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O mundo não acabou e eu não tive tempo de postar o relato antes que ele acabasse(rsrsrsrsr) mesmo fora do contexto, ai vai ele.

 

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VOLTA À ILHA BELA –SP - A TRAVESSIA DO APOCALIPCE.

 

_ VAIIII LENA! Gritou meu amigo Dema. A Lena não foi. Deu uma escorregada numa pedra e por La ficou, chorando e em estado de pânico. A menina havia dado um show nas trilhas. Aguentara de tudo, desde trilhas com altos aclives, travessia por mato fechado, onde tivemos que enfrentar terríveis taquaruçus espinhudos, havíamos passado por gretas potencialmente perigosas, enfrentado borrachudos ferozes e por várias vezes perdemos as trilhas e andamos vagando meio sem rumo e por caminhos incertos, hora tendo por companhia, uma chuvinha fria e hora enfrentando o mormaço infernal da mata atlântica. Mas a Lena havia chegado ao seu ponto fraco, mesmo com colete, ela se recusava a se atirar no mar e nadar até o pequeno barquinho de pesca de camarão que veio nos tirar da enrascada em que havíamos nos metido. O Dema estava nervoso, sabia que não havia tempo a perder. O barquinho balançava de um lado para o outro e corria o risco de bater no costão e naufragar. Não teve jeito, o Dema empurrou sua esposa no mar e se jogou atrás dela. A Lena foi. Nadou mais depressa que o Cesar Cielo e quando chegou â borda do barquinho, implorava para não morrer. O meu amigo subiu no barco e com a ajuda do pescador, a puxou para dentro. Metade dos problemas estava resolvido. A outra metade era convencer o Dema que não poderíamos seguir sem nossas mochilas. Ele insistia em largar tudo à beira do costão e salvar nossas vidas. Eu estava resoluto a não embarcar em barco algum sem minha mochila. Do barco vi quando ele fez um sinal para eu levar as mochilas para outra pedra, em um lugar mais abrigado. Carreguei as três cargueiras para o local indicado, enquanto o pescador tentava desesperadamente segurar o barco para que ele não batesse nas rochas. Quando terminei de carregar as mochilas por uma grande pedra que tinha que ser escalada, retirei minhas botas, as perneiras anti-cobra e esperei o meu resgate. Foi aí que vi o barquinho dar meia volta e começar se afastar do costão. Na minha cabeça se passou apenas uma frase: Merda, esses filhos da puta vão me largar aqui mesmo?

“O primeiro anjo tocou a trombeta; formou se uma chuva de granizo e fogo, de mistura com sangue que foi atirada sobre a terra e foi queimada a terceira parte das árvores e toda a erva verde” O terceiro anjo tocou a trombeta; caiu do céu uma grande estrela, a arder como um facho...... e muitos homens morreram.... “

 

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Anunciado o FIM DO MUNDO para dezembro e como tínhamos pela frente um dos maiores feriados de todos os tempos, resolvemos começar as comemorações deste grande evento mundial com uma mega travessia. Para essa grande caminhada, foram convocados vários amigos, mas somente toparam o desafio, meu velho amigo Prof.: Dema e sua esposa Lena, e ainda nosso amigo João Paulo, que carinhosamente costumo chamar de “ melindroso”. A caminhada não poderia ser outra, A VOLTA À ILHA BELA, caminhada que eu já esperava para realizar a vários anos e não havia feito ainda porque não tinha conseguido os seis ou sete dias de folga que seria preciso para realizar tal façanha. Juntando portando, os feriados da República e da consciência Negra, embarcamos para Caraguatatuba em um ônibus que partiu da rodoviária de Campinas e que às 23 horas nos deixou no litoral. O próximo ônibus para Caraguá, só sairia à meia noite e dez e enquanto esperávamos , colou em nós um pseudo taxista que nos ofereceu para nos levar a São Sebastião por 50 reais. O problema não era o preço, mas a cara do sujeito. No fim o cara baixou o preço para menos de 20 reais, mas eu estava resoluto a não ir nem que fosse de graça e minhas desconfianças foram compartilhada com todos os outros integrantes. Foi quando dei logo um passa fora no meliante, que depois ficou nos jogando indireta. Foi aí que sacamos de vez qual era a intenção do sujeito. Mas aí o Dema já havia dito onde pretendíamos descer, já que a nossa intenção era passar o resto da noite na casa dos primos do Dema que mora na Enseada. Pelo sim, pelo não, resolvemos tocar direto com o ônibus até a balsa para Ilha Bela, onde desembarcamos lá pela uma hora da madrugada.

ILHA BELA, maior ilha marítima do Brasil, capital brasileira da vela, o maior percentual de mata atlântica preservada do Brasil, a ilha com os maiores picos, mais de 300 cachoeiras e corredeiras, triangulo das bermudas brasileira, capital intergaláctica dos borrachudos. De longe um dos lugares mais enigmáticos e misteriosos do Brasil. Foi nesse lugar que pisamos depois que a balsa atravessou o grande canal que a separa do continente, que não leva mais que meia hora de travessia. Assim que atravessamos, andamos uns 10 minutos e viramos a direita na estrada principal que se dirige para o sul da ilha. Fomos subindo pelo asfalto e 2 km depois chegamos a Praia de Pedras Miúdas, bem no portinho de onde sai as embarcações que se dirigem até a ilha das Cabras, não mais de 500 metros mar adentro, na verdade no meio do canal. A praia de Pedras Miúdas tem uma faixa de areia curta, com águas bem calmas. Ali um grande quiosque foi construído, com um deck que praticamente invade a areia, e foi ali que resolvemos passar a noite, embaixo do deck e protegido dos curiosos. Não montamos barraca, apenas bivacamos com nossos isolantes e sacos de dormir.

O dia amanheceu lindo e logo cedo nos levantamos, enfiamos tudo na mochila e nos dirigimos para o ponto de ônibus que ficava a não mais de 10 metros da prainha. Meia hora depois o ônibus que se dirige para o sul da ilha passou. Seu trajeto é a beira mar e apesar do feriado, ficou apinhado de gente. O “pinga-pinga” levou quase uma hora para chegar ao seu final, que também é onde o asfalto acaba, em um local conhecido como Borrifos, perto da ponta da Sepítuba. Descemos da lata de sardinha e continuamos enfrente, agora caminhando pela estradinha de terra, que logo cruza por um riacho e entra de vez na floresta. Meia hora depois, já no final da estrada e onde efetivamente começa a trilha para Bonete, paramos para tomar um café no estacionamento, onde também se pode acampar. Eu já conhecia o casal de pescadores que moram ali há muito tempo e aproveitei para revê-los. Com a barriga cheia, demos início a nossa caminhada, mas antes tivemos que nos reportar a um funcionário da prefeitura de Ilha Bela , que estava na entrada da trilha para fazer a contagem dos caminhantes que se destinavam a Praia do Bonete.

