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Trip Aiuruoca - Relato


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Louca Trip Louca em Aiuruocaid="size2">

Começar pela Segunda vez a mesma história é a pior dose que uma pessoa pode tomar de desanimo. Experimento isto exatamente agora, tentando recomeçar aquilo que já estava começado.

E novamente eu repito que não ha sensação melhor que a de pegar uma boa carona e conhecer pessoas novas durante o caminho. Melhor sensação que está somente a da chegada ao destino, quando ele existe, onde amigos te esperam de braços abertos. Em algumas ocasiões o que nos espera são as paisagens mais belas e lugares inexplorados pelos nossos sentidos. Maravilhosa sensação.

Não faço isso pelo prazer da carona, faço por ser um mochileiro e ver na carona uma boa oportunidade de curtir a vida em "alto estilo" conhecendo pessoas de todos os tipos. E viver para relatar experiências como estas é a minha sina. Escolhi que assim seria, e farei o possível para que assim seja. Mas está não foi minha primeira carona, nem será a última. Mas a primeira que percorro a distância necessária para sair de um estado.

O caminho percorrido foi de 750km. Destes, 550 de carona e 200 com ônibus. Tendo como destino a cidade de Aiuruoca, sul do estado de Minas Gerais, saindo de Curitiba, Paraná. A viagem tinha como finalidade conhecer pessoalmente um grupo de mochileiros que se encontram em um site na internet e também desfrutar das belezas naturais de Aiuruoca.

Não é nada fácil se deslocar a pé em uma cidade do tamanho de Curitiba. Descobrir que para o mochileiro a paciência é uma virtude me fez aprender rápido que eu precisaria de mais tempo para fazer uma viagem como esta sem planejamento anterior.

Encontrei com Eder Dore, que me acompanhou na viagem, às oito horas da sexta-feira. O feriado se estenderia até a quarta-feira. Sem pensar, combinamos em um ponto da cidade oposto ao nosso destino. O nosso primeiro problema era saber quais as cidades que passaríamos pelo caminho até chegar em Aiuruoca. Ou seja, não sabíamos o caminho. Liguei para uma das nossas amigas virtuais da trip e perguntei se ela sabia nos informar. A resposta, para nosso desespero, foi negativa. Rumamos até a rodoviária da cidade e pensamos em pegar um ônibus até a capital de São Paulo, mas acabamos desistindo devido ao horário e preço.

Caminhamos 20km tentando sair do perímetro urbano. Pegar carona dentro da cidade é muito mais difícil. Uma chuva atrasou nossa viagem em algumas horas e somente no meio da tarde podemos retornar à estrada, deixando para trás um posto que nos serviu como abrigo durante cinco horas. É claro que tentamos várias caronas neste tempo, mas sem resultado. Foi o único momento em que passou pela minha cabeça desistir, e acredito que isto também tenha passado pelo de Eder.

A carona que nos colocou literalmente na estrada apareceu somente às três e meia da tarde. Um homem de uns 30 anos nos ofereceu carona em seu Fusca que não agüentava nem o peso dele praticamente. O carro estava amontoado de bagagem. Nossas mochilas eram um empecilho em momentos como este. Tive que coloca-las no banco quase por cima da minha cabeça. Foi uma carona difícil de pegar!!

Nós dois na esperança de conseguirmos uma carona até São Paulo, pedindo para que o tiozinho estivesse indo para lá ficamos, decepcionados ao descobrirmos que ele ia para o litoral, em Morretes. Não me lembro de seu nome, mas lembro que era massoterapeuta. Ficou o tempo todo tentando nos convencer que seus métodos são realmente extraordinários e ao descermos do carro nos deu seu cartão quase implorando para que a gente indicasse ele à um amigo, e tentando nos convencer que dar carona era bom por isso, conhecer pessoas e ajudar uns aos outros. No trajeto se esforçou bastante em tentar nos vender um de seus produtos. Tudo muito sutilmente.

