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França - 16 dias - Paris, Val de Loire, S.Malo, M.Saint-Michel, Rouen e Giverny - outubro de 2011


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Vigésimo primeiro dia. Sábado, 22 de outubro de 2011.

 

Em um país de tradições tão cristãs como a França é natural que as igrejas sejam uma atração. Em Paris há muitas igrejas. Algumas estão entre as mais famosas do mundo. Escolhemos esse dia gelado para dar uma olhada em algumas delas.

 

Esse de longe foi o dia em que sentimos mais frio na viagem toda, incluindo o Reino Unido. A temperatura estava abaixo de 10 graus. Levantar foi a parte mais difícil. Mesmo assim encaramos o frio e metemos o pé na rua. Nem tomamos café pois já estávamos “atrasados”.

 

Pegamos o metrô e fomos direto para a primeira parada, a Igreja de Saint-Sulpice, no meio do Quartier Latin, bem perto dos Jardins de Luxembourg. Depois de 13 estações descemos na estação Saint-Sulpice (linha 4). Saindo da estação vimos que o negócio estava feio. Além de muito frio, o céu estava totalmente fechado. Até os parisienses estavam mais recolhidos neste sábado e as ruas estavam vazias.

 

Estava tão frio que foi difícil até tirar fotos da fachada. Foi só o tempo de perceber que as altas torres da igreja não são iguais, dar uma olhada na fonte que fica na praça em frente e entrar. Queríamos era fugir daquelas rajadas de vento gelado que passava pela roupa. A verdade é que estávamos mal agasalhados e não estávamos esperando passar frio pois os dias anteriores tinham sido de temperaturas agradáveis. É por isso que os franceses são viciados na previsão metereológica, la météo, como eles falam.

 

Dentro da igreja estava muito melhor, foi um alívio entrar. O interior de Saint-Sulpice é muito bonito e a igreja é bem grande e iluminada. De arquitetura renascentista, a igreja, que demorou cerca de cem anos para ficar pronta, começou a ser construída em 1646. A entrada é gratuita pois ela não é dos pontos turísticos mais procurados de Paris e a gente passa mais ou menos uns 20 minutos lá dentro. Vale a pena.

 

Criamos coragem para sair outra vez e encarar aquele frio. Íamos à pé até a Igreja de Saint-Germain-de-Prés, que fica no bairro vizinho de mesmo nome, a somente algumas quadras da Igreja de Saint-Sulpice. Essa parte da cidade é muito charmosa, cheia de cafés com mesas na calçada. No caminho vimos que o topo da Tour de Montparnasse estava encoberto pela neblina.

 

A Igreja de Saint-Germain-de-Prés é pequena, com uma torre só. Contruída em estilo românico, essa é a igreja mais antiga de Paris ainda em pé, datando do século XI. Na verdade, a igreja fazia parte de um grande monastério, a Abadia de Saint-Germain-de-Prés, que ficava fora da cidade. Quase tudo foi destruído ao longo dos séculos para dar lugar à vila nos arredores de Paris que depois se transformou em bairro da capital. Da antiga abadia só sobrou a pequena igreja. O interior é muito escuro e ainda por cima estava cheio de tapumes de restauração. Há muitos afrescos nas paredes. Entrar ali é como voltar à Idade Média. Como Saint-Sulpice, a entrada é gratuita e a visita dura só alguns minutinhos. Vale a pena também.

 

Com as horas, a temperatura começou a ficar mais agradável. Saindo da Igreja de Saint-Germain-de-Prés, seguimos para outro ponto dessa nossa peregrinação, ou “tour de igrejas”, a mundialmente conhecida Sainte-Chapelle, que fica na Île de la Cité. Fomos caminhando mesmo, sempre em direção ao Sena. No caminho passamos por algumas pâtisseries, todas lotadas de clientes e com vitrines maravilhosas, cheias de macarrons. A Dani ficava babando…

 

Quando chegamos às margens do rio e sentimos o vento, vimos que o frio era o mesmíssimo de antes. Para piorar, passamos um pouco da Île de la Cité e estávamos na altura da Pont des Arts. A Pont des Arts é uma ponte só para pedestres que fica bem em frente à Île de la Cité, com vista privilegiada para a Pont Neuf, a ponte mais antiga de Paris, que atravessa o rio fazendo escala na ilha.

 

Mas não é só por isso que a Pont des Arts é famosa. No gradil de proteção da ponte estão presos centenas de cadeados. Os casais prendem um cadeado com os seus nomes gravados e jogam a chave no rio. Dizem que isso torna o amor eterno. Por essa e outras Paris é conhecida como a cidade mais romântica do mundo! Já tinha ouvido falar muito vagamente dessa história, mas eu e a Dani, despreparados, acabamos ficando sem cadeado lá. O jeito vai ser voltar à Paris…

 

Na verdade, o frio que passamos nessa tal ponte acabou com qualquer chance de clima romântico. Atravessamos e fomos finalmente procurar um café. Há várias opções nas margens do rio, com vista para a ilha. Claro, por ser uma região turística, os preços não são lá essas maravilhas. Pedimos dois cafés crème quentinhos, dois crêpes complètes (crepe com queijo, presunto e um ovo frito em cima) e duas garrafas de água mineral. Foi uma verdadeira refeição, até porque a xícara de café era enorme. Tudo delicioso, mas custou 33 Euros (R$ 82,50)! Paris pede esses exageros. E tem mais, se a gente for converter sempre, não come, não compra e não faz nada… Pelo menos usamos o banheiro e fugimos um pouco do frio que estava de matar.

 

Saindo do café andamos até a Pont Neuf para finalmente atravessar para a Île de la Cité. Passamos em frente a várias lojas de souvenirs e eu aproveitei para perguntar por bandeirinhas da França para costurar na minha mochila mas não encontrei em nenhum lugar. Comprei só um par de luvas de lã preta. Eu já devo ter uns três pares mas sempre esqueço de pôr na mochila.

 

Atravessamos para a Île de la Cité pela Pont Neuf. Essa é uma das duas ilhas do rio Sena em Paris (a outra, menor, é a Île de Saint-Louis). Além da Saint-Chapelle, a Île de la Cité também abriga a famosíssima Catedral de Notre-Dame de Paris.

 

A Île de la Cité é o ponto central da cidade, onde surgiu o primeiro povoado que deu origem à Paris no séc. III a.C. Depois, foi ali também que os romanos fundaram Lutetia. A ilha continuou sendo o centro do poder eclesiástico e real francês durante toda a Idade Média, mesmo quando a cidade já crescia em volta, nas duas margens do rio.

 

Hoje a ilha é muito famosa pela Sainte-Chapelle, pela Catedral de Notre-Dame e também pela Conciergerie, um prédio com uma história bastante interessante, mas que não visitamos, ficou para uma próxima vez. A Sainte-Chapelle fazia parte do Palais de la Cité, o primeiro palácio dos reis da França, sendo residência e sede do poder real do séc. X ao séc. XIV e que já não existe mais.

 

Terminada em 1248, pelo Rei Luís IX, futuro São Luís, a razão de sua construção era guardar as relíquias da paixão de Cristo. Hoje a Sainte-Chapelle faz parte do Palácio de Justiça, que também fica na ilha, mas a entrada é separada. O ingresso da Sainte-Chapelle custa 8 Euros (R$20). Já era 13:30 horas quando entramos.

 

Entramos pelo primeiro andar, onde está a chapelle basse (capela baixa). Essa capela era para uso do pessoal do palácio. Por si só ela já seria uma preciosidade. Mas a parte realmente espetacular está no andar de cima. É a chapelle haute (capela alta) toda circundada por vitrais. A capela alta era de uso exclusivo do Rei e de sua família. Só eles podiam ver as relíquias da paixão de Cristo (coroa de espinhos, pregos e pedaços de madeira da cruz). Atualmente as relíquias não estão mais lá e fazem parte do tesouro da Catedral de Notre-Dame de Paris.

 

As relíquias, pertencentes aos Imperadores de Constantinopla desde o séc. IV, foram compradas pelo Rei Luís IX em 1239. Ele pretendia aumentar o prestígio de Paris aos olhos da Europa Medieval e tornar a cidade uma nova Jerusalém, uma segunda capital da Cristandade.

 

Uma das primeira vezes que ouvi falar da Sainte-Chapelle foi quando eu era criança. Meu avô era apaixonado por ela. Mas como ele era um grande admirador da cultura, história e idioma franceses, ele era suspeito para falar. Nunca tinha buscado saber mais sobre essa igreja até planejar essa viagem. No final das contas, meu avô não tinha exagerado. É realmente impressionante.

 

São 15 vitrais enormes que contam, em 1113 cenas, a história da humanidade desde a criação até a ressurreição de Cristo. E são eles a principal atração da Sainte-Chapelle.

 

Em uma Europa Medieval, os vitrais coloridos das igrejas serviam para explicar a religião à uma população praticamente toda analfabeta. Os franceses foram mestres nessa arte e com os vitrais da Sainte-Chapelle e também de outras centenas de catedrais espalhadas pelo país atingiram um nível de perfeição até hoje não igualado. Os vitrais deixam a capela toda iluminada e colorida. Todo mundo fica impressionado quando entra. É até engraçado ver a expressão no rosto das pessoas que chegam à capela alta vindas de baixo.

 

Com certeza a Sainte-Chapelle é um lugar imperdível. É o tipo de lugar que só se conhece pessoalmente. Tiramos muitas fotos mas acho que não existe câmera que consiga captar o que vemos lá, ao vivo. Saímos pelo portão principal do Palácio de Justiça. De lá fomos caminhando até a Catedral de Notre-Dame, que fica ali bem pertinho e é um dos maiores ícones da cidade.

 

No caminho ainda passamos por um mercado de flores e jardinagem. Até a entrada da estação de metrô Cité estava de acordo com o ambiente, toda em estilo art-nouveau. Logo na nossa primeira vista da catedral percebemos que estava acontecendo algo diferente por lá. Nem acreditamos quando vimos que era a Fiesta del Señor de los Milagros!

 

Quando estivemos no Peru, em junho 2009, conhecemos a história da festa religiosa que acontece em outubro na capital, Lima, para saldar o Señor de los Milagros. Nela os fiéis carregam um andor de prata maciça que pesa uma tonelada e tem a figura de Cristo na cruz pelas ruas do centro da cidade. Essa festa é muito tradicional no Peru e reúne milhões de pessoas e o país inteiro para para assistir.

 

Reconhecemos logo por causa das roupas em que o roxo predomina e também, lógico, por causa dos cantos em espanhol. Segundo um peruano me disse lá esse era o exato dia em que a procissão estava acontecendo em Lima também. Aqui a festa é promovida pela comunidade peruana e reúne todos os imigrantes latinoamericanos da cidade. O que não faltava era gente falando espanhol em pleno centro de Paris!

 

A fachada é um trabalho de entalhe em pedras maravilhoso. A estatuária da fachada tinha a mesma função dos vitrais: ensinar a Bíblia aos iletrados. Nessa técnica de entalhe em pedra os franceses também são especialistas. A simetria é quase perfeita. Somente olhando de perto é que vemos algumas diferenças, nos detalhes.

 

Fomos logo visitar a catedral. Não há cobrança de ingresso, mas temos que pagar 5 Euros (R$ 12,50) pelo audioguia em português (o que não deixa de ser um ingresso). Segundo o guia da Lonely Planet, a Catedral de Notre-Dame é monumento mais visitado da França. Achei estranho porque a Torre Eiffel também é muito visitada e pensei que fosse ela…

 

Mas realmente a igreja estava lotada de turistas. A primeira coisa que chama a atenção é o gigantismo. A nave central mede 130 metros de comprimento, 48 de largura e 35 de altura! Depois vem aquela sensação boa de estar em um lugar histórico muito importante. Essa igreja foi o centro do catolicismo da França (um dos mais importantes países católicos do mundo) durante sete séculos.

 

A construção desta catedral, obra-prima da arte gótica, começou em 1163 e prolongou-se até o séc. XIV. No lugar onde ela foi construída também já estiveram outros templos, pagãos e cristãos. Portanto, esse lugar é considerado sagrado há muito tempo. Os vitrais da catedral também são muito famosos. São reconhecidamente dos mais bonitos do mundo.

 

A Catedral de Notre-Dame foi pioneira em muitas técnicas e inspirou a construção de várias outras catedrais góticas pela França. Aliás, a importância dessa igreja deriva muito desse fato. Com o crescimento e enriquecimento das cidades, as instalações religiosas (monastérios, abadias e conventos) antes instalados pelo interior, passaram a perder importância como centros difusores da fé e as grandes catedrais passaram a ser construídas nas cidades, como símbolos do poder da Igreja e dos devotos urbanos endinheirados. Nesse processo, a Catedral de Notre-Dame de Paris foi pioneira.

 

Muito famoso também é o entalhe em madeira que rodeia o altar-mor. Nele é apresentada toda a vida de Jesus. Muito bonito.

 

Uma das partes mais interessantes dessa visita é o tesouro da catedral. Nenhuma catedral europeia na Idade Média se prezava sem guardar as relíquias de algum santo da Igreja, objetos litúrgicos de luxo e joias.

 

Além desses objetos, a Catedral de Paris foi mais longe, possuindo as relíquias da paixão de Cristo. Há quem acredite nisso e há quem diga que a origem dos objetos é questionável, mas a Igreja afirma que a coroa de espinhos, os pregos da crucificação de Jesus e pedaços de madeira da cruz estão guardados lá.

 

Como eu já disse, inicialmente essas relíquias estavam na Sainte-Chapelle, que foi mandada construir só para guardá-las. Hoje elas estão aqui na Notre-Dame. Pagamos mais uma pequena taxa de 3 Euros (R$ 7,50) para ver o tesouro. Com certeza absoluta vale a pena. O único problema é que nem sempre as peças estão em exposição direta. A coroa, por exemplo, nós não vimos pois ela estava dentro de um dos relicários (há dois relicários só para ela). Já o prego e o pedaço de madeira da cruz ficam expostos o tempo todo pois há uma parte do relicário deles que é de vidro e dá para ver.

 

Saímos da Catedral de Notre-Dame impressionados. O tempo já estava bem melhor, sem tanto frio e com o céu bem mais aberto que de manhã. Resolvemos pegar o metrô e aproveitar o resto do dia para subir no Arco do Triunfo e ver o pôr-do-sol de Paris lá de cima.

 

Chegamos na estação Charles de Gaulle-Étoile, que fica em baixo do Arco, bem em cima da hora. Estava começando a escurecer. O Arco do Triunfo, além de ser um dos maiores ícones da cidade, é também um importante monumento nacional francês.

 

Napoleão mandou construir o Arc du Triomphe em honra às glórias conquistadas pelo Grande Exército Francês que, na época, era imbatível na Europa. O monumento demorou 30 anos para ficar pronto, começando em 1806 e só terminando em 1836.

 

As esculturas nas fachadas do arco são monumentais. Nas paredes dentro do arco estão gravados os nomes de todas as batalhas e dos comandantes militares franceses que lutaram na Revolução e nas seguintes guerras napoleônicas.

 

Até hoje o Arc du Triomphe é um ponto de manifestações públicas e cívicas na França. Foi desfilando por ele que o exército da resistência francesa comemorou a libertação da França dos nazistas em 1944.