Logo na entrada da trilha, uma placa já meio enferrujada descreve como sendo o ano de 1.984 o ano do término da estrada que ligaria a cidade de Ilha Bela a Praia do Bonete. Uma frase típica da ditadura militar enfatiza: O IMPOSSÍVEL TORMA-SE POSSÍVEL. Como a natureza tava “cagando e andando” para qualquer general, não demorou muito e tomou de volta o que lhe pertencia e hoje a velha estradinha não passa de uma larga trilha que rasga a imensa floresta. Menos de uma hora depois estávamos na cachoeira da Laje, que agora conta com uma enorme ponte pêncil . Aproveitamos o tempo abafado e nos lançamos piscina natural adentro. No local também havia um escorregador natural, onde uma pedra no final da descida ralava o “fiofó” de quem se aventurava queda abaixo. Retomamos a caminhada ladeira acima e em mais uma hora chegamos às cachoeiras do Areado e 10 metros antes de atravessar o riacho, pegamos uma discreta trilha para a direita que nos levou para uma pequena prainha, que por causa da maré alta não tinha um palmo de areia à mostra. Ficamos uma meia hora por lá descansando e olhando àquele marzão sem fim, com ondas gigantescas que explodiam nas rochas. Menos de quinze minutos depois já estávamos de volta ao rio Areado e como começou a garoar partimos rapidamente e aí tivemos que enfrentar outra grande subida com lama escorregadia. Como não há sofrimento que dure para sempre, uma hora a subida arrefece de vez e surge a nossa frente a visão espetacular da PRAIA DO BONETE.

As 16h00min aproximadamente chegamos a uma bifurcação do lado direito da trilha que em 5 minutos nos leva ao grande mirante do Bonete. Uma Rocha gigantesca, onde a paisagem se abre de frente para a grande praia, que por incrível que pareça, apesar do feriado, estava completamente vazia. Voltamos para a trilha principal e em meia hora pisamos na areia de Bonete, onde fomos caminhando calmamente, aproveitando a brisa que vinha do mar. Fomos à procura de um camping para montarmos nossas barracas, não demorou muito já encontramos um dos dois campings do Bonete, que estava vazio, sem nenhuma barraca. O preço pedido pelo camping era baixo, considerando que estávamos em pleno mega feriado prolongado, meros 10 reais. O Dema não gostou da área, achou um pouco suja de mais. Eu não vi esta sujeira toda e logo notei que meus amigos não estavam nem um pouco a fim de gastar nosso mirrado dinheirinho pagando área de camping. Como eu também não tava nem ai pra coisa, também deixei de lado essa ideia de acampar em um lugar estruturado. A fome já havia apertado faz tempo e então partimos para o riacho que desaguava ali na praia. Passamos por dentro do vilarejo, cruzamos um riachinho junto a umas casas, viramos á direita e chegamos à ponte pêncil que cruza o lindo rio de águas cristalinas. Descemos até o rio e tratamos logo de colocarmos as panelas no fogo. Enquanto o almoço cozinhava a Lena e o João foram tomar banho nas piscinas naturais e depois ficaram jogando conversa fora trajando apenas roupas de banho. Foi nessa hora que os nossos amigos foram surpreendidos pelo mais feroz animal desta fantástica ilha. Sem que percebessem foram atacados pelas costas pela “ Besta voadora”, o ILHABELUS CARNIVURUS, popularmente conhecido como borrachudo(rsrsrsrsrs). O animal “selvagem” fez um estrago nas costas da Lena e do João, uma marca que eles teriam que carregar pelo resto da viagem.

Já estava quase escurecendo quando terminamos de almoçar (jantar), quando resolvemos voltar para a praia e bivacar na areia, isso é, dormir sem montar barraca para não chamar a atenção de ninguém. Sentamos embaixo de uma árvore bem na entrada da vila, perto de onde havia um quiosque coberto e com piso de madeira. Aproveitei a chegada da noite para ir tomar banho pelado na foz do riacho. O Dema foi o único que dormiu sem tomar banho, credo! Quando voltei do banho noturno meus três amigos já haviam pegado no sono e foi preciso acordá-los para colocar em prática nosso plano: Esperar escurecer e estender nossos isolantes e sacos de dormir dentro da cobertura do quiosque. Fizemos isso e tivemos uma noite maravilhosa.

“O quarto anjo tocou a trombeta; foi ferida a terça parte do sol, a terça parte da lua e a terça parte das estrelas, de maneira que se obscureceu a sua terça parte e o dia perdeu a terça parte do seu brilho, assim como também a noite. Depois vi e ouvi a voz de uma águia, que voava pelo meio do céu, a qual dizia em voz alta:Ai.ai,ai dos habitantes da Terra, por causa das outra vozes dos três anjos que vão tocar a trombeta”.

 