Fomos deixados no meio de uma estrada que levava para a praia. Caminhamos alguns quilômetros e nossa esperança de conseguir chegar já em São Paulo no primeiro dia estavam desmoronando. Na verdade mal havíamos saído de Curitiba. Estávamos chegando em um posto policial e pensava em pedir para dormir ou que eles deixassem a gente pedir carona ali, já que estava escurecendo. Foi quando eu avistei um carro parecido com o de um amigo meu que recordava ter falado que passaria por aquela estrada, e pensava se já tinha passado. Pedi que fosse meu amigo, e quando o carro se aproximou pude perceber sua cara de espanto ao me ver. Ele parou e o carro que vinha atrás dele também. Ele perguntou se queríamos uma carona e eu disse que sim. Então nos ajeitamos um em cada carro. Eu fui com meu amigo e quando entrei no carro tinha três gatas lá dentro. Érica, Ale, Maria e meu amigo Djão. Curti uma viagem tranqüila com duas gatas, uma de cada lado, ao som de Bob Marley. Foi simplesmente alucinante. E ao final de tudo um paiero para fechar com chave de ouro. Foi uma carona alucinante. Falávamos sobre acidentes na estrada e Djão tentava me convencer de ir com eles para a Ilha do Cardoso.

Eles nos deixaram na rodoviária de uma cidadezinha uns 200km antes da grande São Paulo, Jacupiranga. Decidimos que iríamos até São Paulo de ônibus e depois até uma cidade próxima e tentaríamos carona depois daquela capital que nos obstruía o caminho. Tudo foi por água abaixo quando soubemos que os ônibus haviam acabado, e somente no outro dia de manhã sairíamos daquele fim de mundo. Fomos comprar água em uma banquinha na rodoviária e decidimos que iríamos perambular pelos bares até amanhecer. A senhora dona da banquinha tentava puxar assunto enquanto escolhíamos o que comprar. Eder não deu muita bola pra ela, mas achei que seria interessante conversar com pessoas ao longo da estrada. Logo que começamos a conversar sua filha apareceu e disse que se nós quiséssemos ela poderia parar um caminhão na estrada para nos levar até São Paulo. Eu, desconfiado daquela hospitalidade, fiquei com um pouco de receio, mas acabei optando pela empolgação de Eder. Ela pediu que ficássemos um pouco afastados da estrada e quando o caminhão parasse correríamos até a porta dele. Foi a coisa mais louca que eu já vi. Em dez minutos ela parou quatros caminhões. Podíamos escolher um modelo preferido. Mas conseguimos somente carona até o posto de gasolina mais próximo, onde todos eles estavam parando para dormir. No caminho até o posto descobrimos que o caminhoneiro parou para a menina por identificar que ela vestia, do posto onde ela trabalhava e para onde estávamos indo, caso contrário não teria parado.

Chegamos nos posto nove e meia da noite. Decidimos que talvez tentássemos mais alguma carona, mas nada de esforços para isso. Estávamos com fome e precisávamos comer. Então peguei algumas barras de cereais, pão que eu tinha na mochila e compramos um refrigerante. Parou um carro perua e na direção um senhor negro com um bigode de padeiro português e cara de caminhoneiro. O carro tinha placa de uma das cidades onde passaríamos. Ao perguntar onde ele ia descobrimos que era melhor que pensávamos. Ele poderia nos deixar muito próximo ao nosso destino. No outro dia já estaríamos tomando banho de cachoeira. Mas o carro estava lotado de quinquilharia e não cabíamos ali dentro com nossas mochilas monstruosas. Pensei em somente um dos dois ir para que o outro conseguisse carona mais facilmente, mas abandonei a possibilidade. Eder era um pouco envergonhado para pedir carona sozinho. Ficamos por ali e pedimos para um dos caminhoneiros nos deixar dormir em cima do caminhão. No meio da noite começou chuviscar e acordei ensopado.

