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Postado (editado)

EXPEDIÇÃO PICO PARDO - realizada em julho de 2021 .

 

-Diva, Trovo, Lucas? Podem sair, a casa caiu, fomos pegos, seremos conduzidos para delegacia.

 

Silêncio no mato!

 

- Vamos meus amigos, saiam, os caras chamaram a militar, enquanto vocês não aparecerem, não vamos ser liberados.

 

O silêncio continua........

 

- Caralho mano, saí daí logo, porra! Não vê que a gente se fudeu, estão vindo polícia de todos os lados, da cidade, do litoral, da capital, do interior.

 

No mato, a gente nem respira.

 

- Desgraça dos infernos! Voces não estão entendendo, vai vir a equipe de busca, vão vasculhar esse mato com um monte de policiais, vão varrer tudo até tirar vocês daí a força. Vai vir a Polícia Federal, a ABIN, a KGB, a SUWAT e se bobear, até a SCOTLAND YARD.

 

Cri, cri, cri, cri................................

 

Cri, cri, cri, cri................................

 

Muitos anos atrás, vasculhando os mapas de satélite, na busca incansável por uma rota que nos levasse às cabeceiras do Rio JUQUERIQUERÊ, que na verdade não passava do grande Rio Pardo, que corre quase paralelo à Estrada da Petrobras, acabei me deparando com uma queda d’água monstro, perto das nascentes do próprio rio. Essa descoberta foi realmente surpreendente, porque tratava-se de uma queda de quase 200 metros de altura e por incrível que pareça, a não mais de uns 500 metros da estrada. Aquilo me deixou bem encucado e pensativo, porque não era possível que uma cachoeira daquele tamanho, ainda não havia se tornado popular, ainda mais num tempo em que o acesso pela estrada que liga Salesópolis a Caraguatatuba, era totalmente de livre acesso.

 

Claro, imaginei que essa cachoeira só teria aquele tamanho nas épocas de chuvas e que era bem provável que não fosse uma queda livre, mas sim, formada por uma grande laje, porque se fosse em queda livre, seria fácil a maior cachoeira do nosso Estado . Mas, porém, entretanto, todavia, uma outra descoberta acabou me tirando o sono por vários anos. Uns 600 metros de desnível acima da tal cachoeira, próxima à nascente do Rio Pardo, uma montanha desconhecida e misteriosa , com um pico inesperado, me chamou a atenção de uma tal maneira que fui obrigado a marcá-lo com um alfinete no meu mapa de satélite até me dar conta do que se tratava.

 

Anos se passaram, outras montanhas e outros rios foram tirados do anonimato, rios e picos desconhecidos e que vieram à tona com a nossas descobertas, mas essa montanha em questão, se manteve lá, sem que eu nunca tivesse coragem de ir investigar, pra falar a verdade, nem mesmo a grande cachoeira eu consegui tirar o projeto do papel, até que as coisas mudaram, quando resolvemos montar um projeto para descer uma trilha que parte da própria Estrada da Petrobras e finda no litoral de São Sebastião, um antigo caminho de tropeiros que foi até usado na revolução constitucionalista de 1932.

 

Montamos uma equipe e varamos mato por dois dias, um inferno verde de bambus e cipós, num dos piores terrenos da Serra do Mar Paulista. Saímos de lá uns trapos humanos, levamos uma surra da Serra, só para descobrirmos que, essa tal TRILHA DA REVOLUÇÃO, não existe mais, foi engolida pela floresta e hoje jaz embaixo de um amontoado de árvores e bambus.

 

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Bom, se a expedição atrás da trilha da revolução não deu em nada, a descoberta do grande pico que outrora eu sonhava em conhecer, nos deixou de queixos caídos. Acabamos indo parar encima de um pico menor, de onde era possível ver o PICO PARDO, que foi como o chamamos, por não sabermos o nome e por ele abrigar a nascente do rio do mesmo nome. Era simplesmente fantástica, uma espécie de Monte Roraima da Mata Atlântica , uma montanha em forma de mesa. E isso foi o suficiente para despertar a vontade de tirá-lo do anonimato.

 

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Claro, um explorador, é antes de tudo um sonhador e já fazia tempo que eu havia riscado um caminho em torno de cartas topográficas e mapas de satélites. Uma rota que poderia nos levar ao seu cume, mas além de tudo, era uma rota que usava a grande cachoeira como rampa de acesso, nos dando assim a oportunidade de conquistar as duas coisas, mas o grande problema é que as coisas haviam mudado na Estrada da Petrobras e o que antes era um caminho com acesso livre, agora havia se fechado por duas guaritas do Parque Estadual, uma no começo e outra no fim, então tivemos que ir adiando até que esse entrevero fosse resolvido.

 

Eu estava às voltas numa travessia nos Grandes Lençóis Maranhenses com minha filha, quando recebi uma mensagem do Luciano, dizendo que estava resolvido tirar o Pico Pardo do mapa definitivamente e queria saber quando eu estaria de volta. Eu voltaria a tempo de me juntar ao grupo, mas já fui logo dizendo que não tinha a menor possibilidade de ajudar na logística e que eles poderiam se encarregar de cuidarem de tudo, porque eu voltaria do Maranhão em cima da hora, inclusive, ficaria a cargo dele, arrumar transporte e principalmente, juntar os exploradores para essa expedição, deixando bem claro sobre os riscos inerentes a uma jornada dessa envergadura.

 

Foi numa madrugada de céu estrelado, que oito candidatos a exploradores, se reuniram na casa do Ary em Biritiba-Mirim, onde nos juntaríamos ao anfitrião, para de madrugada, partirmos até a estrada da Petrobras. Seguimos em 2 carros por essa estrada uns 20 km à dentro, numa escuridão total, em meio a muito buraco, até que nos detivemos há uns 2 km da portaria, que hoje fecha a estrada, onde agora só se consegue passar com as devidas autorizações.