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Às seis da manhã nos pomos de pé, tomamos café e nos despedimos desta grande e linda praia. Tomamos novamente o caminho para dentro do vilarejo, passamos pela ponte do riachinho, viramos a direita por entre algumas casas, atravessamos a ponte pêncil e viramos à esquerda e fomos margeando o rio e uns 10 ou 15 minutos depois chegamos à estradinha. Nosso caminho deveria seguir para a direita, mas antes pegamos para a esquerda e em menos de 3 minutos chegamos ao poço fundo. Um lindo poção de águas transparentes. Ainda era cedo, mas eu e o Dema não perdemos a oportunidade de dar um mergulho. Voltamos para a estrada, que vai ganhando altura e logo estamos com a Praia do Bonete e seu vilarejo aos nossos pés. Outra trilha lateral saindo à direita nos leva a mais um mirante. O pico de São Sebastião, quase 1400 metros de altitude, o cume da Ilha Bela, está encoberto nesta manhã, sinal de poderá chover a noite. Voltamos para trilha principal e logo chegamos ao topo da montanha que separa Bonete da Praia das Enchovas. Depois de uma estratégica parada para umas fotos em mais um mirante, foi só tocar para baixo e em pouco mais de uma hora de caminhada desde a Praia do Bonete, atingimos a Praia das Enchovas. Bela praia, com um riacho no meio. Foi no riacho que paramos para um longo descanso, já que o Dema havia esquecido as botas da Lena no topo da montanha e teve que voltar lá para buscá-la. Enquanto o Dema enfrentava seu martírio, aproveitamos para conhecer toda a praia, onde no seu final havia uma grande casa abandonada, um bom lugar para passar a noite, pena que não soubemos disso antes, se não teríamos tocado até aqui no dia anterior. Casa habitada mesmo só havia uma no início da praia. Foi lá, conversando com um simpático pescador que descobri a continuação da trilha para a próxima praia. Há uma coisa peculiar na Praia das Enchovas, pouco acima da faixa de areia ela é tomada por uma infinidade de seixos roliços de todos os tamanhos. No mar um grande paredão de pedra da uma acalmada nas fortes ondas do local. O Dema voltou. Voltou mais puto do que foi. Voltou para descobrir que não havia esquecido as botas da Lena no topo da montanha, ele as havia deixado atrás de uma pedra junto ao riacho da praia onde estávamos. (KKKKKKK, se fud.....). Passamos por dentro da propriedade do pescador, cruzamos o riacho por dentro da água e reencontramos a trilha do outro lado. Trilha larga e bem definida com aclives moderados. Logo inesperadamente a trilha se transforma em calçamento e então demos de cara com uma bifurcação iluminada e com câmera de segurança. Estamos na mega propriedade dos Olacir de Morais, os antigos reis da soja, já foram os maiores plantadores de soja do mundo. O caminho correto é para a direita, aonde vai aparecendo um monte de espelhos circulares ao longo da estradinha. Aí vem a pergunta: Para que diabos serve este monte de espelho? Estávamos em um lugar ermo, sem entradas que pudesse ligar a próxima praia a algum lugar. Sem respostas fomos descendo até que chegamos à entrada da PRAIA DE INDAIAÚBA. Sem dúvida uma das mais belas praias de Ilha Bela. Águas em vários tons de azul e verde, um espetáculo só. Do seu lado direito, piscinas naturais, onde mergulhamos para ver os corais e os peixes coloridos. Resolvemos nos demorar mais naquela praia. Decidimos usar o pequeno riachinho que desaguava nas pedras para fazermos nosso almoço. Não demorou muito, apareceu um dos capangas dos reis da soja para nos interpelar. Queria saber de onde vínhamos, para onde íamos. Minha vontade foi logo de dar um passa fora no jagunço. A praia não era dele e nem de seu amo, que importava o que estávamos fazendo ali? Mas como sabíamos que teríamos que passar de novo na propriedade deles para pegar a trilha para Castelhanos, resolvemos apenas informar que assim que acabássemos de almoçar, picaríamos a mula para outra paragens. Logo em seguida vimos quando um quadricículo passou pela estradinha calçada e antes mesmo de nossos queixos caírem no chão, vi passar enfrente aos meus olhos uma pajeiro novinha. Uma pajeiro para andar apenas uns 500 metros de estrada, trouxeram uma pajeiro de helicóptero ou de balsa para economizar meros 500 metros de caminhada, estava batido o record mundial de ostentação e de preguiça.

De volta à estrada calçada, bem no início da praia, uma placa indica o caminho para Castelhanos. Viramos a esquerda na placa e logo em seguida pegamos para a direita e fomos seguindo pelas mangueiras de água até uma pequena barragem acima. Pulamos o pequeno riacho e pegamos a trilha do outro lado. Trilha meio suja, mas bem nítida. Ela logo passa por um imenso bambuzal e aí começa a subir sem dó nem piedade. Foi nesta hora que notamos que o João Paulo começava a dar sinal que não ia demorar muito para empacar. Já começou a reclamar das assaduras e das bolhas nos pés, bolhas estas proporcionadas por uma bota snake novinha (eu avisei, rsrsrsrsr). A grande subida durou por mais de hora e depois também arrefeceu. Agora as subidas e descidas se alternavam, mas eram mais tranquilas e água também não faltava, pois a cada quinze ou vinte minutos cruzávamos com algum pequeno riacho. Umas quatro ou cinco horas depois chegamos a um local onde a trilha estava interditada. ‘Arvores e galhos haviam caído sobre a trilha e fizemos o mesmo que vínhamos fazendo quando encontrávamos esse tipo de obstáculo. Dávamos a volta e reencontrávamos a trilha mais à frente. Feito isso retomamos de novo o nosso caminho, mas não era mais uma trilha tão nítida quanto antes. Era preciso ir lendo os vestígios deixados por facões e sinais de folhas remexidas no chão. Andamos uns 10 minutos naquela agonia de não saber ao certo se estávamos no caminho correto, até que paramos. Era certo que estávamos em uma trilha, mas com certeza não era a trilha que deveria nos levar à praia de Castelhanos. Eu e o Dema resolvemos largar as mochilas com o João e a Lena e fomos investigar. Com certeza nosso caminho estaria em algum lugar mais abaixo de nós, do nosso lado esquerdo. Seguimos para essa direção, usando um pequeno vale como referência. Descemos uns 15 ou 20 minutos até encontrarmos um resquício de trilha. Mas era uma trilha igualmente a anterior, fechada e que parecia não ir para lugar nenhum. Resolvemos voltar para junto do João e da Lena, mas perdemos a direção e nos vimos perdidos no mato. Mas como somos experientes tratamos logo de usarmos o nosso esquema infalível. O esquema “morcego barulhento” e gritávamos desesperadamente, até ouvirmos o eco das vozes do João e da Lena e aí seguíamos na direção indicada, rasgando o mato no peito. Logo estávamos de volta, agora tendo como companhia a escuridão e o breu da floresta. Decidimos então que o melhor seria acamparmos, já que a chuva estava na iminência de desabar sobre nossas cabeças. Voltamos um pouco e abrimos uma pequena clareira às margens de um pequeno riacho. Enquanto o Dema e o João montavam as barracas, peguei a lanterna e voltei na trilha para investigar. Toda vez que me vejo fora da trilha principal me bate uma aflição. Voltei até o local onde a trilha estava interditada e resolvi usar o método circular para encontrar possíveis caminhos. Dei a volta pela direita e não demorou muito, lá estava a safada da trilha, bem escondida atrás de uma grande árvore. Trilha bem larga e bem consolidada. Havíamos dado o azar de sem querer encontrar a trilha que segue para a Praia da Figueira. Então o que deveríamos ter feito, era quando encontramos a trilha interditada, ao invés de forçarmos passagem pela interdição, tínhamos que virar a esquerda e pegar a Trilha para Castelhanos depois da grande árvore. Voltei para o acampamento feliz da vida de ter reencontrado nosso caminho. Fizemos a janta e nos pinchamos para dentro da barraca e dormimos pesadamente enquanto a chuva caia lá fora.

“O quinto anjo tocou a trombeta, e vi uma estrela caída do céu sobre a Terra, e foi lhe dada a chave do poço do abismo. Ela abriu o poço do abismo; e subiu uma fumaça do poço, como fumaça de uma grande fornalha, e escureceu o sol e o ar com a fumaça do poço.”