Levantamos sete horas da manhã e depois de três horas tentando carona sem nenhum sucesso decidimos nos separar para ficar mais fácil. Às cinco horas da tarde vi uma caminhonete estacionar frente ao restaurante com a placa de Taubaté. Era aquela a cidade que eu precisava chegar. De acordo com os cálculos que eu fiz, dali eu poderia pegar um ônibus com o dinheiro que eu tinha. Era tudo que eu precisava, chegar logo e mergulhar em uma cachoeira para lavar a alma. Pedi carona, mas ele falou que pararia em um posto logo à frente para dormir. Não foi muito convincente e fiquei insatisfeito com a resposta. Ele foi direto a uma máquina caça-níqueis e depositou seu dinheiro. Tentei outras caronas sem sucesso e quando ele saiu para ir embora vi que dava carona para uma pessoa e insisti que me levasse. Ele disse que tudo bem, mas que se ele parasse para dormir eu teria que me conformar.

Nesse momento eu já havia me esquecido de Eder, e começamos nossa viagem calados. O outro caroneiro começou a puxar assunto. Os dois pareciam já se conhecer, mas ele desceu pouco depois que começamos a viagem. Portanto eu tinha mais 300km pela frente com aquele sujeito que me parecia muito antipático. Em pouco tempo estávamos filosofando sobre a situação atual do país e os políticos corruptos. Normal, estávamos próximos da época de eleição. Fizemos duas paradas para tomar um café. Foi uma viagem tranqüila, porém me forçava a não parar de falar para que aquele tipo, que parecia um índio caminhoneiro, não dormisse. Eu tinha certeza que ele fumava um paiero e estava louco para ascender um. Ele falou de um jeito que percebi em suas palavras que estava me dizendo que já tinha sido dono de um put..... Isso era muito bom, estava louco para que ele me convidasse para conhecer as p.... Me deu todas as dicas sobre os policiais do Rio de Janeiro, por onde atravessou o estado com um carro sem documentos e sem carteira de motorista. Dizia "poderia ser um carro roubado, mas eles não davam a mínima". Ele andou mais de mil quilômetros assim, só com dinheiro como documento para os guardas. Me deixou em um posto antes chegar na cidade de Taubaté, em uma cidadezinha. Disse que pararia longe da rodoviária e como já era noite achei que fosse perigoso andar com aquela mochila pela rua. Também afirmou que a rodoviária daquela pequena cidade ficava 1km do posto. Então resolvi ficar por ali mesmo. Ele me deu dois reais para tomar café e partiu. Por ali passavam muitos caminhoneiros indo para o meu destino, mas com o anoitecer a maioria deles estava parando para dormir. Resolvi que tentaria o ônibus, pois não queria passar mais uma noite ao relento em cima de uma caminhão, a única coisa que pensava era na cachoeira.

Caminhei até a rodoviária e descobri que ônibus para Aiuruoca só da cidade anterior. Poderia pegar um ônibus urbano por dois reais. Quando cheguei lá o guichê do ônibus e tive de esparar até a meia noite para descobrir que não havia mais lugar no ônibus. Para minha surpresa Eder desceu do ônibus. Tinha conseguido com muito custo algumas caronas que levaram ele até São Paulo e de lá pegou um ônibus para Caxambu, 30 Km antes de Aiuruoca. Tive de ficar para trás. Combinamos de nos encontrar em Caxambu.

Eu e mais dois caras que pretendiam embarcar no ônibus ficamos tentando convencer o motorista de nos deixar ir no corredor, mas sem nenhum sucesso. Acabei por me conformar com a idéia de esperar até o outro dia para pegar o próximo ônibus. Os dois que estavam comigo, Robson e Manoel (acho) ficamos no perguntando se não teria outra forma de chegarmos até Caxambú. Robson sugeriu um táxi, mas meu dinheiro não seria o suficiente para inteirar a corrida. Mesmo assim fomos perguntar o preço. O velho taxista queria cobrar duzentos reais para nos levar até a cidade, dez vezes mais o que cada um pagaria por uma passagem de ônibus. Manoel era um cara do interior que vivia caminhando pela estrada. Ele dizia que sempre ia de uma cidade à outra caminhando, levando um dia e uma noite inteira de caminhada algumas vezes, naquele sol escaldante. Gostei dele. Robson era um cara cheio de frescuras, crescido com a tia e que estava morrendo de medo de dormir na rodoviária e pretendia fazer de tudo para ir embora. Usava umas roupas de pagodeiro e parecia um v.... falando. Tentamos alguns telefonemas, Robson se ofereceu para dar uma quantia maior e Manoel também, já que eu só tinha o dinheiro da passagem do ônibus. Mesmo assim, todos juntos arrecadávamos cem reais apenas. Depois de algumas recusas da nossa parte, devido ao preço, o taxista abaixou o preço para cem reais, mas eu e Manoel decidimos que esperaríamos pelo próximo ônibus na rodoviária mesmo. Quando percebeu que não teria escolha Robson ligou para sua mãe e disse que não chegaria em casa, depois se dirigiu à nós dizendo que pagaria uma pousada para os três caso achássemos uma perto da rodoviária. Foi então que saímos caminhando. Não foi preciso mais que quatro quadras para achar uma pousada onde poderíamos dormir os três pela pechincha de vinte reais.