 

Sob o arco, no chão, está sepultado o corpo do Soldado Desconhecido, morto na Primeira Guerra Mundial. Seu corpo representa todos os homens que morreram pela pátria em todas as guerras. Ali também está a chama que nunca se apaga e todos os dias do ano é reavivada por uma das 900 associações de ex-combatentes franceses em uma cerimônia que ocorre sempre às 18:30 horas. Também podemos ver uma placa com o discurso do General Charles de Gaulle transmitido de Londres dia 18 de junho de 1940, convocando os franceses a se unir à Resistência Francesa por ele comandada a partir do exílio e combater os nazistas que ocupavam Paris e grande parte da França.

 

Compramos os ingressos, que custam 9,50 Euros (R$ 23,75), na bilheteria subterrânea e fomos subir. As filas são grandes mas andam rápido. O detalhe é que o elevador estava parado e tivemos que subir de escada mesmo. E é alto, muito alto. São 284 degraus até o topo! Deixamos para ver a sala interna depois e fomos logo ao topo do monumento. Lá, a vista faz o esforço da subida ser recompensado.

 

Do alto do Arco do Triunfo podemos ver toda Paris. A vista é muito bonita. Vimos a noite chegar lá em cima, alaranjando os céus da cidade luz.

 

Quando descemos, vimos que a sala dentro do Arco do Triunfo é só para receber os ramos de bronze ofertados por autoridades em homenagem ao Soldado Desconhecido, além de uma pequena exposição sobre o monumento. Ah, e para quem está apertado, tem banheiros também.

 

Já escuro, era hora de descansar. Pegamos o metrô e voltamos para o hotel. Antes, passamos no Franprix da Bd. Haussmann e compramos baguetes e patê de fois gras para comer no quarto mesmo. Não tínhamos comido quase nada nesse dia, mas estávamos muito cansados para procurar um restaurante.

 

No outro dia já tínhamos programação. Íamos a Montmartre, o famoso bairro artístico e boêmio da cidade.

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Vigésimo segundo dia. Domingo, 23 de outubro de 2011.

 

O dia estava bem melhor que o anterior, com céu azul e temperatura agradável, sem aquele gelo da véspera. Nosso plano inicial era ir à Montmartre e, de tarde, considerando esse tempo bom que fazia, subir a Torre Eiffel.

 

Saímos outra vez sem tomar café pois já estava um pouco tarde. É inevitável a essa altura da viagem já não conseguirmos acordar tão cedo, mesmo não indo dormir tarde na noite anterior. Pegamos o metrô na Richelieu-Drout, a estação mais perto do nosso hotel, e descemos na estação Pigalle (linha 12). Era domingo e as ruas de Montmartre estavam bem movimentadas. Ali vimos que o bairro é bastante turístico. Há muitas lojinhas, lugares para comer, famílias e turistas passeando. Em uma loja de souvenirs de Montmartre consegui achar uma bandeira da França para costurar na minha mochila. Fomos caminhando por essas ruas movimentadas do bairro até avistar a Basílica do Sacré Coeur.

 

O nome do bairro vem dos mártires cristãos que foram torturados e mortos naquele monte no início do Cristianismo. Saint Denis, que foi bispo de Paris e é o padroeiro da França, foi decapitado ali no ano de 250 d.C. Em 1534, Santo Inácio de Loyola e São Francisco Xavier fundaram ali a Companhia de Jesus, grande ordem religiosa cujos membros são conhecidos por Jesuítas e se espalharam pelo mundo.

 

Entretanto, o lugar ficou famoso mesmo só no séc. XIX e início do séc. XX, quando era palco da vida noturna mais agitada de Paris, com inúmeros restaurantes, cafés e cabarés. Essa imagem de Montmartre como bairro boêmio e festeiro se perpetua até hoje. Naquela época, por ser um vilarejo fora de Paris, sem ter que pagar os impostos da cidade, com aluguéis mais baratos que os do centro e com produção de vinho pelos conventos locais, Montmartre tornou-se o bairro dos artistas. Muitos deles ficaram famosos e tornaram Paris o centro de uma vanguarda artística que até hoje é muito cultuada. Monet, Cézanne, Degas, Pissarro, Matisse, Renoir, Van Gogh, Picasso, Modigliani e, claro, Toulouse-Lautrec, o pintor dos cabarés, foram alguns dos que frequentaram o bairro durante aquela época.

 

No ponto mais alto do monte, a basílica, toda em mármore branco, se destaca no céu azul. A escadaria e os gramados até lá estavam lotados. Muita gente aproveita para pegar sol.

 

A Basililique du Sacré Coeur (Basílica do Sagrado Coração) foi construída entre 1875 e 1914 com dinheiro de doações dos católicos parisienses. O estilo arquitetônico tem influências românicas e bizantinas e as cúpulas são os elementos que chamam mais atenção. A cúpula central tem 80 metros de altura. Diz-se que a ideia de construir a igreja surgiu como uma forma de expiação dos pecados do povo francês em um período em que a auto-estima deles estava abalada após a derrota na guerra franco-prussiana de 1870-1871.

 

Subimos os 234 degraus e entramos na Basilique du Sacré Coeur. A entrada é gratuita. Em fila, a multidão de visitantes caminha devagar pelos corredores laterias da basílica.

 

Ali, sentados nos bancos da igreja, eu e a Dani vimos uma cena chocante. Um rapaz franzino, de uns vinte anos no máximo, foi abordado aos gritos por um funcionário da igreja (pelo menos eu acho que era um funcionário). O homem segurou no braço dele e, aos gritos e chamando a atenção de todo mundo, disse que ele não podia tirar fotos. Achamos até que ele ia bater no rapaz. Sacudindo o rapaz pelo braço ele ordenou que as fotos fossem apagadas e ficou mexendo na máquina dele para se certificar de que ele tinha apagado tudo.

 

Demoramos para entender o que estava se passando. Primeiro porque o rapaz, que ficou muito assustado, estava sendo bastante discreto. Tanto que ele estava sentado no banco em frente ao nosso e nós nem percebemos que ele estava tirando fotos. Segundo porque não podíamos imaginar que toda aquela cena era só porque ele estava tirando fotos.

 

Eu também já tinha tirado fotos da igreja logo que entramos e estava com a máquina na mão. Depois que ele soltou o rapaz, veio para cima da gente dizendo que queria ver a minha máquina. Eu guardei minha máquina no bolso do casaco, chamei a Dani, virei de costas e fomos embora, deixando ele gritando lá igual um desequilibrado.

 

Mesmo sendo proibido tirar fotos no interior da igreja (só vimos placas avisando depois, quando já estávamos saindo), achei o comportamento do funcionário completamente inadequado. Não estava havendo missa e quase todo mundo ali era visitante, a maioria provavelmente era católico e não teria interesse nenhum em desrespeitar a igreja. Com certeza mais desrespeitoso com o local foi o tom de voz e a violência com que o funcionário tratou um visitante.

 

Aliás, essa política de fotos é uma coisa interessante. Já cheguei a visitar lugares em que tirar fotos era proibido, a não ser que se pagasse uma taxa a mais. Em outro lugar não se podia tirar fotos pois o flash danificava as obras, mas a luz do sol que vinha da janela aberta e batia diretamente nas pinturas estranhamente não. Até acho que deve haver realmente um controle com as fotos pois tem gente que abusa e os ambientes acabam ficando meio bagunçados, mas acho um exagero abordar um visitante agressivamente, seja qual for o motivo.

 

Enfim… regras são regras e devemos respeitá-las. Aconselho a todos a não tirarem fotos no interior da Basílica de Sacré Coeur (para evitar serem mal tratados). Até porque a basílica é muito bonita mas, sinceramente, acho que mais por fora do que por dentro.

 

Pois bem, saindo da igreja, fomos comer. Já era mais de meio-dia e ainda não tínhamos comido nada. Ali por perto da igreja não achamos nenhum restaurante, mas encontramos um café que era um local bem turístico mas, como não queríamos procurar outro, ficamos por lá mesmo.

 

As mesas eram ao ar livre, com vista para a igreja. Compramos saladas, sanduíches, bolinhos e refrigerantes. Estávamos comendo quando um casal de americanos muito simpáticos, na faixa dos sessenta anos, perguntou se nos incomodávamos se eles sentassem conosco pois não havia outra mesa vaga. Nós respondemos que não e convidamos eles a sentar.

 

Eles eram de Seattle, extremo oeste americano. Conversamos sobre Paris e sobre os programas para se fazer na cidade. Eles concordaram com a gente que a cidade é incrível. Como sempre ocorre quando conversamos um pouco mais com estrangeiros, eles perguntaram sobre o Brasil.

 

Invariavelmente eles pensam que vivemos no país das maravilhas, onde tudo funciona. A crise que eles estão passando faz eles pensarem que pode ser até melhor viver no Brasil. Não têm nem ideia de quanto a nossa qualidade de vida é ruim, os salários são baixos, o custo de vida é alto e do quanto somos deficitários em setores básicos como as escolas, o sistema de saúde, a segurança pública, o saneamento… Eles ficaram surpresos ao saber que a nossa cidade, Belém, com mais de dois milhões de habitantes, não tem outro sistema de transporte a não ser ônibus e que a passagem é cara e o serviço é péssimo. Ficaram mais surpresos ainda quando dissemos que praticamente só São Paulo tem um sistema razoável de metrô e, mesmo assim, deficitário perto das necessidades.

 

Nos despedimos e continuamos para ver o que tínhamos programado. Nosso primeiro objetivo marcado no guia era o Espace Dalí.

 

Esse pequeno museu expõe obras do grande mestre surrealista Salvador Dalí. Aliás, ele reúne a maior coleção de Dalí na França. São mais de 300 obras, entre esculturas, gravuras e pinturas!

 

Íamos visitar o Museu Dalí em Londres mas acabou que não tivemos tempo. Por sorte viemos a este museu aqui em Paris, apesar de nem ser um museu muito divulgado. Para quem gosta do trabalho deste gênio-louco, como nós, é imperdível.

 

A loja também é muito interessante e têm muitas recordações estilizadas da obra dele. Para quem gosta de Dalí (e tem muito dinheiro, claro) há também obras originais à venda. Para nós, pobres mortais, está de bom tamanho pagar os 10 Euros (R$ 25) do ingresso. Passamos um pouco mais de meia hora dentro do Espace Dalí. Vale muito a pena. Ah, e aqui é permitido tirar fotos!

 

Do Espace Dalí seguimos para a Place du Tertre, que fica bem pertinho do museu e bem ao lado da Basílica. Essa pracinha é o coração de Montmartre, cercada por restaurantes e cafés lotados, com muita gente passeando e muitos artistas expondo e até fazendo suas obras ali mesmo, ao vivo. Lembro de ter crescido vendo uns quadrinhos com aquarelas feitas aqui em Montmartre. Minha mãe ganhou esses quadrinhos do meu avô quando vieram à paris em 1970!

 

A temática das obras é quase sempre a mesma: Paris. E nem precisava ser outra. Cenas do cotidiano, os famosos monumentos, o estilo de vida, o glamour de uma cidade que ditou moda durante tanto tempo e influenciou o mundo todo.

 

É preciso parar para pensar que na época em que esses quadrinhos se tornaram populares entre os visitantes da cidade e fonte de renda para vários artistas instalados em Montmartre não existia a facilidade da câmera fotográfica portátil. Quem quisesse uma recordação de sua passagem por Paris tinha que comprar pinturas ou cartões postais. Mesmo depois, com as máquinas a filme, o número de fotos que as pessoas podiam tirar era muito limitado. Imagina passar trinta dias viajando e só tirar 36 fotos e depois de pagar uma verdadeira fortuna para revelar, ficar sabendo que algumas não ficaram boas! E isso nem faz tanto tempo. Quando eu era pequeno era assim.

 

E o incrível é que mesmo hoje, com a facilidade das máquinas digitais, tirarando quantas fotos quisermos e vendo se ficaram boas na hora, essa arte de rua de Montmartre ainda é muito valorizada. Achamos os quadrinhos bem caros. Os pequenos estavam na faixa dos 50-70 Euros (R$ 125-175) e os grandes facilmente chegavam a 300 Euros (R$ 750)!

 

Da Place du Tertre fomos para a parte baixa de Montmartre, descendo a íngreme escadaria da Rue Foyatier, por onde também passa o funicular, um elevadorzinho que leva as pessoas até a base da Basílica do Sacré Coeur. Não pegamos, mas é uma boa para quem quer evitar as escadas ou tem dificuldades de locomoção. se eu não me engano custa o mesmo que uma passagem de metrô.

 

Um dos maiores achados foi uma confeitaria sensacional, La Cure Gourmande, que fica na Rue de Steinkerke, perto da estação Anvers do metrô. A variedade de biscoitos (que é o forte deles), chocolates e doces é enorme. Interessante é que a ideia de resgatar as receitas artesanais e tradicionais francesas parece estar dando certo. Eles já possuem várias lojas em Paris, no interior da França e também no exterior. Gastamos uns 12 Euros (R$ 30) comprando um de cada para provar.

 

Apesar de fazer parte do passeio, deixamos de visitar a parte de Montmartre e do bairro vizinho de Pigalle onde está localizado o distrito vermelho de Paris com vários sex shops, boates e os famosos cabarés (vou ficar devendo a foto do Moulin Rouge).

 

Resolvemos então ir para a Torre Eiffel ver o panorama lá do alto. Pegamos o metrô na estação Anvers e seguimos pela linha 2, trocamos para a linha 6 e descemos na estação Bir-Hakeim, nas margens do Sena. Fomos caminhando pelas margens do rio e vendo como um dia bonito faz toda a diferença. Ancorados às margens do Sena, muitos barcos particulares bem bacanas, que pareciam casas flutuantes.

 

Chegando lá vimos que não tinha condição de subir. As filas estavam enormes e tinha uma multidão aos pés da torre. Também não era para menos. Além do dia bonito, era domingo, o pior dia para se visitar um monumento famosos como esse. Deixamos a Torre Eiffel para um outro dia e resolvemos então fazer o tal passeio de barco pelo Sena. Às margens do rio, à altura da torre, está uma das maiores empresas desses passeios, a Vedettes de Paris.

 

O bilhete custa 12 Euros (R$ 30). Quando compramos nos iludimos achando que era só comprar e embarcar. Ledo engano. Ficamos uma hora e meia na fila esperando! Quando embarcamos já era mais de 5 horas da tarde. O passeio dura meia hora e faz uma ida e volta no rio, começando e terminando no mesmo ponto perto da Torre Eiffel.

 

Ficamos no teto do barco e há um locutor que explica os lugares por onde passamos em francês e em inglês. O problema é que o leito do rio é baixo e não vemos muito dos prédios e monumentos que estão nas margens. Fora que o barco é um pouco rápido, meio estilo “temos que voltar logo para trazer mais uma galera”.

 

Eu e a Dani temos um pouco de aversão a pacotes, city tours e coisas do gênero. Em geral só usamos quando não há outra opção. Sempre preferimos fazer tudo por conta própria, usar transporte público, andar à pé… procurar viver como as pessoas da cidade vivem, sem o artificialismo dos serviços turísticos de massa. Resolvemos dar uma chance ao passeio de barco pelo Sena. Ao fim foi só para confirmar a nossa concepção. Nada contra quem gosta, mas se um dia eu voltar à Paris (o que é um plano) acho que não farei esse passeio outra vez. Prefiro mil vezes fazer uma caminhada pelas margens e ver tudo por conta própria, no meu ritmo.