Levantamo-nos às sete da manhã. Desmontamos tudo, tomamos café e seguimos. A chuva havia parado e o mormaço tomava conta outra vez do ambiente. Pegamos a trilha certa e para nossa surpresa em meia hora saímos no aberto e já avistamos a Praia Mansa e meia hora depois já estávamos atravessando o riacho junto às casas dos pescadores. A Mansa é uma pequena praia de águas calmas, com uma orla enfeitada por coqueiros e no seu canto direito um riacho forma uma gostosa lagoa. O mar estava calmo e a água muito transparente. Um lindo gramado bem junto a areia da um charme todo especial a bela prainha. Seguimos para a próxima praia, que fica logo após uma grande subida, do outro lado de um morro. A Praia Vermelha não é tão bonita quanto a Mansa, mas foi lá que encontramos um pescador que era uma simpatia só, ele queria porque queria que ficássemos para comer umas lulas com ele. Diante do nosso atraso, resolvemos seguir enfrente. Tiramos umas fotos da prainha e voltamos para a trilha, que em menos de 20 minutos nos levou a grande e famosa PRAIA DE CASTELHANOS. Castelhanos que alem de ser o nome da praia, também dá o nome à baia. O lugar já foi um importante entreposto clandestino de tráfico negreiro, lugar para desembarque de navios piratas e palco de diversas lendas da ilha. A praia tem uns 2 km em forma de coração, onde uma pequena ilha pode ser alcançada a nado ou até mesmo a pé em dias de maré baixa. Há um mirante do lado direito da praia, onde se descortina uma das mais belas visões de praia de todo o Brasil. Lá de cima o que se avista são montanhas cobertas de florestas, onde várias cachoeiras emolduram o quadro do Paraíso. A cachoeira do Gato, a maior de Ilha Bela se mostra em todo o seu esplendor. Foi na subida deste mirante que eu tive a infelicidade de perder a minha câmera fotográfica. Perdemos umas 2 horas tentando encontrá-la, mais foram em vão. Já conformado com a perda de parte das fotos da travessia, resolvemos parar para comer um “PF” num boteco à beira mar. O João já dava sinais de “estropiamento”. Estava assado feito um frango de padaria e seus pés tinham mais ferida que os pés dos pedintes das cidades grandes. Foi aí que ele anunciou que nos abandonaria. A travessia para ele havia acabado. Chegará ao fim sua tentativa de pelo menos conhecer a famosa Praia da Caveira. Resolvemos então que o ajudaríamos a conseguir uma carona para o outro lado da ilha, já que em Castelhano era possível chegar de Jipe com tração nas quatro rodas. Pedimos para que ele esperasse um pouco até que a gente voltasse de mais uma tentativa de encontrar minha maquina fotográfica. Tentamos mais uma vez, mas não obtivemos sucesso e quando voltamos o João já havia se mandado, sem nem se despedir de nós. Foi embora sozinho, acho que um pouco frustrado e desolado. Por hora acho que o cara pendurou de vez as botas de caminhada, pelo menos enquanto ele não resolver esse problema que sempre o acompanhou nessa sua breve carreira de andarilho. As trilhas longas para ele deve ter terminado ali mesmo, quando ele virou as costas para Castelhanos e tomou a barrenta estrada de volta a cidade de Ilha Bela. Soubemos depois que ele caminhou por 2 horas e conseguiu uma carona.

Nós seguimos nosso rumo. Atravessamos toda a praia, passamos pela vilinha de pescadores e demos uma pausa onde uma placa indica com uma seta sendo para a direita para se chegar a Praia do Gato. Como já conhecíamos esta pequena praia de outras expedições à ilha, resolvemos nem perder tempo para ir até La, do mesmo modo que não perdemos tempo para ir a cachoeira do gato , uns 30 minutos fora da trilha. Pegamos, portanto para a esquerda da placa da praia do Gato e logo chegamos a um belo riacho, onde existe uma ponte feita de bambu. Cruzamos a ponte e passamos por uma porteira. Logo à frente, depois de passarmos por alguns matacôes e um riacho chegamos à nova porteira, onde a nossa trilha vira para a esquerda, mas sem cruzar a porteira. Aí ela vai subindo e entra na mata e mais à frente passa pó uma enorme pedra, onde anos atrás encontramos vestígio de uma construção, que usava a pedra como parte das paredes de pau- a pique. Hoje praticamente não existem mais sinais da construção, que foi demolida por ordem do IBAMA. O caminho vai seguindo por dentro de enormes pedras e de supetão vira para a esquerda. ‘E uma trilha difícil de encontrar, somente olhos bem treinados para darem conta de achar o caminho, sinal que há muito tempo não se passa por aqui, pelo menos não com certa regularidade. Eu e o Dema nos revezamos na procura do caminho certo, mas mesmo em alguns momentos, nos sentíamos abandonados pela nossa amiga trilha. Logo algo parecido com um caminho começa a nos conduzir para baixo, vejo logo que estamos chegando ao rio, pois me lembrava deste caminho há uns 6 anos atrás. Dito e feito, não demorou muito e fomos apresentados ao rio das cachoeiras da Laje Preta. Estava um calor infernal e não tivemos a menor duvida em parar e nos atirarmos para dentro daquela água gelada e cristalina. Enquanto o Dema e a Lena se refrescavam no poção, sai à procura da continuação da trilha. Lembrava-me que em 2006 tive que atravessar o rio e descer uns 100 metros pela outra margem para reencontrar a trilha. Foi o que fiz, mas não encontrei trilha alguma. A vegetação estava muito fechada. Então voltei para junto dos meus amigos e como já era quase seis horas da tarde e diante de um cenário tão espetacular, resolvemos dar por encerrado nosso dia de caminhada e montar nossa barraca à beira do poção. Tomei um maravilhoso banho, fizemos um janta deliciosa e fomos dormir ouvindo o barulho da floresta e do rio.

“ Da fumaça do poço saíram gafanhotos para a Terra, e foi-lhes dado poder, como poder que tem os escorpiões da terra. Foi-lhes ordenado que causassem dano somente aos homens. Foi ordenado que não os matassem, mas que os atormentassem durante cinco meses ; o tormento que causam é como o tormento do escorpião, quando fere um homem. Naqueles dias, os homens buscarão a morte e não a encontrarão; desejarão morrer e a morte fugirá deles.”