 

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Um dos carros voltou para Biritiba, mas o outro carro, pertencente aos novos amigos que pela primeira vez se juntariam a nós nessas expedições, ficaria estacionado à beira da estrada, num recuo. Até então, não achamos que isso poderia ser um problema, já que não era um lugar onde se proibisse estacionar, mas as coisas mudariam num piscar de olhos.

 

Jogamos as mochilas às costas e partimos pela estrada, com quem vai em direção ao litoral e andamos pouco mais de um km, até que fomos interceptados por um agente da guarda ambiental, que tomam conta da guarita que hoje fecha a estrada. À pergunta para onde iríamos, simplesmente respondemos que pretendíamos seguir em direção ao litoral, mas não mostramos maiores detalhes do que iríamos fazer. O guardinha, encima da sua motoca, já foi nos dizendo que não passaríamos sem as devidas autorizações e que por hora, a estrada estava fechada.

 

Ainda eram seis da manhã e o sol acabara de nascer. O agente ambiental estava terminando seu turno e nos apanhou fora dos limites do Parque. Sem muito o que fazer e o que dizer, falamos para ele que mesmo assim tentaríamos uma libertação e caminharíamos até a guarita, mais um km à frente, mesmo ele dizendo que iríamos perder nosso tempo.

 

Seguimos caminhando e ao interceptarmos a placa que delimita a entrada no parque, resolvemos que tomaríamos outro caminho: Se era proibido seguir pela estrada, talvez não fosse, seguido pelos dutos da Petrobras, um rasgo no meio das montanhas, onde se enterraram os canos que transportam óleo do litoral para o Planalto Paulista.

 

Assim que ganhamos o oleoduto, vamos subir e descer, passando por alguns córregos e áreas alagadas, até cruzarmos com a estrada que dá acesso às antenas do Pico do Papagaio. Atravessamos a estrada e ganhamos o oleoduto, que vai descer sem dó, mas quando chega ao fundo do vale, onde os tubos pareciam quase pontes, voltamos a subir com os joelhos batendo na boca.

 

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Esse é sem dúvida um caminho penoso, principalmente para quem carrega uma cargueira nas costas e infelizmente é o preço que pagamos por não conseguirmos uma liberação para andarmos pela estrada, que obviamente tem um caminho com menos desnível. Mas pouco menos de umas 3 horas, já chegamos ao vale, onde já podíamos ouvir o Rio Pardo correndo lá embaixo.

 

Poderíamos continuar até interceptarmos o rio, mas aí teríamos que subi-lo novamente e ainda sem saber que existia uma trilha para isso, resolveríamos varar mato numa diagonal para a direita, desceríamos um barranco bem perpendicular até darmos de cara com uma trilha que nos levou direto até uma atração conhecida como Poço da Borboleta . O poço não é lá grande coisa, por isso nem nos detemos nele e continuamos subindo o rio, mas sem percebermos, ao invés de subirmos o rio que procurávamos, acabamos desembocando em um afluente e ao percebermos o erro, corrigimos a rota que nos levou em definitivo para o Rio Pardo , bem onde a monstruosa cachoeira despenca.

 

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É com imenso prazer que boto meus olhos nesse acidente geográfico impressionante. Precisou que se passasse quase uma década, desde que me deparei com essa cachoeira gigante no mapa de satélite. Estamos em pleno inverno e obviamente o rio está com pouca água, mas no verão, essa cachoeira deve ter no mínimo uns 150 metros. Claro, não é uma queda livre, mas uma grande laje que se estende por sua base, formando um grande tobogã, por onde agora os meninos descem a toda velocidade, fazendo a alegria de todo mundo. O lugar é realmente um estouro, por ser um lugar onde o sol bate forte, sendo possível deitar sobre a laje e se refrescar.

 

Fizemos uma pausa bem demorada, para um descanso e para um lanche e enquanto nos entregávamos ao ócio, aproveitamos para rever nosso plano, estudar os mapas e analisar o terreno que teríamos à frente. Ao tomar conhecimento da GRANDE CACHOEIRA DO RIO PARDO , notamos que prosceguir por sua lateral seria bem viável, já que por estarmos em pleno inverno e com o rio muito baixo, as pedras ficaram expostas e secas.

 

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Acabada a brincadeira, era hora de voltarmos para a expedição, então jogamos as mochilas às costas e partimos em definitivo, com o objetivo de subirmos ao cume do pico ainda hoje. E é pelo lado esquerdo de quem sobe a cachoeira, que iniciamos nossa jornada, vencendo metro à metro, nos grudando na rocha como dava, tentando nos manter na aderência e tomando cuidado para não rolar pedra lisa abaixo.

 

A subida vai ficando cada vez mais íngreme, cada vez mais inclinada e chega uma hora que é preciso abandonar a cachoeira e cair no mato, mesmo alguns achando que daria para seguir um pouco mais, nos valendo de uma canaleta que se estende quase por dentro da água, mas a maioria votou por não correr riscos desnecessários, já que um túnel lateral, no meio de alguns bambus, nos conduziria bem para cima, onde saímos no topo da grande queda, um lugar plano e cheio de pequenas marmitas, espécies de piscinas naturais, onde se pode nadar sem correr riscos de ser jogado no vazio.

 

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Havíamos partido de 780 metros de altitude e tendo percorrido quase um km, conseguimos ganhar apenas 100 metros de altitude, mas foi a nossa deixa para nos determos por um instante numa prainha de areia , estudar os mapas e descobrir que estávamos progredindo bem, sinal de que o caminho traçado anteriormente, podería nos levar bem longe ainda, sem termos que nos desviar dele.

 

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O RIO Pardo está com pouca água, mas não me parece ser mesmo um rio caudaloso, muito porque, estamos perto da sua nascente, mas é um rio extremamente bonito, com uma água super limpa, que vai se enfiando embaixo da florestas em lajes de fácil caminhada. A menos de 500 metros depois da prainha de areia, ele começa a se curvar para o norte, quando o nosso objetivo está para o sudoeste, quase para leste, então é hora de parar novamente para avaliar o caminho a seguir. E é nesse ponto, que o rio Pardo acaba se fechando por uma grande rocha, onde para poder continuar por ele, seria preciso passar quase por dentro de uma gruta, mas como nosso caminho é para outra direção, nem fomos investigar a sua continuidade.

