para a gente. Metade do dia já se fora e era preciso achar uma solução, alguns queriam abrir caminho rio acima por uns 2 km, mas outros insistiam que deveríamos voltar até a curva do rio e tomar um destino que pudesse nos deixar longe dele, tentando evitar a área pantanosa. Nesse momento era o Anderson que comandava o GPS, então como foi ele quem gritou mais alto, saiu como vencedor na contenda e puxou a fila de volta para o local onde havíamos atravessado o Itaguaré. O plano era descer um pouco o rio e para depois varar mato numa direção paralela a subida, porque isso nos deixaria longe dele e consequentemente longe também da sua área alagada, pelo menos foi o que pensávamos. Mas antes disso acontecer uma ideia estúpida quase acabou sendo posta em pratica: Parte do grupo vislumbrou descer boiando pelo rio e se isso tivesse acontecido, estaríamos lá até hoje, perdido naqueles pântanos dos infernos, já que o rio faz curva atrás de curva e se perda num mar de florestas antes de se jogar no mar. E foi realmente por pouco que a gente não tomou essa decisão, parte do grupo já estava boiando na correnteza, inclusive eu, quando alguém sensato foi obrigado a intervir e a colocar aquela expedição de volta aos seu rumo natural. (Mas pensando bem, o cara que convenceu a gente a não ir boiando é mesmo um filho da puta dos infernos, porque o que estava por vir não seria bonito de ser ver, rsrsrsrsrsrsrr) Descemos o rio por uns 100 metros e miramos uma diagonal para a possível estrada e então começamos a vara mato. No início, um brejo dos infernos, mas logo o brejo deu lugar para um PÂNTANO, área alagada em meio a uma floresta baixa e com algumas raras árvores espaçadas. O Trovo ia à frente e eu logo no seu encalço, mas a progressão era lenta, morosa e modorrenta, não avançávamos 200 metros por hora e quando pensávamos que o terreno poderia melhorar, a água subia na altura do peito, em meio a uma selva de bromélias, onde possivelmente jararacas lambiam os beiços com a nossa passagem, já que costumam fazer dessas plantas suas camas. Para nossa sorte a chuva prevista para depois do almoço não veio e na minha cabeça um pensamento macabro de não conseguirmos sair daquele lugar e termos que dormir dentro d’água, já que em certos lugares não existiam nem árvores descentes para montar uma rede. A gente andou, andou, andou e quando vimos, estávamos no mesmo lugar. Havíamos rodado em círculos, mesmo com o GPS do celular. Ninguém disse coisa alguma, mas estava estampado em cada rosto o sofrimento passado ali naquela área alagada e eu mesmo cheguei a me perguntar se já não estaria passando da idade para me meter em tamanha encrenca, mas quando vejo alguns com a metade da minha idade, compartilhando do mesmo sofrimento, me conformo e continuo abrindo caminho metro a metro, tentando afastar da minha mente qualquer preocupação com possíveis cobras gigante e jacarés alados que possam cruzar o nosso caminho. Não há felicidade no sofrimento, mas a todo momento eu tentava transformar aquela jornada ao inferno pelo menos em algo mais divertido, fazendo troça da desgraça, pelo menos não havia ninguém machucado e era um grupo extremamente forte e se fosse preciso resistir, resistiríamos o tempo que precisasse. Acabaram-se as camas de jararacas e apareceram os capins navalha que iam cortando a pele de quem se atreveu a entrar ali de mangas curtas, os cipós espinhudos mancomunados com as palmeiras de espinhos, se encarregavam de fazer os estragos que faltavam. Muitos ali gritariam por suas mães se pudesses, mas sabedores que elas não os ouviriam naquele fim de mundo alagado, apenas se mantinham de cabeça baixa, fazendo suas orações ou praguejando em voz baixa. Mas navegar é preciso e sair vivo também e como o GPS do Rosa começou a brincar de delay por causa da bateria já combalida, coube ao Potenza assumir os trabalhos de navegação. Mais para esquerda, mais para a direita, volta, segue, diagonal reta. Eram muitos os comando, mas o terreno não nos deixava ir para onde deveríamos e isso só fazia com que ficássemos mais angustiados. Estar ali , presos sem poder avançar nos causa um sofrimento indescritível, é uma sensação de impotência diante de uma natureza bruta e selvagem e se alguém fosse picado por um cobra naquele alagado, morreria sem socorro, porque mesmo os que poderiam se adiantar para buscar um resgate, estavam presos e isolados também . Éramos cinco criaturas perdidas num mundo alagado, cinco seres que sobreviviam como monstros do pântano, incorporados a paisagem hostil em meio a algas e plantas aquáticas, passageiros de uma agonia em comum que parecia não ter fim. Uma decisão foi tomada a fim de tentar salvar pelo menos o moral do grupo que já se encontrava em frangalhos. Resolvemos mirar nossos narizes de volta para o rio Itaguaré, talvez não resolvesse coisa alguma, mas era um plano, porque até então, nada que tentamos resolveu. A labuta de abrir caminho numa vegetação quase que intransponível se estendeu por muito mais tempo, atravessar aquele mundo alagado com uma infinidade de árvores caídas, onde era preciso pular por cima, foi minando as energias e a nossa paciência. O traçado no GPS parecia não sair do lugar e a cada passo dado parecia nos enfiarmos ainda mais num caminho sem volta até que conseguimos encontrar meio metro de terreno mais alto e ali demos uma parada. Engraçado é que cercado de água pôr todos os lados e a maioria com a garganta seca, sem coragem e nem forças para captar água das bromélias, já que ainda não achávamos que era hora de partir para o desespero e bebermos água do pântano. Mas chegou uma hora que era preciso parar de sofrer, pelo menos de cede e já que havíamos parado mesmo, enchi meu cantil de um litro com a água pantanosa e nele acrescentei um suco de jabuticaba para disfarçar o gosto, tomei uns dois goles e passei para o Anderson que já estava em estado lastimável, não muito pior que o resto do grupo e quando ele me retornou a garrafa, não continha mais nada além de baba ( rsrsrsrsr) , se água do pântano matasse, esse aí não tinha voltado vivo para contar história. Hidratados e procurando colocar os pensamentos em ordem, assumi a liderança momentaneamente, tentando chegar até as barrancas do Rio Itaguaré, mas me arrependi amargamente porque ali onde estávamos já era a própria vasão do rio e em certos momentos a água quase que alcançava o pescoço. Aquilo era algo totalmente insano, onde estávamos com a cabeça quando deixamos que a situação chegasse àquele ponto e o pior era não haver nenhuma perspectiva de sairmos daquela enrascada tão cedo. Puxei capim, abri floresta de espinhos, abri caminho em meio às algas gosmentas. Meu olhar se perdia no vazio procurando uma referência em que eu pudesse me apoiar, nem que fosse psicologicamente, mas nada nos era favorável, nem mesmo a tal margem do rio conseguíamos avistar, muito porque, ela nem existia e só descobrimos isso quando já estávamos no meio do leito do rio Itaguaré, cercados de vegetação aquática por todos os lados. Por sorte o Itaguaré ali era um rio raso e com correnteza pouca, que nos possibilitou subir por dentro dele caminhando e quando não dava mais pé, nadávamos correnteza acima ou nos puxando pelas algas aquáticas. Aquela era uma cena sul-real, cinco pontinhos humanos subindo um rio obscuro no meio de uma floresta perdida num pântano a meio caminho de lugar nenhum. Trovo vai à frente abrindo caminho dentro do rio, enquanto o resto do grupo ainda sem acreditar na situação em que havia se metido, segue atrás, com o Paulo Potenza ganhando uma certa vantagem até que o próprio Potenza da meia volta e desce o rio desembestado correndo de um jacaré do papo amarelo que emergiu das profundezas do rio e veio em nossa direção. Por sorte o tal jacaré que o Paulo havia visto, não passava da perneira do Trovo que havia se soltado e ficado boiando no rio em meio às algas. A situação não melhorou nada ao interceptarmos o rio porque vimos no mapa que ele se perderia em curvas, indo para uma direção totalmente oposta às nossas necessidades, que era a de encontrar uma possível estrada que poderia nos devolver as civilizações no litoral. A gente sabia que nossa situação não era nada confortável e tentávamos criar uma reserva psicológica para aguentar o que viria pela frente, mas foi literalmente numa curva do rio que o nosso destino mudaria. Numa entradinha despretensiosa, eu e o Trovo localizamos um barquinho de fibra afundado em meio as algas, tão pequeno que mais parecia uma caixa d’água com um bico e inventamos de tirá-lo do fundo e surpreendentemente ele boiou. Enquanto nos entretínhamos com a rustica embarcação, o Trovo adentrou no pequeno canal em direção a um terreno mais alto e bingo, achou uma canoa antiga no meio do mato, ainda com seu remo e a puxou para dentro do rio. Imediatamente um pensamento macabro tomou conta da minha mente: “ Vamos roubar essa porra. ” Sei que não era nada bonito de se fazer, mas são pensamentos que permeiam nossas mentes quando o desespero já tomou conta da gente. Achei que o único jeito de saímos daquele inferno alagado era nos apossarmos daquela canoa velha e remarmos rio acima até a tal ponte e desembarcarmos nela, ganhando assim essa possível estrada que nos tiraria dali. Subimos na canoa para fazer um teste e ver se aguentaria todo mundo e se iríamos nos adaptar com o remo. Subimos remando por um tempinho, mas eu me mantive no barco reserva, sendo puxado pela embarcação, mas logo retornamos ao local de onde partimos e ao investigarmos mais a fundo, descobrimos uma trilha que vinha de algum lugar até ali, talvez da própria estrada que buscávamos, e desembocava ali na beira do rio. O plano de roubar a canoa foi deixado de lado e o trocamos por essa trilha suspeita, mas que foi se abrindo e nos apontando uma saída e surpreendentemente, nos desovou bem na estrada, estávamos salvos, a civilização estava a não mais de uns míseros 2 ou 3 km e não levamos mais que uns 40 minutos para desembocarmos na Rio Santos, bem ao lado de uma subestação de energia, 300 metros de um posto de gasolina e a menos de 2 km do litoral. Abraços e comemorações marcaram o final daquela expedição e nos sentimos orgulhos de mais uma vez escaparmos inteiros de mais uma Travessia Selvagem e até então inédita. Conseguimos pegar um ônibus coletivo que nos levou de volta à Bertioga e de lá embarcamos imediatamente para Mogi das Cruzes e cada um foi se perder para um rumo, naquela selva de pedra, chamada São Paulo. E essa aventura pela Serra do Mar Paulista teve o poder de nos surpreender positivamente, porque até então desconfiávamos desse novo caminho proposto, mas nunca, nunca mesmo, podemos subestimar a grandiosidade dessas florestas e dessas montanhas , que despencam do Planalto Paulista para a Planície litorânea e conseguem desafiar o homem a ponto de quase poder vencê-lo, mesmo em tempos modernos onde ainda temos as tecnologias a nosso favor. Tomamos uma surra, por certo quase fomos humilhados, mas sobrevivemos com as reservas e a experiência adquirida em Expedições passadas, travamos uma luta ferrenha entre homem e natureza, resistimos até sermos cuspidos para fora e ao invés de prometermos nunca mais nos metermos em um terreno tão hostil como aquele, saímos do outro lado desse vale mais fortes do que nunca, prontos para enfrentar qualquer adversidade, seja em outras travessias como essa ou na busca por novas descobertas, porque em se tratando de AVENTURAS,essa serra Paulista é insuperável. Divanei Goes de Paula – março/2019