 

Desembarcamos e já era fim da tarde. Pegamos o metrô na estação École Militaire e voltamos para o hotel. Comemos os queijos e pães que tínhamos e fomos arrumar nossa bagagem. Tínhamos que acordar cedo nessa segunda-feira para começar nosso roteiro de cinco dias pelo interior da França. O domingo tinha sido proveitoso e a nossa semana prometia muito mais.

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Acompanhando seu relato! Ótimo como sempre =D

Gosto muito das suas fotos (eu também acompanho no blog) e como você dá vários detalhes interessantes sobre os lugares, acaba criando uma curiosidade maior a respeito deles do que eu já tinha a princípio.

Ansiosa pelo restante!

 

Oi Amanda

 

Obrigado. É bom saber que tem gente acompanhando!

 

Pode deixar que eu vou escrever até o fim. Já tem um post novo. Daqui a pouco eu publico aqui.

 

Abraço

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Vigésimo terceiro dia. Segunda-feira, 24 de outubro de 2011.

 

Acordamos cedo e foi só o tempo de tomar banho, comer uns queijos e pães que tínhamos no quarto, dar uma última olhada para ver se não estávamos esquecendo nada, pegar a bagagem e descer. Fizemos o check-out na recepção e pegamos o metrô rumo à Gare du Nord. Apesar de termos ido para a Gare du Nord, não íamos pegar o trem. É que foi lá onde escolhemos retirar o carro que locamos para fazer nossa viagem de cinco dias pelo interior da França.

 

Lógico que tivemos que restringir bastante o roteiro mas, no fim das contas, até que chegamos a um bom itinerário. Íamos ao Vale do Loire (Château de Chambord, Amboise, Château de Chennonceau e Tours), à Bretanha (Saint-Malo) e à Normandia (Mont Saint-Michel, Rouen e os Jardins de Monet à Giverny) voltando para Paris em um roteiro circular, sem longas distâncias entre um ponto e outro. O roteiro completo dessa viagem, com mapa, está aqui.

 

Até esse dia eu nunca tinha dirigido fora do Brasil. Nas cidades que eu visito dou preferência para transporte público ou andar à pé e para viagens entre as cidades prefiro usar ônibus ou trem. Sempre tive um pouco de receio de me envolver em um acidente no exterior e acabar transformando a viagem em um inferno…

 

Mas, durante o planejamento dessa viagem, eu e a Dani vimos que seria muito complicado conhecer o que queríamos viajando de trem ou ônibus. Muitas das atrações (castelos do Vale do Loire, Mont Saint-Michel, Jardins de Monet à Giverny) ficam fora das cidades e arranjar transporte para lá tornaria tudo mais difícil, demorado (não tínhamos muito tempo), desconfortável (pois teríamos que ficar carregando as bagagens) e talvez até mais caro do que se alugássemos um carro.

 

Para completar, a maioria dos relatos que lemos na internet foi de pessoas que foram aos lugares que íamos de carro alugado e todas recomendavam isso. Aí acabei me convencendo de que era a melhor forma mesmo.

 

Além das carteiras de habilitação brasileiras, eu e a Dani tiramos também a Permissão Internacional para Dirigir, que serve para vários países. O processo é simples. É só imprimir o boleto bancário no site do DETRAN, pagar e esperar a permissão chegar pelo correio. É bom conferir os prazos e tirar com bastante antecedência.

 

Há várias locadoras de carro na Gare du Nord e os carros ficam guardados no estacionamento da própria estação. Fizemos a reserva pela internet ainda no Brasil. Escolhemos a Europcar, que estava com o melhor preço, fora que o site é organizado e para reservar não temos que pagar nada antes, só na hora.

 

Depois de demorar para encontrar as locadoras de carro na estação e esperar um pouco para sermos atendidos, assinamos o contrato e recebemos as chaves. Alugamos por seis diárias um Polo grafite novinho (com menos de 3.500 km rodados), um modelo mais recente do que o que roda no Brasil, a diesel, com GPS e tanque cheio, por 304,98 Euros (R$ 762,45). Foi o mais barato que encontramos sem que fosse aqueles micro carrinhos.

 

Descemos para o estacionamento, guardamos a bagagem e ligamos o GPS. Como perdemos um bom tempo em todo este processo de sair do hotel, pegar o metrô e alugar o carro, não queríamos mais nos atrasar pois o dia seria comprido. Nosso plano era visitar o Château de Chambord e seguir para dormir em Amboise. O problema foi que o GPS resolveu não colaborar. Quando ligamos ele ficou muito lerdo. Achamos que era porque estávamos no subsolo. Saímos da Gare du Nord totalmente sem rumo pois o GPS ainda estava se encontrando.

 

O carrinho do GPS estava sempre atrasado. Quando ele dizia que tínhamos que dobrar, o cruzamento já tinha passado. Isso quando não era em um cruzamento desses estrelados, cheios de ruas, e ele dizia para dobrar mas não sabíamos em qual das opções! Aí, na hora de refazer a rota, o mapa ficava rodando indefinidamente e eu tinha que ficar dirigindo sem rumo no meio do trânsito pesado de Paris pois não encontrava um lugar para estacionar e não podia parar no meio da rua. Ficamos rodando em círculos pelas ruas próximas à Gare du Nord. Me senti o Chevy Chase no filme Férias Frustradas na Europa!

 

Já estávamos achando que o GPS não prestava (a marca era Tomtom) e que estávamos ferrados pois sem GPS eu não saberia dirigir nas estradas, completamente sem mapas! A essa altura eu já estava esculachando a Dani, dizendo que a culpa era dela por ter inventado de alugar carro, e ela estava rezando para a porcaria do GPS funcionar.

 

Foi aí que encontramos uma rua mais tranquila onde pude estacionar. Ficamos parados um tempinho até parecer que o GPS estava correto. Aí saímos e pronto, tudo resolvido, ele resolveu trabalhar! Depois ficamos sabendo que isso é normal. Provavelmente o aparelho estava atrasado e confuso porque ficou desligado por muito tempo e precisou refazer a rede de satélites de onde ele busca a nossa localização.

 

Pois bem, seguimos pelas margens do Sena para pegar a estrada. O trânsito é muito pesado na saída da cidade. Quando finalmente chegamos à rodovia ficou muito melhor. Perto de Paris são quatro pistas para ir e quatro para voltar. As estradas são perfeitas. Aliás, esse comentário é meio óbvio pois todo mundo já ouviu falar que as rodovias europeias são excelentes. Mas o que as pessoas não dizem é que lá também tem pedágio. E muitos. Só nesse primeiro dia de viagem acho que passamos por uns dois. E eles nem sempre são baratos. As tarifas variam muito. Ao longo desses cinco dias que circulamos pelas rodovias francesas pagamos pedágios de 3 euros (R$ 7,50), 7 Euros (R$ 17,50), 10 Euros (R$ 25) e até 13 Euros (R$ 32,50)!

 

Uma coisa que também não se ouve muito é o fato de que as grandes rodovias lá não passam no meio das cidades como aqui no Brasil. Para acessar uma cidade temos que pegar um das saídas. E se perder a saída, aí sim complica um pouco pois é difícil retornar (daí a importância do GPS).

 

As estradas têm muitos recuos, que lá eles chamam de aire. Sempre quando chegamos perto de um, as placas informam o que está disponível lá (restaurante, banheiro, hotel, posto de gasolina…). Alguns não têm nada, só banheiros e uma área aberta para os carros e caminhões estacionarem fora da pista, em um lugar seguro para passar a noite. Quanto mais longe de Paris, melhor o trânsito, mas dificilmente a estrada fica completamente deserta. Quando saímos das rodovias e entramos nas estradinhas menores aí fica mais tranquilo. Elas continuam sendo excelentes, mas não são duplicadas.

 

Durante a Idade Média, a região do Vale do Loire (Vallée de la Loire), um dos principais rios do país, foi palco de intermináveis batalhas entre dinastias pelo domínio do Reino da França e também pela sucessão do trono da Inglaterra. Essas batalhas se alongaram do séc. XI ao séc. XV, desembocando na Guerra dos Cem Anos (1340 a 1453) e nos grandes feitos dos exércitos comandados por Joana D’Arc.

 

Ao longo desses séculos os nobres mais poderosos da França foram se instalando na região do Vale do Loire e erguendo seus castelos como fortalezas militares. Isso fez as cidades de Orléans, Blois, Amboise, Tours, Angers e Nantes, as principais do Vale do Loire, se tornarem cidades importantes para todo o reino. Por isso a região tem um enorme significado para o sentimento nacional.

 

Mas foi com a pacificação da região e a chegada do Renascimento que o Vale do Loire conheceu seu auge. Em 1461, o Rei Luis XI transferiu a capital do reino para Tours, uma das principais cidades do Vale do Loire. A capital permaneceu lá até 1594 quando Henrique IV transferiu a capital de volta à Paris. Durante esse período os antigos castelos foram tomando forma de palácios e outros castelos foram erguidos pelo rei e sua corte já sob a estética renascentista dos artistas e artesãos italianos trazidos por eles para a região. Dentre esses artistas, o maior de todos eles, Leonardo da Vinci.

 

E foi para ver as paisagens dessa região e alguns dos mais de 300 castelos do Vale do Loire que fomos até lá. Durante nossa pesquisa, foi dureza escolher entre tantos castelos, um mais bonito que o outro e com jardins igualmente fantásticos, os que iríamos visitar. É impossível conhecer tudo, ainda mais em uma só viagem de poucos dias.

 

Essa tradicional e histórica região, conhecida na França por Vallée de la Loire, está dentro de duas regiões administrativas francesas, a região Pays de la Loire e a região Centre. A Unesco conferiu o título de Patrimônio da Humanidade a somente uma parte da região tradicional, denominando-a Val de Loire. Chambord fica a exatos 200 km a sudoeste de Paris. Depois que entramos no Parc de Chambord ainda rodamos meia hora lá dentro, por estradas que cortam os bosques, até chegar ao castelo. Quando estacionamos, depois de mais de duas horas de viagem, já era 13:30.

 

A cidade do Vale do Loire mais próxima do Castelo de Chambord é Blois, que fica a 15 km de distância, é a parada do trem que vem de Paris e de onde saem os ônibus rumo ao castelo. O estranho é que no caminho inteiro nós não vimos nenhum ônibus trazendo visitantes. No estacionamento também só vimos carros de passeio. O estacionamento é enorme e custa 3 Euros (R$ 7,50) por dia. Deixamos a bagagem no carro e fomos logo ver a fachada principal do castelo.

 

O Château de Chambord é o maior e mais visitado castelo do Vale do Loire e um dos melhores exemplos da arquitetura renascentista francesa. Sua construção foi iniciada em 1519 pelo Rei Francisco I. Concebido para ser uma estância de caça real, o castelo se tornou um dos mais ambiciosos e caros projetos já postos em prática por um rei francês.

 

Francisco I teria conhecido de perto a arquitetura renascentista italiana durante os combates para recuperar parte do território da atual Itália que pertencia ao Reino da França e que foi perdido pelo seu antecessor, Luis XII.

 

Depois de algumas fotos em frente ao castelo, do outro lado do fosso que passa em frente, fomos comprar os ingressos para entrar. Cada ingresso custou 9,50 Euros (R$ 23,75). Há também audioguias (4 Euros/R$ 10) disponíveis em várias línguas, inclusive português, mas não pegamos.

 

Por dentro o castelo é também muito bonito e, claro, luxuoso. Em um panfleto que peguei na recepção estavam os colossais dados do castelo. Distribuídos pelos três andares estão 426 ambientes, 77 escadas e 282 lareiras! Os cômodos e corredores são absurdamente espaçosos. O teto é sempre bastante alto.

 

A parte mais interessante do interior é sem dúvida a escadaria de dupla hélice que fica bem no centro do prédio principal e leva aos três andares. São como duas escadas em espiral entrelaçadas de modo que se uma pessoa descer e outra subir, cada uma por uma das escadas, elas não se encontram no caminho. A engenhosidade dessa escada é atribuída a ninguém menos que o próprio Leonardo da Vinci, que a teria projetado por encomenda de Francisco I. Da Vinci estava na França desde 1515, a convite do rei.

 

A capela do castelo foi iniciada por Francisco I, mas só foi terminada no reinado de Luis XIV. É o maior cômodo do castelo. Muitos dos cômodos apresentam uma decoração mais atual que a do séc. XVI, época da construção. É que com o tempo o castelo foi se adaptando aos gostos e comodidades de cada época e dos seus moradores. O Château de Chambord serviu de estância de caça para vários reis, entre eles Luis XIV, e também residência oficial de um marechal do exército francês, de um rei polonês deposto e de um duque de origem italiana.

 

O seu construtor, Francisco I, esteve no castelo apenas por cerca de 50 dias durante todo o seu reinado de mais de 30 anos, em curtas estadias de caça.

 

O Château de Chambord foi feito para ser pouco usado mesmo. Suas grandes janelas e seu teto alto, influências do Renascimento Italiano, não eram muito adequados ao frio da França central pois tornavam o castelo difícil de aquecer. Além disso, como não havia nenhuma cidade por perto, para ir para lá o rei tinha que levar tudo que ia precisar, inclusive a mobília, para ele e para as cerca de duas mil pessoas que iam junto entre nobres e serviçais.

 

Do alto dos telhados temos uma vista de todas as redondezas. O Parc de Chambord que fica em volta do castelo tem 52 km². Até onde podemos ver só há floresta que, nessa época do ano, está com as cores do outono.

 

Apesar de toda a história de ostentação, o Château de Chambord também viveu vários períodos de decadência. No maior deles chegou a ficar oitenta anos seguidos completamente abandonado, sem qualquer morador, uso ou manutenção. Desde 1930 o castelo é propriedade do Estado francês, sendo que sua mais profunda reforma se deu depois da Segunda Guerra Mundial. Hoje o castelo é uma das maiores atrações turísticas do país.

 

Antes de sair ainda passamos na lojinha onde eu comprei alguns cartões postais do castelo para a minha coleção (3,80 Euros/R$ 9,50).

 

Já era mais de quatro horas da tarde quando resolvemos ir almoçar. Estávamos com muita fome pois praticamente não tínhamos comido nada o dia inteiro. Lá mesmo, ao lado do castelo, há uma espécie de vila cheia de restaurantes e cafés. Já tinha passado da hora do almoço, mas um deles ainda estava servindo. Entre as várias opções escritas em um quadro com giz, escolhemos a lasagne à la bolognesi que vinha acompanhada de fatias de pão e salada verde.

 

Pegamos uma mesa em meio às árvores e, enquanto a moça preparava tudo, tomamos uns refrigerantes para enganar. Não demorou e o nosso almoço chegou, junto com meia jarra (demi pichet) de vinho tinto. Ainda pedimos dois crêpes e um sorvete de sobremesa. É incrível como até as comidas mais simples são deliciosas na França. Nesse país se come muito bem. Tudo saiu por 44 Euros (R$ 110).

 

Com a barriga forrada, fomos outra vez ao ponto de observação do outro lado do fosso, que fica bem em frente ao castelo. Parece que tudo foi pensado para impressionar, não só pela grandeza, mas pelo requinte e imponência. É um dos monumentos mais bonitos que eu já visitei, uma verdadeira preciosidade.