 

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Bem ali, estava o afluente que eu havia marcado e seria por ele que deveríamos sair do Rio Pardo. Uma saída pela esquerda, começando por subir algumas pedras até que esse afluente se estabilizasse, voltando a se caminhar por outras grandes lajes, vencendo altitude aos poucos até sermos barrados por uma cachoeira de onde o rio se parte ao meio e para marcar esse ponto , resolvemos chamar essa queda d'água de CACHOEIRA DAS DUAS FENDAS.

 

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Menos de uma hora de caminhada e esse afluente também já começa a se desviar para o nordeste e mais uma vez, tivemos que abandoná-lo em favor de outro afluente que vai se curvando lentamente para o leste em direção ao pico que desejamos conquistar, tudo dando certo conforme o planejado, conforme o caminho riscado anteriormente no mapa.

 

Seguimos vencendo terreno por mais uns 700 metros, com o rio hora com lajes expostas, hora se afunilando, onde temos que varar algum mato, mas pouca coisa, até que tropeçamos numa cachoeira intransponível, onde tivemos que cair no mato e traçar uma rota pela direita até atingirmos a parte superior dessa cachoeira. Aqui é preciso fazer um parêntesis: Nesse percurso, surpreendentemente, encontramos alguns vergalhões de ferro dentro do rio e ficamos sem saber como eles poderiam ter ido parar lá, se fosse um rio com possibilidade de grandes volumes,seria provável que ele teria arrastado lá do pico, caso encontrássemos alguma construção no seu cume, mas chegamos à conclusão de que esses vergalhões caíram (por acidente?) de alguns dos helicópteros que transitaram ali por cima, levando esses ferros para as montagens das inúmeras torres que existem ali na região.

 

Poderíamos continuar subindo o pequeno riacho, agora com águas espelhadas até sua nascente, e realmente teria sido o melhor caminho a seguir, mas resolvemos captar água, uns 2 litros por pessoa e varar o mato em definitivo em direção ao cume da montanha, que não estava muito longe dali.

 

Estamos a 1.100 metros de altitude e a mais ou menos um km do cume. Tomamos a direção nordeste e fomos nos curvando rapidamente para leste, enfrentando um mar de bromélias gigantes e espinhundas até que saímos em definitivo em campos de altitude , de onde avistamos uma elevação que nos pareceu ser o topo, mas nos enganamos bonito e dessa hora em diante, nem éramos mais um grupo, cada qual resolveu tomar um caminho diferente rumo ao cocuruto final, marcado por uma florestinha de pequenos arbustos de não mais que um metro de altura, onde uma grande rocha exposta nos faz saber que aquele é o CUME DO PICO PARDO , numa altitude surpreendente de 1318 metros , um gigante se tratando da Serra do Mar Paulista.

 

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E foi assim, que num piscar de olhos, um ponto perdido no meio da Serra do Mar, acabará por se tornar realidade. Passei anos da minha vida querendo saber como seria aquela montanha misteriosa, que muito provavelmente, hoje marca também o CUME de SÃO SEBASTIÃO , coisa que eu duvido que poucos saibam. Nossa ilustre passagem por ali, acabará de jogar luz em mais uma montanha selvagem , que vai mudar a geografia do mapa do Estado de São Paulo.

 

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E a visão lá de cima não deixa a desejar a nenhuma outra montanha, num 360 graus impressionante, com destaque para a estonteante Pedra da Boracéia e toda sua cadeia de montanhas, além de todo o Litoral Norte de São Paulo, onde a Ilhabela e seu cume gigante, reina absoluto. Mas ainda podemos destacar as ilhas perdidas no Atlântico, que dão um charme especial, com o Montão de Trigo fechando o cenário.

 

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O tempo se mantém firme e mesmo com um vento um pouco mais gelado, ninguém arreda pé do cume e cada um vai cuidar de preparar sua comida, uma espécie de almoço e janta ao mesmo tempo. A pausa para a refeição, faz com que todos fiquem bem unidos e aí é impossível que aquela expedição não acabe numa grande confraternização, afinal de contas, são nove exploradores sem compromisso com coisa nenhuma, apenas se dedicando ao ócio e as conversas fiadas, a contar histórias de aventuras passadas.

 

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Quando a noite ameaçou cair, uns foram fotografar o pôr do sol, já outros trataram logo de se dedicarem à montagem do acampamento. Mas acampar ali era algo meio inviável, já que o vento ameaçava varrer todo o mundo do topo. Então o Luciano foi o cara que chamou a responsabilidade para si e organizou um grande BIVAC coletivo a uns 50 metros abaixo do cume, mas o Trovo resolveu se instalar em uma matinha próxima, onde alguns arbustos serviram para hospedar sua rede, mas ainda sem saber que bem ao seu lado, se esconde um grande tesouro, que só nos seria revelado no dia posterior.

 

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Antes das 06 da manhã, quase todo o grupo se colocou de pé, a fim de apreciar o surgimento do astro rei, que iluminou tudo e encheu a cume do Pico Pardo de cores avermelhadas, mas eu mesmo não me animei a deixar minha cama quentinha e enfrentar a friaca da alvorada e só me levantei lá pelas sete, quando a galera já se esbaldava com o café da manhã e com os pães e as pizzas de frigideira preparadas pelo pessoal do Tata.

 

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O dia prometia ser bem quente e então, para tentar aproveitar um pouco do rio, resolvemos desmontar tudo antes das dez. Mas antes disso, aproveite para instalar o LIVRO DE CUME e marcar definitivamente a conquista dessa montanha ainda selvagem e desconhecida, pelo menos até que alguém nos diga que estamos enganados, porque por hora, esse é o único registro de uma expedição a nível de exploração esportiva, voltada para o montanhismo puro e autêntico, o montanhismo raiz, que há muito tempo se perdeu nesse país.