 

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Foi mais uma noite bem dormida. Acordamos bem dispostos. Rapidamente desmontamos tudo, atravessamos o rio e seguimos enfrente até pararmos em uma gigantesca árvore, talvez uma sumaúma. Deixamos a Lena na grande árvore e novamente saímos à procura da trilha, que eu tinha certeza que estava a uns 100 metros descendo o rio. Atravessamos a floresta e logo encontramos o que procurávamos. A trilha estava muito fechada, com vários galhos caídos nela, mais ainda era uma trilha. Usamos o mesmo método do morcego barulhento e logo estávamos de volta às mochilas. Batemos uma foto da grande árvore e seguimos. A melhor maneira de encontrar essa trilha é atravessar o rio, passar por um leito de pedras sem água e logo descer por um pequeno afluente do rio principal e ir observando do lado esquerdo para encontrar a trilha, onde deixamos agora umas marcações de plástico, junto a um laguinho que se forma neste pequeno riacho. Seguindo agora pela trilha correta, subimos um pouco, mas não muito e meia hora depois e não mais que isto já estamos novamente em outro rio, com alguns bons pontos para um banho. Como era de manhã, fizemos apenas uma pausa para uma água e voltamos a caminhar. A trilha vai ficando cada vez mais complicada, tão complicada que tive que sacar meu facão da mochila para poder ir abrindo caminho. Logo chegaram os malditos taquaruçus, pequenos bambuzinhos que deitam sobre a trilha. Pior ainda eram os bambuzinhos espinhudos, que vão aos poucos minando a paciência da gente. Procurávamos desesperados pela continuação da trilha, mas era quase impossível avançar com tanto obstáculo pela frente. Já fazia umas duas horas que estávamos lutando bravamente contra aquela vegetação quase impenetrável, quando nos saltou pela frente um corredor de água, que deslizava livre por baixo da vegetação. O Dema nos deu a ideia de seguir por ele e eu logo concordei achando que ele poderia nos levar mais próximo ao mar e de la poderíamos avistar a praia que seria o nosso destino.No começo correu tudo bem, era um corredor de pedra plano e seco, mas quando o corredor começou a despencar, pensei logo em cair fora e apontar meu nariz para onde deveria estar a praia mais próxima. O Dema achou melhor continuarmos descendo pelo corredor desimpedido, do que nos aventurarmos floresta adentro, onde teríamos que voltar a enfrentar os desgraçados bambus. Pensei: talvez ele esteja certo, talvez o costão rochoso seja plano e ai será bem fácil seguir por ele, várias vezes já havia feito isso e tinha dado certo. Mas o corredor de pedra foi ficando cada vez mais íngreme. Às vezes tínhamos que escorregar parede abaixo, nos enfiarmos em gretas perigosas, nos agarrar em cipós e árvores para perder altura. A situação piorou quando a corredor seco de pedra começou a se transformar em uma corredeira. A pedra ficava Liza feito sabão.

Finalmente la pelas três horas da tarde conseguimos chegar ao mar. Estávamos em um costão bravo, longe de tudo, sem um palmo de chão plano onde pudéssemos montar uma barraca se fosse preciso. Enquanto a Lena cuidava de fazer um pouco de arroz para o almoço, segui pelo costão, saltando de pedra em pedra, escalando paredões gigantescos, me rastejando por dentro de tocas, tentando ver se conseguia avistar a praia de Eustáquio. Eu até estava fazendo progresso nas minhas escaladas, mas quando cheguei a um paredão enorme e escorregadio, disse para mim mesmo: Que adianta eu passar por este paredão, se a Lena não conseguirá passar nem pelas paredes menores? Aí então voltei. Enquanto fazia o caminho de volta observei um pequeno barquinho pescando camarão que estava muito, mais muito distante mesmo de nós. Ele ia e voltava, ia e voltava. Logo me veio à cabeça a ideia de fazer um aceno para ele, quem sabe ele não nos dava uma carona até a próxima praia. Claro que ainda tínhamos a opção de voltar pelo mesmo caminho e enfrentarmos a floresta no facão até chegarmos à próxima praia, mas como a Lena e o Dema haviam sinalizado com a intenção de não seguir para frente. Queriam era voltar para Castelhanos se tivessem que subir aquilo tudo de novo, achei que se conseguíssemos a carona poderíamos continuar dando a volta na ilha. Fiquei por meia hora acenando para o barquinho, mas nada. Desisti e voltei para junto da Lena e do Dema, que já estavam acenando para o barquinho há muito tempo. Para melhorar o nosso pedido de “socorro”, resolvemos amarrar as capas de mochila na ponta dos nossos cajados. Durante mais umas 2 horas o Dema e a Lena ficaram abanando e sacudindo. Eu já havia desistido, já havia me conformado em dormir sentado no costão. Então desencanei e fui pescar uns pitus no pequeno laguinho que se formava no pé da pequena queda de água. Com uma redinha, consegui pescar muitos pitus para usar como isca e tentar pegar uns peixes para o jantar. O Dema e a Lena se mantiveram firme no propósito de conseguir uma carona e não desistiram em momento algum, mas vou dizer uma coisa, se não fosse o meu apito de “chamar pato” em forma de corneta, eles estariam La até agora. Foi só eu tocar o apito, mesmo sendo humilhado pelos meus amigos, que ficaram tirando sarro da minha cara, o barquinho do pescador de camarão embicou para o nosso lado e foi aí que sentimos que a salvação estava a caminho. Vejam só como é, guardei esse apito por mais de 10 anos no meu estojo de primeiros socorros, sem nunca tê-lo usado para nada, mais no fundo eu sabia que um dia ia chegar a hora dele (chupa Dema e Lena, KKKKKKKK).

Quando o barco embicou para o nosso lado, ao invés de alegria, o cenário começou a ficar macabro. A Lena já começou a ficar angustiada. Eu e o Dema tentávamos colocar tudo nas mochilas. Mas teve uma hora que o Dema veio com um papo de deixarmos tudo para trás. Coisa que rechacei no mesmo instante: “Eu não saio daqui sem minha mochila”, disse eu para o Dema._” Divanei, não vai ter como a gente levar as mochilas para o barco, pois teremos que nadar até ele”, disse o meu amigo. “Eu volto pela trilha, mas não deixo minha mochila aqui, não há necessidade disso”. Claro, depois notei que o meu amigo estava tão preocupado com sua mulher, que não estava nem conseguindo raciocinar direito. Preocupado e com razão porque a Lena já dava sinais que não estava bem. Quando o barquinho se aproximou mais, o Dema pulou na água e foi ao encontro dele e explicou o nosso caso. O pescador se aproximou um pouco mais, mas como notou que poderia naufragar nas pedras a qualquer momento, teve que recuar. O Dema voltou para o costão, colocou o colete salva-vidas na Lena e a instrui como é que ela deveria fazer. A sua mulher esmoreceu, empacou, entrou em choque. No passado ela tivera um grande desafeto com a água e agora estava diante do seu maior pesadelo. Tinha que enfrentar o seu maior inimigo, não tinha como voltar atrás. Era ela contra um oceano inteiro. O Dema gritava vaiiiiiii, o pescador gritava vaaaaaamos. A Lena caiu à beira do costão e desabou a chorar. O Dema deu um empurrãozinho, na verdade ela foi quase atirada ao mar pelo marido. Os dois caíram na água e a Lena quebrou o record olímpico e mundial de natação em água aberta e pulando de um costão. Quando chegou ao barquinho, não conseguiu segurar na borda, que era alta e escorregadia. Entrou em desespero e implorou para não morrer. O Dema subiu e com a ajuda do pescador a puxou para dentro.