  7. EXPEDIÇÃO BRACINHO (Anderson, Dema , Trovo , Divanei , Decio e Régis ) ......................“Aquilo parecia mesmo ser uma estupidez. Não que eu já não tenha feito uma infinidade de coisas estupidas nesses quase 25 anos de aventuras, mas com a idade a gente começa a tentar ficar longe dessas ações que possam nos levar a um acidente do qual talvez não tenhamos mais como nos recuperar. O Daniel Trovo, mestre das insanidades aquáticas, já havia inaugurado o salto, despencando no poço gigante sem jamais ter estado lá, o Dema também confiou nele e se jogou sem nem pensar e até o tio Décio, olha só, já se encontrava no fundo do poço. Nem me pareceu tão alto em um primeiro momento, mas olhando bem da beirada da cachoeira, me deu uma embrulhada no estômago, mesmo assim os meus medos não advêm da altura, mas da possibilidade do que poderia se esconder no fundo do poço. Jogo minha mochila que explode na água e ao longe vejo o sorriso dos outros dois companheiros de expedição (Rosa e Régis) que optaram pela sensatez e desescalaram as paredes da queda d’água e foram fazer as fotos bem longe daquela loucura. Tomo distância, dou uma corrida e paro imediatamente. Melhor não, melhor deixar pra lá, mas lá de longe a plateia grita freneticamente para eu não desistir, então resolvo que tentarei saltar usando o patamar 1 metro mais abaixo, não muda nada, mas as condições psicológicas me diz que poderá ser menos pior, mas ao me aproximar ainda mais a fim de baixar para esse patamar é que observo uma língua de pedra que se estende da parede em direção ao poço. DEUS ME LIVRE! Se eu escorregar o pé de apoio vou me esborrachar naquelas pedras lá embaixo. Um misto de ansiedade toma conta de mim, eu quero ir, mas o medo me puxa para trás, faço menção de desistir de vez, mas a plateia grita pula, pula e eu já perdi o rumo, com o corpo tomado pela adrenalina que já invadiu cada centímetro do meu corpo. Quer saber de uma coisa: FODA-SE, LÁ VOU EU!”.................. ( rio Bracinho e sua água incrivelmente transparente) Poucos lugares são tão incríveis nesse país quanto a Serra do Mar de São Paulo, não só por conter uma das florestas mais exuberantes do mundo, mas pelo fato de estar muito perto de uma das maiores cidades do planeta e ainda esconder no seu interior selvagem uma infinidade de biodiversidade que talvez não se encontre em nenhum outro lugar do Brasil. Por incrível que pareça, são lugares desconhecidos até mesmo de pesquisadores, moradores locais e exploradores modernos, lugares que passaram despercebidos justamente pelo seu isolamento e pela dificuldade para serem penetrados. Já há mais de meia década que a gente vem se dedicando a revelar esses paraísos perdidos, principalmente rios intocados, onde o ser humano ainda não espezinhou e até mesmo os famigerados caçadores e palmiteiros, mal conseguiram aranhar, justamente pela dificuldade técnica de acesso, mas ultimamente até parte do nosso grupo vinha tendo uma certa resistência porque as expedições acabaram por ter que se distanciar cada vez mais, se enfiar cada vez mais num mundo desconhecido e sem a certeza de que poderia nos revelar algo que realmente interessasse para parte do grupo , que sempre ia em buscas das grandes cachoeiras perdidas nos rio selvagens. Depois de 2 expedições que revelaram o interior de grandes rios de uma certa região, meus olhos acabaram por se voltar para alguns rios menores, rios com desníveis bem inferiores aos anteriores como o Lourencinho, o Itariru , mas a descida do Pedreado ,ocorrida esse ano, me disse e me ensinou que se valer de desnível de rio para saber se vale a pena ou não empreender uma expedição era uma grande bobagem, mesmo porque o PEDREADO( Braço Grande) nos surpreendeu positivamente, mas mesmo assim, uma grande parte do grupo, que obviamente se recusou a encarar o rio citado acima, ainda não havia se convencido que tanto esforço e perigo poderia mesmo valer a pena. ( Rio Pedreado) O Vale do Rio Bracinho levou alguns anos até para ser localizado no mapa devido ao seu isolamento por baixo da grande floresta e das grandes montanhas que o cercava e o espremia, era quase impossível saber aonde realmente começava a sua nascente e só depois de eu recorrer a diversos mapas e cartas antigas foi que aos poucos ele foi se revelando e juntamente com o Décio Marques, fomos juntando um quebra-cabeças até que conseguimos chegar a um consenso e nos pôr a planejar a expedição para valer. O rio apresenta duas nascentes distintas em forma de “Y”, sendo a nascente da direita (de quem desce o rio) a menor e a esquerda a maior, as duas se convergindo para formar o “Grande Bracinho”. Pois bem, saber por onde corre essas duas nascentes era o “x” da questão, porque era um emaranhado no meio de uma floresta gigante e longe, muito longe de qualquer lugar habitado e com acesso motorizado. Os estudos nos levaram a escolher 2 pontos de acesso, uma em cada ponta dessas nascentes, sendo a nascente mais curta distante uns 20 km de Juquitiba e a mais longa uns 30 km. No final chegamos à conclusão que pelas condições da estrada, a vertente mais curta poderia ser a mais interessante porque nos daria a possibilidade de fazer esse caminho usando um transporte que nos deixaria a pelo menos umas 4 horas de caminhada do rio varando mato, não era nada animador, mas era o que tínhamos , era ao que poderíamos nos apegar se quiséssemos realmente tentar colocar aquele rio no mapa. ( inicio Bracinho em amarelo) A única maneira de termos uma chance da expedição dar certo, era irmos antes lá e tentarmos primeiro achar o rio e só depois montarmos uma equipe e para isso tracei uma linha no mapa me valendo das curvas do terreno para podermos chegar ao rio com um esforço o menor possível. Traçada a estratégia inicial, coube ao Décio e aos meninos Régis, Potenza e Rafael, a missão de inaugurar os trabalhos e num sábado qualquer, se dirigiram para a região e depois de rodarem por mais de 10 km, abandonaram o carro num sítio à beira do caminho e seguiram a pé, desvendando tudo que podiam e cinco ou seis horas depois de se lascarem num mato sem cachorro, conseguiram avançar muito, chegando quase nas bordas da serra, a menos de 2 km de atingirem a calha do rio. Fizeram um excelente trabalho, mesmo não conseguindo descobrir o rio, porque marcaram todo o caminho no gps e agora era chegado a hora de montar o time, encostar alguns caras na parede e força-los a sair de cima do muro definitivamente. Feito o convite às pessoas que sempre confiávamos que dariam conta da empreitada, não tardou para aparecer os desdenhamentos em relação a qualidade técnica do Rio e quando citei que o Décio Marques era presença garantida na expedição, foi aí que o grupo se desmanchou feito uma torre de cartas. O Décio sempre foi uma pessoa querida de todos, mas era considerado um pé frio, onde ele pisava era certeza de fracasso, ou chovia demasiadamente, ou perdíamos a trilha, ou aconteciam trombas d’água que beiravam tragédias, enfim, absolutamente todas as empreitadas que ele se fazia presente haviam dado errado, mas claro, essa era mais uma entre várias outras desculpas que fizeram com que parte do grupo pulasse fora, mas como eu sempre digo, mais vale um grupo com pouca experiência motivado do que gente sem tesão pela exploração e foi assim que o grupo foi se formando, por gente engajada no projeto e verdadeiramente comprometida em ir lá naquele vale desconhecido fazer história . Partindo de Sumaré, no interior Paulista, eu e o meu velho amigo Prof. Dema, que há muito tempo não nos acompanhava nessas expedições, desembarcamos na capital do Estado a fim de nos encontrarmos com o grupo na estação Faria Lima do Metrô e assim que todo mundo chegou, começamos a via sacra interminável para chegar à Juquitiba, onde uma kombi já nos esperava para nos levar por uns 15 km , lugar que a estrada acaba ou fica quase que intransitável e só as pernas é que servem de meio de transporte. Depois de deixar Juquitiba, nosso veículo retorna e volta pela Br, sentido norte (SP) e uns2 km depois deixa a rodovia e entra a direita na Estrada Amélia Correia F. Guimarães e vai seguir sem pegar nenhuma bifurcação até que essa estrada passa a se chamar Estradas das Senhorinhas e quase 4 km depois passa por cima da ponte do Rio Juquiá, segue sentido sul sempre pela principal e quase 9 km depois o caminho acaba, hora de saltar do veículo e nos pormos a caminhar. A madrugada já ia alta e o feriado da República já se fazia presente e não deu nem 15 minutos de caminhada para abandonarmos a então estradinha e nos enfiarmos à direita num caminho estreito que outrora fora também uma estrada e que hoje não passava de uma trilha que ligava uma estrada à outra e que se metia dentro de uma floresta de reflorestamento e ia subindo até 20 minutos depois cruzar por cima de um riacho e desembocar numa outra estrada com ares de abandono e virarmos para esquerda para aí então caminhar por mais meia hora e adentrarmos à direita numa casa abandonada à beira do caminho, casa que foi apelidada pela primeira incursão de reconhecimento como CASA DAS BOSTAS por causa dos excrementos de animais que ali encontraram. Da Casa das Bostas fizemos nosso lar pelo resto daquela madrugada, uns amarraram suas redes nas velhas pilastras e outros resolveram se espalhar pelo chão da varanda com seus sacos de dormir já que o interior da casa, em ruinas, não gerava confiança, parecendo que o forro desabaria há qualquer momento. Foram meras 4 ou 5 horas de sono, tempo insuficiente para um descanso merecido, mas como a jornada era longa, tivemos que pular logo cedo e dar início àquela expedição. Oito da manhã as pernas já foram postas em movimento e menos de meia hora depois já nos vimos diante do Braço Grande (Rio Pedreado), justamente o rio que havíamos descido por 4 dias na última expedição, mas ali ele era mansinho e inofensivo e sem demora nos convidou para um gole d’água e como ninguém estava a fim de molhar as botas logo pela manhã, tratamos de passar nos equilibrando sobre uma árvore que havia caído, formando uma ponte de um lado à outro do lindo rio. Rio Braço Grande ( Pedreado) Atravessado o rio, o que seria uma estradinha, se transforma em trilha, mesmo que o corte aparente no barranco ainda não tenha desparecido por completo. Agora vamos seguindo mais ou menos paralelo às suas margens, aproveitando a curvas suaves do terreno em meio a floresta fechada e vez por outra vão surgindo alguns vestígios de antigas construções que a mata não tarda em tragar por completo. Essa é uma área praticamente desabitada e somente uma única habitação junto ao rio é que parece ser frequentada vez enquando, mesmo assim alguns rabos de trilha ainda sobrevivem na região, fruto deveras de caçadores e palmiteiros que infelizmente ainda deitam e rolam na periferia dessa selva fascinante. A caminhada vai se seguindo, sempre tentando acompanhar o traklog feito pela primeira investida, que por sorte conseguiram localizar essa antiga trilha que nos levaria praticamente bem perto das bordas da descida da calha do Rio Bracinho. Algumas bifurcações vão sendo descartadas porque não seguia na direção desejada e cada vez mais nos víamos afundados dentro da floresta e quando a trilha acabou definitivamente, foi hora de começarmos a nos preparar para varar mato no peito, acabou a moleza. Nas discussões fervorosas antes da expedição, havíamos chega à conclusão de que ao nos posicionarmos no ponto onde estávamos, conseguir descer até o Vale do Bracinho seria tranquilo, era só ganhar uns 500 metros de montanha varando mato e já começar a descer, mas de repente começamos a rodar em círculos e quanto mais andávamos mais nos víamos perdidos no meio da floresta, mesmo com dois gps em operação. Acontece que quando ganhávamos um terreno favorável nos empolgávamos e esquecíamos de ir acompanhado a progressão no gps e quando víamos já havíamos andado muito para o lado errado. Corrigíamos a direção e voltámos a nos empolgar, tanto que em um certo momento caímos na calha de um afluente e demos como certo ser um tributário do Bracinho e fomos descendo feitos umas bestas cegas até que alguém gritava que novamente estávamos indo para o lado errado e tínhamos que corrigir o rumo novamente, ás vezes tendo que voltar a escalar os barrancos e enfrentar bambus no peito para desespero do Décio que já arrastava 100 m de língua no chão. O tempo foi passando e a previsão de alcançar o rio principal antes do meio dia já havia se esgotado faz tempo. Mais um morro foi subido e a tal da bandeirinha(plotada no mapa) que assinalava a descida para o rio nunca que era encontrada O Décio continuava como cu de tropa e de longe xingava a mãe de todo mundo, “Pitoco véio”( apelido que eu chamava carinhosamente um dos integrante) só fazia dar risada, ainda que ele fosse o desgraçado também responsável pela navegação, eu e Trovo que seguíamos de perto o outro navegador, tentávamos ajudar, mas teve uma hora que tivemos que dar uma basta porque já havíamos rodado mais que pião da casa