 

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Enquanto a galera desmontava tudo, fui visitar o acampamento do Trovo, o único que acampou na matinha abaixo do cume. Ao adentrar em meio aos arbustos, percebi que uma abertura numa rocha bem próxima, parecia dar passagem para dentro do que me pareciau uma espécie de gruta e quando me aproximei, levei um susto. Um enorme abrigo se apresentou à nossa frente, um salão de um tamanho considerável, que com um pouco de imaginação, caberiam todos nós numa possível emergência e estou falando para acampar mesmo e para o espanto de todos que vieram logo em seguida, contava também com uma fonte de água cristalina , o que nos deixou ainda mais felizes pela descoberta inusitada.

 

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O dia estava lindo, o cenário idem, mas era preciso descer e quando todos estavam prontos, nos pomos a caminhar novamente, mas ao invés de voltarmos pelo mesmo lugar, apenas embicamos nosso nariz direto para o vale e fomos sair bem na nascente do último afluente que havíamos subido, nascente essa que se enfiava correndo por baixo dos grandes matacões, até que logo abaixo ele ressurgisse e dá vida ao córrego. A descida foi suave e tranquila, fomos parando sempre que achávamos necessário e por ser descendo e já conhecermos o caminho e todos os desvios, chegamos de volta à cachoeira Grande do Pardo em pouco mais de duas horas.

 

O sol brilhava forte e enquanto alguns tomavam banho na cachoeira, outros se entregavam ao ócio e as comilanças, até que vindo, sei lá de onde, dois homens adentram a área da cachoeira , mal nos dão boa tarde e se dirigem ao pé da queda . Um usava uma espécie de uniforme, que a princípio não conseguia identificar e o outro portava um bastão de caminhada e parecia estar sendo guiado pelo primeiro. Os dois homens, estranhamente não ficaram nem ao menos cinco minutos no lugar e antes de partir sem nos dar nenhuma satisfação, fizeram uma auto foto, nitidamente tentando fotografar todo o nosso grupo, que nessa hora se lagarteava sobre a rocha.

 

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Achamos aquela atitude bem suspeita, alguns levantaram a hipótese de ser um guarda parque ou coisa desse tipo, mas outros acharam que poderia ser apenas alguém da própria Petrobras, mas o certo é que ninguém tinha certeza de coisa alguma e pelo sim, pelo não, achamos melhor sairmos dali rapidamente, porque se fosse alguém ligado ao parque, teríamos problemas. Jogamos as mochilas às costas e saímos dali varando o mato até interceptarmos novamente o oleoduto e sairmos das vistas de quem quer que seja, mas sem sabermos ainda, o homem que tínhamos encontrado na cachoeira, já havia nos deletado para o parque que provavelmente já estavam na nossa captura, a partir desse momento, havíamos nos transformado em perigosos fugitivos, facínoras, gente da pior espécie, capazes de crimes hediondos, como por exemplo: TOMAR BANHO DE CACHOEIRA na Serra do Mar e isso no Estado de São Paulo, é passível de multa , escutambação e todo tipo de humilhação.

 

Caímos novamente no oleoduto e começamos a voltar, mas pelo ocorrido, achamos melhor subir vagarosamente, em passos de tartaruga tetraplégica, a fim de passarmos pela área crítica já na escuridão da noite, para evitar que fôssemos vistos perto da portaria do parque, instalada na Estrada da Petrobras. E o ritmo foi mesmo lento, mais lento ainda do que imaginávamos, muito porque, eram subidas intermináveis e vez por outra ouvíamos carros, possivelmente do parque, passando pela estrada que corria quase paralela ao oleoduto.

 

A caminhada se manteve lenta e o grupo praticamente se dividiu em dois e só fomos nos juntar novamente, quando a noite já havia caído e a escuridão tomou conta da metade do mundo. Estávamos bem próximo da estrada que liga a Estrada da Petrobrás até as super antenas instaladas no Pico do Papagaio . Nessa hora, eu e o Trovo seguímos à frente e sem perceber, acabamos tomando um outro oleoduto e quem vinha atrás, ao contrário de nos avisar, porque estavam acompanhando o caminho no gps, simplesmente nos seguiram e quando vimos, estávamos todos bem perto da portaria do parque e tivemos que passar um veneno para retornar e pegarmos o caminho correto, atravessar a própria estrada de acesso ao Papagaio e continuarmos paralelos à estrada principal.

 

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Já passava das oito da noite, quando entramos no trecho crucial, a parte de oleoduto que se aproxima muito da guarita do parque e naquele pedaço de pouco mais de 1 km, era fundamental que passássemos o mais despercebido possível, inclusive, era preciso que não déssemos bobeira com as lanternas acesas, já que o facho de luz poderia ser visto pela segurança do parque, mas o que parecia que iria caminhar para um desfecho memorável, começou a desandar, acontecimentos começavam a implodir o grupo.

 

Aqui preciso fazer um parêntese para que se possa entender o parágrafo que se segue: Nessas Expedições, nessas Travessias selvagens, a única coisa que sempre ficou clara é que nós não nos valemos de nenhum guia, nenhum líder, nenhum chefe, não há quem nos comande, porque esses são grupos independentes, de gente que não se porta ao papel de ser mandado por ninguém, mesmo que sempre haja algum líder de alguma técnicas, como por exemplo , se há alguém que nada melhor , é óbvio que em travessias de rio , esse vai ser o cara que irá à frente. Quando é preciso escalar, quem escala melhor lidera a ação e assim como outros processos técnicos de varar mato, navegar, ler mapas, pular de grandes quedas, etc.... Por isso juntamos o que há de melhor, para extrairmos o que há de bom em cada um na sua área.