 

Do barco o Dema gritava algo que eu não entendia por causa do barulho do mar estourando nas rochas. Achei que o meu amigo quisesse que eu pulasse no mar sem as mochilas. Gritei para ele que não iria. Mas logo notei um sinal para levar as mochilas para um lugar mais abrigado, para uma pedra mais reta a uns 10 metros para a esquerda. Peguei as mochilas uma à uma e fui escalando a pedra que estava tão quente que queimava as minhas mãos. Fiz este trabalho o tempo todo, com os gritos do meu amigo e do pescador, que já temiam por um desastre náutico. Quando estava com as três mochilas prontas para serem puxadas para o barco e me preparava para tirar a roupa e as botas, vi quando o barco deu meia volta e foi se afastando do costão. Fiquei com uma cara de menino abandonado, parecendo àquelas cenas de quando as pessoas abrem o porta malas do carro e jogam foram seus animais de estimação e vão embora. Na minha mente já estava claro o que estava acontecendo: O pescador viu que seu barco corria mesmo sérios perigos de naufragar nas pedras, então resolveu seguir sem mim. A Lena estava em “coma” e o Dema precisava proteger sua família. Pra mim não passavam de três filhos da puta, traidores (rsrsrsrssr)

Pra minha surpresa, o pescador havia dado meia volta apenas para tentar direcionar melhor o barco. Ele voltou e com ele renasceu minhas esperanças novamente nos seres humanos, valeu meus camaradas! Jogaram-me a corda e eu tentava amarrar o mais rápido possível todas as nossas três mochilas. Mas tive que fazer isso com os gritos desesperados do Dema e do pescador. As mochilas foram puxadas. Jogaram de novo a corda para eu me agarrar nela, mas antes eu tinha mais uma coisa a fazer, amarrar todas as botas e perneiras nela, mas antes tive que ouvir o protesto dos que estavam no barco. Consegui amarrar tudo e quando dei o último laço, o barco deu ré e me atirou ao mar, enroscado na corda. A água estava muito fria e quando o meu amigo Dema me deu a mão e me puxou para dentro do barco e vi que tudo havia sido salvo, exceto uma panela cheia de arroz pronto, abri um grande sorriso e disse pra mim mesmo: Cara, que aventura!

 

“Depois apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo de seus pés, e uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça. Estava grávida e clamava com dores de parto e sofria tormentos para dar a luz. Foi visto ainda outro sinal no céu: era um grande dragão vermelho, que tinha sete cabeças e dez pontas e sua cauda arrancou a terça parte das estrelas do céu.”

 

O pescador tratou de sair dali rapidamente. Botou toda força no barquinho e enquanto eu batia o queixo de frio, a Lena estava em um canto da proa do barco, praticamente imóvel e só se mexia quando tinha a necessidade de colocar a cabeça para fora do barco para vomitar. Esse gesto da Lena posteriormente faria a alegria de uma comunidade inteira de pescadores. O pescador nos deixou na Praia do Eustáquio. Para desembarcarmos, pedimos ajuda de um Iate que estava ancorado no local, que nos socorreu com um pequeno barquinho a motor, que levou a Lena e nossas mochilas. Eu e o Dema agradecemos ao nosso novo amigo pescador e depois de lhe darmos um agrado, saltamos na água extremamente fria e nadamos até a areia da praia. Praia praticamente vazia. Ao desembarcarmos, um pescador local veio ver o que havia acontecido, perguntou se havíamos naufragados. Contamos lhe o acontecido e perguntamos se ele não poderia ceder algum lugar para a Lena ficar, pois ela ainda estava em estado de choque e como nós, parecia estar perto de uma leve hipotermia. Sergio, o pescador não só ajudou a Lena, como também nos convidou para usar a casa dele, que estava vazia, pelo tempo que precisássemos. Tudo que tínhamos estava molhado, desde saco de dormir, até a nossa comida. Como ainda havia sol, colocamos tudo para secar. Naquela noite nos alimentamos com uma enorme travessa de camarão empanado, doado pelos pescadores. Na casa havia camas e cobertores quentinhos. A Lena já estava mais calma e a situação de trágica, pelo menos para ela, já começava a se tornar cômica. A Lena já começava a pegar o espírito da coisa, era sua primeira travessia e logo de cara já foi apresentada ao mundo da aventura. Fomos dormir cedo, foi um dia cheio de sensações e de emoções sem limites.

 

“Eis como vi na visão os cavalos e os que estavam montados neles: tinham couraça de cor de fogo, de jacinto e de enxofre; as cabeças dos cavalos eram cabeças de leões e da sua boca saia fogo, fumo e enxofre. Por estas três pragas: pelo fogo, pelo fumo e pelo enxofre, que saiam de sua boca, foi morta a terça parte dos homens.”

 

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Acordamos no dia seguinte La pelas nove horas da manhã. O dia amanheceu lindo e ensolarado. A Praia do Eustáquio estava calma e muito transparente e as pequenas canoas ancoradas parecia flutuar. A Lena estava calma e nos acompanhou em uma pequena subida que atravessa o istmo da Ponta da Cabeçuda. E foi da própria Lena que partiu o convite para continuarmos conhecendo as próximas praias. Fiquei surpreso, já que eu achava que ela queria sair dali o mais rápido possível depois do acontecido do dia anterior. Pegamos um facão, um cantil e algumas roupas de praia e seguimos para a próxima praia, a Praia de Guanxuma. A trilha sobe uma ladeira e logo desce a pequena vila de pescadores, depois continua descendo por uma enorme escadaria de concreto, até a areia. Menos de 30 minutos é o que se gasta para ir de Eustáquio até Guanxuma. Guanxuma é muito pequena, mas como Eustáquio tem águas calmas e transparentes, tem um pequeno bar e alguns barcos de pesca tomam conta de parte da areia. Foi desta praia que pegamos informação para seguirmos para a praia da Caveira, aliás, o nome Caveira faz arrepiar todos os nativos, só faltam fazer o sinal da cruz. Subimos de novo pela escadaria de concreto e antes de chegarmos à escolinha da vila, viramos à direita e encontramos a trilha para o nosso destino. A trilha vai descendo até chegar a um riozinho. Atravessamos o rio e começamos a subir e menos de 10 minutos depois fizemos uma pausa para o nosso café da manhã. Nossa refeição matinal não passou de uma jaca madura, onde a degustamos direto da fonte, ou seja, comemos direto no pé e ainda guardamos a outra metade para complementar o nosso jantar. Pouco depois se descortinou á nossa frente, ainda uns 15 minutos abaixo, um dos lugares mais fascinantes de toda Ilha Bela. O lugar onde os caiçaras não gostam de chegar perto. Para eles, lugar macabro, de mau agouro, lugar de assombrações e almas de outro mundo. Para nós simplesmente a sucursal do paraíso, que atende pelo nome de PRAIA DA CAVEIRA.