própria , então nos juntamos com o Anderson Rosa e decidimos não desgrudar o olho do gps até que a bandeirinha dos infernos fosse localizada e quando a encontramos foi hora de dar uma parada para respirar um pouco e esperar que todo o grupo se juntasse novamente, comesse alguma coisa para a cartada final. Menos de 2 km nos separava do nosso grande objetivo e agora com os nervos no lugar e os olhos grudados no gps, ganhei a dianteira e fui arrastando mato no peito, procurando com os olhos o melhor caminho e sempre atento aos rumos dado pelo nosso navegador e quando ganhamos uma grande calha de onde um córrego nascia e ia se enfiando nas pirambeiras, foi aí que tivemos certeza que o caminho não teria mais volta. Fomos desescalando o riachinho que aos poucos foi crescendo e se avolumando, tanto que foi necessário passar por grandes desníveis e tomar cuidado para não escorregar e pontualmente às 14 horasnossos olhos se maravilharam com o RIO BRAÇINHO, a lenda , o mito, estava finalmente descoberto, hora da comemoração e do alivio pela primeira conquista da expedição. Durante todo o estudo do projeto eu havia cantado a bola de que aquele rio selvagem seria formado por águas incrivelmente cristalinas por nascer totalmente isolado dentro da floresta e por receber outros tantos de afluentes igualmente isolados, mas ver a materialização de todos os estudos se transformar em realidade é realmente gratificante. Logo de cara somos apresentados a um rio que mais parecia um espelho, não muito grande por ser apenas um dos grandes braços formadores, mas o sorriso no rosto de cada integrante daquela equipe traduzia o quão feliz estávamos e cada um demonstrava sua satisfação de um jeito, mas uma coisa não foi diferente, todos largaram suas mochilas quando o Trovo que, havia subido por 20 metros até uma curva, gritou que havia uma cachoeira linda um pouco mais acima. Era a primeira surpresa que o rio iria nos proporcionar durante os próximos 4 dias de expedição e aquela queda d’água foi o estopim para que a gente se unisse de vez, lavasse a alma, esquecesse os perrengues passado no acesso ao rio e tivéssemos a certeza de que a aventura agora estava pronta para começar. Alguns não se aguentaram e já se jogaram nos poços junto as duas cachoeiras, outros acharam que ainda não era hora de ficar com a roupa encharcada e logo que todos estavam satisfeitos, juntamos o grupo para uma repassada final no seguimento da expedição. Tirando o Décio que estava visivelmente com uma mochila muito acima do que deveria, os outros pareciam estar nos conformes e então combinamos de tentar interceptar o grande afluente ainda naquele dia e tentar acampar na sua junção quando os dois rios dão vida ao GRANDE BRACINHO. No início é um riacho raso e até meio bucólico, correndo dentro da floresta sombreada com pequenas cascatas decaindo em singelos degraus e vez por outra algum poço mais fundo era cruzado pela cintura, mas logo ele voltava a ficar com pedras expostas. A medida que avançávamos o rio ia ganhando mais alguns pequenos afluente pelo caminho. É um caminhar gostoso, descompromissado, onde a gente vai conversando descontraidamente e não tarda para descobrirmos as pegadas enormes de antas nas prainhas de areia que se formam às margens e também as marcas deixadas por grandes felinos, onças que devem desfilar sossegadas por esses vales encantadores. A caminhada vai seguindo sem maiores problemas, as primeiras quedinhas vão aparecendo e logo à frente um pequeno cânion estreito nos dá as boas-vindas, nada que pudesse nos custar grandes esforços para ser transposto , mas como eu ainda não estava a fim de me molhar, optei logo por testar minhas habilidade de “grande escalador” de paredes lisas na serra do Mar e me agarrei no barranco do lado esquerdo e fui cravando minhas unha nas agarras que me saltavam às vistas e logo o que eu temia aconteceu, uma agarra podre não aguentou o meu peso e despenquei feito jaca podre , indo parar no fundo do poço, mas antes quiquei numa pedra exposta e bati violentamente com o tornozelo nela. Na hora, meio assustado com a queda inesperada, não senti nenhuma dor, mas passado um certo tempo depois, mal estava conseguindo caminhar e tive que arrastar perna a base de anti-inflamatório até o fim daquela expedição. Depois desse mergulho sem querer, estava também inaugurada definitivamente o molhaceiro nessa travessia, porque a partir daí todos já foram logo se jogando em tudo que é poço e a farra aquática se faria presente até o final do dia, onde outras infinidades de pequenos poços foram nadados e pequenas cachoeiras transpostas, mas acontece que nesse primeiro dia , sem dormir quase nada na noite anterior, pouco depois das 16 horas da tarde já tratamos logo de caçar um lugar decente para acampar, já que vimos que seria mesmo impossível cumprir o plano de tentar acampar na confluência dos rios. Nessas expedições devido às incertezas, sempre optamos em usar redes com toldos para os acampamentos e discutimos isso durante vários meses, mas o Décio ainda achou melhor carregar uma barraca trambolhuda, então tivemos que ficar à mercê de arrumar um lugar que pudesse comportar também uma barraquinha e por sorte nessa travessia, foi possível sempre conseguir lindas áreas de camping e foi numa dessas áreas, plana e com várias árvores grossas à disposição, que jogamos nossas mochilas ao chão e demos por encerrado àquele dia de atividades intensas , hora de tirar a roupa molhada e ir cuidar da janta e da montagem das nossas camas de mato. Quase 12 horas de sono tem o poder de revigorar uma equipe que no dia anterior estava meio destroçada e por incrível que pareça, a noite foi tranquila e sem chuvas, aliás, a previsão do tempo era de chuvas intensas para os 4 dias de expedição e até o momento nenhuma gota de água havia caído do céu e se o sol não foi intenso, pelo menos as temperaturas se mantiveram altas durante o dia anterior. Levantar da rede depois de uma noite bem dormida não é problema, mas ter que logo pela manhã vestir roupa molhada é algo que dá uma chacoalhada na gente, mas também pouco importa porque a primeira coisa, nos primeiros metros de caminhada, já somos obrigados a nos jogar na água fria do rio e sentir o poder da nossa audácia de querer desbravar rios selvagens, faz parte do ofício e o sofrimento inicial já transforma o dia logo pela manhã numa resiliência a ser suportada. Nesse segundo dia os poços vão se sucedendo de uma tal maneira que vão faltando adjetivos para usar. Logo de cara o rio estreita e uma nova garganta tem que ser cruzada, descida até um ponto em que a gente consiga se jogar de cima dela para dentro de mais um poço profundo em meio as suas corredeiras e sair nadando rapidamente para escapar das águas ainda geladas, por sorte, praticamente todo mundo está servido de coletes e isso ajuda muito na flutuabilidade e numa segurança maior, mas algumas vezes o capacete acaba por ser empurrado pela mochila, colocando alguns em dificuldades, melhor mesmo soltar a mochila ou tirar o próprio acessório da cabeça depois que já se posicionou em segurança dentro do poço. O rio vai alternando entre ser mais raso e mais profundo quando afunila um pouco e quando chegamos a outro grande poço de águas incríveis, cruzamos nos valendo de troncos, onde alguns passaram arrastando a bunda até que, sem poder se equilibrar, acabam indo parar no fundo do rio e nem dá para ficar chateado por ter sido incompetente para passar sem cair porque logo a seguir não há como fugir e é chegar no próximo poço profundo e já se pinchar de novo e para não perder o costume, a sequência é mais do mesmo quando chegamos a uma cachoeirinha. Os mergulhos são divertidíssimos e sair nadando numa água daquelas vai dando uma sensação de prazer gigantesco, é um salto e um orgasmo prolongado. Depois dessa sequência de diversão aquática o rio arrefece um pouco e volta a ser mais raso e se estabiliza e já vai dando indício de que estamos bem perto do seu grande afluente, a outra perna que vai dar corpo e alma ao Bracinho e numa curva do caminho, um grande poço, um poço sensacional nos dá as boas-vindas e marca nosso encontro definitivo e os ponteiros do relógio já marcavam quase onze horas da manhã. Aquele era mesmo um lugar incrivelmente belo, mas nos chama atenção uma clareira com um vestígio de acampamento de caçador ou de palmiteiros. É claro que não vieram pelo rio, muito provavelmente alguma trilha antiga poderia ter dado acesso até ali, mas também estava claro que há muitos anos ninguém pisava naquele barraco de lona devido ao seu abandono. A dúvida é saber de onde partiria a trilha, mas uma coisa era certa, o abandono já indicava que seria uma caminhada muito dura até chegar ali e talvez essa trilha nem mais existisse, o certo é que a partir dali a expedição iria entrar numa região selvagem, mais selvagem ainda , estávamos prestes a ficar cercado por montanhas altíssimas dentro de um vale do qual não haveria a menor possibilidade de escapar caso algum acidente acontecesse , estávamos por nossa conta, ninguém do mundo externo saberia do nosso paradeiro, entravámos num portal sem volta, rumo ao desconhecido mundo selvagem da Serra do Mar Paulista. Abandonamos o encontro do rio a sua própria sorte e seguimos nossa labuta, que para variar já nos levava para mais grandes poços profundos e de águas esverdeadas. Mais à frente outra queda d’água é vencida tendo que usarmos nossos freios traseiros para conseguir passar sem se esborrachar ou cairmos dentro das marmitas que se formavam na queda da cachoeira. A sequência é formada por uma infinidade de outros poços e aí a gente vira criança e deixa que o rio nos carregue como bem entender, somos passageiros sem controle, vamos vendo a vida passar nas belezas daquela floresta exuberante e quando o rio cansa de nos dar carona, somos lançados imediatamente dentro de um grande lago e lá ficamos por um bom tempo para reabastecer o estômago e tomarmos folego. Nesse segundo dia o terreno começa a ficar com um desnível maior e as pequenas gargantas não tardam em aparecer e deixar o rio novamente afunilado e quando as águas resolvem saltar de cima das pedras, lá vamos nós nos precipitando para dentro do rio e essa brincadeira de jogar a mochila e saltar atrás faz a festa da “molecada” e deixa o clima da expedição divertido, fazendo com que o tempo passe sem nem percebermos. Essa Cachoeira da qual saltamos não era muito alta, mas aos seus pés um poço dourado nos deixa de queixo caído. Aquilo era impressionante, era algo de uma beleza estonteante, mesmo depois de anos e anos de exploração selvagem, poucas vezes havíamos visto um poço com tamanha formosura, então nos sentamos à sua beira e apreciamos seu espetáculo, para nunca mais esquecer aquelas imagens. O dia vai passando numa velocidade impressionante e quando todos já estavam inchados de tanto nadar, grandes quedas apareceram e aí tivemos que parar e analisar qual seriam nossos próximos passos. Aquela era uma bela cachoeira, mais belo ainda era o poço que se formava na sua base de águas escuras e provavelmente muito profundo e tínhamos duas escolhas à fazer: tentar desescalar pelo lado direito, mesmo com um gasto de energia grande ou simplesmente dar um salto alucinante. Eu já havia passado a mão nas minhas tralhas e já estava me dirigindo para acompanhar o Rosa e o Régis que mal olharam para a possibilidade de saltar, já que notaram logo que aquilo era meio insano, mas quando o Trovo chegou tive que recuar para ver que sandice ele iria aprontar dessa vez. Não era muito alto, mas pular de quase 10 metros em um lugar que jamais havia visto na vida, sem saber o que se encontrava no fundo do poço, já beirava a irresponsabilidade. É, mas ele saltou! Jogou a mochila lá de cima e pulou e foi vendo ele não chegar nunca na água que nos deixou mais agoniados e quando ele explodiu lá embaixo e sumiu por um tempo, aí só ficamos aliviados quando ele submergiu dando aquela gargalhada de sempre. Depois disso não teve jeito, o Dema também se lançou atrás e não demorou muito, o Décio também já estava despencando para o fundo do poço, mas eu não, eu não estava a fim de participar daquilo, ia mesmo apanhar minha mochila e varar mato, mas o grito da platéia que já havia se posicionado nas pedras do