Faria dois dias que eu não tomava banho, estava encardido de sujeira da estrada. A primeira coisa que fiz foi tomar um banho. Ao som de um cara com uma música horrível que Robson insistia em cantar junto, eu dormi. No outro dia de manhã acordamos e nos dirigimos até a sala da pousada. O lugar era uma casa e um homem e de meia idade, aparentando ser solteiro, tomava conta de tudo. Em sua face uma expressão de solidão, deixando transparecer que seu mundo era aquele lugar e não de quem já viu todo tipo de gente no mundo. No sofá havia um louco sentado. Dizia que estava na cidade há alguns dias e suas filhas estavam viajando em algum lugar do mundo. Aparentava ser um hippie, mas não era, dava pra ver em sua face. Devia ser um louco que resolve largar tudo e com o aval da família deixou todo mundo para trás. Penso que deve haver muitos desses por ai, só esperando por alguém que apareça e lhes dê atenção suficiente para que contem o que os levou a deixar o lar, doce lar. Ele dizia que não ficaria por ali muito tempo, só esperava alguma coisa, que nem ele sabia o que era, para sair novamente sem rumo. Comentamos sobre os lugares que nos aguardavam em Minas Gerais e Manoel falou sobre uma festa que começaria na próxima semana em Caxambú. Já tinha comentado comigo antes sobre essa festa, mas não dei muita atenção, não teria tempo de ficar para vê-la. Mas o homem parecia bastante interessado e resolveu que estaria na festa. No meio desta tranqüila conversa matinal o dono da pousada preparava um café da manhã com pão, manteiga, leite e café. Foi até a padaria buscar pães e voltou com uma sacola onde poderiam comer sem nenhuma dúvida umas dez pessoas. Um exagero. Comi alguns com café e fomos para a rodoviária, nos despedindo daqueles dois homens solitários, um fixo em sua residência e o outro esperando um vento que o levasse a algum lugar.

Na rodoviária, enquanto esperávamos pelo próximo ônibus, conhecemos uma mulher que nos acompanharia na viagem. Nenhum deles parecia gostar de uma paiero, e eu estava louco de vontade desde que havia deixado Curitiba. Pegamos o ônibus e dormi em boa parte da viagem. Passamos por uma cidade chamada Aparecida do Norte que possui a rodoviária mais estranha e apertada que eu já conheci. Aparecida é conhecida pela sua tradição religiosa e por possuir a maior igreja do Brasil. Um santuário onde pessoas passam todos os dias para pedir a benção aos céus e a redenção dos pecados. Em sua maioria são senhoras e velhas com a fé acima de tudo. Um lugar aparentemente de uma paz invejável. Pude perceber quando entramos no estado de Minas Gerais pelas seus belos morros e curvas na estrada revelando uma surpresa natural mais linda que a outra. Na verdade a estrada toda era muito parecida, mas muito linda. Os ipês perdidos em meio as outras árvores dava um tom dourado ao lugar. Sempre solitários e com a copa amarela de suas flores, eles davam um colorido fantástico ao lugar. Porém, sempre solitários. Aquele sol e aquele lugar cheio de montanhas escondendo cachoeiras de água fresca me deixava maravilhado. Passamos Passa Quatro, onde Robson desembarcou. Na cidade é possível subir o terceiro pico mais altos do país, o Pico da Pedra da Mina.

