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Mil Perrengues: Bolívia, Chile e Peru


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30.03.2014 - La Paz

 

Como fecharíamos a trinca ficando pela terceira vez no Wild Rover, queríamos descer próximo ao centro. O problema é que, para variar, adivinha? EL PARO senhoras e senhores! Aêêêê! Nos deixaram, então, num lugar perto de algum lugar que não sabíamos nem se existia no mapa. Ficamos lá com as mochilas nas costas e cara de pinguim esperando um pouco para ver se passava um táxi ou um micro-ônibus. Nada.

 

Perguntamos para um senhor e ele disse que ali não passava transporte para o centro e que por causa do PARO só alguns táxis e micros estavam rodando, mas que tínhamos mais chances de conseguir na outra esquina. Fomos até lá e ficamos esperando e esperando uma infinidade. Até que surgiu um táxi e demos com a mão, mas quando dissemos que iríamos ao centro o cara nem respondeu, saiu cantando pneu! HAHAHhahaha, foi engraçado e não entendemos nada. Paramos mais dois táxis e ninguém queria nos levar, pois pelo visto a coisa estava feia.

 

Até que avistamos um taxista com cara de apache americano, manja? E imaginei que este era destemido: Dito e Feito! O cara resmungou um pouco, mas começamos a conversar – implorar – e ele topou. Ainda brigamos por causa do preço e ele ficou mais puto ainda HAHAHHhahaha.

 

Desce rua, sobe rua, o cara conhecia mesmo os atalhos, até que ficamos ilhados.

 

Ele entrou numa avenida e havia um ônibus atravessado, trancando a passagem. O cara tentou dar ré, mas já havia formado uma fila gigante de carros atrás de nós, tudo travado. Foi quando o destemido APACHE boliviano rangeu os dentes, levantou as sobrancelhas e seguiu para bem perto do ônibus que fechava a passagem. Aí, com a tranquilidade de uma lontra marinha, pegou um tijolo e o ajeitou estrategicamente na guia, entrou no carro e ARRANCOU! O cara subiu na calçada feito doido, passou num vão que quase arrancou a porta e ainda seguiu xingando os manifestantes! Botou a mão pra fora e fez aquele gesto internacional de um dedo às gargalhadas! Nós estávamos pálidos lá atrás... Ele entrou numa rua mega estranha, desceu outras tantas e TCHANHÃ! O Wild Rover estava a uma quadra! Ele fez mágica, só tinha nosso táxi depois daquela barreira e como estava muito trânsito – como sempre – ele perguntou se podia nos deixar ali mesmo. Cara! Você é o máximo! Pode sim! Agradecemos e pagamos 10 BOB a mais pela aventura! Ele deu um sorriso ao estilo Stallone Cobra, acendeu um cigarro e ficou parado no congestionamento infinito de La Paz.

 

Tocamos o sino do Wild Rover na esperança de um quarto, já que havíamos ligado antes e eles disseram que estavam lotados, sem vagas pelos próximos três dias. E nós queríamos muito ficar lá, primeiro porque o WR é o WR, segundo porque queríamos a nossa camiseta “I SURVIVOR”.

 

Dica: Se você conseguir se hospedar nos três Wild Roveres (Arequipa, Cusco e La Paz), é só apresentar as pulseirinhas que você ganha esta camiseta. Se ficar em apenas dois, ganha uma bebida.

 

O WR estava MUITO LOTADO. Disseram que o problema nas estradas persistia e que muita gente não conseguiu sair de La Paz. Já pensamos: F**** de novo né... Lá vamos nós de avião até Santa Cruz.

 

Após muito chorar com as meninas da recepção, conseguimos duas camas num quarto de seis. AMOEBA! Largamos tudo lá e já fomos desbravar a CRAZY CITY, como dizem os gringos.

 

Foi só botar o pé pra fora que começou a chover... Fazia um frio da desgrama e conseguimos andar um pouco pelo centro, pelo menos para marcar os pontos de interesse. Voltamos ao hostel e fomos lá conhecer o ambiente. Nosso quarto estava podre, cheirava mal e a galera era muito desleixada, uma menina que até hoje não sabemos de onde é, falava pelos cotovelos com um inglês difícil de entender. E o pior é que ela estava presa em La Paz há uma semana e não tinha nada para fazer, resultado: Ficava azucrinando a galera. Ela merecia um troféu, quando não estava dissertando com a gente, estava no celular ou no tablete com um pobre rapaz que, pela cara, também não aguentava mais. E o pior é que nem entendíamos o que ela falava, eu acompanhava suas expressões faciais e ria ou fazia cara de triste de acordo com as reações da menina, hahahaha.

 

Fomos ao bar comer alguma coisa e, de longe, este foi o WR que menos gostamos. Eu sei, eu sei. É o mais famoso, o que tem as melhores festas e tal, mas o clima não estava bom. Tinha muita gente de castigo por lá sem conseguir seguir viagem ou mesmo voltar pra casa, o que contaminou a atmosfera do hostel, mais ou menos como ocorreu no WR Arequipa, no final.

 

Encontramos um brasileiro que estava há 10 dias tentando voltar! Desistiu e já contava as moedas para comprar uma passagem aérea.

 

O ambiente estava tão ruim que, mais uma vez, não teve festa. A galera saiu para uma balada na cidade.

 

31.04.2104 – La Paz

 

No dia seguinte, colocamos nossas botas e era hora de tomar mais uma decisão: Aproveitar os passeios de La Paz ou adiantar as coisas, não dando chance ao senhor perrengue e comprar logo as passagens aéreas a Santa Cruz. Ficamos com a segunda opção.