outro lado do poço, acabou por mexer com meu brio. Não que eu já não tenha pulado de lugares muito mais alto, mas quando a gente chega a uma certa maturidade começamos a analisar melhor nossos atos e a perceber que se um acidente acontecer naquele vale, longe, muito longe de qualquer lugar habitado e sem a possibilidade de algum socorro, faz com que a gente sempre opte pelo bom senso. Mesmo assim resolvi que iria saltar. Fui até a borda da cachoeira e aí vi que era mais alto do que imaginava, mas atirei minha mochila e dei aquela corrida para pegar impulso, mas refuguei, me senti o próprio Baloubet du Rouet. Analisando melhor, vi uma língua de pedra que se estendia da parede em direção ao poço e pensei: se meu pé de apoio escorregar nessa merda, vou me esborrachar lá embaixo e não vai ser bonito de ver, melhor enfiar o rabo entre as pernas e deixar isso para lá. Mas foi aí que a multidão (na verdade dois desgraçados que arregaram, rsrsrs) ficaram me instigando a pular e no impulso dei aquela corrida e deixei que a força “g” fizesse seu papel e quando meu corpo explodiu para dentro do poço, me senti um míssil adentrando na escuridão aquosa até que outra força me jogasse de volta para a superfície. Estou vivo, agora é nadar para longe da cachoeira até atingir as margens do lago e com um sorriso enorme no rosto, apanhei minha mochila e dei várias braçadas até me sentir em segurança, feliz da vida com o andamento daquela aventura. Depois de descermos por mais uma garganta estreita e escorregadia, num estudo rápido, já percebemos que descer pela esquerda poderia ser o caminho mais ideal, mas foi uma descida um tanto exposta e quando chegamos aos pés delas alguns não aguentaram e tiveram que ir se banhar perto da sua queda, uma cachoeira com salto bonito que depois corria por uns 80 metros até cair em mais um poço esverdeado e profundo e para não perder o costume, sr. Trovo , um espécie de Aquaman tupiniquim já inaugurou mais um salto de cima da queda e foi parar de novo no fundo do rio e como ninguém queria ficar fora da diversão, um a um fomos nos livrando das nossas mochilas e pulando também: Meu Deus, a vida poderia ser feita só de saltos ! O dia já ia escapando pelos dedos e a gente não conseguia ficar seco, quando pensávamos que o rio daria um tempo sem termos que pular em algum poço, logo aparecia outro e mais outro e cada um mais bonito que o outro, mas as 16 horas, talvez um pouco mais, a gente já começou a procura um lugar para acampar e numa margem plana, junto a uma prainha de areia, vislumbramos a possibilidade de montarmos ali nossas redes e depois que todos deram o aval, cada qual foi cuidar de preparar sua casa. Agora éramos um grupo muito diferente daquele do primeiro acampamento na noite anterior, estávamos muito mais descansados e muito mais alegres pelo dia altamente produtivo que tivemos, porque foram cerca de 8 km dentro do rio, um recorde, jamais havíamos feito um percurso tão grande em nenhum outro rio. No acampamento acabamos meio que nos juntando para compartilhar coisas, Eu o Dema e o Anderson dividimos o fogareiro e cozinhamos juntos, isso serviu para que otimizássemos o peso, inclusive eu e o Dema também dividimos o toldo que cobriu nossas redes, montando-as em estilo de beliche, usando apenas duas árvores para as duas redes. O Décio como já é sabido, trouxe barraca e teve que se contentar em montá-la na beirada do rio sobre uma prainha de areia, ainda bem que foi mais uma noite sem chuvas senão o nosso amigo teria corrido o risco de navegar rio abaixo dentro dela. Jantamos e fomo dormir muito cedo, bem antes das sete da noite e foi realmente uma noite incrível, mas quando me dei conta ao amanhecer, meu corpo estava coberto por umas 300 picadas de carrapatos e enquanto escrevo esse relato, ainda me coço todo, lembranças de um paraíso guardado por todos os bichos inimagináveis, inclusive esses indesejáveis. Todos prontos para mais um dia de aventuras, deixei uma capsula de registro pendurara numa árvore com o nome de todos os expedicionários e já fomos obrigados a nos enfiarmos dentro do rio para mudarmos de margem e sem muita demora, nos enfiamos em mais uma garganta estreita e sem ter como escapar pela margem pulamos na correnteza e fomos arrastados por um bom pedaço, chacoalhando como se dentro de lavadora de roupa estivéssemos. Às vezes eu não sei porque fazemos isso, principalmente quando não controlamos mais nosso destino, mas quando tudo dá certo e somos devolvidos são e salvos, damos muita risada e queremos repetir, mas num certo momento a adrenalina deu lugar para o medo logo quando caímos numa sequência violenta onde as quedas eram um pouco mais altas e o refluxo teimava em levar a gente para o fundo do rio para depois cuspir a gente para fora feito fumo vencido. Essas sequências de corredeiras foram realmente incríveis e por isso mesmo, por estarmos sempre envolvidos com algo que nos fazia perder a noção do tempo, começamos a perceber que o dia ia passando numa velocidade inimaginável. Quando aquela sequência de corredeiras deram um tempo e o rio voltou a se estabilizar por um tempo, foi a vez de mais poços esverdeados aparecerem e mesmo com o rio um pouco mais lento, parte da galera resolveu poupar energia e seguiram boiando nas aguas claras porque mesmo sem aquele sol exuberante, a temperatura se mantinha muito agradável e as chuvas previstas pareceriam cada vez mais distantes. Os cenários eram os mais belos possíveis e quando parecia que a paisagem não mudaria, logo éramos surpreendidos com tonalidades de águas diferentes, ás veze tão transparentes que o fundo dos poços parecia conter pouco centímetros quando na verdade eram metros de profundidade e numa curva demos de cara com uma rampa e a descemos pela esquerda e essa rampa nos jogou diretamente para mais um poço, dessa vez com quase uns 100 metros de tamanho , um gigante profundo que fez com que tivéssemos que nadar por um bom tempo. A gente apostava que os desníveis do rio haviam acabado e até o final enfrentaríamos apenas leves corredeiras e a caminhada seguia tranquila e serena, hora parávamos para beliscar alguns petiscos, hora apenas nos sentávamos à beira dos grandes poços para apreciar suas belezas e quando não esperávamos ela cruzou o nosso caminho : O rio começou a ficar rápido novamente e várias pequenas cascatas iam dando as caras e de repente o rio deu em salto no vazio e nos revelou uma grande queda que ia de um lado ao outro, quase como um pequena Catarata se jogando num lago profundo. Ficamos boquiabertos, era realmente uma grande surpresa encontrar uma cachoeira daquela. O Trovo e o Dema já lançaram suas mochilas de cima das cataratas e saltaram em meio as turbulências e se perderam no fundo das águas, os outros desceram pela esquerda aproveitando uma canaleta escorregadia mais fácil de descer e vendo que o pulo era seguro, parte do grupo deixou sua mochila sobre as pedras e também foi brincar de pular de cima da queda d’água. Depois dessa cachoeira nada mais pareciam nos surpreender, o rio se transformou novamente em uma grande garganta e entre descidas memoráveis, escalávamos as paredes laterais e nos pendurávamos nas bordas escorregadias e se algo desse errado, era mais um corpo a despencar dentro dos poços profundos e aí o expedicionário virava vítima de piadas e tiração de sarro. Às vezes cansados de tanto nadar, recorríamos para alguma margem mais plana, mas quando isso nos aborrecia por causa dos bambuzinhos, voltávamos para o rio e nos lançávamos novamente na água porque já éramos praticamente anfíbios. Mas quando as corredeiras violentas voltavam, aí a gente se divertia como se estivéssemos a brincar num parque de diversões aquático e foi em um tobogã natural que o Trovo quase se lascou todo. Eu e o Regis iamos à frente nessa parte do rio, mas quando vimos que o negócio ficou perigoso, resolvemos sair da água e tentar analisar melhor antes de nos jogarmos num paradeiro incerto, mas o Trovo vindo em seguida, logo pergunta se dá para descer e o Régis sem pensar direito disse:” Manda bala “. E lá veio o Trovo desembestado feito um tronco sem rumo e quando o Regis resolveu recuar e tentar avisá-lo que a descida era insana, não deu mais tempo e só vimos o Trovo dar tchauzinho para câmera e despencar feito pica-pau sem barril. O Trovo escapou ileso, mas foi por pura sorte mesmo. A fúria da correnteza o jogou violentamente contra a parede lateral e antes que sua cabeça rachasse ao meio nas rochas, a mochila o salvou colidindo primeiro. Foi um grande susto para todo o grupo e mais uma vez ficou provado que usar capacete nunca sairá de moda e infelizmente o Trovo é o único do grupo que ainda não aderiu ao equipamento de segurança, confiança que poderia ter lhe custado a vida ou ao menos um acidente grave. Aliás, capacete, colete e perneira, eram itens que já há muito tempo vinham fazendo parte das nossas vestimentas, justamente por causa de outros acidentes ou quase acidentes que havíamos enfrentado em todos esses anos de expedições selvagens. O rio arrefece um pouco e as quedas vão dando lugar a pequenas cascatas precedidas por poços gigantes e corredeirinhas mais suaves e aí vamos aproveitando para poupar energia, nos deixando ser carregado pelas águas que nos servem de transporte. Aquele cenário é de uma beleza fora do comum, as praias infestadas de pegadas de onças, antas, pacas e uma infinidade de pássaros e nas matas, pés de palmeiras Jussara indicam que aquele é um lugar realmente ainda intocado pelo homem e a gente se sente uns privilegiados de podermos estar num lugar daqueles. A caminhada segue num ritmo tranquilo e a boiação parece nunca terminar e aproveitamos para conversar, mas a cada curva era de praxe voltar a elogiar a qualidade das águas do rio e a capacidade que ele tinha de nos surpreender e ficamos pensando nos companheiros que fizeram corpo mole para não vir porque achavam que o rio não valeria a pena, tanto que vez ou outra, alguém mandava um recadinho maroto para dar uma alfinetada em quem havia desdenhado. O final do dia já se aproximava, mas ainda achamos que 16 horas era um tanto cedo para acampar e para nossa surpresa, o terreno que até então havia se estabilizado, acabou dando lugar para uma garganta enorme, aliás, a maior garganta de todo o percurso. Uma grande cachoeira despencando no vazio e arrastando um turbilhão de água para dentro de um cânion. Não havia como descer por dentro do rio desescalando pedras, então a única maneira foi nos embrenharmos no mato por um breve momento, ganhar altura e voltarmos a descer na diagonal até interceptarmos o fundo do vale onde a cachoeira finalizava seu curso se jogando em mais um poço fenomenal, onde mais uma vez nos jogamos de cima das pedras e fomos nos deleitando sobre suas águas, nadando e vendo a pedras passarem no seu fundo transparente. O rio resolve ficar raivoso novamente e a gente já começa a pensar seriamente em achar um lugar para acampar, mas não demora nadinha para as águas resolverem se rebelar de vez e saltarem de cima de uma grande laje para dentro de mais um impressionante poço. Anderson Rosa, Régis e Décio já não aguentam mais tanta água, mas o incansável Daniel Trovo nem pensa muito, atira a mochila de cima do barranco e se joga e atrás vamos eu e o Dema para mais um salto memorável, aproveitando o ingresso do parque aquático para brincar em todos os brinquedos. Seguimos agora por um rio mais afunilado, saltando sobre grandes pedras e quando dava, tentávamos caminhar pela margem na expectativa de localizarmos uma área mais favorável para montarmos nossas redes e numa dessas saídas do rio, caímos em um patamar com árvores frondosas espalhadas num terreno plano e aí não tivemos duvidas, atiramos nossas mochilas ao chão e demos por encerrado aquele dia intenso de aventuras, aliás, foram 11 km de descida de rio em um único dia, um recorde absoluto até então, algo que já jamais havíamos feito em nenhum outro rio. Realmente foi um dia daqueles e a gente estava muito feliz por tudo estar dando certo até aquele momento, as chuvas passaram muito longe da previsão e o grupo se manteve unido o tempo todo. A montagem das redes é uma coisa que mesmo trabalhosa, acaba por ser divertida por fazer parte do processo da expedição, um aprendizado