 

O fosso cheio de água em frente nunca teve funções de defesa. Aliás, pelo que lemos durante a visita, o Château de Chambord nunca foi fortificado para resistir a ataques. Todos os elementos têm apenas funções decorativas. As assimétricas estruturas do telhado, por exemplo, têm o objetivo de se assemelharem à silhueta de uma cidade.

 

A pedra calcária clara usada na construção desse e de vários outros castelos do Vale do Loire, coberta pelos telhados cinzas com torres pontudas faz o cenário parecer de mentira. Vale muito a pena visitar Chambord. Quem quiser outras informações pode dar uma olhada no site oficial do Domaine National de Chambord.

 

Por volta das 5 e meia da tarde deixamos Chambord com destino a Amboise. Ainda estava claro, mas tínhamos que seguir pois ainda tínhamos mais 50 Km pela frente. No caminho, passamos por Blois. A cidade parece muito bonita e com certeza é maior que Amboise. De Blois até Amboise a estrada margeia o rio Loire o tempo todo. Chegamos em Amboise já quase seis e meia da tarde e fomos logo para o hotel.

 

Escolhemos o Hôtel Le Choiseul, localizado bem na avenida que beira o rio. Paramos o carro no estacionamento do hotel e vimos que o lugar era requintado, com jardins bem cuidados, esculturas e fontes. Ao entrar fomos recebidos por um funcionário bem vestido, muito educado e simpático. Ele até elogiou meu francês! Como íamos passar somente um dia em Amboise, escolhemos esse que parecia ser o melhor hotel da cidade. A mobília e a decoração eram impecáveis. Tudo novinho e de muito bom gosto. Tínhamos feito a reserva de um quarto clássico, ao preço de 146 Euros (R$ 365).

 

Para nossa surpresa, o recepcionista disse que como eles tinham disponibilidade, ele ia nos colocar em uma suite superior, sem cobrar nada a mais por isso, e apontou para a tabela de preços. Simplesmente a diária do quarto que ele nos colocou custava 320 Euros (R$ 800), mais do que o dobro do que pagamos! E esse era o nosso segundo upgrade da viagem! O primeiro tinha sido em Londres.

 

Quando entramos no quarto ficamos até emocionados. Era fantástico! A cama era gigante e muito macia e a decoração muito bonita, com as paredes forradas em tecido. Decidimos deitar para tirar um cochilo e um pouco mais tarde sair para ver Amboise à noite e comer alguma coisa. Esse era o plano. O problema é que estávamos tão cansados e a cama era tão boa que só acordamos no outro dia!

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kkkkk que coisa chata! Mas enfim, viajar normalmente é cansativo, uma viagem da duração da sua, já imagino que vá chegando a noite e a única coisa que a gente quer é uma cama confortável pra deitar e apagar.

 

Adorei o Château de Chambord, até queria incluir o Vale do Loire no meu roteiro, mas não vai dar, vai ter que ficar pra próxima! Mas quando for pretendo alugar carro também, cheguei a pesquisar o transporte de Paris pra lá e me pareceu um pouquinho confuso, acho que prefiro a garantia de poder chegar e sair na hora que quiser.

 

Ansiosa pelo restante :D

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  • 2 semanas depois...
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Vigésimo quarto dia. Terça-feira, 25 de outubro de 2011.

 

O sono foi revigorante. Esse hotel de Amboise foi um dos melhores que já ficamos. E o melhor é que, como dormimos cedo, não acordamos tão tarde.

 

Ao abrir a janela tivemos uma vista fantástica do pátio do hotel. De um lado o Château de Amboise. Do outro o rio Loire. O Le Choiseul faz parte de uma rede de hotéis de luxo franceses, geralmente instalados em castelos e edifícios históricos, a Grandes Etapes Françaises. Aliás, vi em um livreto no quarto que dentre os hotéis da rede esse aqui de Amboise parece ser um dos mais simples. Mas para mim já está bom demais!

 

Tomamos banho, arrumamos as coisas e descemos para tomar café. O café da manhã do Le Choiseul é uma coisa fora de série. A variedade e a qualidade de tudo é acima da média. Eu e a Dani éramos os mais jovens do hotel. A maioria dos hóspedes estava torrando o dinheiro da aposentadoria (sem dúvida, principalmente pelo preço, esse hotel não é um dos preferidos dos mochileiros!). Comemos tanto e tão bem nesse café da manhã que nem vimos o tempo passar. Depois demos uma volta pelos jardins do hotel e subimos para pegar as coisas e fazer o check-out.

 

O recepcionista fez tudo para a gente ficar mais um dia. Disse que poderíamos ficar no mesmo quarto que já estávamos pois ele estava disponível. Interessante a tática deles. Nos dão um upgrade na chegada e depois oferecem para continuarmos no quarto, pagando o preço real dele (320 Euros/R$ 800 a diária!) e não o do quarto que originalmente reservamos (146 Euros/R$ 365). E olha que quase eles nos convencem! Eu agradeci a gentileza mas disse que tínhamos que seguir viagem. Realmente o hotel era fantástico e não temos do que reclamar. Foi tudo impecável. Para quem pode gastar um pouquinho mais, nem que seja por uma noite só, vale muito a pena.

 

O plano do dia era conhecer o Castelo de Chenonceau e, na volta para Amboise, almoçar no restaurante do próprio hotel, o Le 36, que parecia ser muito bom e era referência na cidade. Depois íamos passear por Amboise e, no fim da tarde, seguir para Tours.

 

Viajar de carro pelo Vale do Loire é muito prático. As estradas locais são muito boas e tranquilas, fora a paisagem no caminho que é um show a parte. Tendo um GPS é tudo muito fácil. Era só entrar no carro, programar o destino e seguir as orientações. É fundamental saber como se escreve o nome do lugar no idioma local. Fora a demora do GPS para se encontrar logo que o ligamos em Paris, não tivemos nenhum outro problema com ele a viagem inteira.

 

De Amboise para o Château de Chenonceau são menos de 15 km. O castelo fica ao sul de Amboise, à beira, ou melhor, em cima do rio Cher, um afluente do Loire. Em menos de meia hora estávamos lá. Já era quase 11 horas quando chegamos. Deixamos o carro no estacionamento e fomos à bilheteria. O ingresso custa 10,50 Euros (R$ 26,25) e inclui um detalhado guia de visita com 12 páginas disponível em várias línguas, inclusive português.

 

Com os ingressos ficamos livres para visitar todas as partes do parque, dos jardins e do castelo. Na entrada passamos por um longo corredor de altas árvores. As folhas do outono filtravam a luz e deixavam tudo dourado. Logo avistamos o castelo, mas de um ângulo diferente do da foto mais conhecida que vimos na internet e que fez com que o incluíssemos no nosso roteiro.

 

O clima estava muito instável. Às vezes parecia que o tempo ia abrir e às vezes o céu escurecia e parecia que ia chover forte. Chegando bem em frente à entrada do castelo começou a chuviscar. Aí decidimos entrar logo e deixar para ver os jardins e a fachada do castelo sobre o rio depois.

 

O Château de Chenonceau começou a ser construído em 1515 por um ministro do Rei Carlos VIII. Mas foi a sua esposa, Mme. Briçonnet, quem idealizou a maior parte da obra. Outra mulher na vida do Château de Chenonceau foi Diane de Poitiers, amante do Rei Henrique II. Ela morou no castelo e acrescentou à ele uma ponte em arcos para a travessia do rio Cher. Foi ela quem mandou construir também o maior dos jardins clássicos que fica em frente ao castelo e ao lado do rio.

 

Quando o rei morreu, Diane de Poitiers foi obrigada pela rainha, Catarina de Médicis, a se mudar para um castelo menos suntuoso. A rainha, que chegou a morar em Chenonceau, também fez acréscimos ao castelo e aos seus jardins. Duas filhas e três enteadas dela, todas elas futuras rainhas, também moraram em Chenonceau.

 

Por último, Mme. Dupin, esposa de um dos homens mais ricos da França do séc. XVIII, tornou o Château de Chenonceau o ponto de encontro da mais fina aristocracia e intelectualidade da época. Rousseau, Montesquieu e Voltaire chegaram a frequentar os bailes promovidos por ela no castelo. Durante os primeiro ímpetos da Revolução, suas amizades fizeram com que essa preciosidade renascentista fosse preservada da demolição.

 

Tantas mulheres ao longo de sua história renderam a Chenonceau o apelido de ‘Château des Dames’.

 

O interior do Château de Chenonceau é um pouco escuro. Diferentemente de Chambord, esse castelo é muito mais intimista, com cômodos menores e sem aqueles exagerados tetos altos e aqueles salões e corredores enormes. Ainda assim, Chenonceau é um castelo do Vale do Loire e, como tal, é bastante luxuoso. Uma parte da decoração chama a atenção em quase todos os cômodos: a tapeçaria nas paredes. Trata-se de uma das melhores coleções de tapeçaria de Flandres do séc. XVI, retratando temáticas medievais e da natureza. Pelo castelo ainda encontramos pinturas de vários artistas famosos, entre eles Tintoretto e Rubens.

 

Também diferente do frio Castelo de Chambord, o Château de Chenonceau é bem mobiliado, não tem aqueles enormes espaços vazios, e a mobília é muito bonita, digna dos antigos moradores dali.

 

O grande salão de baile que fica em cima do rio foi mandado construir por Catarina de Médicis sobre a ponte mandada construir por Diane de Poitiers e mede 60 m de comprimento. Das janelas do salão pudemos avistar os jardins e o rio Cher e ver que o céu ainda estava negro e uma chuva fraca persistia.

 

Depois de visitar todo o castelo resolvemos sair mesmo que fosse embaixo de chuva. Para nossa surpresa, o céu já estava azul e não chovia mais! Finalmente, pudemos ver o Château sobre o rio.

 

Passeamos por todo o clássico jardim que nem estava no auge da sua forma por causa do outono, mas mesmo assim estava muito bonito. Fomos até o fim do muro que cerca o jardim à beira do rio Cher para ter a mais bonita vista do Château de Chenonceau. As calmas águas do rio eram como um espelho refletindo o Château de Chenonceau e seus séculos de história.

 

Uma moça que nos viu tirando fotos um do outro perguntou se queríamos uma foto juntos. Desanimados, dissemos que sim. Geralmente essas fotos ficam bem ruins… E não é que essa ficou boa? Ficamos tão satisfeitos que ela nem entendeu nossa reação.

 

Parece besteira mas é raríssimo conseguir alguém que tire uma foto da gente sem cortar toda o cenário. É impressionante como as pessoas pensam que foto boa é de corpo inteiro (e mais um metro de chão) ou uma 3×4 sem que a paisagem apareça. Tenho fotos de Machu Picchu sem a montanha, do Big Ben sem o relógio, da Torre Eiffel pela metade, do Empire State só com 20 andares…

 

Uma vez, em Washington, um grupo de americanos me pediu uma foto deles na escadaria do congresso. Eu me contorci todo no esforço para tirar uma foto de meio corpo com tudo aparecendo, incluindo a grande cúpula, claro. Quando mostrei o que eu achava ser uma obra-prima da fotografia contemporânea, eles me pediram para enquadrar só eles, de corpo inteiro. Aí eu fui lá, tirei uma foto deles dos pés à cabeça em frente a um prédio branco não-identificável e… eles adoraram! Vai entender…

 

Pois bem, depois de conhecer o Château de Chenonceau, era hora de voltar para Amboise. Voltando para o carro passamos pelo mesmo túnel de árvores que nos recepcionou. O parque que pertence ao Château de Chenonceau tem bosques iguais àqueles de descanso de tela de computador. No meio do caminho ainda nos deparamos com outros ambientes bem bonitos, como um labirinto feito com arbustos podados.

 

Esse é um passeio inesquecível e menos que duas horas é o suficiente para ver tudo. É bom dar uma olhada nos horários de funcionamento no site oficial do Château de Chenonceau.

 

Pegamos o carro e fizemos o caminho de volta para Amboise. Agora sim íamos conhecer a cidade e também o seu famoso Château. Quando chegamos em Amboise estacionamos o carro em uma rua tranquila, próxima à igreja de de Saint Denis. Não é difícil arrumar vagas para estacionar na cidade (não sei no auge da alta temporada).

 

Essa igreja, que data do séc. XII é muito bonita. Infelizmente ela estava fechada e não pudemos ver por dentro. Seguimos caminhando para o Château Royal de Amboise.

 

Caminhando vimos como a cidade é tranquila. Parecia que era fim de semana ou feriado. Havia poucas pessoas nas ruas e, com exceção da avenida que margeia o rio, quase não há trânsito. Amboise é uma cidadezinha pequena, tem menos de 12 mil habitantes, e lá podemos sentir bem o que deve ser morar no interior da França. Tudo é muito pequeno, mas também muito organizado, limpo e bem cuidado. Praticamente todas as janelas do casario geminado com telhados de ardósia têm flores. São pequenos detalhes como esses que fazem toda a diferença, tornando o lugar tão agradável. No caminho para o Château, passamos em frente a algumas lojinhas. As pâtisseries sempre chamam a atenção com suas deliciosas vitrines.

 

Grande parte da história da cidade se confunde com a história do Château de Amboise e parece que todos os caminhos levam para lá. O primeiro forte construído no alto daquele morro à beira do rio Loire, data do séc. XI. Ele foi diversas vezes ampliado e reformado, principalmente depois que foi confiscado pela coroa, em 1434, tornando-se um Château Royal. No final do séc. XV e início do séc. XVI, Amboise viveu seu auge, com a corte morando no castelo por quatro reinados consecutivos.

 

O claro interior do castelo abriga uma mobília antiga muito bonita. Grandes salões, como a sala do conselho, serviam para o encontro da corte com o rei. O teto e as paredes desta elegante sala são todos decorados com entalhes da flor-de-lis, símbolo da monarquia francesa. Mas, mesmo com um interior tão bonito, o que parece roubar a cena mesmo é a vista privilegiada do rio Loire e da cidade que temos lá de cima.

 

A posição do castelo é estratégica, à beira do rio, no alto de um morro. Caminhando à beira do alto muro temos uma vista de 360 graus da região, o que era fundamental para a defesa do Château Royal.

 

O Rei Francisco I, um dos moradores do Château de Amboise, foi um grande mecenas e admirador das artes e da cultura. Foi ele o responsável pela vinda de muitos artistas italianos para o seu reino e, junto com eles, o estilo renascentista que tanto prosperou na França. O Château de Amboise foi pioneiro na estética italiana no Vale do Loire e os detalhes de sua arquitetura mostram bem a transição entre o estilo gótico flamboyant francês e o estilo renascentista italiano.

 

Entre os artistas italianos convidados para vir à França, o mais famoso de todos foi Leonardo da Vinci, que se mudou para Amboise em 1516, aos 64 anos, trazendo com ele muitas obras realizadas na Itália (entre elas, a hoje famosíssima Monalisa). Às contas do rei, ele morou em um outro castelo a cerca de 1 km do Château de Amboise, o Château du Clos Lucé, onde fez muitos desenhos e projetos, principalmente nas áreas da engenharia, da arquitetura e do urbanismo. O Château du Clos Lucé é aberto a visitações e exibe muitas réplicas de projetos de Da Vinci em seus jardins. Infelizmente não tivemos tempo de ir lá.