Manoel desembarcou logo na entrada de Caxambú. Pensei em fazer o mesmo e tentar uma carona até Aiuruoca, mas decidi ir até a rodoviária e ver o preço da passagem e logo depois tive convicção de que foi uma péssima idéia. Tive de pagar dois reais só para chegar até o trevo da cidade novamente. Esperei meia hora até um carro parar. Dentro dele um homem enorme com sua mãe. Joguei minha mochila atrás da pick-up e fui me aconchegar dentro do carro. A senhora parecia ser muito simpática, porém, seu filho, que dirigia como um louco, parecendo que o carro ia virar em cada curva que fazíamos e ultrapassando todos que tinha visto passar por mim enquanto eu pedia carona, tinha um ar de velho carrancudo. Não falava nada, apenas dirigia e mexia no rádio que tocava um bom forró pé de serra. Atrás eu vibrava por deixar todos aqueles que me negaram carona comendo poeira. Eles me deixaram exatamente no lugar onde todos haviam combinado de se encontrar dois dias antes. Procurei pelo recado que supostamente tinham deixado para mim em um dos restaurantes da cidade.

Aiuruoca é uma cidade minúscula escondida entre os vales de Minas Gerais. Uma praça no centro da cidade servia de aconchego aos moradores. Por ali passavam pessoas do interior de todos os tipos. Uma cidade tranqüila e com sua monotonia do dia-a-dia. As pessoas do local ficavam em bares, restaurantes e lojas que pareciam ser construídos com finalidade turística. Realmente eram. Velhinhos, meninas colegiais e rapazes, todos se concentravam ali. Alguns nas janelas e outros dentro dos comércios. Muitos turistas que iam em vinham, provavelmente das muitas cachoeiras que existem nos vales. Todos gozando da calmaria daquela cidade. Sentei em um dos bancos da praça e fiquei esperando por alguém dos mochileiros que estivesse me procurando junto com Eder, enquanto os moradores locais me observavam com um ar de curiosidade. As meninas todas se agruparam e comentavam, olhavam e davam risadinhas, vez ou outra passando alguém por mim. Esperei até que tive convicção de que ninguém viria, então comecei a perguntar para uma menina que disse que há dois dias atrás muitas pessoas de mochila tinham chegado na cidade. Seu destino provavelmente era o Camping da Pedra, no vale do Matutu. O lugar ficava em uma estrada de terra 17 km da cidade. Um cara que parou em com um grupo de jovens em uma caminhonete perguntado se havia local para acampar na cidade disse que havia visto perto da hora do almoço um rapaz caminhando em direção ao Vale do Matutu, era o Eder. Sem mais demora comecei a caminhar.

O vale é um lugar de energias fantásticas e que abriga uma comunidade do Santo Daime, primeira e única religião brasileira. No caminho até ele havia várias casas, pousadas, restaurantes, todos com um ar de misticismo e cidade do interior, misturado à magia que o lugar abriga. Quando entrei na estada de terra começava a escurecer, mas estava tranquilo, pois conforme a menina que conversei falou caronas por ali eram faceis. Andei até a primeira casa, que na verdade era um restaurante e peguei um mapa do local. Quando estava chegando na primeira subida que me custaria pelo menos um balde de suor uma pick-up parou com um casal de jovens dentro. Eu acabava de começar a fazer um paiero e tive de jogar fora para pegar uma carona com eles. No topo da subida havia uma pousada com camping onde eles estavam. Fui até lá de carona e resolvi dar uma olhada para saber se meus amigos estavam por ali, mas não encontrei ninguém, então continuei minha caminhada, na escuridão completa. Peguei minha lanterna para iluminar o caminho que ficava ainda mais sombrio com aquela luz insignificante em meio aquele breu. O mato fazia um barulho descomunal com todos seus insetos e bichos. Entrei em transe e me deixei levar, decidido à chegar no camping e encontrar todos sem parar para descansar. Tudo estava ótimo e não me lembrava de me sentir tão bem. Aquele som que vinha da mata assemelhava-se ao que eu ouvia quando tentava meditar em silêncio. Podia sentir a vida pulsando naquele lugar, sensação só perceptível quando envolto pela natureza.