que vai se construindo pouco à pouco. A confraternização é um daqueles momentos únicos nessas expedições, serve para afinar o grupo, rever alguns erros cometidos e repassar os momentos incríveis passados durante o dia. Mas pela atividade intensa, mal terminamos de jantar e todo mundo já foi se esticar na sua rede, alguns desmaiam rapidamente, outros ainda ficam jogando conversa fora durante algum tempo. Enquanto eu também não apago, fico pensando como vales como aquele ainda conseguem se manter longe dos olhos humanos durante tanto tempo, mesmo estando nas barbas da maior cidade do Brasil, lugares onde naquele exato momento poderia estar sendo vigiado por onças incríveis e outros animais sensacionais e aí transbordo de felicidade de poder fazer parte de algo único na vida, ter a honra de poder fazer parte de uma expedição como aquela. O dia amanhece lindo e parece que logo pela manhã o sol já vai dar as caras e esse seria o nosso último dia de expedição e esperávamos não nos demorar muito para interceptarmos vestígio de civilização. Levantar da rede muito cedo não foi difícil, mas colocar roupa molhada é sempre algo que me aborrece, mesmo sabendo que os primeiros passos já serão por dentro do rio e de suas águas frias. Cada um tenta atravessar molhando o menos possível, mais tem logo uns tontos que desequilibram e vão para no fundo do rio e como dessa vez não fui um deles, me alegro de chegar apenas com a água perto da cintura, mas essa alegria não dura nem uma curva e logo o pelotão da frente já acha que deve se atirar no rio de cima de uma cachoeirinha para evitar a fadiga de ter que escalar paredes lisas para se manter ainda um pouco seco. Alguns de nós insiste em testar seus dotes de subidores de paredes e se equilibrando na ponta da unha, vão fugindo da água gelada e eu fui um deles, mas quando o caminho acabou e foi preciso trepar no barranco para rasgar mato no peito, toquei o foda-se e mergulhei nas profundidades do grande poço e já que estava no inferno, abraçar o capeta era o que estava tendo para hoje, nadei o mais rápido que pude, alternando entre longas braçadas e cachorrinho até me ver novamente as margens secas, são e salvo das baixas temperaturas matinais. Aquele era mais um poço impressionante, como todos outros que passamos nessa expedição e logo um tronco chama atenção por parecer muito com a estátua O PENSADOR, famosa de Alguste Rodim e aí não teve como não batizar aquele queda d’água como CACHOEIRA DO RODIM , nome dado , aliás, pelo Daniel Trovo. E essa cachoeira marca definitivamente a entrada da expedição na área já menos selvagem, mas nem por isso habitada. Ao Lado do grande lago, uma clareira abandonada há vários anos nos mostra que estamos mais perto da civilização e se tivéssemos nos apressado mais um pouco no dia anterior, talvez umas 2 horas, poderíamos ter acampado nessa clareira com um abrigo ainda em condições de ser usado. Dessa clareira saia uma trilha e foi por ela que seguimos por um bom tempo até localizarmos outro vestígio, um barraco destruído e sem uso também há vários anos pelo seu aspecto de abandono. A trilha se foi e o rio voltou a se tornar novamente nosso caminho e quando chegamos perto do que outrora fora uma ponte de troncos e que hoje também se encontra destruída, demos de cara com outra habitação, o BARRACO DO ESPANTALHO, esse sim parecendo ser ocupado de vez enquanto e por um golpe do destino, logo mais saberíamos quem seria o seu dono, de antemão não passam mesmo de rústicos casebres de madeira usados por caçadores locais. Até tentamos seguir por uma trilha que partia dessa choupana, mas logo ela se perdeu no mato e voltamos novamente para o rio por onde andamos por um bom tempo, arrastando nossas botas no areião e quando tentamos interceptar um casebre que eu havia marca no mapa de satélite, demos com os burros n’água e tivemos que bater em retirada, varando uns bambus e uns cipós quase que intransitáveis. Um olhar atento nos levou para outro rabo de trilha e a seguimos até que ela se transformou numa estradinha abandonada em meio a uma plantação de bananas igualmente esquecidas na floresta. Essa estrada nos devolveu novamente ao rio e o cruzamos novamente para interceptar a continuação do caminho e nos agarramos a ele por mais de uma hora até que finalmente perto das 13 horas demos de cara com a sede da FAZENDA BRACINHO, na verdade um amontoado de algumas casas simples, mas em um lugar muito bonito. Dessa casa surgiu o caseiro, que sem querer muita conversa, nos indicou o caminho para fora da fazenda e essa foi a primeira pessoa com quem conversamos em 4 dias de expedição selvagem. Agora tínhamos uma missão ingrata de caminhar por uma estradinha de terra por mais de 7 km, debaixo de um sol para cada um e antes mesmo que essa penitência começasse, ” tio Décio”, aquele das tralhas inúteis, sacou do fundo da mochila uma peça de salame e foi imediatamente ovacionado pela “multidão” ali presente que já sem comida há muito tempo, deram muitas vivas e juraram amor eterno ao nobre expedicionário. Pouco mais de 1 km nos leva até um amontoado de casas e ao passar por um laguinho, ouvimos o chamado de um casal que do alto de sua habitação queriam saber que diabos aquele monte de gente estranha, com roupa esquisita estava fazendo por aquelas bandas e enquanto contávamos nossa história, uma travessa de torresmo, pão, café e refrigerantes nos foram servidos e por causa disso resolvemos transformar o então breve conto em um romance Homérico até que cada buraco do estômago fosse preenchido. Para pôr fim àquela travessia um pouco mais cedo, já sabendo que a volta para casa seria uma via crucies, voltamos para a estradinha enfadonha a fim de alcançar logo a Rodovia Régis Bitencourt no meio da Serra do Cafezal para tentar algum transporte até Juquitiba ou o para qualquer lugar que nos deixasse o mais próximo possível de São Paulo e foi aí que, logo depois da ponte que atravessa por cima do próprio Rio Bracinho, uma esticada de dedo totalmente descompromissada fez uma caminhonete parar imediatamente. Dela desceu um homem meio desconfiado, mas a sua curiosidade não o deixou seguir em frente e quando contamos rapidamente de onde vínhamos, seu Flávio arregalou os olhos sem acreditar no que acabara de ouvir. Rapidamente deu um jeito de acomodar todo mundo no veículo, alguns dentro e outras na carroceria. Seu Flávio é um fazendeiro plantador de bananas ali da região e costuma caçar ali nas cercanias do Bracinho e quando soube que havíamos descido o rio das nascentes até quase sua foz, seus olhos brilhavam e seu espanto foi ainda maior quando soube que passamos pelo vale selvagem sem portarmos nenhuma arma para nos defendermos das onças e porcos selvagens. Ao chegarmos perto da Rodovia, fez questão de passar num boteco empoeirado para nos mostrar à outros amigos ali da região e ao sabermos que ele estava indo para capital, não nos furtamos em angariar uma carona pelo menos para os que moravam muito mais longe, no caso meu e do Dema que residimos no interior e para outros que teriam que trabalhar na segunda- feira. Infelizmente acabou sobrando para o Décio e para o Rosa a tarefa ingrata de voltar para São Paulo pegando uma infinidade de ônibus, mas para nós que conseguimos a carona, acabou por ser uma viagem tranquila e divertida e às cinco da tarde já estávamos embarcando na rodoviária do Tietê para Sumaré, enquanto isso, Daniel Trovo e Régis já foram se perder para outros fins de mundo ali mesmo naquela cidade gigantesca. O Rio BRACINHO ganhou um nome ingrato por acharem ser ele um mero afluente, tributário menor do Rio São Lourencinho, que por sua vez era um importante afluente do Rio Juquiá, um grande rio da bacia do Ribeira do Iguape. O Bracinho se mostrou gigante, não só no seu comprimento, mas na sua importância dentro de uma região ainda inexplorada e selvagem, um vale até então totalmente desconhecido, no máximo arranhado em sua porção mais próximo à civilização. Quando resolvemos nos jogar na tal aventura, esperávamos encontrar um lugar selvagem, mas jamais poderíamos prever que esse rio se transformaria em um dos maiores achados de todos os tempos da Serra do Mar e o grupo que atravessou aquele vale, na sua maioria formado por senhores já de meia idade, saíram do outro lado com pelo menos uns 10 anos de idade a menos porque se entregaram ao deleite de voltarem a ser crianças para aproveitar esse grande parque de diversões natural. Para a geografia do Estado é mais um rio que foi acrescentado ao mapa e mesmo que passe muitos e muitos anos para que outro grupo resolva atravessá-lo, ele ainda figurará muito tempo longe das vistas destruidoras da raça humana, simplesmente pela sua dificuldade de acesso, como todos os outros rios que compõem o LADO ESCURO DA SERRA DO MAR PAULISTA. Divanei Goes de Paula- novembro/2018
  8. EXPEDIÇÃO PEDREADO “Qual é o propósito de um monte de homens adultos se jogarem numa jornada incerta, num roteiro desconhecido, chafurdando numa floresta quase que inacessível, num fim de mundo que quase ninguém sabe que existe? Enquanto tento achar resposta para essas perguntas, vou me arrastando pela margem deste incrível rio de águas quase que intocadas, tentando levar minha carcaça destruída até o acampamento, nesse final de tarde de outono. Ter um tornozelo torcido minutos antes de chegarmos as grandes gargantas foi um pouco de azar, por isso não fiz nem objeção quando alguém cantou a bola para pararmos ainda antes das 4 da tarde, mesmo porque, ser pego pela noite emparedados naqueles cânions poderia nos render um sofrimento desnecessário, melhor mesmo é ir cuidar das feridas, fazer uma janta quente e se preparar para o dia seguinte que promete ser de grandes aventuras. ” Não havíamos nem nos recuperado da Expedição ao VALE DO RIO SÃO LOURENCINHO, que quase culminou em uma tragédia e meus olhos já se voltaram para outro grande rio isolado ali da região de Juquitiba. O grande rio PEDREADO, conhecido e chamado pelos sitiantes locais pelo nome de RIO DO BRAÇO GRANDE, nasce no meio da Serra do Mar Paulista e se enfia em um vale quase inacessível, terra de ninguém, visitados eventualmente eu suas partes mais planas, apenas por alguns corajosos palmiteiros e caçadores mais audaciosos. Quando os estudos começaram, já ficou claro que esse rio apesar de selvagem, não teria um desnível tão abrupto quanto outros já explorados por nós, mas o fato de ser uma travessia extremamente longa da sua nascente até a sua foz, no encontro com o próprio São Lourencinho, esse afluente do Rio Juquiá, já me fez olhar essa expedição como uma missão de respeito. O rio era longo, mas a parte que nos interessava, aquela onde quase ninguém já teve coragem de meter a cara, contava com um 20 km de travessias, grande demais para apenas 4 dias, que era o tempo que dispúnhamos. Mesmo assim tínhamos que ariscar, precisávamos que alguém fosse lá e encontrasse um caminho até o rio, que alguém investigasse a qualidade da água. Para essa missão prévia se apresentou como voluntários Décio Marques e Regis Ferreira, que para lá se dirigirão, entraram pelo Bairro do Engano e se embrenharam nuns sítios abandonados até darem nas barrancas do Pedreado. Fizeram um excelente trabalho, e voltaram com o caminho mapeado no GPS, estava estabelecido a rota até o rio, agora era hora de montar uma equipe e botar mais um rio selvagem no mapa das grandes travessias da Serra do Mar Paulista. Ao apresentar o projeto para a equipe, a grande maioria já deu uma desdenhada, achando que por não haver grandes desníveis, talvez não valesse a pena tanto sacrifício e seria correr um risco desnecessário. Na minha opinião, depois de passar meses debruçado sobre os mapas de satélite e cartas topográficas eu não tinha a menor dúvida que a expedição era totalmente viável, muito porque se tratava de um rio selvagem, em estado quase bruto e que ao longo do caminho receberia mais de 50 afluentes de águas intocáveis, atravessando uma das mais exuberantes florestas do mundo. Resumindo: Parte do grupo caiu fora e foi se divertir em outras paragens. Paciência, como a gente fala, não existe carteirinha e nem obrigação com ninguém e cada um tem a liberdade de ir quando quiser e quando bem entender e isso é muito legal porque sempre deixamos