 

Da Vinci morreu em Amboise, em 1519, e seu corpo foi enterrado no Château Royal, em uma capela que já não existe mais. Em uma das reformas, durante uma escavação arqueológica, seus ossos foram encontrados e transladados para a Chapelle de Saint-Hubert, também no Château Royal de Amboise.

 

Esta capela, toda no estilo gótico flamboyant, é bem pequena, praticamente só uma sala. Saint-Hubert é o santo padroeiro dos caçadores e por isso a fachada, muito trabalhada, é cheia de entalhes de animais e chifres de cervos. No interior, uma simplória lápide informa ser aquele o lugar do descanso final de um dos maiores artistas que a humanidade conheceu.

 

Em meados do séc. XVI, o Château Royal de Amboise serviu de cenário para o começo dos conflitos entre católicos e protestantes, conhecidos por ‘Guerras de Religião Francesas’. Na época, dois grupos dinásticos, um protestante e outro católico, disputavam o trono da França. Depois de uma conspiração fracassada contra a ascensão de Francisco II, conhecida por ‘Conjuração de Amboise’, mais de mil protestantes foram enforcados e muitos corpos foram pendurados nas altas muralhas do Château.

 

Como eu já disse, grande parte do castelo original foi perdida. Durante a Revolução Francesa, o castelo foi muitíssimo danificado. Mais tarde, já durante o Império, Napoleão mandou demolir mais uma parte da construção, considerada irrecuperável. O Rei Luis Felipe foi responsável por uma grande restauração e remodelação, não totalmente terminada por causa de sua abdicação em 1848. Já durante a Segunda Guerra Mundial, o castelo foi novamente muito danificado por ataques nazistas. Estima-se que apenas 10% a 20% do que já foi o Château Royal de Amboise resiste até hoje.

 

O que restou faz valer a pena uma visita. O ingresso custa 10 Euros (R$ 25) e acredito que podemos ver tudo com calma em cerca de uma hora e meia. Na saída, na loja, comprei uns cartões postais da cidade e do castelo e um pão de mel para enganar a fome. Para saber os horários de funcionamento é bom dar uma olhada no site oficial do Château Royal de Amboise.

 

Saindo do castelo, atravessamos a ponte que cruza o rio a pé. Do outro lado, temos a melhor vista da cidade e do Château de Amboise. Vale a pena tirar uma foto de lá. Quando atravessamos de volta fomos pegar o carro. Já era quase 5 horas da tarde quando voltamos ao hotel no qual nos hospedamos, o Le Choiseul, para ver se conseguíamos comer no seu restaurante, o Le 36. Infelizmente ficou para uma próxima. O horário de almoço já tinha acabado e o de jantar ainda ia demorar para começar. Aqui na França dificilmente encontramos um restaurante que sirva almoço muito depois do horário normal.

 

Era hora de se despedir de Amboise e seguir nosso roteiro até Tours, onde íamos dormir. Colocamos o endereço do hotel de Tours no GPS, pegamos a estrada que beira o Loire e em apenas meia hora chegamos. Amboise é muito perto de Tours, apenas 25 km separam as duas cidades.

 

Parei o carro em frente à entrada do nosso hotel, que fica em uma esquina, para tirarmos as bagagens, fazermos o check-in e depois ir deixar o carro em algum estacionamento próximo pois ali era proibido deixar.

 

Eu já estava fora do carro quando a Dani abriu a porta no exato momento em que um Clio caindo aos pedaços, provavelmente modelo 1980, fez a curva e enganchou nossa porta na lateral dele. O estrondo foi tão alto que na hora eu pensei: ‘pronto, arrebentou todo o carro e acabaram-se as férias!’. Meu maior temor de dirigir no exterior era esse. E o pior é que eu não estava nem dirigindo, estava fora do carro e ele estava parado.

 

A Dani saiu do carro toda nervosa e eu fui falar com o senhor. Era um francês de seus 40 e poucos anos com bigode igual ao do Asterix que ficou todo desconcertado. Ele admitiu a culpa, mas pelo carro todo velho e acabado dele e mesmo pela aparência de gente simples que ele tinha, eu sabia que não podia esperar que ele pagasse nada.

 

Deixei a Dani tomando conta do carro e entrei para pedir ajuda para alguém do hotel. O recepcionista foi muito solícito e saiu para ver o carro. O bigodudo já tinha ido embora com a lata velha dele. Foi aí que na verdade eu percebi que tudo aquilo tinha sido mais um susto por causa do barulho do que outra coisa. Apenas a ponta de baixo da porta tinha levantado, como uma orelha de um livro. A pintura estava perfeita e não havia nenhum arranhão ou amassado em mais nenhum lugar do carro.

 

O próprio recepcionista disse que aquilo não era nada. Mas o carro era alugado e eu não podia devolvê-lo daquele jeito. Foi então que entramos, o rapaz do hotel procurou uma oficina da internet, imprimiu o mapa e nos deu o endereço. A oficina ficava em St. Cyr sur Loire, no aglomerado urbano de Tours. Então eu e a Dani fizemos o check-in e fomos lá (com a confusão toda, deixamos para fazer o pagamento depois).

 

A Dani ficou toda jururu e eu tive que parar de azucrinar ela por causa da falta de atenção ao abrir a porta. Parei o carro em frente à oficina, que era bem arrumada, nada a ver com as oficinas mecânicas no Brasil. O gerente me atendeu e foi olhar o carro. Ele disse que não precisava eu me preocupar, que aquilo era simples e que ele resolvia em 10 minutos. Infelizmente ele não podia fazer naquela hora pois já estavam fechando, mas que se eu voltasse de manhã cedo ele fazia o serviço.

 

Entramos no carro mais tranquilos e voltamos para Tours. Deixamos o carro em um estacionamento público a uns cinco quarteirões do nosso hotel. Não é tão fácil arranjar vaga nas ruas de Tours quanto é em Amboise. É proibido estacionar em quase todos os lugares e a polícia fiscaliza bastante. Tours possui vários estacionamentos públicos pagos. Para quem é residente em Tours, um dia inteiro no estacionamento custa 1,50 Euro (R$ 3,75) e 6 dias custam 7 Euros (R$ 17,50). Para quem não é, como nós, turistas, a tarifa é de 3 Euros (R$ 7,50) a cada 2 horas e a cada duas horas temos que voltar para fazer o pagamento. Não há atendentes e tudo é feito em máquinas. Não pagamos nada pois de 18:30h até 09:00h estacionar é gratuito. Mas teríamos que ir pontualmente às 9 da manhã do dia seguinte pagar o estacionamento ou a fiscalização poderia nos multar ou mesmo guinchar o carro.

 

Já começava a escurecer e esfriar quando chegamos ao hotel. Tomamos banho e resolvemos sair para dar uma volta pela cidade e também jantar pois, fora o reforçadíssimo café da manhã do hotel em Amboise, não tínhamos comido quase nada o dia todo.

 

O centro histórico de Tours é quase todo pedestralizado. As ruas são compridas e curvas, com uma iluminação dourada que dá um clima muito legal à cidade. Há várias opções para comer. Muitas delas são lanches rápidos e vimos várias casas vendendo comida árabe. São vários os lugares que servem kebabs, aqueles sanduíches feitos com carne de carneiro que fica rodando no espeto. As ruas ficam com o cheiro dessa comida e, além dos muçulmanos imigrantes das antigas colônias francesas do Magreb (Argélia, Marrocos e Tunísia), os franceses mesmo parecem gostar muito dessa comida.

 

Deixamos para provar o kebab em outra oportunidade e buscamos algo mais francês. Encontramos um restaurante que parecia ser bom, chamado Chez Gerard, perto da Place Plumereau, o centrinho medieval de Tours. Sentamos primeiro na varanda. Ficamos um tempão esperando para sermos atendidos e nada. Estava ficando muito frio e tivemos que entrar. Procuramos outra mesa sem que ninguém nos recebesse então sentamos à mesa vazia que havia.

 

O garçon passou por nós várias vezes e parecia fingir que não nos via. Quando finalmente nos atendeu, deixou os cardápios e saiu sem falar nada. Depois veio anotar o pedido e não deu uma palavra. Demorou uma eternidade para trazer o pão, as entradas, o vinho e a água. E outra eternidade para trazer o pedido principal. Ficamos mais de uma hora esperando para ele largar os pedidos na mesa de qualquer jeito, na maior grosseria.

 

E o mais estranho era que essa demora toda era só com a nossa mesa. Nas mesas em volta, ocupada por franceses que chegaram muito depois de nós, já estavam comendo e o garçon a toda hora parava para perguntar se faltava alguma coisa com a maior simpatia do mundo!

 

Eu já estava pegando corda com aquela palhaçada mas preferi não fazer nada, afinal, não se deve brigar com quem está com a nossa comida. Quando ele finalmente trouxe os pratos principais, não trouxe os talheres! Ficamos mais um tempão esperando ele trazer. Só podia ser de propósito! Quando ele trouxe os talheres aí sim eu armei o barraco, perguntei até quem ele estava achando que era… e ele continuou agindo que nem um idiota, como se não soubesse do que estava falando!

 

Comemos de mau humor. Não vou ser injusto. A comida estava boa. A Dani pediu uma salada de salmão e eu pedi, pela primeira vez, escargots. Achei muito gostoso. Uma pena que daqui para frente eu vá associar esse prato ao mau tratamento que recebemos nesse restaurante. São pessoas como esse garçon e aquele guarda da Basilique du Sacré Coeur, em Paris, que fazem a fama de grosseiros, antipáticos e xenófobos dos franceses. O importante é não generalizar pois a esmagadora maioria dos franceses com quem conversamos foi muito educada, solícita e gentil com a gente.

 

Enfim, pagamos a conta no balcão (37 Euros / R$ 92,50), onde também ninguém fez questão de ser simpático, e saímos estressados daquele restaurante lazarento. Nossa vingança foi não ter deixado nenhuma gorjeta e agora contar essa má experiência aqui para quem ler, evitar esse lugar. Há muitas outras opções em Tours, com certeza com comida excelente e atendimento melhor.

 

Depois do dia corrido que tivemos, cheio de lugares interessantes e também alguns estresses, voltamos para o hotel e desabamos na cama. Esses acontecimentos inesperados fazem parte de qualquer viagem. Uma coisa é certa: Tours tem muito mais a mostrar do que uma batida de carro e um garçon idiota!

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Vigésimo quinto dia. Quarta-feira, 26 de outubro de 2011.

 

Este seria o nosso último dia no Vale do Loire e o plano era passar a manhã em Tours e seguir para Saint-Malo, na Bretanha, à tarde. Mas antes, tínhamos que resolver o problema do carro. Descemos para tomar café da manhã cedo, pois o estacionamento onde o carro estava teria que ser pago se passássemos das 9 da manhã.

 

Em Tours ficamos no Hôtel Ronsard. O hotel é simples, mas todo reformado e perto do centro. O atendimento também é bom. Na véspera, com a batida do carro, o recepcionista foi muito prestativo e nesta manhã uma senhora nos serviu o café com a maior simpatia. Por uma noite em uma suíte de casal, pagamos 71 Euros (R$ 177,50). O café da manhã custou mais 8 Euros (R$ 20) para cada. Não era como o do hotel em Amboise, mas era bom, com café, leite, suco, queijo, geleia e os sempre presentes e deliciosos pain au chocolat, croissants e baguettes.

 

Pegamos o carro em cima da hora e não precisamos pagar pelo estacionamento. Voltamos para o hotel para pegar as coisas e fazer o check-out e depois seguimos para a oficina. Chegando lá, o gerente da véspera me recebeu, chamou um outro funcionário e mostrou o amassado. Ele disse que em 5 minutos estava pronto e que inclusive não precisávamos pagar nada. Quando eu vejo vem o mecânico com um martelo na mão, coloca um pano por cima do amassado e dá umas quatro marteladas fortes na porta. Quando ele tirou o pano, estava perfeito. Apenas uma leve ondulação, quase imperceptível. Insisti em pagar e dei 20 Euros (R$ 50) para eles. Saímos relaxados da oficina.

 

Nosso medo maior era que a locadora, percebendo o problema, que realmente era pequeno, descontasse valores absurdos do meu cartão de crédito a título de reparação. Ia ser quase impossível questionar isso já de volta ao Brasil. Do jeito que ficou bom, ficamos tranquilos.

 

Voltamos para Tours e deixamos outra vez o carro no estacionamento público, dessa vez pagando, pois já era mais de 9 horas da manhã. Para garantir que estávamos fazendo tudo certo, pedi a ajuda de um senhor que estava deixando o carro. Ele me explicou que era só ir até a máquina, inserir o dinheiro, pegar o cartão e colocá-lo no painel do carro, visível para a fiscalização. Como não tínhamos o cartão de residente, pagamos 3 Euros (R$ 7,50) por duas horas (para residentes é bem mais barato). Achei esse sistema de estacionamento público muito bom pois livra as ruas de uma centena de carros estacionados. O local é todo aberto e cercado por prédios residenciais. Não há controle de entrada das pessoas, mas a segurança não parece ser um problema aqui (deixamos toda a nossa bagagem no carro). Com algumas adaptações um sistema como esse seria muito útil no Brasil, melhorando o trânsito e ajudando a nos livrar do absurdo que é essa indústria dos flanelinhas.

 

Finalmente estávamos livres para passear por Tours. Pegamos o guia e revisamos os pontos que queríamos conhecer. Saímos andando e vendo como a cidade funciona. Apesar de ser uma das maiores cidades do Vale do Loire, Tours ainda tem a tranquilidade de uma cidade pequena. Com cerca de 300 mil habitantes na região metropolitana, Tours tem uma boa estrutura para servir de ponto de referência para quem quer visitar alguns dos castelos da região.

 

A região do Vale do Loire durante muito tempo demandou as habilidades dos melhores artesãos franceses e também estrangeiros, tanto para a construção dos châteaux e de magníficas catedrais, mosteiros e pontes, quanto para a manutenção do estilo de vida exuberante dos nobres. Um pouco dessa história pode ser vista no pequeno mas interessante Musée du Compagnonnage, a primeira atração que visitamos.

 

Todo mundo já ouviu falar no colégio sobre as Corporações de Artes e Ofícios da Idade Média. Essas associações de artesãos guardavam com elas os segredos das mais variadas áreas e controlavam as profissões como verdadeiras mantenedoras de monopólios. No Musée du Compagnonnage podemos ver vários exemplares de trabalhos de alguns famosos mestres artesãos.

 

O museu é pequeno, praticamente só um salão onde ficam expostas réplicas em menor escala de muitas obras construídas e de outros projetos nunca postos em prática. Algumas obras são bastante impressionantes. Há altares de igreja, portas e móveis, entalhes em pedra, bolos enormes, fechaduras intrincadas, roupas bordadas… tudo excessivamente detalhado, trabalhos realmente difíceis de se ver hoje em dia. O museu conta também um pouco da história de vida e do trabalho dos artesãos. A França muito se orgulha dos seus compagnons (termo que literalmente significa companheiros, mas poderia ser traduzido como artistas-técnicos-artesãos), responsáveis por algumas das mais fantásticas obras que a humanidade já viu. O próprio governo promovia concursos e dava prêmios para os mais habilidosos.