 

Voltando, portanto, para o trecho crucial, pedimos que todas as lanternas fossem apagadas ou ao menos, que não se levantasse acima do nível do chão e se possível, que acendessem somente as lanternas vermelhas que não podem ser percebidas ao longe. O TATA é um amigo do Luciano e era a primeira vez que ele caminhava comigo, um cara muito gente boa, mas ainda desacostumado com a minha imensa preocupação quanto a não arrumar problemas com Parques Estaduais. Acontece que o Tata carregava uma lanterna que ele ganhou de um alienígena amigo dele, que trouxe o equipamento do cu da galáxia, que iluminava lá para as bandas de Andrômeda e ainda, para complicar, essa lanterna que era uma espécie de cosplay de sol, continha duas luzes e toda hora ele esquecia e levantava a cabeça, iluminava tudo ao redor, jogando um facho de luz para o céu, que quase cegava os astronautas da Agência Espacial Internacional. E toda vez que isso acontecia, eu quase enfartava e rapidamente pedia para que ele tomasse cuidado, ou seríamos pegos pela fiscalização. O problema era que, ou ele esquecia ou já estava muito puto comigo, achando que eu estava dando “ordens de mais”, coisa que eu absolutamente não tenho hábito de fazer, muito porque, ninguém está ali para receber ordem de ninguém.

 

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Mas não adiantou, quanto mais eu falava, mais parecia que ele fazia de propósito, ou eu simplesmente, estava com tanto medo, que acabei chegando a essa conclusão, o certo é que quanto mais nos aproximávamos, mais eu definhava psicologicamente, até que eu não aguentei mais e chamei o Luciano de canto.

 

- Luciano, pelo amor de deus cara, você que é conhecido do Tata, pede para ele apagar a lanterna, porque simplesmente ele não me ouve mais e eu já estou com os nervos à flor da pele e não tarda em eu ter uma síncope antes dessa travessia terminar.

 

Uns 200 metros antes do trecho que poderíamos ser pegos, o Luciano juntou todo mundo e pediu para que as lanternas fossem totalmente apagadas, ou no máximo, que usássemos a luz vermelha e que a partir de agora entraríamos numa zona totalmente crucial, ser pego ali , significaria pôr tudo a perder.

 

Agora totalmente no escuro e todos juntos, caminhamos na total escuridão e em silêncio absoluto. Mas íamos devagar porque momentos antes, o Luciano havia sentido um desconforto no seu joelho, já um tanto podre e nesse momento, coube a mim a tarefa de pilotar o gps e encontrar uma saída mais rápida que nos devolvesse do oleoduto, direto para a rua, já longe dos domínios do parque e foi justamente o que aconteceu, fomos sair bem na placa que delimita esse território.

 

Pois bem, estávamos de volta à estrada, tecnicamente a salvos e prontos para voltar para casa, tudo parecia ter dado certo, entramos e saímos com uma nova montanha no bolso, mas não houve nem tempo de comemorar, quando a casa começou a desmoronar em pouco mais de um minuto de caminhada.

 

A estratégia de caminhar no escuro, nos momentos crucias, havia sido perfeita e eu esperava que mantivéssemos o mesmo esquema também na estrada, até que mais 1 km à frente, pudéssemos entrar no carro, que estava estacionado desde o início da expedição e saíssemos fora em definitivo, mas novamente a turma da lanterna nervosa, resolveu cagar e andar para a sorte e ao pisarem na rua, acenderam seus holofotes extraterrestres e transformaram aquela escura noite de inverno, em dia e se puseram a marchar de encontro ao nosso pesadelo.

 

Como eu havia narrado no início desse relato, tínhamos estacionados o nosso veículo cerca de 2 km antes da guarita do parque e esse foi um erro que cometemos, mesmo estando estacionado em um lugar permitido. Acontece que o indivíduo que encontramos na grande Cachoeira do Pardo, era um monitor do parque e assim que nos viu, bateu uma foto e nos delatou imediatamente via rádio. Então a partir daquele momento, os vigias começaram a monitorar o veículo na intenção de nos apanhar com a boca na botija.

 

Quando saltamos do oleoduto para a rua, as coisas aconteceram numa velocidade tão acelerada, que mal deu tempo de eu me pronunciar sobre as lanternas acesas, mesmo porque , eu já não tinha a menor chance de ser ouvido, não porque estivesse distante, mas sim porque já vinha sendo ignorado quanto a essa questão das lanternas e mesmo antes de esboçarmos qualquer reação, fomos surpreendidos numa curva com as lanternas da patrulha ambiental, que voltava do monitoramento do nosso veículo, em direção a portaria do parque. A CASA CAIU!

 

Foi um pega pra capar dos infernos! Nove meliantes se jogando no mato, voando barranco à baixo e tentando apagar as lanternas para não serem vistos. Mas pouco adiantou, os caras ganharam a gente, claro, viram as nossas lanternas acesas caindo na capoeira.

 

- Saiam, já vimos vocês ! Gritavam os guardas.

 

Eu nem respirar, respirava, mas ouvia que alguns se mexiam perigosamente no mato ao meu redor, já que eu me encontrava sozinho e isolado.

 

-Podem sair, já ganhamos vocês aí no mato. Insistiam os dois agentes junto ao seu jeepinho.

 

Eu continuei prendendo a respiração, mas já estava convicto de que alguém iria se entregar, mas os nove continuaram onde estavam, por pelo menos uns 10 minutos, escondidos na escuridão do capão de mato à beira da estrada, até que os guardinhas entraram na viatura e sumiram no breu do caminho, indo em direção a portaria, ou seja, na direção contrário da nossa.

 

Aquilo era uma “SILADA BINO”, estava na cara que os agentes estavam blefando e eu achei que ninguém sairia daquele mato tão sedo, que tentaríamos tomar outro rumo, mas me enganei completamente. Quando o carro se foi, um a um foram saindo do mato, como se nada tivesse acontecido, todos dando risada e voltaram a acender suas malditas lanternas. De dentro do mato, olhei aquela cena com total incredulidade, todo mundo desfilando como se nada tivesse acontecido.