bem claro. Os feriados foram passando e nada da expedição sair do papel até que no feriado de maio encostei uma meia dúzia de sem noção à parede, montamos um grupo e mesmo com alguns desconfiados quanto ao roteiro, resolvemos que já estava na hora de desvendar os mistérios escondidos naquele fim de mundo. Às nove da noite já estava eu plantado na Estação Faria Lima do Metrô, na capital Paulista, quando me aparece Paulo Potenza, arrastando atrás de si Thiago Dias (Rasta) com seus cabelos de corda, mal deu tempo de cumprimenta-los e já surgiu sei lá de onde, Guilherme rocha, que veio me cumprimentar dizendo que acompanhava meus relatos na internet e quando pediu para tirar uma foto comigo, tive que aguentar a zueira geral, muita coisa para um caipira do interior de São Paulo, rsrsrsrsrs . Não demorou muito e os outros chegaram e o grupo se completou com Anderson Rosa, Régis Ferreira, Rafael Araújo e Daniel Trovo. Nos dirigimos para o tal Largo da Batata e lá pegamos um ônibus para Itapecerica da Serra e de lá outro para Juquitiba, aonde uma van escolar já esperava para nos levar até o mais próximo do rio. O motorista rodou por 14 km pela BR 116 no sentido sul e depois entrou no tal bairro do Engano, tocou direto pela estrada principal para o sul e seguiu sempre por ela que foi se dirigindo para leste/sudeste e se bifurcou 5 km depois que saímos da BR e ali paramos porque não havia mais condições de seguirmos motorizados. Num primeiro momento eu pensava em adentrar no sítio em que a vam havia nos deixado e cortar caminho por um vale, andando uns 2 km até atingirmos o rio Pedreado, mas logo vimos que seria impossível forçar passagem por uma área habitada de madrugada e aí resolvemos seguir o plano original, o roteiro conseguido na primeira incursão. Portanto, naquela madrugada de sexta para sábado, jogamos as mochilas às costas e partimos pela estrada da esquerda que logo adentra pela mata e sem pegar nenhuma bifurcação, vamos seguindo por ela que vai ficando cada vez mais intransitável, passa por um sítio à esquerda e uns 300 m depois o terreno se abre e aparece um grande lago também à esquerda, denunciando ser ali o último ponto com sinal de gente porque a partir daí a estradinha vira quase um trilha e numa bifurcação pegamos para a direita até desembocarmos num sítio abandonado de gente aonde uma placa nos dá as boas-vindas: Caiam fora, proibido entrar, caçar, pescar, colher palmito, MEXEU MORREU ! A gente sabia que ali é terra sem lei, mas naquela hora da madrugada era o nosso único porto seguro para tentar descansar um pouco, então adentramos assim mesmo, já que era nítido que não havia ninguém no sítio. O lugar até que estava bem cuidado, sinal que não estava de todo abandonado. Em uma das casas, uma grande varanda já nos chama a atenção e nos indica um possível lugar para nos abrigarmos. Na outra casa encontramos a porta sem trancas, mas o lugar estava deplorável, com cheiro de rato morto e não havia a menor possibilidade de dormimos nas camas, mesmo assim arrastei um colchão mais apresentável e o levei para a varanda da outra casa, fiz o mesmo com um cobertor que continha apenas bostas de ratos, nada que uma boa espancada não o deixasse em condições de uso, mesmo sobre protesto e cara de nojo dos participantes daquela expedição. Então nos alojamos ali naquele casebre mequetrefe e cada um se ajeitou como pode, espalhando seus sacos dormir sobre lonas ali no chão de barro e eu tive uma noite de rei, sem friagem, sem umidade e dormi como um anjo, mesmo que alguns dissessem que nem o satanás ousaria usar aquele cobertor e aquele colchão, bobagem, exagero da galera, (rsrsrsrsrsrs). Pouco depois das 6 da manhã já estávamos de pé, tomamos café, arrumamos as mochilas e partimos. Passamos entre os dois casebres e demos a volta no lago e interceptamos uma trilha atrás dele, mas não andamos nem cinco minutos e o Régis já notou que havíamos entrado pelo lado errado, então varamos mato para a direita por uns 100 metros e achamos a trilha de acesso ao rio. Sabendo que o rio iria fazer várias voltas, resolvemos cortar caminho e seguir rente ao morro do nosso lado direito e fomos varando mato acompanhando a direção correta dado pelo nosso GPS. Aliás, havíamos marcado todo o percurso do rio Pedreado com GPS e escolhemos como nosso navegador Anderson Rosa, que iria conduzir aquela expedição com extrema competência no uso do Wikloc, que foi o aplicativo usados. A chegada ao rio alegra todo mundo. Ele está lindo, a água ainda um pouco amarelada, típica de rio ainda de planalto, que carrega um pouco de sedimento, mas logo saberíamos que ele a cada curva iria ganhar novos afluentes de águas cristalinas e irá aos poucos se transformando em um rio translúcido. Como sempre acontece, no início da caminhada a gente vai tentando manter as botas secas, tentando ganhar terreno pela margem ainda plana e transitável, mas não demora muito para as botas começarem a empapar e quando o mato fecha de vez é hora de largar de frescura e se jogar de vez na água fria da manhã, a AVENTURA ESTÁ POSTA À MESA. Nesse início o rio se mantém raso, com a água mal passando do nível da cintura, mas numa grande curva, quando somos obrigados e passar com água na altura do peito e vez por outra tendo que nadar nos lugares mais fundos, foi aí que demos conta de que esse rio seria uma grata surpresa, e alguns, que antes se mantinham céticos a respeitos do sucesso daquela expedição selvagem, já se renderam completamente e seus olhos brilharam de felicidade. O rio serpenteia, vira para um lado, vira para o outro e quando dava, usávamos suas margens para nos locomover com maior rapidez, nos utilizando também de algumas raras trilhas de palmiteiros e caçadores, aliás, em poucos lugares na Serra do Mar vimos tantas Palmeiras Juçara. Logo o rio se encaminha para dentro da floresta densa e até os raros caminhos de palmiteiros já não são mais vistos. O dia já ia pela metade quando a primeira garganta se apresentou à nossa frente, local que chamaríamos de PORTAL DO PEDREADO. Nesse ponto o rio começa a se encachoeirar e as grandes rochas faz valer o nome dado ao rio. Paramos ali para um breve lanche e para traçar a estratégia de descida, que é sempre a mesma : ganhar um pouco de altura pela direita para depois começar a descer na diagonal, que vai nos devolver de novo ao rio aonde uma Grande Cascata se apresenta e como alguns caras estavam meio que apressados para passarem por esses obstáculos, coube a mim e ao Régis nos enfiarmos numa descida para registrarmos umas fotos do salto, que aliás, era muito bonito, quase que se espalhando de um lado ao outro do rio Pedreado. Logo nos encontramos entre algumas paredes com corredeiras um pouco mais rápidas e foi ali que o Rafael tentou se jogar e ir boiando e se fudeu todo, sendo arrastado pela água e quase triturado pela máquina de lavar natural. A caminhada consiste em avançar pelo rio, hora por dentro da sua correnteza, hora pela sua margem às vezes planas e com mata mais aberta. Quase sempre era preciso cruzar de um lado a outro e numa dessas travessias vindo do interior da floresta, eu mais um pisamos a um palmo de uma jararaca velha, mas foi o Rafael que quase foi picado ao se apoiar na pedra e cair com a mão encima da serpente, que por sorte só fez pular fora da rocha. Notamos logo que teríamos problemas com as cobras e não demorou muito já me deparei com outra jararaquinha tomando sol encima de uma outra pedra no meio do rio e também tive sorte de vê-la antes de saltar sobre a pedra, ainda bem-estarmos todos com perneiras e isso faz uma grande diferença, principalmente psicológica. A galera estava motivada e tudo era motivo para alegrar mais ainda o grupo, até uma ossada de queixada servia para distrair e virava assunto, mas um tal Potenza começou a aloprar todo mundo porque queria parar para nadar, mas eu e o Trovo queríamos ganhar terreno, ainda mais porque estávamos agora numa parte plana do rio e esperávamos encontrar grandes poços mais abaixo, mas como ele encheu muito nosso saco, tivemos que esperar quando ele resolveu se jogar num poço parado , cheio de tranqueiras. Depois dessa parada não muito estratégica, cruzamos o rio para sua margem direita e os olhos treinados de lince do Rosa localizou um girau de caça e o Rasta investigando o terreno encontrou um vestígio de trilha. Nos enfiamos nesse caminho e qual não foi a nossa surpresa ao encontrarmos um vestígio de antiga estrada tomando o caminho para o norte. Era praticamente uma trilha, tomada de árvores de grande porte e só olhos bem treinados seria capaz de saber que outrora aquilo fora uma passagem maior. Mas com o objetivo daquela estrada, para que teria servido, porque estaria ali? Estudando a carta topográfica de 1973 era possível verificar que nela constava a construção de uma pequena usina hidrelétrica, coisa comum nessa época, mas esta usina, se existisse, estaria muito mais abaixo e só a encontraríamos no segundo dia de travessia. Bom, o certo é que seguir aquele caminho mais desimpedido era uma boa pedida, mas depois de uma meia hora, talvez menos ,esse vestígio de estrada foi se afastando cada vez mais do rio e eu a todo momento insistia para direcionarmos nosso nariz de volta para as barrancas do rio. Sem me dar ouvidos, parte do grupo continuou caminhando, mesmo que a estrada fosse cada vez mais se afastando do rio e ganhando altura. Teve uma hora que eu já estava implorando para a gente tomar outro rumo, tanto que cheguei a apostar até a minha dignidade, contando com o Rafael como fiador da aposta e tendo o Potenza como assinante de algumas promissórias. Mas os caras não queriam nem saber e quando a caminho se bifurcou, pulamos um afluente e seguimos meio que para oeste, infelizmente ainda subindo. Eu já estava nos cascos quando finalmente a tal estradinha que nem trilha mais parecia de tão fechada, se enveredou para o sul, indo em direção ao rio e logo à frente ela acabou de vez e aí descemos escorregando em um barranco até desembocarmos umas 4 da tarde, olha só, bem na barragem da tal usina hidrelétrica. Ninguém entendeu nada, na marcação da nossa carta topográfica essa tal usina seria muito mais abaixo do rio, tanto que só esperávamos encontra-la apenas no outro dia. Achar essa Usina hidrelétrica foi mesmo gratificante porque pensávamos até que ela nem existisse e chegamos à conclusão de que o IBGE havia cometido um pequeno engano ao coloca-la um pouco mais abaixo, um erro plenamente justificável, haja vista que a carta datava de 1973, mas a construção dessa usina é muito antes disso, talvez da década de 30 ou 40. Então estava explicado aquele vestígio de estrada que havíamos encontrado, ela serviu para a construção da usina, que por sua vez foi construída para alimentar uma madeireira as margens da local aonde hoje é a BR 101. Claro, é uma usina minúscula, tanto que só no outro dia conseguimos localizar no meio do mato e carcomida pelo tempo o maquinário e a turbina que gerava a energia, mas hoje só resta mesmo a barragem de pedra que fecha o rio de um lado ao outro, mas ainda deixando passar toda sua água, formando uma bucólica cachoeira aos seus pés e diante desse engano e aproveitando a própria deixa com o nome do bairro, vou chamar essa queda d’água de CACHOEIRA DA USINA DO ENGANO, para marcas essa localização. Ainda era muito cedo para acamparmos, mas os caras bateram o pé para que passássemos a noite ali e quanto a isso não fiz objeção, mesmo achando ser muito cedo para arriar as mochilas. Então nos pés da cachoeira armamos nossas redes e enquanto alguns cozinhavam, outros aproveitaram para se esbaldar no poço da queda d’água. Alguns se viraram como puderam, fazendo o velho e tradicional miojo, mas eu, em parceria com o Régis, cozinhei uma boa de uma janta reforçada. Aliás, o Régis e o Rasta eram os novatos do grupo, mas logo se enturmaram e não escaparam em nenhum momento das piadas e chacotas destinadas aos debutantes, muito porque eles mesmos, já “não valiam nada”(rsrsrsrsr) Foi uma noite bem dormida, de temperatura agradável e só não foi melhor porque demora um pouco para a gente se acostumar com o barulho da queda d’água explodindo no poço da usina, mas o dia que amanhece é um dia sem nuvens e promete ser sem chuvas. Antes das sete da manhã já