 

Antigamente as poucas escolas e universidades priorizavam os estudos mais teóricos. Os trabalhos práticos de construção, engenharia, arquitetura, entalhe em pedra, trabalho em ferro, carpintaria, marcenaria, culinária e de fabricação de vários produtos como relógios, fechaduras, armas, roupas e sapatos ficavam a cargo das Corporações de Artes e Ofícios. Os membros dessas guildas repassavam seu conhecimento para poucos escolhidos, em geral, da própria família. A maioria desses artesãos, como a maioria da população na época, sequer sabia ler e escrever e aprendia tudo na prática, observando o trabalho dos mais experientes.

 

Não se pode tirar fotos no interior do prédio. O ingresso custa 5,20 Euros (R$ 13) e a visita dura uns 20 minutos, mas vale a pena. Depois que saímos do museu, fomos ver a Catedral que, aliás, é um excelente exemplo do trabalho dos compagnons franceses. A Catedral de Saint-Gatien de Tours fica um pouco afastada do centrinho mais antigo da cidade e se destaca no meio de um bairro de classe alta, em frente à uma pequena praça. Considerando que a estrutura é basicamente pedra esculpida, a altura da construção impressiona. As torres medem 87 metros.

 

Essencialmente em estilo gótico, mas com elementos românicos e renascentistas também, essa catedral demorou mais de 300 anos para ficar pronta. Iniciada em 1170, só foi terminada em 1547. O interior, como quase toda igreja gótica, é todo em pedra, sem revestimentos. Chamam a atenção o órgão do séc. XVI e, como sempre nas igrejas francesas, os maravilhosos vitrais.

 

É interessante ver como o catolicismo é diverso de país para país. Os santos populares na França não são sequer conhecidos no Brasil, que segue uma tradição portuguesa. Saint-Gatien foi o primeiro bispo de Tours, enviado de Roma para converter os habitantes da região ao cristianismo no séc. III.

 

A visita à Catedral é de graça e vale muito a pena. Saindo da Catedral, fomos visitar outra igreja, a Basilique de Saint-Martin de Tours. Essa Basílica fica bem perto do centro medieval, a mais ou menos uns 15 quarteirões da Catedral de Saint-Gatien. Fomos caminhando, olhando as lojas e admirando a arquitetura da cidade.

 

Como já contei aqui, entre 1461 e 1594, Tours foi a capital do Reino da França e a região foi palco de incontáveis batalhas entre dinastias que disputavam os tronos da França e da Inglaterra. A construção dos mais de 300 castelos pela aristocracia que se mudou para lá na época, seguindo o poder real, ajudou a transformar todo o Vale do Loire em uma região de grande significância para a França e o sentimento nacional. Depois que a cidade deixou de ser capital, toda a região experimentou uma certa decadência que só foi revertida com a chegada da ferrovia no séc. XIX.

 

Mais do que a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial representou uma grande catástrofe para a cidade. Muito do seu patrimônio histórico foi destruído pelos bombardeios e quase tudo teve que ser reconstruído, incluindo o traçado das ruas que hoje são largas e ladeadas por prédios mais modernos, em estilos arquitetônicos dos sécs. XIX e XX.

 

Chegando à Basilique de Saint-Martin já vimos que ela é bem menor que a Catedral, além de muito mais nova. Construída entre 1886 e 1902, a Basílica é em estilo Neo-Bizantino e tem um interior muito claro e bonito.

 

Quando entramos, vimos uma mesa com panfletos sobre a igreja e uma velhinha carola puxou conversa com a gente. Quando disse que éramos brasileiros ela ficou toda alegre e começou a perguntar se tínhamos igrejas bonitas no Brasil, se éramos muito religiosos… Contei para ela do Círio de Nazaré, que reúne mais de 1 milhão de pessoas em Belém e ela ficou impressionada. Depois de dizer que eu falava bem francês, disse em voz baixa, só para mim, que a Daniela era muito bonita. Uma simpatia a velhinha. Por fim, ela nos disse que tínhamos que visitar a cripta.

 

Quase passamos batido. A cripta é a razão de ser da Basílica. É lá onde está o túmulo de Saint-Martin de Tours. O local onde ele foi enterrado foi descoberto em 1860 e fez com que a igreja fosse construída ali, no mesmo lugar.

 

Saint-Martin, apesar de também não ser muito conhecido no Brasil, é um dos principais santos do catolicismo. Muito popular no país, ele foi bispo de Tours no séc. IV e responsável pela construção de vários mosteiros na França. A cripta onde está o seu túmulo, no subsolo da Basílica, é um lugar muito silencioso e tem as paredes e o teto cheios de mensagens de agradecimento. A visita à Basilique de Saint-Martin de Tours também é gratuita. Vale a pena.

 

Saindo da igreja, fomos procurar comer alguma coisa. Uma das poucas áreas medievais ainda preservadas de Tours é o centrinho pedestralizado que fica nos arredores da Place Plumereau, circundada por casinhas com a estrutura de madeira aparente nas fachadas. Na maioria dessas casinhas hoje funcionam cafés e restaurantes e a praça é quase toda tomada por mesas e cadeiras ao ar livre. Entre as várias opções, escolhemos um café chamado Le Lys D’Or, de frente para a praça, e sentamos em uma mesa ao ar livre. Já era mais de meio dia e esse lanche/almoço seria nossa despedida de Tours.

 

Essa praça e as ruas em volta são muito agradáveis. É um lugar bastante turístico mas, ao mesmo tempo, muito tranquilo, com passarinhos pousando embaixo da nossa mesa para comer farelos. Pedimos dois crêpes salgados, um de queijo e um de cogumelos, e dois crêpes doces, um de nutella e um de geleia de framboesa, além de dois refrigerantes. Foram os melhores crêpes que comemos durante toda a viagem. Muito bom. Fomos bem atendidos e tudo saiu por 27,60 Euros (R$ 69). De barriga cheia fomos pegar o carro e seguir caminho para Saint-Malo, cidade histórica que fica ao norte de Tours, na beira do Canal da Mancha.

 

Localizada na Bretanha (em francês Bretagne), essa cidade entrou quase por acaso no nosso roteiro. Era certo que queríamos visitar o Mont Saint-Michel, que fica quase na divisa entre a Bretanha e a Normandia, mas sabíamos que não valia a pena dormir uma noite lá pois menos de um dia seria suficiente para conhecer tudo. Então resolvemos escolher uma cidade próxima para dormir. Quando achamos Saint-Malo bem ali ao lado, vimos as fotos no Google Earth e lemos um pouco sobre a Cidade dos Corsários, foi fácil se decidir.

 

A distância entre Tours e Saint-Malo é de cerca de 300 km. É um trecho longo, que percorremos em quase três horas de viagem. No caminho percebemos uma radical mudança de paisagem. A Bretanha é conhecida pelo clima úmido, frio e muito chuvoso. Quanto mais chegávamos perto do mar, mais o céu ficava escuro e mais constantes eram os chuviscos.

 

Passamos por uns três pedágios no caminho (os valores variam de 3 Euros/R$ 7,50 a 13 Euros/R$ 32,50). Paramos em um posto para abastecer. O preço da gasolina não é tão diferente do preço no Brasil. Aqui não há frentistas. Eu mesmo abasteci e depois fui pagar no caixa da loja de conveniência, onde também comprei umas besteiras para comer e beber no caminho.

 

Na saída do posto fomos parados por uma blitz da polícia. O guarda pediu minha habilitação e eu entreguei a carteira internacional e a minha carteira do Brasil. Fiz até o teste do bafômetro. Mais de dez anos dirigindo no Brasil e nunca havia feito, a primeira vez foi essa na França! Sorte que eu não tinha bebido nada e estava com todos os documentos corretos. No fim, quando me devolveu os documentos o guarda ainda puxou assunto. Ele viu que eu era brasileiro, claro, e disse que conhecia Belém! Falou que quando tirou férias passou pela Guiana Francesa e por Belém antes de seguir para Fortaleza. Disse até que o clima era parecido com o da Bretanha. A diferença era que Belém era úmida e quente e a Bretanha era úmida e fria.

 

Chegamos em Saint-Malo quase no fim da tarde. Não tivemos nenhum problema com o GPS que trabalhou direitinho. A cidade é composta por uma área cercada, chamada Intra-Muros, e a área externa, que é mais nova. Claro que escolhemos ficar dentro dos muros.

 

Saint-Malo é uma cidade monocromática. Praticamente todos os prédios são feitos da mesma pedra marrom com toques verdes dos musgos e líquens que recobrem quase tudo devido ao frio e à grande umidade da região.

 

Deixamos as coisas no lobby do hotel e fomos estacionar o carro. Dentro dos muros não há estacionamentos públicos e as ruas são estreitas, sem vagas. A recepcionista do hotel nos deu um mapa e nos explicou onde ficam os estacionamentos públicos, do lado de fora dos muros. Saímos e deixamos o carro no estacionamento que basicamente é uma área a céu aberto, à beira do cais, delimitada por uma cerca. Paga-se um valor por horas e é tudo automatizado.

 

Adentramos os muros a pé e fomos para o hotel fazer o check-in. Ficamos no Hôtel du Louvre, que fica em um prédio antigo, mas que por dentro está todo novo. Por uma noite em uma suíte confortável pagamos 65,75 Euros (R$ 164,37). Nosso quarto ficava no quinto andar (ainda bem que eles tem elevador). Deixamos as coisas e saímos outra vez para conhecer a cidade.

 

Saint-Malo é um lugar incrível! Parece que voltamos no tempo. Apesar da região já ser habitada desde tempos remotos por celtas, gauleses e romanos, a cidade como conhecemos hoje surgiu no séc. XII e foi se fortificando para se proteger de ataques do Reino da França. Isso porque a Bretanha não fazia parte da França e tinha muitas ligações com a Grã-Bretanha, especificamente com a região do atual País de Gales, de onde veio Saint MacLow, que deu nome à cidade. Os ingleses sempre cobiçaram a Bretanha.

 

Saint-Malo chegou a ser até mesmo uma cidade-estado independente. Apesar de ter vivido vários períodos sob dominação francesa, foi somente a partir de 1593 é que a Bretanha e de Saint-Malo foram definitivamente anexados ao Reino da França.

 

Mas foi com a descoberta da América e das rotas para as Índias, no séc. XVI, que essa cidade portuária viveu sua grande transformação. Com a instalação de muitos armadores (donos de navios mercantes), a cidade Saint-Malo se tornou um dos mais importantes portos da França e um grande entreposto comercial.

 

Mais tarde, nos sécs. XVII e XVIII, Saint-Malo teve sua era de ouro. Nessa época a cidade se tornou a principal base dos corsários franceses, sendo daí que vem o seu apelido de Cité Corsaire. Basicamente os corsários eram piratas que tinham a chancela real para atuar nos mares como verdadeiros bandidos que atormentavam a vida das marinhas dos países rivais. Essa era uma política de Estado voltada para enfraquecer o poder naval das outras potencias europeias.

 

Quem mais sofreu com a atuação dos corsários franceses pelos mares do mundo foi a Inglaterra, a Holanda e a Espanha, as então maiores potencias marítimas mundiais. Mesmo Portugal teve seus problemas com os corsários franceses. O produto dos saques das cidades colonias desses países e dos ataques às suas esquadras carregadas de mercadorias e tesouros valiosos não ia diretamente para os cofres do Rei da França, mas ao menos deixava de ir para os cofres dos outros monarcas.

 

Nessa época a cidade era bastante perigosa pois os corsários, apesar de serem ‘apoiados’ pelo poder central, não respeitavam ninguém, nem mesmo o Rei, e Saint-Malo era como uma cidade sem lei, governada e protegida pelos próprios corsários. Talvez apenas a igreja tivesse algum respeito por parte dos corsários. Não é a toa que a torre pontiaguda da catedral de Saint-Vincent pode ser vista de qualquer lugar da cidade, ocupando uma posição central dentro dos muros.

 

A temperatura média em Saint-Malo ao longo do ano varia entre 5° C em fevereiro e 17° C em julho. Apesar da temperatura ainda ser baixa e a umidade grande, no verão a cidade ferve com as praias lotadas. A população sobe de 50 mil para 200 mil habitantes. Por isso a cidade tem uma boa infraestrutura turística, com muitos hoteis e restaurantes.

 

Mas, para mim, é agora, com o frio e o tempo completamente fechado, que a Saint-Malo mais apresenta a sua identidade bretã. Aliás, a Bretanha possui uma identidade quase nacional dentro da França. Todos os habitantes falam francês, mas eles se orgulham muito de próprio dialeto, o bretão, e o sotaque forte dos habitantes da região é reconhecido por toda a França. Os bretões costumam se referir à Bretanha como um país.

 

Passeamos por toda Intra-Muros, passando por ruelas e também caminhando por cima dos altos muros que beiram o mar. Em uma das ruas paramos para provar o doce típico da Bretanha, o kouign amann. É um doce folhado, enrolado e caramelado que pode vir com doce de maçã ou nutella em cima. É delicioso e lembra muito um doce que eu comia quando era criança na cantina do colégio e que se chamava ‘orelha’.

 

A parte murada de Saint-Malo fica em uma ponta que avança sobre o mar. Originalmente a parte murada era uma ilha que depois foi ligada ao continente. Dos altos muros podemos avistar várias pequenas ilhas que circundam a cidade. Podemos chegar caminhando até elas quando a maré está baixa e algumas delas também são fortificadas.

 

Nem sempre o mar cobre as praias e bate nos muros como víamos nesse fim de tarde de maré alta. O movimento das marés é bastante sentido aqui em Saint-Malo e entre a maré baixa e a maré alta a diferença pode ser de até 14 metros! Em uma loja de souvenirs vimos cartões postais que mostravam ondas tão fortes que quando batiam nos altos muros quase os cobriam. O senhor da loja me disse que esse fenômeno só acontece em uma determinada época do ano quando as maiores marés coincidem com fortes ventos. Nessa época é até proibido passear nos muros pois existe o risco de ser arrastado para o mar. Agora as ondas estavam bem mais comportadas mais já cobriam partes dos caminhos à beira mar.

 

Já estava escurecendo quando voltamos para o hotel para descansar um pouco. Mais tarde levantamos, tomamos banho e saímos outra vez para jantar em um dos vários restaurantes que vimos. No hotel, a recepcionista nos indicou alguns restaurantes de frutos do mar que, como não podia deixar de ser, são a especialidade da cozinha local.

 

Um deles se chamava Jacques Cartier, o nome do conquistador francês que saiu de Saint-Malo em 1535 para descobrir o Canadá. O restaurante parecia muito bom, mas já estava fechando. Então seguimos para um outro restaurante que tínhamos visto mais cedo, o Café de L’Ouest, que fica na Place Chateaubriand. Começou a chuviscar e a esfriar ainda mais. O restaurante estava vazio e lá dentro os aquecedores estavam no máximo. Isso é uma coisa interessante. Parece que quem mora no frio, ao invés de se acostumar com ele parece que fica mais friorento ainda!

 

O restaurante parecia ser muito bom. O cardápio era enorme e muito variado. Para começar pedimos ostras grandes e, como entrada a Dani pediu tartare de thon à la thaitienne e eu pedi mille feuilles de homard breton et avocat sur une note de curry. Como prato principal a Dani pediu maquereaux grillés avec pommes de terre sautées et moutarde ancienne e eu pedi risoto de Saint-Jacques au basilico et parmigiano. Os pratos do Café de L’Ouest são verdadeiras obras de arte e o atendimento é muito bom. No fim desse verdadeiro banquete, a conta ficou em 86,90 Euros (R$ 217,25), com vinho e água. Valeu a pena. Estava tudo delicioso.