A PRAIA DA CAVEIRA, juntamente como Saco do Sombrio, é um dos lugares mais enigmáticos de toda ilha. Foi na Caveira que em 1.916 vieram parar boa parte dos corpos do navio espanhol Príncipe de Astúrias que afundou entre a Ponta da Pirabura e a Ponta do Boi. A história conta que neste desastre náutico, o maior do Brasil, teriam morrido 477 pessoas, mas investigações posteriores já falam em mais de mil mortos por causa do enorme número de clandestinos europeus que fugiam da primeira guerra mundial. Quando parte dos corpos chegaram à praia da Caveira tiveram que ser enterrados na restinga acima da areia da praia. Acontece que em um belo dia, ou não tão belo assim, uma grande maré alta varreu tudo que tinha pela frente, deixando todas as ossadas amostra, uma cena de horror. Desde este dia então a imaginação fértil dos nativos tratou logo de criar várias lendas de assombrações e até hoje a praia jamais recebeu algum morador e se encontra totalmente selvagem. Menos de meia hora depois de partimos de Guanxuma, adentramos a Praia da Caveira. Nenhuma alma viva, nem pescador, nenhum turista, ninguém, somente nós três. Donos e senhores absolutos daquela famosa praia. No seu canto direito um riacho de água doce e em toda a sua extensão muitas árvores e até uma plantação de abacaxis selvagens. Alem das lendas macabras que afastam quase todo mundo deste lugar, ainda tem o fator mar, que é qualhado de pedras e praticamente inviabiliza a entrada de barcos. Apaixonamos-nos logo por esse lugar e combinamos um acampamento com as crianças em um futuro próximo. Demos adeus ao nosso pequeno paraíso selvagem e misterioso e voltamos para praia de Eustáquio, mas no caminho demos uma parada para pegarmos nossa jaca e também para cortar umas varas de pesca, item que seria fundamental na nossa tentativa de conseguir algo para nossa refeição noturna.

De volta ao Eustáquio, recebemos a promessa de uma carona na manhã seguinte para a Praia da Serraria, Pronto, era o que eu queria, pois esta era a única praia que eu não conhecia em Ilha Bela. Em todo caso, seria mesmo na Serraria que teríamos que arrumar um barco para podermos seguir nossa volta à Ilha Bela. Com o transporte garantido para o dia seguinte, teríamos agora que resolver o problema da nossa alimentação. Já havíamos sido muito ajudados pelos pescadores e não tínhamos mais cara de pedir mais nada para eles. Preparei três varas de pesca, peguei uns pedaços de peixe no lixo para usarmos como isca e partimos para um pequeno píer abandonado junto a um antigo restaurante. Não demorou muito e o primeiro peixe mordeu a minha isca e eu o puxei para fora do mar, com tamanha alegria. No mesmo momento o Dema também pegou um, de fome não morreríamos mais. Por umas duas horas nos dedicamos a pescaria e quando as minhas mão não tinham mais lugar para furar, pois era sempre eu que tinha que tirar os peixes espinhentos do anzol, voltamos para a nossa casa e enquanto eu limpava os peixes o Dema e a Lema continuaram pescando em frente a nossa habitação, até que um grande peixe quebrou sua vara e terminou com a brincadeira. Saldo total do trabalho coletivo: Oito peixes graúdos, que viraram um grande cozido e foi o nosso jantar daquela noite.

 

“O poder dos cavalos estava na sua boca e nas suas caudas, porque as suas caudas assemelhavam-se a serpentes, tinham cabeças e com elas faziam o mal.”.

 

 

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Pouco depois das sete da manhã, os pescadores que nos levaria para a Serraria, nos acordou. Nossa mochila já estava pronta e tudo que estava nela havia secado. Subimos na chata, que não passa de uma canoa com motor. Os pescadores, que na verdade não eram nativos e nem caiçaras. Um deles atendia pelo apelido de chuk , o boneco assassino. Dizia que era filho de militar e veio de uma família rica do Vale do Paraíba e tinha abandonado tudo para viver ao som do mar e da liberdade. Foi quando encontrou por acaso com o Sergio, que o acolheu e lhe deu emprego. Mas depois ficamos sabendo que ele havia passado uma temporada hospedado em uma penitenciária paulista. E foi esse tipo de gente que pilotava a nossa canoa rumo à praia da Serraria. Na verdade eram dois “panguás” sem nenhuma experiência no mar e a cada barbeiragem que eles faziam, a Lena revivia o pesadelo e o sofrimento do nosso resgate no costão. Uma hora depois ao nos aproximarmos da praia, os “coió” atropelaram outra canoa e quando chegamos perto da areia, esqueceram de erguer o motor , que ficou encalhado. Quando a Lena desceu do barco, veio uma onda e ela saiu catando cavaco e se esborrachou na praia. Pulei do barco para tentar ajudá-la e aí os piloteiros de merda deixaram o barco ser novamente carregado e então tomei uma pancada nas pernas, que só não quebrou porque não estava muito apoiado no chão. Passado o sufoco foi que pudemos nos concentrar no lugar onde estávamos. Uma pequena praia encravada na morraria. Uma pequena vila de pescadores, uma praia de águas transparentes, um dos lugares mais isolados de Ilha Bela. Logo fomos apresentados a um jovem pescador e foi com ele que combinamos o frete do barquinho para nos levar para Jabaquara. Na casa do pescador, conhecemos o patriarca e a matriarca de toda a vila, já que quase todos são parentes. Tomamos café e recebemos a notícia que só poderíamos partir depois do almoço, pois os barcos estavam abarrotados de peixes e todos no vilarejo estavam retirando os peixes das redes. A vila estava em festa, parece que há muito tempo não se pescava tanto por ali. Mal sabiam eles que a principal culpada por tanta fartura era a nossa amiga Lena. Seu vômito havia cevado toda a redondeza daquele pedaço de mar e atraído peixes de todos os cantos. A Lena trouxe prosperidade à Praia da Serraria e para retribuir tudo o que ela havia feito pelos pescadores e suas famílias, fomos convidados por uma família de pescadores para almoçar com eles. Com a barriga cheia, nos despedimos deste povo humilde e inigualável, que nos recebeu como se fossemos da família e partimos em barquinho de pesca, que em pouco mais de uma hora e meia adentrou à praia de Jabaquara. A Lena e nossas mochilas chegaram até a areia da praia em uma pequena canoa. Eu e o Dema pulamos com roupa e tudo e fomos nadando. Foi a nossa saideira. Não sem antes eu dar uma última espiada embaixo do mar desta linda praia. Doze anos depois eu voltara para Jabaquara, de onde partimos para a praia da Fome e a praia do Poço. Saímos da praia, atravessamos o riacho e começamos nossa caminhada pela estradinha de terra, onde só paramos para um delicioso caldo de cana. Duas horas depois estávamos do ponto de ônibus, junto ao farol da ponta das Canas. Já era seis horas da tarde quando pegamos a balsa que atravessa de Ilha Bela para São Sebastião. Na balsa o Dema e a Lena encontraram sua prima, ou foram encontrados por ela, que mora na Enseada. A prima do Dema fez a gentileza de nos convidar para um rápido café em sua casa, já que o nosso ônibus para São Paulo sairia poucos minutos depois. Na balsa também encontramos um amigo virtual, que tentou fazer a trilha de Jabaquara até a praia do Poço e que igualmente a nós teve que enfrentar mato a facão e saiu da aventura mais moído que resto de onça. Chegamos à Campinas antes da meia noite e isso foi tudo o que passamos em mais essa a ventura nos confins do mundo perdido e isolado que responde pelo nome de ILHA BELA.