estávamos de pé, mas só depois das oito foi que nos animamos a partir. Ficamos divididos entre voltarmos para a estrada/trilha ou continuar seguindo por dentro do rio, mesmo ainda sendo muito cedo para nos atirarmos na água. Num primeiro momento tentamos descer pela margem e não andamos nem 100 metros já nos deparamos com a tal casa de maquinas em completa ruina, aonde o caminho acabou de vez. Querendo ganhar um pouco de terreno resolvemos retornar e novamente interceptar a tal estradinha, mas logo descobrimos que ela na verdade acabava mesmo ali na usina e quebramos a cara porque perdemos muito tempo rodando para ver se achávamos ela na direção que pretendíamos. O jeito foi retornar novamente até a antiga casa de maquinas e varar mato pela direita, até que o barranco fechou nossa passagem e fomos obrigados a nos jogarmos novamente dentro do rio e uma vez com as partes baixas molhadas, não havia mais motivos para fugirmos da água gelada. A caminhada seguiu alternando as margens do rio e sempre procurávamos facilitar nossa passagem, as vezes varando mato por algum barranco, outras vezes abrindo passagem pela vegetação mais tranquila, quando o rio se estabilizava, até que chegamos às gargantas e aí foi hora de nos esgueiramos por dentro de grandes rochas, subindo e descendo, escalando fendas e vencendo paredes lisas. Não que o rio nessa parte tenha grandes correntezas, mas sempre é um tormento para atravessá-lo, principalmente para mim que sou muito leve e qualquer bobeada aumenta a chance se ser arrastado é um perigo real, mas quando se pode ver o que se esconde atrás de alguma curva é sempre um barato se jogar nessa correnteza e deixar com que a força do rio o conduza bem mais à frente , sem nenhum esforço, nos poupando energias .Quando o rio resolve se enfiar de vez numas paredes que o espreme, é hora de pular fora dele e voltar a escalar pedras novamente. Chega uma hora que a margem que se caminha não serve mais ao nosso propósito, então é preciso montar uma operação para conseguir voltar ao outro lado. Caminhar pela Serra do Mar é algo incrível não só pela paisagem deslumbrante e selvagem, mas também pela forma com que se faz isso. Aqui não seguimos nenhuma regra cagada aos quatro ventos por grupinhos constituídos, as regras nós mesmos criamos dependendo do momento e da ocasião e para atravessar uma torrente de água basta uma cordinha qualquer, um nó de emergência criado na hora por quem se sente mais seguro com ele. Basta um pedaço de pau qualquer, uma mão amiga para não deixar que o indivíduo despenque na queda mais abaixo e tudo está resolvido. Mais à frente o rio se afunila mais ainda e aí é preciso tomar cuidado para não escorregar e cair na máquina de lavar e se lascar todo. Logo sem ter como prosseguir voltamos a nos enfiar no mato e subimos barranco abrindo passagem pela vegetação mais densa até novamente podermos voltar ao rio, desta vez sobre uma imensa laje de pedra, hora de parar para um breve descanso e umas mordidas em uns lanches. A cada passo dado, a cada metro que ganhamos vamos vendo a transformação desse rio. Suas águas vão ganhando novos afluentes e vão ficando cada vez mais cristalinas e logo quando as gargantas acabam, nos vimos caminhando numa mata bonita, onde o rio vai se enlarguescendo e fazendo várias curvas. O dia já vai bem adiantado quando começamos a sentir um cheiro característico de comida no fogão a lenha, sinal de que algum grupo de caçador poderia estar por perto, mesmo porque, vimos no mapa que estávamos nos aproximando de um local aonde era possível que se pudesse chegar ao rio pela existência de uma estradinha no passado. Passamos em silêncio, não queríamos ser confundidos com algum animal de caça e corrermos o risco de tomarmos um tiro de cartucheira. Resolvemos mudar de margem para uma maior segurança e de repente, sem prévio aviso, tropeçamos numa ponte pênsil que atravessava o rio de um lado a outro, que ligava nada a lugar nenhum. Estava bem claro que havia um caminho vindo de algum lugar da civilização, mas era claro que nenhum turista chegava por ele, haja visto que não havia nenhum sinal de lixo. Logo acima da ponte de cabos abria-se uma grande clareira e a partir dela saia uma larga trilha que denunciava que realmente no passado uma estradinha poderia ter chegado até ali. Parte do grupo que estava à frente resolveu seguir a larga trilha que se distanciava do rio na perpendicular e era claro que não serviria a nosso propósito, mas os caras teimosos foram seguindo, feito cabras segas, enquanto eu o Rasta já putos da vida, seguíamos atrás reclamando porque víamos que aquele caminho não daria em lugar nenhum, a não ser para nos tirar da nossa rota. Dez minutos de caminhada, depois de uma curva, surge a nossa frente um telhado de um rancho e isso fez com que a gente ficasse apreensivo por não saber o que encontraríamos naquele fim de mundo e poderíamos dar de cara com os bandoleiros da serra que provavelmente nos receberia com um trabuco na cara. Se nós já estávamos apreensivos, imagina a cara dos sete homens que foram surpreendidos por outros sete saído do meio da floresta, vindos sabe-se lá de onde. O rancho não passava de uma construção rústica, com uma cobertura de telhas, mas sem paredes e rodeado de algumas lonas velhas. Mesmo sendo um barraco qualquer, no meio daquela selva parecia mesmo um castelo, onde um fogão a lenha jogava fumaça pelos ares denunciando que havia comida cozinhando e algumas camas rusticas espalhadas pelo outro ambiente completava o senário do palácio perdido. Logo nos apresentamos como aventureiros e exploradores, eliminando assim qualquer mal-estar que a nossa presença pudesse causar. Aqueles homens que ali estavam não eram caçadores e nem palmiteiros e sim convidados do cuidador daquela propriedade que segundo nos disseram, pertencia a um grande banco que a comprou para fazer lastro financeiro, mas eles estavam ali apenas para praticar um ócio: beber, comer e jogar conversa fora. Ao lado do rancho, uma willis velha deixava claro que realmente havia uma estrada ligando a civilização ao rio, mas por ser propriedade particular, ninguém passava, deixando o lugar no mais total isolamento. Todos apresentados. Fomos logo convidados a nos sentar à mesa para compartilhar a refeição, coisa que o Daniel Trovo já recusou de cara por educação, mas como educação passou longe da barriga lombriguinha do Potenza, o “zoiudo” já se atirou no fogão à lenha e saiu de lá com um prato caindo comida pelas beiradas. O Trovo mandou logo sua educação para os quintos e abocanhou seu quinhão e assim, um a um foram se achegando naquele fogão à lenha e revirando o “zóio” de tanto comer. Eu mesmo, um pouco mais contido, talvez pela minha educação europeia, ao olhar para o tamanho daquela panela, aonde poderia comer umas 20 pessoas e me dando conta que sobre aquele rústico fogão havia dobradinha com carne de porco, arroz, torresmo, carne de panela cozida com palmito selvagem, enchi meu prato como se fosse um refugiado de guerra, muito porque aqueles homens não estavam mesmo a fim de comer mais nada, já estavam com o rabo cheio de cachaça. Fazendo justiça a um do nosso grupo, que se recusou a comer todo aquele banquete, não posso deixar de citar o único cara que se mostrou civilizado naquele dia e se manteve firme nas suas convicções, o Rasta não tocou na comida, mesmo estando varado de fome, não por ser um lorde inglês, mas simplesmente por ser vegetariano e esse foi o único que se lascou bonito e teve que fazer sua própria janta. Bom, a comida estava boa, o papo estava melhora ainda, mas já passava das 4 da tarde e a gente tinha que decidir o nosso rumo. Numa rápida reunião decidimos que mesmo ainda sendo muito cedo, acamparíamos na clareira à beira do rio, mas aí o inesperado veio alegrar a alma já que a barriga estava para a lá de cheia. Seu Joaquim nos ofereceu o rancho para passarmos a noite já que eles estavam de partida em no máximo meia hora. Não havia o que pensar, aceitamos e ficamos agradecidos pela oferta, aquilo iria além do que a gente sonhava. Enquanto os donos do rancho se organizavam para ir embora, aproveitamos para tomar um bom banho no rio e colocar roupas limpas e secas e quando retornamos eles haviam partido e aí nos apossamos do abrigo e cada qual foi escolher sua cama e seu colchão. Os mais espertos se empoleiraram nas camas rusticas e os outros tiveram que se deitar no chão mesmo. Ali naquele casebre improvisado e quentinho rolou papo furado até quase de madrugada, sempre regado a café e chá. Alguns ainda se deram ao luxo de comer o resto da comida que havia sobrado, outros foram ainda preparar mais comida. Na hora de deitar os homens se separaram dos meninos logo que elas surgiram: Eram aranhas de tudo quanto é tamanho e tipo, saíram dos lugares mais estranhos e foram tomando tudo de conta. Alguns logo se revelaram com a masculinidade abalada e outros nem disfarçaram, já largaram os colchões no chão e trataram de montar suas redes, até aqueles que vive de defender a sociedade acabou por nos decepcionar e ameaçou dar chilique e só depois de uma operação de guerra com muitas chineladas é que conseguimos vencê-las e os mais medrosos conseguiram pegar no sono no RANCHO DAS ARANHAS. Quando o dia raiou foi difícil abandonar aquele cafofo confortável e só lá pelas nove da manhã foi que resolvemos partir, ainda bem porque eu andava preocupado com o zunzum da noite anterior aonde alguns ameaçavam largar a expedição no meio e voltar para casa ou no mínimo ficar no rancho por mais um dia. De volta ao rio, a caminhada segue pela sua margem e não demora muito achamos um grande afluente do lado direito, justamente o riacho que rasgava a montanha e abri caminho para a estradinha que vinha da civilização. As andanças se alternam entre varar mato e andar dentro do próprio rio que nesse trecho é raso e plano, com uma água incrivelmente limpa e menos de duas horas depois achamos o que nos pareceu ser uma trilha e resolvemos segui-la, até que ela começou a se afastar muito da água e quando pensamos em abandoná-la, demos de cara com mais um abrigo abandonado. Apreensivo fomos nos achegando aos poucos e logo notamos que esse também estava vazio a um bom tempo e desse rancho partiu uma trilha que nos devolveu novamente ao rio. Nesse trecho a correnteza deu uma aumentada e o leito rochoso dificultava o caminhar, mas se por um lado é preciso empreender mais energia, por outro lado aquele era um cenário lindíssimo com poços sempre nos convidando para um mergulho e em um deles uma caverna escavada no barranco foi o parque de diversão de alguns mais afoitos. Logo em seguida, numa curva para esquerda, o rio desembestou de vez e para não ser arrastado pela correnteza foi preciso que passássemos nadando até uma grande espécie de ilha de pedra e por haver um super poço, foi a grande desculpa para ariarmos as mochilas para uma parada mais demorada e um bom mergulho e alguns se ariscaram a se jogar na correnteza e viraram passageiros do rio, num divertimento sem compromisso. Estávamos ansiosos para encontrarmos as cachoeiras que aquele dia nos prometia e quando as pedras do rio começaram a ficar cada vez maiores, já nos preparamos para desce-las e a primeira que apareceu foi logo uma que tomou conta de todo o rio, uma cascata não muito alta, mas que parecia com uma catarata que jogava gotículas de água para todos os lados. Para descer ao pé dela, parte do grupo varou mato pela esquerda, enquanto outros já se jogaram de cima dela e passaram à nado, aproveitando a força da sua queda para ir parar já na prainha de pedras. Já passava das duas da tarde, talvez um pouco mais e aproveitando a parada providencial, aproveitamos para instalar ali nossa capsula de registro de travessias selvagens,aonde deixamos nosso recado para os futuros aventureiros que por lá passarem algum dia e depois disso deixamos aquela bela cachoeira entregue a sua própria sorte e agora as CATARATAS DO PEDREADO ganhou o registro da nossa ilustre passagem. Para nossa surpresa, mal havíamos começado a caminhar e já demos de cara com mais uma gigante cachoeira, justamente a queda d’água que eu havia estudado tanto e imaginava que poderia ser uma das mais altas da travessia. Só que dessa vez não era uma cachoeira no Rio