 

Quando fomos embora a chuva ficou ainda mais forte o que deixou as ruas desertas. Tudo estava fechando, inclusive o nosso restaurante. Resolvemos encerrar o dia também e voltar para o hotel. No dia seguinte íamos explorar um pouco mais essas cidade incrível que é Saint-Malo.

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  • 1 mês depois...
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Vigésimo sexto dia. Quinta-feira, 27 de outubro de 2011.

 

Como a nossa diária não incluía café da manhã, não nos apressamos para levantar. Na véspera tínhamos visto que o Café de L’Ouest também servia café da manhã e então fomos para lá. Assim como com o almoço, não é bom demorar muito para ir tomar café pois se passar muito da hora eles não servem mais.

 

Pedimos um Petit Déjeuner que vinha com pão, croissant, geleias, manteiga e chocolate quente. Ainda pedimos dois cafés au lait e dois omelettes jambon fromage. Muito bom. Ficamos mais do que satisfeitos com o que foi praticamente um almoço. A conta saiu por 36 Euros (R$ 90).

 

Depois, voltamos ao hotel e fizemos logo o nosso check-out, levando as coisas para o carro. Assim estávamos livres para andar pela cidade sem a preocupação de voltar para desocupar o quarto. A parte Intra-Muros de Saint-Malo é bem pequena e é muito fácil se localizar, mesmo sem mapa. É possível dar uma volta completa na cidade acompanhando os muros em pouco tempo.

 

Nem parece, mas quase toda a cidade velha de Saint-Malo é uma reconstrução. Apesar da antiga e rica história que a cidade tem e que eu contei no post anterior, cerca de 80% da zona Intra-Muros teve que ser reconstruída depois da destruição causada durante a Segunda Guerra Mundial, quando a cidade foi ocupada pelos nazistas e tirá-los de lá exigiu muitas toneladas de bombas.

 

As muralhas são praticamente a única parte que guarda o traço medieval original. Os prédios foram reconstruídos com fachadas em estilos arquitetônicos dos sécs. XVIII e XIX, mas com as pedras originais e os mesmos telhados cinzas. Com o tempo, o clima implacável da Bretanha se encarregou de cobrir tudo de musgo e líquens, dando esse ar uniforme à cidade. Mesmo sabendo que quase tudo é ‘novo’, é incrível como a cidade ainda nos remete ao passado.

 

Saint-Malo é bem tranquila e não é uma cidade cheia de atrações (talvez no verão seja mais movimentado, quando é temporada de praia). Não há grandes museus nem monumentos. O melhor de Saint-Malo está na cidade em si, em caminhar pelas suas ruas e pelos seus muros admirando a paisagem.

 

A catedral de Saint-Vincent fica bem no meio da cidade e a sua torre pontiaguda pode ser vista no final de quase todas as ruas. Fomos até ela para ver se conseguíamos entrar.

 

A igreja original foi construída por volta do séc. XII. Ainda se pode ver os resquícios dos antigos estilos românico e gótico. Por dentro a igreja é simples, toda em pedra e muito escura. A fachada e os vitrais coloridos são novos e com desenhos geométricos, denunciando a reconstrução do pós-guerra.

 

Mas o mais interessante dessa catedral é a sua ligação com um período de ouro vivido pela cidade. Ali estão enterrados duas figuras históricas que nasceram e viveram em Saint-Malo e foram muito importantes para a França, para o Canadá e, quem diria, até para o Brasil!

 

Uma delas é Jacques Cartier. Esse navegador francês nasceu em Saint-Malo e, em 1535, partiu do porto da cidade em busca de um caminho para as Índias e acabou descobrindo o Canadá e tomando posse daquelas terras em nome do Rei da França. No chão da catedral há uma placa indicando o exato local onde ele se ajoelhou para receber a bênção do bispo antes da expedição do descobrimento. Quando eu e a Dani estivemos no Canadá, em 2010, passamos por Québec e pudemos constatar como ainda é forte a identidade francesa lá. Em Montréal e Ville de Québec, o descobridor Jacques Cartier é nome de avenidas, praças, pontes…

 

O outro ilustre filho de Saint-Malo que está enterrado na catedral, apesar de ser considerado heroi nacional na França, entrou para a história do Brasil como um vilão. Trata-se de René Duguay-Trouin, um dos maiores corsários da história. Esse pirata oficial, feito Almirante pelo Rei da França, participou de muitas campanhas contra as armadas espanhola, britânica, holandesa e portuguesa, atacando e saqueando também muitas das possessões coloniais desses países no séc. XVIII. O maior feito dele, também considerado ‘o último feito imortal da marinha de Luis XIV’, foi comandar a segunda invasão do Rio de Janeiro, em 12 de setembro de 1711. Com 17 navios e mais de 5.000 homens, René Duguay-Trouin saqueou e ocupou a maior e mais importante cidade brasileira da época por mais de um mês, levando com ele de volta para a França toneladas de ouro e prata brasileiros.

 

Saímos da Catedral e fomos passear pelos muros. Chegando lá encontramos uma paisagem totalmente diferente da que vimos na véspera. As águas não estavam batendo nos muros e podíamos ver uma grande faixa de areia. Com a maré baixa, pudemos atravessar a pé até as ilhas que ficam no entorno de Saint-Malo.

 

No caminho encontramos uma placa explicando os riscos de atravessar e ficar preso em uma das ilhas com a subida repentina da maré. Por segurança, o correto a fazer seria ficar na ilha e esperar a maré baixar outra vez, ou seja, umas 12 horas!

 

As principais ilhas na baía de Saint-Malo são a Petit-Bé e a Grand-Bé. Na Petit-Bé está o Fort Vauban, construído no séc. XVII para reforçar a defesa da cidade. Não fomos até ele pois a água ainda estava alta e o caminho não estava totalmente descoberto.

 

Fomos andando na areia da praia até a ilha Grand-Bé, que fica mais perto dos muros da cidade. Subimos até o topo e de lá tivemos uma vista total de Saint-Malo e suas grandes muralhas, além da vizinha ilha Petit-Bé. De lá também podemos ver a piscina que retém água do mar toda vez que a maré baixa. Tem até trampolim. É claro que com o frio que fazia ninguém se animava a dar um mergulho, mas ela deve ficar lotada no verão.

 

Depois de explorar toda a ilha e pegar muito vento, voltamos para a cidade e passeamos mais um pouco pelas muralhas. Passamos pelos portões principais e também pela marina onde ficam guardados centenas de barcos.

 

Era pouco mais de uma hora da tarde quando seguimos viagem rumo ao Mont Saint-Michel, onde íamos passar o resto da tarde. De Saint-Malo para lá são apenas 56 km, que percorremos em pouco mais de meia hora. Apesar de tão perto, o Mont Saint-Michel já fica na vizinha região da Normandia. Mas o clima úmido com céu fechado é o mesmo da Bretanha.

 

A primeira vista que temos da ilhota pontiaguda, ainda na estrada, é inesquecível. Acho que todo mundo que já viu uma foto desse lugar fica com vontade de conhecê-lo. O Mont Saint-Michel é um lugar que, no mínimo, desperta a nossa curiosidade. Com mais de 1.300 anos de uma história que mistura fé e guerras em um cenário inóspito, chuvoso e frio, o imponente monastério-fortaleza medieval no alto da montanha impressiona.

 

A estrada que hoje leva até o portão de entrada, conectando a ilha ao continente, só foi construída no séc. XIX. Há muita discussão sobre sua remoção, o que tornaria o Mont Saint-Michel novamente inacessível por terra durante a maré alta. Segundo os especialistas, a construção do caminho mudou o curso natural das águas e está provocando o assoreamento da baía. A vegetação já avança a partir do continente e há risco do Mont Saint-Michel um dia deixar de ser uma ilha.

 

A água da maré cheia circunda todo o Mont Saint-Michel. Mas, assim como acontece em Saint-Malo, a diferença entre as marés é muito grande, chegando a 15 metros. É a maior diferença de marés da Europa e quando a maré está baixa todo o entorno fica seco e é possível inclusive caminhar na areia. O perigo é ser pego de surpresa pela subida das águas que, segundo um dito local, é ‘mais rápida que um cavalo em disparada’.

 

Deixamos o carro em um dos estacionamentos ao longo da estrada principal (6 Euros/R$15 a diária). Há muitas vagas, tanto na estrada principal, quanto nas áreas laterais. O problema é que apenas a estrada principal é elevada o suficiente para não ser encoberta pelas águas da maré alta.

 

O perigo é tão real que há placas indicando o horário em que a maré sobe e inunda a área dos estacionamentos laterais ao longo da estrada. Para a nossa sorte, a maré estava bem baixa e a água só chegaria onde estacionamos o carro às 7 horas da noite. Portanto, tínhamos tempo de sobra para visitar o Mont Saint-Michel com tranquilidade.

 

Mais uma vez chegamos à conclusão de que alugar um carro foi a melhor opção. Ficamos livres, sem preocupação com a volta por meio de transporte público. A maioria das pessoas que vem de Paris para visitar o Mont Saint-Michel pega o TGV (Train à Grande Vitesse, o trem-bala francês) na Gare de Montparnasse até Rennes (2 horas de viagem) e de lá pega um ônibus para o Mont Saint-Michel (mais 1 hora). A cidade mais próxima é Pontorson, que fica a 9 km de distância e onde ficam muitos hoteis voltados para o turismo no Mont Saint-Michel.

 

Os séculos de peregrinação ao Mont Saint-Michel fizeram florescer, ainda durante a Idade Média, o pequeno vilarejo dentro dos muros. Para a Igreja Católica, São Miguel é o chefe do exército celestial, Arcanjo que julga as almas e lhes conduz (ou não) ao paraíso. A busca pela salvação fez do Mont Saint-Michel um dos mais importantes centros de peregrinação cristã da Europa durante a Idade Média, juntamente com Roma e Santiago de Compostela.

 

Depois de garantir muitas fotos com o Mont Saint-Michel ao fundo, resolvemos entrar. A impressão que temos é que estamos em um lugar cenográfico. A pequena vila dentro dos muros nos remete aos filmes épicos medievais.

 

Apesar de ser originalmente um ambiente religioso, a montanha também foi palco de muitas guerras e acabou por adquirir características militares também. Nos sécs. XIV e XV, em virtude de sua localização estratégica na foz do rio Couesnon, o Mont Saint-Michel foi fortificado com altas muralhas que cercam toda a ilha, transformando-a em uma fortaleza intransponível.

 

Durante a Guerra dos Cem Anos a montanha resistiu a nada menos que trinta anos de cerco inglês sem ser tomada, tornando-se o símbolo maior da resistência e da força da nação francesa. Uma das relíquias dessa época está exposta logo na entrada da rua que leva à abadia: um canhão de um navio de guerra inglês que atacou o Mont Saint-Michel em 1434.

 

Passear no Mont Saint-Michel é muito fácil. Há apenas uma rua que obviamente é só para pedestres. Todos os carros ficam fora dos muros. Essa rua circunda o monte sempre em subida, começando no portão de acesso e terminando na entrada da abadia. Não é uma subida difícil, mas há algumas escadarias grandes.

 

Ao longo dessa rua, tomada por uma multidão de turistas do mundo todo, há vários restaurantes, pequenos hoteis e incontáveis lojas de souvenirs. Os preços não são dos melhores e por isso só comprei cartões postais.

 

Conforme subimos a ladeira em direção à abadia, começamos a ter vistas de toda a baía de Saint-Michel. Não demorou muito e chegamos à entrada da abadia. O ingresso custa 9 Euros (R$ 22,50). Depois da bilheteria ainda há um grande caminho a percorrer até o terraço principal em frente a igreja, no alto da montanha.

 

A primeira igreja consagrada ao Arcanjo São Miguel foi construída na ilha no início do séc. VIII. No ano 966, por vontade do Duque da Normandia, os primeiros monges beneditinos se instalaram lá e logo em seguida iniciaram a construção da abadia no alto do rochedo.

 

A abadia foi se expandindo nos séculos seguintes e se tornou um importante centro de estudos teológicos. Logo depois da conquista e anexação da Normandia pelo Reino da França, no séc. XIII, o rei francês fez grandes doações para as obras que ainda não tinham terminado. Elementos arquitetônicos em estilo gótico foram sendo acrescentados ao predominante traçado românico.

 

Em frente a igreja há um amplo terraço com vista para toda a baía de Saint-Michel. É uma planície enorme sem nada no horizonte. Com a maré baixa, como nesse dia, vários grupos saem para caminhar na areia. De lá de cima também podemos ver todo o estacionamento ao longo da estrada que liga a ilha ao continente.

 

Depois de ver a igreja, entramos na parte da abadia onde viviam os monges. Uma das partes mais bonitas é o claustro, com sua colunata dupla. O interior da abadia é bastante escuro, frio e úmido. Os grandes salões estão em sua maioria vazios, quase sem nenhuma mobília. Também não há nenhuma decoração luxuosa, como exigia a rígida disciplina dos monges beneditinos.

 

Os enormes espaços com pesados tetos de pedra sustentados por esguias colunas góticas são conectados por escadas e passagens estreitas. Como a planta da abadia se adaptou ao formato do rochedo, não é muito fácil entender a disposição dos espaços.

 

Com a Revolução Francesa, os beneditinos foram expulsos da abadia, que se tornou uma prisão. Por incrível que pareça, o fato de ter sido instalada ali uma prisão, diante das circunstâncias revolucionárias, foi bom. A outra opção seria a demolição! Só em 1966 os monges beneditinos voltaram ao Mont Saint-Michel, retomando sua original vocação religiosa. Desde 2001 a Fraternidade Monástica de Jerusalém é responsável pela administração da abadia e pelas celebrações religiosas.

 

A loja na saída da abadia é grande, mas os preços e a variedade não são muito bons. Quando saímos da abadia estávamos mortos de fome e sede. Já era mais de 5 horas da tarde e só estávamos com o café da manhã que tomamos em Saint-Malo. Na descida passamos outra vez pela única rua da ilha, mas deixamos para olhar as lojas depois de comer alguma coisa.

 

Devido ao grande fluxo de turistas a toda hora do dia, aqui sempre há opções de restaurantes abertos, mesmo fora do horário normal de almoço. Paramos em um restaurante e pedimos o que achamos que seria mais fácil e rápido: pizza! Pedimos também suco e refrigerante. A conta saiu por 37 Euros (R$ 92,50).

 

Depois de uma rápida olhada nas lojas de souvenirs tivemos que nos despedir do Mont Saint-Michel. Já estava começando a escurecer e, além da maré estar subindo, ainda tínhamos um longo caminho pela frente até Rouen, onde íamos dormir.

 

Não é a toa que o Mont Saint-Michel é um dos lugares mais visitados da França, recebendo mais de três milhões de pessoas por ano. Religião, história, arquitetura, clima, paisagem… parece que tudo conspira para manter ali uma atmosfera única. Sem dúvida é um dos lugares mais marcantes de todos os que visitamos na França.

 

Para quem está planejando a viagem é bom visitar o site oficial do Mont Saint-Michel para confirmar os preços e os horários.