 

Pus minha cara para fora do mato, desconfiado, saí sorrateiramente e vi que o grupo já estava bem uns 300 metros à minha frente, indo em direção ao carro, que estava há 1 km de nós. Cai na rua, mas sem nem pensar em ligar minha lanterna. Foi quando vi um vulto, que mais me pareceu uma alma penada. Veio na minha direção, um corpo negro arqueado, quase que a cabeça arrastava no chão. Lembrei-me das histórias do corpo seco, personagem do folclore brasileiro, que rejeitado por Deus e pelo diabo, vagava sem rumo. Mas não era o corpo seco, era tão somente o Lucas, que ainda mais nervoso que eu, apareceu vindo do meio do mato, com ânsia de vomito.

 

- Me espera Diva, tô passando muito mal.

 

- Calma Lucas, não liga a lanterna de jeito nenhum, os caras vão voltar rasgando, esteja pronto para voltar para o mato ao sinal de qualquer luz.

 

Eu e o Lucas continuamos seguindo, na total escuridão. O Lucas ainda capengava, tentando vomitar e seu nervosismo não era maior que o meu, mas ele estava num estado desesperador. Colamos juntos e fomos avançando pela estrada, quase que nos arrastando, beirando o lado direito e prontos para nos jogarmos novamente no mato, quando ouvimos uma voz nos chamar e adiantamos passo. Daniel Trovo chamava por nós. Aceleramos a caminhada e antes de trocarmos mais que meia dúzia de palavras, um facho de luz apontou na curva atrás da gente, quando estávamos há pouco mais 50 metros de chegarmos ao veículo, que estava estacionado na rua.

 

A sena que se seguiu foi marcada por uma confusão, uma confusão mental, porque eu não sei como fui levado de volta ao mato, imagino que quando meus olhos se viram diante do primeiro raio de luz, vindo do carro dos guardinhas, automaticamente me catapultei para dentro da floresta à beira do caminho e lá me pus imóvel até que outro explorador voador viesse me fazer companhia. – E aí Trovo, seja bem-vindo!

 

Agora, socados dentro do mato e sem respirar, eu e o Trovo tentávamos acompanhar com os ouvidos o que acontecia junto ao nosso veículo, onde parte da galera foi pega com a boca na botija, prontos para empreender fuga do local. Não precisava nem falar, mesmo porque, estava na cara que bobearam, primeiro ao não se ligarem que os guardas voltariam com sangue no olho e não terem se mantido com as lanternas apagadas para poderem se jogar no mato ao primeiro sinal de luz, mas não quero com isso ser o cara que saberia salvar o navio depois que ele já havia ido parar no fundo, então digamos que apenas houve uma confiança excessiva pelos meninos, de que tudo já havia passado e o caminho já estava limpo.

 

Já passava das 10 da noite e os sons que vinham do veículo eram meio assustadores. E os quatro que foram pegos, no caso o Tata, o Guga, o Luciano e o Tony, pareceriam que estavam sendo esculachados sem dó pelos caras do parque. Os sons eram meio abafados pela floresta, mas depois nos foi contado que os guardas chegaram apavorando com as armas nas mãos, implantando um terrorismo psicológico, querendo saber dos outros cinco "meliantes" que se encontravam ainda em fuga no mato. No início os meninos tentaram negar, mas diante das circunstâncias, já não havia mais como mentir e então começou a saga dos guardas para tentar nos tirar do nosso mocó. A pressão encima dos caras foi grande e como o filho do Tata, que ainda se encontrava no mato com o Ary e estavam do ladinho do carro, resolveu sair. O próprio Ary abandou a moita e se entregou, restando agora somente eu, o Trovo e o Lucas, mas essas informações , ficamos sabendo só depois, porque por hora, eu e o Trovo erámos os parceiros da agonia, isolados num capão de mato, sem nos mexer, sem respirar e praticamente nem nos falávamos, por hora ainda não tínhamos um plano e eu ainda tinha medo do Trovo acabar se entregando e eu ter que seguir sozinho.

 

Não sei quanto tempo passou, talvez meia hora, talvez mais, talvez menos. O tempo parou de existir para a gente, que agora era contado pelas batidas no nosso coração e pelos espasmos musculares causados pelo medo do que poderia vir a acontecer, caso também fôssemos pegos. Ouvimos passos que vinham em nossa direção. Nessa hora meu coração também parou e um caminhão de adrenalina foi jogado na minha corrente sanguínea. Eu estava extremamente nervoso e não só nervoso, eu também estava raivoso e puto pelo que estava acontecendo, me sentindo um bandido socado no meio daquele mato, tentando ser pego por ter cometido o grave crime de ir tomar banho de cachoeira num parque que me pertence como cidadão. Finalmente o dono da passada se aproximou da gente, mas sem saber onde estávamos, apenas deduziu mais ou menos. Era o Luciano, que jogava palavras ao vento, tentando nos tirar do mato.

 

- Diva, Trovo, Lucas, onde vocês estão?

 

Nenhum som, nenhum ruído saiu do mato.

 

- Responde aí, caralho!

 

Ficamos inertes, apenas fazíamos gestos um para o outro, como a nos perguntar que diabos o Luciano queria com a gente.

 

-Diva, Trovo, vocês estão aí, podem sair, a casa caiu pra gente, já era, agora fudeu!!!!!

 

O Lucas estava no mato, mas estava longe da gente, então não sei nem se ele ouviu o chamado do Luciano, mas eu e o Trovo estávamos decididos a não abandonar nosso esconderijo, mas a pressão psicológica do Luciano não acabaria tão cedo.

 

- Aí, podem sair, os caras já chamaram a PM, vão nos conduzir pra delegacia, mas enquanto vocês não saírem, não vão liberar a gente.

 

Talves pudéssemos ajudar em algo, mas o máximo que poderia acontecer, eram mais 3 que iriam se fuder e serem esculachados e conduzidos para a delegacia e no fim, nem sei se essa foi a melhor decisão, mas no calor do momento, com os nervos à flor da pele e sem conseguir raciocinar direito, foi a nossa decisão e a partir dali, começava nossa saga de tentar escapar pela madrugada à dentro.

