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Caronando America do Sul sem destino final


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No início da tarde seguíamos a bordo de um caminhão pequeno carregando botijões de gás. Ouvíamos música boliviana, havia um saco de coca entre os bancos e as montanhas nos cercando, era uma experiencia genuína, como estar em outro mundo. Seguimos ouvindo, admirando e mascando a folha amarga. Cada km trazia um trecho mais espetacular que o anterior e conforme ganhávamos altura a dimensão do vale e das montanhas ficava mais clara, era tudo diferente de qualquer coisa que já tivesse visto. A enormidade de tudo a minha volta me remetia a pensamentos profundos de contemplação, ambos com os olhos cheios de lágrimas olhávamos hipnotizados para o desfiladeiro que se desdobrava a centímetros das rodas, o caudaloso rio Pilcomayo fatiando o vale e a montanha do outro lado com suas florestas e formações rochosas pitorescas. Paramos para comer em um vilarejo, milanesa, arroz e papas.

 

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É a noite que as estradas ficam mais movimentadas, a luz dos faróis alertam com antecedência a aproximação de carros nas inúmeras curvas em cotovelo para fora, de forma que teoricamente seria mais seguro, na prática, contudo, eu só podia ver escuridão, abismos e confusão de faróis enquanto nosso motorista consumia compulsivamente a coca enchendo suas bochechas até parecer um esquilo. Para percorrer os 250km levamos 10 h, chegamos já tarde da noite em Tarija.

 

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*Passado 1 ano retomo o relato desta viagem, para em fim concluí-lo.

 

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Tarija foi antes de tudo um mergulho na gastronomia de rua Boliviana, comemos em barraquinhas: saltenas, empanadas e umas sementes fritas vendidas como salgadinhos. Pratos de comida, em especial o delicioso e apimentado Saice boliviano, preparados e servidos nas calçadas em feiras e em mercados populares. Bebemos inúmeros refrescos exóticos coletados com um concha de dentro de baldes de limpeza. Apreciámos petiscos de mandioca, salgados e doces, fritos ou assados em carvão em espetos de madeira. A comida, e o ato de comer na rua faz parte do cotidiano boliviano e fizemos desse nosso próprio hábito, do café da manhã até a janta comemos sempre nas ruas, pratos e lanches gordurosos de carrinhos meio sujos em frente a rodoviária, sempre pagando preços irrisórios R$1,30 um prato de saice http://recetasbolivianas.blogspot.com.br/2011/04/saice.html Provei a deliciosa tuna http://calphotos.berkeley.edu/imgs/512x768/0000_0000/0405/1630.jpeg vendida por toda a cidade.

 

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Existem diversas cachoeiras ou Chorros, no entorno da cidade, visitamos um desses lugares.

 

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Na Bolívia normalmente hostels não são a opção mais barata, restando os alojamentos no entorno dos terminais, em Tarija ficamos em um deles, R$12,00 por dia, por um quarto com banheiro compartido por andar, tinha água quente e era razoavelmente limpo, a exceção dos bedbugs http://pt.wikipedia.org/wiki/Percevejo_de_cama não demorou até percebemos que toda noite servíamos de comida para esses seres infernais, bastava ligar as luzes para vê-los escalando as paredes por todos os lados, certa madrugada levamos 30 min explodindo ( basta apertar que ele estoura ) centenas de bixos nas dobras do colchão, chão, paredes, armários, etc, bastante nojento mas até que foi divertido. Essas criaturas estão por tudo, habitam muitos hostels pelo mundo e sempre pegam carona em mochilas, cuidado.

 

Em Tarija aprendi mais sobre mascar a folha, minhas tentativas anteriores renderam uma sensação muito sutil e eu sabia que aquilo não podia ser tudo. Eis que lembrei que o motorista que nos tirou de Villa Montes consumia juntamente com as folhas pequenos pedacinhos de um naco carbonizado de alguma planta ( ou talvez fosse apenas bicarbonato com glicose ) o fato é que comprei o tal naco do qual o nome não me recordo e isso fez toda a diferença, a salivação aumenta muito e o efeito é muito mais intenso, em minutos tinha a boca totalmente dormente, fiquei sem fome, concentrado e cheio de energia, quem diria...

 

Por fim, a cidade ainda nos celebrou com uma enorme festa de rua, em que ganhamos bebidas de incontáveis pessoas diferentes, fomos muito bem recebidos e provamos um pouco da noite Tarijena sem valores de entrada e com bebidas baratas.

 

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Saímos de Tarija rumo a Potosí, fomos caminhando pela estrada pedindo carona até que uma camionete parou, nesse dia eu vestia uma camiseta do Rammstein e uma alemã gritava da janela Rammstein Rammstein, no fim eles iriam apenas até um pequeno vilarejo pois estavam em processo de comprar uma propriedade no local, fomos com eles o que nos rendeu uma visista inesperada a uma cachoeira que infelizmentetinha pouca água devido a época do ano.