Cheguei em uma encruzilhada onde começava a segunda subida desanimadora. Foi nesse instante que parou um carro vindo de frente para mim e me ofereceu uma carona. Voltaria para o mesmo lado assim que pegasse o leite em uma fazenda na encruzilhada, só teria que esperar alguns minutos. Neste momento eu soube que ainda estaria no camping naquele mesmo dia, com tudo fluindo para que isso acontecesse. Meia hora depois eu estava entrando no camping da pedra, com o Pico do Papagaio ao fundo.

Logo na entrada uma voz feminina em frente à uma fogueira me perguntou "Marcelo?". Um abraço e já me sentia nas nuvens. Era a Claudia, com quem havia conversado muito tempo pela internet. Me levou até o restante do pessoal e me ofereceu uma panela de macarrão que acabará de fazer. Dê inicio contei toda a viagem ao pessoal. Todos estavam ali e eu me sentia um pouco estranho. Mas não demorou para eu ir até a fogueira e ficar olhando para ela deslumbrado enquanto todos conversavam e cantavam. Estava muito frio, e o só uma pessoa tocava violão. Todos bebiam, e eu não via a hora de poder ascender meu paiero. Então depois de algum tempo, o suficiente para me sentir no meio de amigos, peguei o violão, comecei tocar e busquei o paiero e descobri que podia ficar a vontade. Todos estavam já combinado de no outro dia pela manhã subir o Pico do Papagaio. Era tudo o que eu queria, mas precisava de uma cachoeira no meio do caminho.

No outro dia pela manhã, ao som do Aquaman acordando todos com um bom dia para os pássaros, lagos, aves e tudo mais, eu acordei. O primeiro som do dia não foi de passarinhos, como pensei, mas sim de uma corneta soprando do lado de fora da barraca. Acordamos todos, comemos e nos encaminhamos até o pé do pico, e de carro. A subida foi tranqüila, com as mulheres sempre ficando para trás, enquanto um outro grupo seguia à frente com um dos guias e outro mais a frente com outro guia. Para o azar delas o guia que as acompanhava não tinha mais de treze anos e um pentelho. Aquele moleque pertencia à uma família onde muitos tinham tentado ser militar e nenhum conseguido. Ele era a esperança da familia. Vestia uma roupa camuflada e estava sempre tagarelando, dizendo um monte de asneiras, e reclamando das restrições que estavam sendo impostas aos escoteiros que trabalhavam como guias. Passamos por dois riachos de água cristalina, onde seguindo o fluxo poderíamos encontrar cachoeiras. O lugar é maravilhoso.

Após três horas de caminhada chegamos no cume. Cauê, um louco que fumava tanto paiero como eu e que me deu uma palha da melhor qualidade de presente, havia desviado do caminho no meio da subida e se aventurado na mata fechada. Chegou pouco depois de nós com a camiseta toda suja. Com certeza a subida dele tinha sido mais emocionante que a nossa. A vista linda daqueles vales de cima é indescritível. Ficamos ali sentados naquela pedra, com um paiero gigantesco que tínhamos feito para descermos tranqüilos e comendo os lanches que levávamos para o caso da larica bater. Todos os meus sentidos estavam abertos naquele topo de tudo, o topo da minha viagem e onde eu me sentia toda a viagem. Ali eu tive a purificação total que só uma viagem como esta pode proporcionar. Aquele vento que quase nos carregava soprou todos os nossos males para longe. Estávamos limpos de corpo e alma e ali concretizamos e selamos a amizade de todos.

Nós descemos aquele lugar felizes da vida, e com alguns tombos pelo caminho para animar. Finalmente, depois de me confundir algumas vezes com o caminho e o grupo da frente se perder literalmente, chegamos na cachoeira. Vinte metros abaixo de mim estava um poço onde caia as águas do riacho que passava ao meu lado. Fui avisado antecipadamente por Aquaman a água estava congelando, mas eu precisava. O mergulho seria o clímax. O climax mais gelado que eu já tive, tanto que não consegui ficar nem cinco minutos dentro da água. Mas estava satisfeito, havia concluído. Depois de uma longa descida, onde os joelhos pareciam que esfarelariam à qualquer momento todos estavam entregues ao vale. Todos haviam recebido o batismo e fomos aceitos.