 

Quando o Luciano se foi, ficamos lá, ainda parados, imersos no nosso mundo escuro, sombrio, sem certeza de nada. Se por um lado, a chance de sermos caçados no mato era realmente pequena e eu queria acreditar nas palavras do Trovo, por outro lado, uma cachorrada que latia em algum lugar perto da gente, fazia me lembrar que se resolvessem fazer uma busca por nós, poderiam vir com algum cachorro e isso me incomodava. Mas não podíamos ficar ali, parados , esperando qual o rumo que o destino nos reservaria, então me aproximei do Trovo e juntos decidimos que teríamos que ganhar terreno, nos afastarmos da beira da estrada, varar mato no escuro, tentando fazer o mínimo de barulho possível e para piorar, meu celular e o do Trovo, já não tinha mais bateria para navegar pelo gps, agora éramos dois bichos fugindo dos seus predadores.

 

Em silencio, tomei a dianteira e como uma criança a brincar de cabra cega, fui me enfiando sorrateiramente para dentro do mato, no rastejo, tentando me livrar dos inúmeros cipós, bambuzinhos, plantas espinhentas que nos agarravam a todo momento. Fomos no enfiando cada vez mais mato à dentro, tentando fazer o mínimo de barulho até que o terreno, que já era horrível, começou a decair para dentro de um vale, onde tive medo de escorregar e cair no buraco, então pedi para que o trovo me segurasse para que eu descesse vagarosamente, até que atingi o fundo e dei o aval para que meu companheiro também descesse.

 

Agora éramos dois fugitivos literalmente no fundo do poço, mas como achamos que poderíamos estar muito distantes da estrada, resolvemos que ligaríamos a lanterna vermelha e mesmo que não fosse grande coisa, pelo menos era um conforto psicológico de podermos sair das trevas. Claro que não sabíamos onde estávamos, apenas contávamos com nossa intuição, então vimos que já era hora de virarmos à esquerda, porque imaginamos que essa direção poderia nos fazer andar paralelos à estrada, mesmo que muito distante dela.

 

Estávamos dentro de um sítio, já que nos vimos imersos a uma plantação de bananas e isso nos incomodou, porque a qualquer momento poderíamos acabar encontrando alguma propriedade e tomar um tiro de um desavisado, não era nada impossível. Eu e o Trovo discutíamos a direção a ser tomada, mas vez ou outra, havia uma indecisão para onde seguir, já que no escuro não tínhamos referência alguma e aí foi a hora de usarmos nosso conhecimento avançado de astronomia, quando decidimos seguir uma estrela que também poderia ser um planeta ou sei lá o que, só sei que brilhava muito e se destacava no céu e achamos que era uma diagonal perfeita de volta para a estrada, longe, já muito longe da confusão.

 

Ganhamos um barranco e fomos subindo, até que tropecei numa cerca de arame. Ao longe ainda ouvíamos os cães latindo, mas agora com o som abafado, nos dando a percepção de que havíamos nos afastado muito deles e então decidimos que iríamos seguir subindo, nos agarrando naquela cerca, porque provavelmente ela nos devolveria para a estrada e foi justamente o que aconteceu.

 

Caímos numa estrada vazia, escura. Não sabíamos que horas eram aquela, talvez pouco mais de meia noite, porque achamos que todo nosso projeto de fuga tenha levado umas duas horas, mas foi só um chute. O certo é que ao cairmos na estrada, ligamos o desconfiômetro e continuamos a caminhar no breu, atentos a qualquer movimentação de veículos.

 

A caminhada naquela maldita estrada era lenta e penosa, afinal de contas, já estávamos caminhando desde a parte da manhã e para piorar, estávamos há muito tempo sem beber água. Estávamos apreensivos, ainda sem saber que fim havia levado o resto do grupo: Ainda estariam detidos à beira do caminho? Teriam sido levados para a base do parque, ou já poderiam ter sidos conduzidos para a delegacia? Aquelas eram perguntas que não conseguíamos responder, então a nossa única preocupação se concentrou em tentarmos não sermos pegos de surpresa na estradinha de terra, já que não sabíamos se ainda estavam nos caçando.

 

A cada luz que aparecia, era hora de nos jogarmos no mato. O problema era que as vezes, ficávamos emparedados por morros altos à beira da estrada, então torcíamos para que nenhum veículo cruzasse o nosso caminho. Para falar a verdade, ainda estávamos extremamente apavorados com a possibilidade de sermos pegos e aquela caminhada enfadonha e cansativa, acabou por se tornar um tormento que foi se estendendo madrugada à dentro, até que a gota d’água encheu o copo que já estava para transbordar.

 

Numa curva do caminho, as paredes da estrada se ergueram ao nosso lado e quando menos esperávamos, uma moto bateu de frente com a gente, essa muito provavelmente era a moto dos guardas que voltavam da delegacia. Não houve tempo para muita coisa, foi uma reação rápida, desesperada, atabalhoada. Quase como um raio, saltei da estrada para o lado direito e meu corpo voou para dentro do mato, mas naquela escuridão, não percebi que se tratava de uma floresta de grossos bambus, mas ao invés de bater e voltar, minha cabeça atravessou entre um bambu e outro e ficou presa e não só a cabeça, minha perna também entrelaçou no bambuzal e minha bota também se prendeu e com o impacto, folhas e pequenos galhos rasgaram a minha cara e nessa hora eu já não era mais gente, já fazia parte da planta, eu já era um bambu pregado no barranco. Eu nem tinha me acostumado com minha nova forma, meio homem, meio vegetal, quando senti um impacto violento sobre as minhas costas. Daniel Trovo, num desespero avassalador, também se jogou da estrada para o barranco e sem espaço para tentar se enfiar bambu à dentro, acabou por ir parar encima das minhas costas, escalou minha cacunda e montou encima, como se eu fosse uma mula barranqueira e lá ficou, até que a moto passou raspando, mas por sorte não nos enxergou e mais uma vez, escapamos, mas foi por muito pouco.