 

Pegamos a estrada outra vez, já praticamente escuro. Esse foi o segundo trecho mais longo da viagem de carro pela França e a maior parte do tempo a chuva não deu trégua. Foram mais de 250 km que fizemos em pouco mais de três horas, com paradas nos pedágios (os valores variam de 3 Euros/R$ 7,50 a 13 Euros/R$ 32,50) e uma parada para abastecer o carro, tomar um café e esticar as pernas.

 

Chegamos em Rouen quase 10 horas da noite, muito cansados. Nesse dia não conhecemos nada. Praticamente só vimos de longe a enorme catedral e as luzes coloridas de um parque de diversões nas margens do rio Sena. Paramos em frente ao hotel, tiramos a bagagem e a Dani ficou fazendo o check-in enquanto eu fui deixar o carro em um estacionamento público quase ao lado do hotel.

 

Ficamos no Comfort Hôtel Rouen Alba, bem no centro, perto do rio, de frente para uma pracinha e com vista para a grande catedral. Fizemos a reserva pelo Booking.com. O quarto de casal era simples mas espaçoso, limpo, novo e com todas as comodidades, incluindo internet wi-fi gratuita. Duas diárias custaram só 100 Euros (R$ 250), sem café da manhã.

 

Depois que eu estacionei o carro, eu voltei para o hotel, nós subimos e fomos logo dormir. Tínhamos planejado duas noites na cidade e sabíamos que, descansando bem, teríamos bastante tempo para conhecer Rouen no outro dia.

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Vigésimo sétimo dia. Sexta-feira, 28 de outubro de 2011.

 

Ao abrir a janela pela manhã demos de cara com a emblemática catedral de Rouen. É verdade que tinha um prédio e um estacionamento na frente, mas mesmo assim é uma imagem marcante. Afinal, não é todo dia que acordamos de frente para uma obra como essa.

 

Nosso hotel não incluía café da manhã então saímos direto para passear. Fazia um dia bonito em Rouen, com céu aberto e uma temperatura agradável, em torno dos 16 graus.

 

Muita gente vem à Normandia em busca das praias onde, na Segunda Guerra Mundial, as tropas aliadas desembarcaram no Dia D, dando o pontapé inicial da operação Overlord, que libertou a França do domínio nazista. A operação Overlord foi a maior invasão marítima da história e resultou em mais de 300 mil mortes. Nas cidades da região há vários cemitérios e museus alusivos aos eventos da guerra. Não visitamos esses pontos pois demos preferência para a capital histórica e principal cidade da Normandia, Rouen.

 

Com origens remotas em povoações gaulesas, a cidade foi oficialmente fundada pelos romanos, no séc. I d.C. Já na Idade Média, no séc. IX, Rouen foi invadida pelos Vikings (Normandos). O rei da França, Carlos III, percebendo que não conseguiria manter sua soberania no baixo Sena, cedeu aos Vikings e a região passou a se chamar Normandia. O chefe Viking, Rollo, jurou lealdade ao rei da França, converteu-se ao Cristianismo e tornou-se o primeiro Duque da Normandia.

 

Mais tarde, Guilherme, o Conquistador, Duque da Normandia no séc. XI, invadiu a Inglaterra, associando a Normandia continental aos domínios normandos nas ilhas britânicas. Apesar de inúmeras guerras, incêndios e da peste negra, a cidade prosperou como um importante centro comercial no rio Sena, rivalizando até mesmo com Paris.

 

Só em 1204 Rouen passou a fazer parte do Reino da França outra vez, quando a Normandia foi conquistada por Filipe II, rei da França. Durante a Guerra dos Cem Anos (1340 a 1453), foram travadas intermináveis batalhas entre duas dinastias (uma de origem anglo-normanda e outra de origem francesa). Em jogo estavam os tronos inglês e francês. Em 1419 Rouen chegou a ser invadida pelos ingleses.

 

Os séculos seguintes foram de relativa paz e prosperidade vinda do comércio, da pesca e dos tecidos. A cidade também teve papel importante na colonização de Québec, a parte francesa do Canadá, que recebeu muitos imigrantes vindos de Rouen.

 

Hoje Rouen é uma cidade grande para os padrões franceses, com cerca de 600 mil habitantes na região metropolitana. Mesmo assim, o centro histórico, que é onde se concentram as atrações, é bem compacto e podemos visitar tudo a pé e em um mesmo dia.

 

O centro é quase todo pedestralizado e formado por ruelas sinuosas e movimentadas, cheias de comércio. Apesar de toda a história de destruição que pontua o passado da cidade, o bairro antigo está bem conservado e apresenta quarteirões inteiros de casas medievais com as vigas de madeira aparentes na fachada, tradicionais na região.

 

Nessas ruazinhas há muitos restaurantes, bares e lojas. Um dos pontos mais conhecidos do centro é o famoso Gros Horloge, o grande relógio gótico decorado que fica em cima de um arco que liga duas ruas. É quase impossível caminhar pelo centro sem encontrá-lo alguma hora.

 

Entre as lojas, uma delas chamou logo a atenção da Dani. Les Macarons de Grand Mère Auzou é uma loja regional especialista no doce mais gostoso que comemos na viagem toda, o macaron. Compramos uma caixinha com sabores variados e guardamos para comer depois.

 

Passear pelo centro de Rouen é muito agradável. Há feiras de flores com floristas fazendo arranjos na hora, parquinhos para as crianças e a tranquilidade de ruas sem tráfego pesado de veículos. Tudo isso emoldurado pelo casario medieval. Na principal praça da cidade, a Place du Vieux Marché (Praça do Antigo Mercado), encontramos uma igreja moderna que destoa do entorno antigo. É a Église de Sainte Jeanne D’Arc.

 

Nascida na região do Vale do Loire, Joana D’Arc, de origem camponesa e pobre, foi a guerreira virgem e abençoada que liderou as tropas francesas contra os ingleses na Guerra dos Cem Anos vencendo batalhas atrás de batalhas. Seus feitos ficaram famosos na época e o povo começou a acreditar que realmente Deus estava ao lado dela.

 

Em uma dessas campanhas militares Joana D’Arc foi capturada pelos exércitos aliados aos ingleses e levada a Rouen, então sob controle inglês. Foi então ‘julgada’ pela Igreja acusada de assassinato, heresia e bruxaria. Condenada, às 9 horas da manhã do dia 30 de maio de 1431, aos 19 anos, Joana D’Arc foi queimada viva em plena Place du Vieux Marché, no exato lugar onde hoje está sua igreja. Suas cinzas foram jogadas no rio Sena, que corta a cidade.

 

A igreja é de arquitetura moderna, por dentro e por fora. Vale a pena conhecer pela representatividade, mas não é das igrejas mais bonitas da França. O que chama mais a atenção sem dúvida são os vitrais. Eles foram retirados de uma outra igreja antiga que já não existe mais, sendo adaptados à nova construção.

 

Felizmente Joana D’Arc foi historicamente e religiosamente reabilitada. O Papa Calisto III, inocentou a heroína ainda em 1456, anulando o processo eclesiástico por vícios no conteúdo e na forma. Depois de muito tempo esquecida pelos livros de história, com o surgimento do monarquismo pós-Revolução Francesa e, mais tarde, do nacionalismo do séc. XIX, a história da guerreira patriota foi reavivada e ela foi elevada à categoria de heroína nacional. Em 1909 foi beatificada. Em 1920 o Papa Bento XV a canonizou e a nomeou santa padroeira da França.

 

Quando saímos da igreja, passamos no mercado ao lado, o Halle du Vieux Marché, que também é um prédio bem moderno, no mesmo estilo da igreja. Dentro há diversas lojinhas com os melhores ingredientes da região: verduras, queijos, frutas, carnes, peixes e especiarias. Vale a pena dar uma olhada.

 

Olhar toda essa comida nos fez lembrar que não tínhamos tomado café da manhã e nos deu fome. Resolvemos ir logo almoçar. Escolhemos um restaurante arrumadinho na própria Place du Vieux Marché, o Carpe Diem Café.

 

Pedimos salmão defumado com fois gras e torradas de entrada. Como pratos principais eu pedi entrecôte au sauce camembert (bife de costela com molho de queijo camembert) e a Dani pediu escalope de dinde a la normande (escalope de peru com molho de creme e cogumelos). De sobremesa pedimos pomme au four à la crème d’amandes (maçã ao forno com creme de amêndoas) e o melhor crême brûlée que nós já comemos. Tudo isso mais bebidas saiu por 58,80 Euros (R$ 147). O restaurante é bom e o atendimento é simpático. Recomendo.

 

Depois desse almoço farto e delicioso fomos nos arrastando conhecer os dois maiores monumentos góticos de Rouen: o Palácio da Justiça e, claro, a Catedral.

 

A construção do Palácio da Justiça data de 1499. A rebuscadíssima estrutura em estilo gótico, cheia de gárgulas, espirais e estatuária é uma das melhores amostras da arquitetura gótica francesa do final da Idade Média. É ainda mais significante por se tratar de uma construção civil e não religiosa.

 

Os bombardeios ocorridos em 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, que precederam a invasão aliada da Normandia então ocupada pelos nazistas, danificaram muito o prédio. Em 1946 as obras de restauração começaram. O prédio já foi reinaugurado mas até hoje ainda são feitos alguns reparos e reconstituições de partes das esculturas da fachada que foram perdidas. Marcas de tiros ainda podem ser vistas nas paredes de pedra.

 

Seguimos caminhando rumo à Catedral de Rouen e passamos mais uma vez pelo Gros Horloge, sempre cercado de turistas tirando fotos.

 

A Catedral gótica é sem dúvida o ponto alto da cidade. É o grande símbolo de uma época áurea para Rouen e para a Igreja Católica. Há evidências de que no local já havia uma igreja desde o séc. VI. Destruída com as invasões normandas, a igreja primitiva foi substituída por uma catedral em estilo românico. A atual Catedral de Notre-Dame de Rouen foi construída entre 1201 e 1514 e está entre as mais belas catedrais góticas da França.

 

As proporções dessa igreja impressionam. Com mais de 60 metros de largura fica difícil conseguir tirar uma foto da fachada inteira, ainda mais porque a praça em frente à Catedral não é muito grande.

 

A torre mais alta, conhecida por ‘flecha’ ou ‘agulha’ mede 151 metros de altura e na época em que ficou pronta tornou essa Catedral a construção mais alta do mundo. Até hoje, a Catedral de Notre-Dame de Rouen é a mais alta igreja da França.

 

As duas torres da fachada principal são diferentes. Aliás, a fachada toda é completamente assimétrica. Toda entalhada, a Catedral se revela um trabalho único. Em uma época em que a maioria da população era analfabeta, as imagens serviam para contar histórias inteiras. Na fachada há muitos nichos para imagens santos e muitos deles estão vazios pois as peças estão em restauro. Desde a Segunda Guerra Mundial, quando a Catedral sofreu grandes danos, os trabalhos de restauração são contínuos e algumas partes estão bem escurecidas, contrastando com as partes já renovadas.

 

Por dentro a Catedral de Notre-Dame de Rouen não é tão detalhada quanto por fora e predominam as linhas retas. Nem por isso o interior é menos grandioso.

 

Claude Monet, o pintor impressionista que morou grande parte da sua vida em Giverny, uma pequena vila na Normandia no meio do caminho entre Rouen e Paris, retratou a Catedral de Rouen em vários quadros, explorando as diferentes tonalidades da luz na detalhada fachada ao longo do dia.

 

Não há cobrança de ingresso para visitar a Catedral. Era mais ou menos 4 e meia da tarde quando saímos e percebemos que estávamos muito cansados. Resolvemos ir para o hotel, descansar um pouco e sair outra vez à noite.

 

No hotel, lembramos dos macarons que compramos pela manhã. É difícil até explicar como é gostoso. Incrível como os sabores ficam reconhecíveis. Café, chocolate, pistache, baunilha, morango, uva, nozes, caramelo, rosas… tudo natural, sem aditivo nenhum. Comemos os 14 macarons sem nem perceber.

 

Quando acordamos já estava escuro. Saímos e fomos caminhando na direção das margens do rio Sena. Ao ver as luzes coloridas do parque de diversões, resolvemos que nossa noite seria por lá mesmo. E não poderíamos ter acertado mais!

 

Atravessamos o rio e para entrar no parque tivemos que passar por detectores de metal. Notamos que praticamente todos que estavam no parque eram moradores da cidade, ou seja, aquela obviamente não era uma atração turística. Ali vimos que os franceses também podem ser pessoas simples, quebrando o estereótipo de chics e refinados.

 

Havia muitas opções de brinquedos, estandes de jogos e de comidas. A Dani nem cogita ir em um brinquedo mais radical. Mas aí vimos um trem fantasma. Um carrinho vinha saindo com um garotinho de uns quatro anos gritando desesperadamente e agarrado ao irmão mais velho que não parava de rir. Achamos a cena hilária e resolvemos ir também.

 

O ingresso custava 2 Euros (R$ 5). Quase não coubemos no carrinho (que é feito para crianças e não para dois adultos que não tiveram infância). Chegamos a ficar nervosos a espera do carrinho começar a andar. Dentro tudo era escuro e até que as surpresas eram bem feitas. Os robôs de caveiras e monstros eram engraçados. Mas o destaque mesmo ficou por conta do cara que pegava na nossa cabeça e depois encostava uma moto-serra trepidando na nossa perna. Sabíamos que era de mentira, mas o reflexo era inevitável.

 

Acho que a última vez que eu tinha andado em um trem fantasma tinha sido há mais de 20 anos! Achamos muito legal! Saímos às gargalhadas. Continuamos passeando pelo parque que estava lotado. Para um parque itinerante os brinquedos pareciam ser até bastante seguros e tudo era muito organizado.

 

Paramos para comer em uma barraca de sanduíches. A Dani pediu um com salsicha alemã e eu finalmente resolvi provar o kebab, o famoso sanduíche árabe com aquela carne que fica rodando no espeto (tem gente que detesta, mas esse estava muito bom!). Os dois sanduíches vieram com batatas fritas. Tudo saiu por uns 15 Euros (R$ 37,50), com refrigerantes.

 

Depois do lanche voltamos a caminhar ao longo do parque que parecia não acabar, era enorme. Aí encontramos outro trem fantasma, mais ‘moderno’ que o outro. E lá fomos nós outra vez. Esse era um pouco mais caro, 3 Euros (R$ 7,50), mas foi também muito legal. Até pegamos alguns sustos de verdade!

 

Ficamos no parque por mais de duas horas. Por fim, resolvemos provar um doce presente em quase todas as barraquinhas coloridas, o guimauve. A massa fica pendurada em umas ‘árvores’ escorrendo lentamente até o doceiro dobrá-la e pendurá-la de novo. Não sei se tem um nome para essa guloseima em português, mas na França ele é muito popular nesses parques.

 

Pedimos um palito duplo (3 Euros/R$ 7,50) com sabor de banana e morango. Sentimos o gosto da infância. Parece muito com uma bala que eu comia quando era criança e que não existe mais, chamada xaxa. Vendia na porta do colégio e era embalado em um papel colorido com a cara de um gato.

 

Fomos embora mais de 10 horas da noite. No outro dia não passearíamos mais pela cidade. Nosso plano era acordar, fazer o check-out e seguir para Giverny e depois para Paris, onde íamos dormir.

 

Em Rouen, em um mesmo dia, fomos à uma Catedral histórica, à um parquinho de diversões itinerante e ainda comemos muito bem. O que dizer da capital da Normandia? Nós adoramos!

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