 

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Os alemães nos deixaram na estrada novamente, esperamos um pouco e um caminhão parou, iriamos na parte de trás, era tudo que eu queria, caronar na traseira de um caminhão na bolivia enquanto subíamos até 4.000m em Potosí. A camera entrou em uma de suas crises e não conseguimos tirar nenhuma foto da estrada, contudo nenhuma foto poderia evocar a grandeza daquilo que presenciei por debaixo de lona que cobria a carroceria, subimos por uma estrada sinuosa até o topo de um monte, nublado, com nuvens carregadas e ventos úmidos e frios, no alto entramos em um túnel que passando pelo coração da montanha nos levou ao outro lado, de frente para um vale, ensolarado, o céu azul, era como ter trocado de mundo, cada lado da montanha ostentava diferentes universos. O caminhão subiu e subiu e subiu por diversas horas, chegamos em Potosi já de madrugada e o o frio era insuportável, um teste para os casacos que compramos barato num mercado em Tarija, corremos para o alojamento mais próximo, só podia pensar em uma cama quente me esperando.

 

Vale dizer que nessa altura estava lendo este livro http://pt.wikipedia.org/wiki/As_Veias_Abertas_da_Am%C3%A9rica_Latina e lia justamente a parte que mais fala sobre Potosí a cidade da prata, do Cerro Rico saiu as condições para a industrialização europeia.

 

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Potosí é uma cidade curiosa, do esplendor a decadência, sobram as ruínas materiais e humanas, num lugar onde não é difícil mesmo hoje ver homens bebendo alcool 96 http://www.veoelmundo.com/sites/default/files/styles/960wide/public/images/P9072712-2.jpg?itok=dQSPmIed muitos ainda vivem e morrem nas minas e os constantes estouros do dinamite são uma prova real de que não é apenas nas antigas paredes sujas que o passado investe sobre o presente.

 

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Após algum tempo em Potosí partimos para La Paz, a situação nas estradas da Bolívia estava bem complicada e bloqueios aconteciam todos os dias, resolvemos então pegar um onibus e ir direto para a capital, mas é claro que não seria tão simples, nada é simples na Bolívia e entrar em um coletivo não significa de nenhuma forma a garantia de chegar onde se quer no tempo que se quer, o país inteiro funciona de sua forma peculiar e de nada adianta a frustração, viajar é viver em festa e qualquer contratempo é antes de tudo uma nova oportunidade. Assim quando no meio da noite o onibus parou há alguns km de Oruro não ficamos surpresos, os mineiros fechavam a estrada e ninguem passaria pelo menos naquela noite, seguimos madrugada a dentro sendo acordados por estouros de dinamites, no meio da noite congelante sai um pouco do ônibus para presenciar o céu estrelado mais limpo que já tinha visto, noite gelada, sem nuvens, sem lua no meio do deserto do altiplano a 4.000m, haviam estrelas em cada mm do espaço negro e a via lactea era uma mancha brilhante.

O dia amanheceu e não havia sinal de sermos liberados, a fila ja se prolongava até onde os olhos alcançavam. Muitas pessoas já abandonavam seus ônibus e seguiam a pé, um mercado informal de comida já havia se formado.

 

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A manhã avançou e o jeito foi abandonar o barco, seguimos caminhando por 3km de bloqueio.

 

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Do outro lado vários carros já esperavam para ganhar em cima dos desafortunados, pegamos um que nos levou até Oruro para pegarmos outro transporte para La Paz. Como era hora do almoço o motorista nos indicou um restaurante que servia o prato tradicional de Oruro e a melhor comida da Bolívia, o Charkekan http://cocinadelmundo.com/receta-CHARKEKAN-ORURE%D1O charque de lhama, milho crioulo, batatas, queijo charqueno e um ovo. A melhor combinação de simplicidade e sabor exótico, a tradição é comer com as mãos o que fizemos com muito gosto. Tivemos muita sorte com essa indicação pois o restaurante de forma alguma era para turistas, era um restaurante boliviano para bolivianos, barato e delicioso, nessa altura estávamos com 3 ingleses que dividiram a condução com a gente, apenas um deles comeu, os outros "não queriam arriscar". Isso me deixou muito triste e incomodado com os gringos, não irei citar tudo de errado contido nessa declaração mas devo ressaltar que apesar de toda a orgia culinária que seguiu-se em La Paz nunca ficamos doentes, uma dor de barriga de vez em quando é normal mas nada patológico. Sim a limpeza Boliviana não é compulsiva, as pessoas pegam as coisas com as mãos, mexem no dinheiro e tocam em sua comida, mas quem está errado, uma sociedade asséptica que cria seres humanos débeis suscetíveis a qualquer infecção menor ou um povo que acostuma-se desde sempre a um exposição moderada a agentes patogênicos inevitáveis, para mim ao menos nenhum deles fez mal e das comidinhas só tirei prazer.