Pedreado, mas sim num afluente do lado esquerdo e a meinha suspeita se confirmou. Uma queda d’água larga de um grande rio vindo do interior da serra, mais um rio perdido nesse mundo selvagem aonde ninguém põe a cara e que transforma esse ecossistema em um dos mais espetaculares da Terra. Fico feliz em ver se materializar à minha frente aquilo que eu só imaginava nos mapas de satélite e na carta topográfica. Enquanto eu e o Rasta ficamos ali apreciando aquele espetáculo, os meninos se adiantaram e fomos obrigados a apertar o passo para nos juntarmos novamente à eles. O Daniel Trovo o tempo todo vinha com uma conversa de que poderíamos acabar ainda hoje aquela travessia, mas eu já sabia que isso não passava de delírio, muito porque eu não estava nem um pouco a fim de abandonar aquele rio extraordinário antes do combinado, mas o dia foi passando, a gente varando mato, atravessando rio a nado, nos jogando nas corredeiras, subindo barranco e escalando paredes na unha e numa curva qualquer, talvez por já estar cansado e um pouco desatento, num pulo mal dado, vi meu pé virar e foi inevitável que meu tornozelo torcesse junto. Na mesma hora eu já ví que o estrago havia sido feito, mal conseguia colocar o pé no chão e perdido naquela vastidão de floresta temi pela continuidade daquela travessia. Uma parada de uns 15 minutos para que a dor inicial desse uma estabilizada e me valendo da água fria para um analgésico momentâneo consegui prosseguir. A dor ainda era intensa, mas não havia tempo para ficar choramingando pelos cantos, o jeito era tentar me arrastar até o fim do dia e tentar um curativo a noite, no acampamento. A tarde já ameaçava acabar e como já pensávamos em acampar, fomos andando e já de olho em alguma área plana, mas por infelicidade estávamos presos entre duas paredes sem nenhum lugar descente para montamos nossas redes e como nada é tão ruim que não possa piorar, surgiu à nossa frente uma sequência de gargantas profundas, hora de parar e montar uma estratégia. Já eram quase 4 horas da tarde e nos veio à cabeça a possibilidade de iniciarmos aquela descida e acabarmos mais presos ainda e agora por paredões de pedra. Ser pego à noite sem nenhum lugar para montar acampamento não estava nos nossos planos, já havíamos passado por isso em outras expedições e sabíamos muito bem o quanto é desagradável e sofrível, então numa reunião rápida, o grupo decidiu que deveríamos montar acampamento e deixar aquela aventura para o outro dia. O grande problema era aonde conseguir um lugar descente, mas aí o Trovo se lembrou de que algum tempo atrás ele havia visto uma área de caçadores abandonada e que seria prudente retornarmos e tentar passar a noite por lá. Sem ter outra alternativa fizemos o caminho de volta e por sorte encontramos essa área do lado direito do rio e não poderia ser melhor. Um local plano e com boas árvores para esticarmos nossas redes, abrigado do vento e com um pequeno afluente para nos abastecer. Quando montamos essa expedição e decidimos que mesmo o rio não tendo um desnível descomunal como estávamos acostumados a explorar, iríamos ir nos divertir, acampar num lugar selvagem e jogar conversa fora e felizmente tudo que havíamos planejado estava saindo ainda melhor. Os quatro acampamentos que fizemos foram realmente incríveis e como é gratificante poder nos sentar às margens desse rio fantástico, numa noite de lua clara e temperatura agradável e poder se dar ao luxo de viver uma vida de desapego. Lá nós não somos ninguém, nem ricos nem pobres, ninguém é Cristão ou Budista ou Espírita. A profissão de cada um não vale absolutamente de nada e muito menos a sua posição política ou filosófica. Somos apenas nós mesmo, apenas homens crescidos brincando ao som da simplicidade da vida. E nesses acampamentos é muito zueira, muito porque o politicamente correto não existe e quem puder mais chora menos. Mesmo já estando a 3 dias nessa labuta incessante, todos estão muito dispostos e animados e a conversa acaba por se estender até tarde, ou ao menos até mais tarde do que estamos acostumados e quando o sono chega é só se jogar para dentro das nossas redes e dormir como nunca dormimos antes até que o sol venha nos acordar para mais um dia de jornadas gratificantes. Pouco depois das 6 da manhã já estamos de pé e enquanto a água do café não ferve, desmontamos tudo e nos aprontamos para partir. E a partida já começa em grande estilo porque logo cedo já somos obrigados a cruzar o rio com a água pela cintura e ganharmos o mato do lado direito, interceptando um vestígio de trilha que vai ganhando altitude e quando vimos já estávamos paralelos à garganta. Poderíamos tentar seguir varando mato pela crista mas aí nos afastaríamos do objetivo principal que eram as cachoeiras e por isso embicamos nosso nariz numa diagonal e avançamos escorregando pelo barranco até nos posicionarmos novamente às margens do Pedreado, bem aos pés de uma queda incrível, que abria o início das grande cachoeiras antes do rio fazer sua curva para esquerda e começar a acompanhar a Rodovia Regis Bittencourt (BR 116). Não demora muito e entre escaladas e desescaladas, ganhando terreno dentro do rio, conseguimos perder altura até nos posicionarmos em mais uma Cachoeira larga, com um véu abaulado, mais um cenário lindíssimo, mais uma descoberta surpreendente aonde alguns ficaram brincando no meio do seu véu. Por incrível que pareça, nós estávamos enfiando dentro de um vale bem no meio da SERRA DO CAFEZAL , aonde milhares de pessoas passam todo dia indo ou voltando do sul do país e que nem imaginam o que se esconde por dentro dessas montanhas. Em épocas de feriados, congestionamentos monstros se formam na BR 116 , são horas e horas parados , pessoas perdem seus tempos, dinheiro e saúde, parados no meio do nada, enquanto aqui em baixo nos vales a vida pulsa numa beleza poética, com rios de águas cristalinas, cachoeiras lindas ,plantas exóticas e animais extraordinários e naquele momento tudo nos pertencia e somente a nós, donos absolutos do lugar. Agora à nossa frente o vale se abriu de vez e acima das nossas cabeças já era possível notar que estávamos bem perto da rodovia, talvez em uma hora varando mato e escalando a montanha conseguíssemos chegar ao asfalto, mas ainda não havíamos chegado ao meio dia e seria uma pena abandonar tudo aquilo e quando o Rio Pedreado curvou-se de vez para o sul, junto a um grande afluente do lado direto, no próprio rio uma outra cachoeira se fez presente, num cenário de tirar o fôlego e um mundo paisagens fascinantes se abriu para nós e ficamos encantados de estar tão perto de uma das rodovias mais movimentadas do país e ao mesmo tempo tão isolados num mundo selvagem. Aquilo era realmente incrivelmente belo e para nossa surpresa uma antiga ponte pênsil caindo aos pedaços havia sido construída ali, mas com sinal de estar abandonada há muito tempo, parecendo mesmo ter sido esquecida ali para todo o sempre. A Cachoeira da Ponte Pênsil marcava definitivamente nossa vitória e nossa conquista daquele vale e daquele rio desafiador porque sabíamos que poderíamos cair fora a qualquer momento, mas a aventura ainda não havia terminado, então decidimos nos enfiar na próxima garganta e avançar um pouco mais e não nos arrependeríamos por isso. O Pedreado dá uma afunilada e é pelo lado esquerdo que vamos seguindo, nos enfiando no meio de pedras e descendo uma a uma até nos posicionarmos acima de uma grande e longa rampa que nos trava a passagem. Descer por ali seria realmente perigoso e o jeito foi retornar um pouco e tentar uma passagem para o outro lado do rio, mesmo assim seria necessário se jogar à beira da queda potencialmente perigosa. O Rasta acabou sendo o boi de piranha que se ariscou e já puxou o Daniel Trovo para o mundo dele, mas o resto do grupo não achou prudente passar por ali sem nenhuma segurança e só se animou a cruzar o rio quando o próprio Rasta sacou um cordim para nossa segurança e um a um foi se agarrando àquela corda medíocre e se atirando na correnteza até alcançar a outra margem. Uma vez cruzado o rio, até tentamos varar mato para descer até a próxima cachoeira, mas a inclinação do terreno e sabendo que aqueles eram os últimos momentos nossos naquela expedição, preferimos não gastar mais nenhuma energia e o melhor caminho se mostrou mesmo pelas bordas do rio, passando e se esgueirando pelas pedras lisas, mas ainda assim perfeitamente passáveis e nem quinze minutos depois a gente largou nossas mochilas e agradecemos por estarmos diante de mais uma maravilha despencando de cima das pedras formando mais uma grande cachoeira para coroar de vez a nossa passagem por aquele vale. Não Era mais uma cachoeira qualquer, era outro espetáculo que se espalhava de um lado a outro do rio e foi bonito ver parte da galera se esbaldando embaixo da sua queda e no seu grande poço de águas claras. Eu da minha parte não queria mais saber de água, quase 4 dias socado dentro do rio para mim já era suficiente. Sentei sobre uma grande rocha e me pus a contemplar pela última vez aquele cenário que me encantou nesse feriado do dia do trabalho. Foram 4 dias intensos, de grandes descobertas, de novas amizades, de desafios e deslumbramentos e quando a galera cansou de desfrutar daquela Cachoeira com uma espécie de chafarizdo lado direito, demos por encerrada aquela expedição por dentro do rio, mas ainda estava longe de nossa aventura terminar por completo. Estávamos a uns 200 metros de desnível abaixo da BR 116 e para lá chegarmos seria necessário escalar a montanha e varar mato até o asfalto. Não havia muito o que fazer, apenas pedimos proteção a nossa senhora do barranco e nos pomos a puxar mato e subir sem nem olhar para trás e logo demos adeus a Cachoeira do Chafariz e ao vale do Rio Pedreado. O Rasta e Trovo foram à frente puxando a fila, mas logo o Potenza nos ultrapassa e ele e o Rasta tiveram o privilégio de avistar os primeiros sinais de civilização e um pequeno cervo selvagem correndo apressado ao perceber nossa presença. Finalmente antes das 2 da tarde comemoramos com um abraço coletivo mais uma expedição bem-sucedida na Serra do Mar Paulista, chegamos todos em segurança, cansados, mas felizes de mais uma vez podermos ir ao lado escuro dessa fascinante serra, numa das mais incríveis florestas do mundo, aonde ainda reina a paz que todos desejam. Chegar a rodovia foi uma conquista, mas fomos sair num lugar inóspito, praticamente desabitado e somente depois de quase uma hora de pernadas foi que conseguimos achar uma alma viva que morava num sítio e ele nos informou que deveríamos descer por mais um km até uma borracharia abandonada, aonde seria possível pegar um ônibus subindo a serra que possivelmente viria do bairro de Santa Rita. Esperamos, esperamos até que a bunda ficasse quadrada e nada de conseguirmos um transporte, muito menos uma carona. Com muito custo nos veio a informação que somente as 18 horas poderia haver um ônibus e nós ficamos lá abandonado a própria sorte até que um ônibus vazio e que não nos servia parou e nos avisou que ali não conseguiríamos voltar para casa nunca e nos ofereceu uma carona até mais acima na rodovia, aonde havia um ponto de ônibus que fazia a linha Juquitiba x Barnabés ou sei lá que fim de mundo dos infernos era aquele. O ônibus quando apareceu, a noite já havia caído faz tempo e em mais de hora de viagem, nos deixou na pequena rodoviária de Juquitiba e de lá conseguimos outro ônibus para a região metropolitana de são Paulo aonde cada qual se dispersou para um lado e eu voltei para minha aldeia em Sumaré, no interior Paulista. Essa Travessia expedicionária surgiu da vontade de poder explorar um mundo quase selvagens, ir à lugares ainda desconhecido pela maioria dos Paulistas. Poder botar nossos pés e arrastar nossa alma ávida de conhecimentos até lugares praticamente intocados, poder lutar e vencer a nós mesmo, poder cerrar os punhos e enfrentar uma natureza quase que desconhecida e entrar de um lado e sair do outro transformados, satisfeitos, inebriados e agradecidos por mais uma vez ir aonde poucos foram e principalmente por ter conseguido juntar uns amigos e conhecidos e ao final da jornada quase poder chamá-los de irmãos. Divanei Goes de Paula / maio - 2018
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