De volta ao camping enchemos nossas barrigas de comida e fomos para a fogueira, sem cerimonias. Um casal estava lá com a uma criança de colo. Os dois eram loucos por natureza, e completavam o restante da galera com um ar de maturidade. Acendemos um paiero para fechar a noite e em pouco tempo estavam todos dormindo, exaustos. No outro dia quando acordei parecia estar dentro de uma sauna. Todos estavam com suas barracas desarmadas e se preparavam para ir embora. Infelizmente, não pude ir até as outras cachoeiras do local. Mas me sentia feliz, pois já havia provado da água daqueles vales. Me contentei com as lembranças de meus amigos e suas fotos. Consegui uma carona com o pessoas até a cidade de São Paulo e com um dinheiro que emprestei do Cauê decidi ir de ônibus para casa de minha mãe. O sol fritaria qualquer um que se aventura na estrada de Minas.

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E q parada louca, heim...rs

Má como te disse hoje pela manhã, senti uma sensação sublime, após ler calmamente seu relato.

Extasiado ficou meu ser, qdo vc detalhou os sons vindos da natureza. Estou loucamente feliz em sentir q vc tem essa percepção sobre o q realmente importa nessa vida, vc me fez sentir q o nosso planetinha maltrado ainda tem jeito e como me disse o Sandman: ainda há esperança.

Gato, tenho certeza q fiz amigos nessa trip q perpetuarão por longa data, sinto apenas morar longe, mas como disse ao Cebola num dá nada, a distância geográfica é insignificante se comparada ao meu amor por vcs.

Saudades louca!!

 

Bjóquinhas

 

Cláudia

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Poxa Marcelo, ñ sabia de todo esse seu trajeto, fiquei só imaginando os caminhos q vc percorreu e até mesmo o pessoal q vc conheceu...Qto chão hein, e qto tempo pra lhe "render" apenas um dia de um feriado longo, mas é claro q o q valeu foi a experiência q vc viveu e principalmente o encontro com a galera!!! (Q já tava preocupada com a sua demora...)

Experiência a sua q eu admiro mto!

 

Foi ótimo te conhecer e espero nas próximas poder nos encontrar...[:D]

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Bacana hein Marcelo.......lembro de vc ter nos contado uma boa parte dessa estória na noite em que chegaste(antes de vc ir prá fogueira),pois lembro que tava eu,o raffa,a Camila,Sandman,Tato e que acabamos até tiarando uma foto nosso depois das estórias que vc nos contou dessa viagem(tenho ela registrada,a do Raffa esquece,a máquina deu pau).....mas cada lugar uma recordaçào como essa descrita aqui....""cara a vida é assim,as maluquices dos outros é o lazer do outro em te chamar de maluco de BR e sorrir""(Cebola)

Quem venham novas trips......

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Ae Marcelo,

 

Do caralho este relato seu hein??? Meu, dá pra ter a sensação de cada sentimento que você passou, que experiência, hein??

 

Ae, em breve vamos fazer uma parada louca novamente...

 

E o paieiro, hein?? Da melhor qualidade, aquele lá do Pico do Papagaio foi um clássico, desci sem falar um palavra, com a língua colada no céu da boca... Que barato!!!

 

Grande Abraço,

 

Tato

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Putz sem comentarios isso em marcelo hehehe, muito estranho e ao mesmo tempo irado a sensaçao de estar na estrada e ter q pedir carona,apreendi muito nessa ida, e descobri que pegar carona sozinho é melhor, mais pensando bem vc nunca vai estar sozinho sempre vai encontrar algum loco na estrada para contar uma historia engraçada para vc e até mesmo compartilhar de carona, mais o melhor ainda disso é quando vc chega no lugar de carona, se encontrar no meio do nada e somente um caminho a frente para seguir.... valeu muito essa experiencia que foi, onde nos saiamos com um destino mais no caminho poderiamos ter ido para onde o nariz apontar.

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