 

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Após o inesquecível almoço e uma longa caminhada por Oruro conseguimos um carro que nos levasse para La Paz. O caminho inteiro foi um jogo de sorte, haviam bloqueios por toda a estrada e nosso motorista seguia por caminhos alternativos pelo meio de campos empoeirados. O carro, é claro, estava cheio, 4 pessoas no banco de trás e mais 2 no porta malas da perua, nossas mochilas iam presas no teto junto com a bagagem das outras pessoas. Por horas e horas seguimos desviando, errando e procurando outros caminhos. No fim da tarde chegamos em El Alto, que é a cidade construída no alto da montanha que circunda La Paz. De todos os lugares da Bolívia foi o único que me incomodou, a cidade é um caos de transito, esgoto, pessoas e tudo que se possa pensar, para piorar tudo, havia um bloqueio para descer em La Paz, tivemos que sair no meio do pandemônio, algumas tentativas de pegar uma condução urbana falharam, pessoas nos empurravam e nossas enormes mochilas nos tornavam elefantes desajeitados no meio do mar humano que corria para todos os lados em busca das vans, ninguém queria comportar nossa bagagem e parecia que iriamos ficar preso naquele inferno, eu realmente não queria anoitecer naquele lugar e assim concordamos com o preço inflacionado de um táxi que nos levasse para La Paz por um caminho alternativo. Hoje arrependo-me de não ter fotografado o caos de El Alto mas a vontade era apenas sair de lá o mais rápido possível. Chegamos já de noite lá embaixo e entramos num alojamento barato, a exaustão do dia cobrava seu preço e tudo que precisávamos era de um banho quente, pegamos um quarto com banheiro e aproveitamos para descansar, preparei um miojo com a espiriteira no chão do banheiro e após comer dormimos na hora.

 

Em Potosí tinha enviado alguns emails para hostels oferecendo trabalho por estadia e dois haviam me respondido, de manhã partimos até um deles e caímos no meio de um protesto.

 

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Conseguimos trabalho no http://www.theadventurebrewhostel.com/ ficamos lá por algumas semanas, trabalhando no bar ganhando acomodação, uma refeição e o que dava pra manguear de cerveja e bebidas do bar. Conhecemos a noite de La Paz e fizemos muitas amizades, no final ainda ganhamos de graça do hostel o passeio downhill de bicicleta na estrada da morte https://www.facebook.com/barracudabiking inesquecível.

 

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Nosso tempo na Bolivia chegava perto do fim, o cansaço de estar a meses na estrada começava a cobrar o preço mas ainda havia um último destino. A 500km de La Paz no norte da Bolívia, Apolo, um vilarejo escondido a beira do Parque nacional Madidi. Iriamos ficar alguns dias numa fazenda de permacultura no interior do parque Madidi onde aconteceria o ritual do cactus San Pedro na lua cheia. Compramos passagens em La Paz e partimos na jornada para o norte. Foi a estrada mais espetacular da Bolívia e a camera tinha desistido de vez. Ainda no altiplano o onibus quebrou a primeira vez, passamos a tarde próximo ao lago Titicaca até o onbius ser arrumado. Seguimos viagem descendo até chegar na floresta, a noite chegou e com ela muita chuva, a estrada virou uma lamaçal e o coletivo escorregava no barro no meio da escuridão, na estrada estreita o precipício nunca abandonava nosso lado, seguimos até uma curva em subida que o antigo ônibus não conseguiu vencer, acabou atolado até os eixos, todos descemos e cavamos com as mãos, colocando pedras embaixo das rodas mas nada teve efeito e além de tudo chovia mais forte, o jeuito era passar a noite ali. Amanheceu e um caminhão nos puxou para fora do atoleiro. Seguimos e de dia conseguimos apreciar o caminho, sempre pelos vales, com rios lá embaixo e cachoeiras por todos os lados algumas caindo no meio da estrada, tive as vistas mais incríveis de toda a viagem, uma pena que a câmera tenha estragado.

 

Um vídeo que mostra a beleza e a dificuldade da estrada ( hoje em dia já há pontes mas as estrada na chuva é como mostra o vídeo )

 

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Após Apolo era hora de retornar, levamos mais uma semana para conseguir chegar no Brasil, passando por Santa Cruz e Corumbá. Ao todo foram 4 meses mas a viagem de certa forma não acabou, mais andanças pelo Brasil nos levaram a conhecer lugares incríveis como a chapada dos veadeiros onde vivemos por mais alguns meses. Passado um ano uma nova viagem começa a se concretizar, dessa vez com algumas opções diferentes, mas isso é assunto para outro tópico daqui a algumas semanas, obrigado pela leitura e espero que com esse relato possa encorajar outras pessoas a fazerem o mesmo, em nenhum momento passamos qualquer risco, nunca fomos assaltados ou ameaçados de qualquer forma. Viajar é pura satisfação e para mim a única opção possível para se viver.

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