 

A madrugada já ia alta e já passava da 4 da manhã, quando encontramos o rio Tietê (ainda limpo) e resolvemos colher uma pouco de água para aplacar a sede e pouco à frente, faltando uns 10 km para chegarmos à rodovia, onde estaríamos salvos, o Daniel Trovo me surpreende dizendo que suas energias chegaram ao fim e que poderíamos acampar. Em muitos anos, essa foi a primeira vez que presencie o Daniel pedindo arrego e igualmente ele, eu também estava num bagaço de dar dó e quando ele sugeriu montarmos nossas redes numa plantação de eucalipto, eu já estava era esticando meu saco de dormir no chão mesmo e antes da minha cabeça tocar o solo, eu já morri profundamente e só acordei quando o sol das oito veio nos dizer que nossa saga ainda tinha que continuar.

 

Retomamos a marcha, mas agora sem a proteção da escuridão. Apreensivos e com medo de sermos interceptados por algum veículo do parque, já que aquele é o caminho natural por onde eles transitam, seguimos com o fiofó na mão e não se passou nem meia hora de caminhada, quando mais uma vez nos vimos num beco sem saída. Parecíamos estarmos num filme de terror que parecia não ter fim e à nossa frente se materializou, saindo das entranhas dos quintos dos infernos, a caminhonete do parque, carregando uma geladeira encima.

 

Não houve tempo para nenhuma reação, a não ser ficarmos extremamente paralisados com aquela visão do inferno. A única coisa que fiz foi não ter reações bruscas e apenas olhei com o rabo do olho e vi quando a caminhonete diminuiu e quase parou, fazendo também parar o meu coração. Os caras nos olharam, nos fitaram e nos queimaram com o olhar. Era óbvio que sabiam que éramos os fugitivos, por que uma hora dessa, todo mundo do parque já sabia da história. Eles não chegaram a parar em definitivo, apenas balançaram a cabeça como a nos dizer que sabiam quem éramos e aceleraram e se perderam na curva da estrada.

 

Eu e o Trovo ficamos sem saber o que fazer e ainda surpresos pelo fato de não terem nos abordado, mas chegamos à conclusão de que se não nos deterão, é porque não tinham autoridade para isso, muito provavelmente eram somente funcionários de manutenção, mas a gente sabia que a partir de agora, havíamos sido denunciados pelo rádio deles e a caçada ia continuar.

 

Na nossa cabeça, era questão de tempo para que fossemos pegos, não havia para onde fugir e a nossa salvação ainda estaria umas 2 horas de distância. Começava mais uma vez, uma corrida desesperada para sairmos daquela maldita estrada e a nossa salvação passaria por uma carona, já que agora estamos caminhando dentro de uma área que comportava vários sítios e chácaras e mesmo que o fluxo de carros fosse esporádico, havíamos de tentar, nem que fosse para o caminhão do leite, o trator do adubo ou até mesmo, o carro da funerária, porque o desespero é que move o homem antes do fim.

 

O tempo correria contra. Ao mesmo tempo que nos animava ouvir barulho de carro vindo atrás da gente, também nos apavorava a possibilidade de ver algum jipinho na curva da estrada. Era um sofrimento múltiplo e quando o veículo se aproximava, só faltávamos ajoelhar para que nos levassem dali. Vários passaram e vários se foram, nos deixando órfãos de esperança, até que um velho UNO cruzou o nosso caminho e olhando a nossa cara de piedade, parou. O motorista nos olhou com olhos tortos, tentando adivinhar de que raios de lugar a gente vinha com aquelas mochilas nas costas, mas quando fizemos uma cara de desespero, estacionou e nos fez entrar. Os dentes de cachorro velho se arreganharam, num sorriso irradiante. Olhos esbugalhados e felicidade que se ressoam pelo universo, como se tivéssemos sobrevivido ao ataque de alienígenas zumbis. Estávamos salvos e quando o carro cruzou com a rodovia, onde o ônibus que vai para Mogi das Cruzes estava estacionado, agradecemos a carona e pulamos para dentro do coletivo e ali apertamos as mãos mutuamente, um misto de alegria, alegria e a sensação de termos podido viver mais uma aventura, aquelas boas, para lembrar para o resto da vida.

 

Nós voltaríamos para casa, mas ainda pairava no ar, que fim havia levado o resto do grupo e as respostas vieram quando nós carregamos um pouco dos nossos celulares e ficamos sabendo das notícias : O Lucas , o outro fugitivo que não arredou pé do mato , vagou a noite toda até conseguir chegar na rodovia e só não nos encontramos, porque resolvemos acampar. Já o restante da galeria, foram mesmo conduzidos para a delegacia de Salesópolis e lá foi lavrado um boletim não criminal, já que não havia nenhum agravante que pudesse incriminar alguém em algum crime, mesmo porque, foram pegos fora do parque, sem facões, sem barraca de camping, sem indícios de fogueiras, sem plantas nativas e sem qualquer espécie de armas para caça ou coisa parecida. Mas toda essa ação durou até a madrugada, quando foram liberados e também puderam voltar para casa em paz.

 

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Se por um lado, foi lamentável termos que viver essa experiência de nos vermos praticamente como bandidos, sendo perseguidos porque resolvemos ir tomar banho de cachoeira, por outro lado, vai ficar essa história de poder ter a honra de ainda nos lançarmos ao Montanhismo Raiz , que nos proporcionou podermos ir a lugares onde praticamente ninguém esteve antes, desbravar montanhas que poucos tiveram a coragem de subir e tudo feito com respeito e planejamento, traçando um caminho que beirou a perfeição, podendo juntar uma galera que , se não são os melhores, são aqueles que aceitaram o desafio e foram fazer história , porque aconteça o que acontecer, estarão sempre marcados pela conquista de mais uma Montanha Selvagem na Serra do Mar Paulista.

 

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Editado por DIVANEI
  • Amei! 2
  • Membros de Honra
Postado
Em 18/07/2025 em 23:52, absfernandez disse:

Mais um ótimo relato.  

 

 

Obrigado meu amigo !!!!!

  • DIVANEI changed the title to EXPEDIÇÃO PICO PARDO: Serra do Mar Paulista ( 2021)

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