 

Sentado agora à frente de um computador e a poucas horas do FIM DO MUNDO, tendo acabado de escrever este “analfabético” relato, fico pensando no que farei quando o dia do JUÍZO FINAL chegar. Nestes poucos mais de 40 anos de vida, não consegui descobrir que fim levarei depois que tudo acabar. Não sei de onde vim, nem para onde vou. Ainda não tive tempo de fazer um balanço de tudo que vivi. Não sei se será melhor viver com anjinhos, onde leão come alface e ninguém faz nada e só fica sentado no gramado verdinho, onde o sol não queima. Ou se é melhor viver a emoção de passear por lavas fumegantes e abismos sem fim. Se os Maias estiverem certos e dia 21/12 este planeta voar pelos ares é bom estarmos acampados em uma montanha bem alta porque provavelmente vai ser o maior espetáculo que esse mundo já viu e eu não quero perder isso por nada.

 

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  • Membros de Honra
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Grande Divanei!!!

 

 

Um belíssimo feito!

Caracoles! Meu amigo, já tinha visto as fotos via Facebook e até trocamos umas idéias por lá, mas lendo o relato da mega-travessia-apocalíptica é que fiquei a par do que vocês passaram por lá!!! ::ahhhh::

 

Perrengue e dos bons! Olhando as fotos daquelas praias tão bonitas nos esquecemos de quanto aquelas trilhas são realmente infernais! Se é que podemos falar assim daquele paraíso.

 

 

... ILHA BELA, maior ilha marítima do Brasil, capital brasileira da vela, o maior percentual de mata atlântica preservada do Brasil, a ilha com os maiores picos, mais de 300 cachoeiras e corredeiras, triangulo das bermudas brasileira, capital intergaláctica dos borrachudos. De longe um dos lugares mais enigmáticos e misteriosos do Brasil. ...

 

Me rachei de rir ::lol4::::lol4::::lol4::"capital intergaláctica dos borrachudos", muito boa essa! ::lol4::::lol4::::lol4::

 

Guri, essa Ilha é realmente uma beleza. Gosto muito de lá, tirando os maledetos borrachudos, ou como disse você "ilhabelus carnivurus" ::lol4::

 

E o que dizer do seu relato?! Simplesmente fenomenal!!! ::otemo::::otemo::::otemo::

Consegue transmitir toda emoção e até o desespero (como na situação de stress na hora que vocês se jogam do costão até o barco) ::otemo::::otemo::::otemo::

 

Quem sabe algum dia vindouro retome meu antigo projeto de contornar a Ilha de São Sebastião caminhando (de barco já fiz), e incluindo, como sempre imaginei, a porção quase sempre esquecida ("pontão" sudeste, depois da Praia de Indaiaúba = Ponta do Boi, Ponta da Navalha e Ponta da Pirabura) ainda que tenha que abrir mato no peito para isso.

 

Transmita também as congratulações aos teus companheiros de pernada - Dema e Lena. O mesmo ao João Paulo, ainda que tenha largado a missão na metade e saído sem se despedir, entendi o lado dele (o cara, todo ferrado, cansou de esperar vocês procurarem tua câmera) - aliás, que pena esta perda hein? Imagino as fotos... E a raiva... ::grr::

 

Grande abraço!

  • 2 semanas depois...
  • Membros de Honra
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Getúlio, caro amigo,

Eu sou o pior cara pra falar do litoral norte de São Paulo, talvez eu seja parcial de mais. O meu amor por esse pedaço do país, não tem tamanho. E esse amor também se estende ao litoral sul do Rio de Janeiro e norte do Paraná, ou seja : mata atlantica e mar, pra mim combinação perfeita.

Tem outra coisa, você e o nosso amigo Otávio luis estão me devendo uma companhia para alguma travessia aí no sul do Brasil. No inverno vou cobrar,rsrsrsrsr. Abraços.

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  • Membros de Honra
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Getúlio, caro amigo,

Eu sou o pior cara pra falar do litoral norte de São Paulo, talvez eu seja parcial de mais. O meu amor por esse pedaço do país, não tem tamanho. E esse amor também se estende ao litoral sul do Rio de Janeiro e norte do Paraná, ou seja : mata atlantica e mar, pra mim combinação perfeita.

Tem outra coisa, você e o nosso amigo Otávio luis estão me devendo uma companhia para alguma travessia aí no sul do Brasil. No inverno vou cobrar,rsrsrsrsr. Abraços.

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Grande Divanei!

 

 

Pode e DEVE cobrar, estaremos lhe esperando... Temos uns projetos bem interessantes em gestação... ::hahaha::

Alguma coisa específica em mente? (manda em PVT...)

 

Vamos conversando...

 

Abração!

  • 5 semanas depois...

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