 

Fomos então até o escritório da BOA e pagamos mais 200 dólares pelas passagens. É de chorar essa situação, mas...

 

Sem grana e desgostosos com a vida, decidimos andar até afinar as solas das botas! De certa forma foi legal não ter um passeio definido para fazer, pois pudemos conhecer bem a cidade.

 

Não vou dizer que La Paz agrade a todos, é preciso uma dose de paciência e um certo bom humor para lidar com as estranhas ruas bolivianas, com seus cheiros característicos e gostos duvidosos, suas pombas assassinas e policiais simpáticos, com a terrível matemática da altitude + ladeiras + frio, enfim... Não é uma cidade puramente turística – na verdade acredito que esta nem seja a sua intenção – mas é uma cidade diferente que, para nós, despertou sentimentos de amor e ódio.

Não sei se é sempre assim. Já li relatos bem contraditórios por aqui. Uns têm o sonho de morar em La Paz, outros não voltariam nem sob ameaça de morte. Acho que fico no meio.

 

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O mercado das bruxas – que na verdade são várias ruas – foi o lugar que mais gostamos. É incrível aquelas coisas todas e a galera do mundo inteiro rodando por lá. Fizemos compras, tiramos fotos, passeamos sem rumo. Se não me engano fomos e voltamos umas quatro vezes, muito legal.

 

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E não é só de bizarrices que vive o mercado das bruxas. Sempre tem uns caras tocando violão, uns botecos ajeitados, comidas típicas para os aventureiros estomacais, uma chola para te xingar, crianças fofas – as crianças bolivianas são as mais fofas do mundo – e por aí vai.

 

Voltamos ao hostel no final do dia e estava um caos. Tinha muita gente querendo ficar e ninguém querendo sair. Alertamos que as passagens estavam acabando e que os preços estavam subindo. Deixamos os gringos batendo boca na recepção e fomos arrumar as coisas, pois a galera do nosso quarto, como disse, deixava tudo zuado, comida estragando na cama, bebidas por aí, roupas sujas na beliche alheia, foi dureza...

 

Como as opções de passagem não estavam ajudando, assim como já não tínhamos grana nem para uma bala de coca, tivemos que voltar um dia antes, com aquele planejamento de dormir no aeroporto de Santa Cruz para economizar uma diária.

 

01.04.2014 – La Paz / Santa Cruz

 

Tínhamos, então, mais um dia de bobeira e sem dinheiro em La Paz.

 

Fomos andar porque é de graça e tentar conhecer outros lugares. Queríamos ter ido à parte rica da cidade, mas o Sr. Evo deu o ar da graça e tudo fechou. As ruas estavam fechadas, as saídas da cidade estavam fechadas, a praça estava fechada... Aí descobrimos que estava rolando um “protesto” de estudantes e este foi o motivo de tanto alarde.

 

Curiosos, fomos lá ver o que era e tinha um bando de crianças com mochila do Bob Esponja e My Little Pony segurando cartazes feitos à tinta guache e gritando rimas bonitinhas. Todos aqueles soldados armados com metralhadoras e escopetas era por causa disso? Tinha até um jipe daqueles camuflados com soldados apontando armas para a sua cara! Ficamos pasmos com a situação. Compramos uma coca-cola gelada (temperatura ambiente para quente) e um daqueles salgadinhos picante de bacon (porque custava 2 BOB) e sentamos na guia para ver a farra.

 

Depois descobrimos que foi tudo uma coincidência. Todo aquele aparato militar era por dois motivos: 1 – Evo na área e 2 – Os mineiros estavam ameaçando explodir a sede do governo com dinamites! Aaaaaaaahhhhh bom, agora se justifica as metrancas e os jipes... Foi triste, mas foi real.

 

No fim não teve mineiro-bomba e não conseguimos andar muito por La Paz, o clima estava tenso e tudo quanto é canto estava fechado.

 

Andamos pelo mercado das bruxas de novo e ainda assistimos a um show de comédia na praça ao melhor estilo “Os Trapalhões”.

 

Quase na hora de irmos embora, a Miriam cismou que queria comprar balas de coca para dar de presente... Toca andar de novo. E ninguém mais estava vendendo aquela porcaria! Andamos e andamos e andamos. Só fomos encontrar no mercado das bruxas novamente. Se você for a La Paz e andar do WR até o mercado, saberá que não é perto, ainda mais com a maldita te tirando o ar e aquela chuvinha fina entrando pela fresta do seu corta vento... Mas o que fazer, não se acha balas de coca na 25 de março...eu acho...

 

Retornamos ao WR para comer um lanche caprichado daqueles que você sonha depois que volta ao Brasil, mas a sorte havia tirado férias e não estavam mais servindo o lanche...snif... Nem se despediu da gente direito...snif...

 

Fomos então ao Burguer King e descobrimos que esse negócio de refil do refrigerante ainda não chegou por lá. Fomos secos achando que poderíamos encher o copo de refri depois que acabasse e levamos uma bela gargalhada na fuça! Até que foi engraçado, mas ficamos putos na hora.

 

De volta ao QG, arrumamos tudo e ficamos fazendo hora até o final do dia, pois nosso vôo era noturno e chegaria de madrugada em Santa Cruz, quando iriamos – talvez – dormir no aeroporto.

 

O trajeto do WR até ao aeroporto me fez sentir como se estivéssemos em Bangladesh. Era carro e moto e mula e lhama pra tudo quanto era lado. Tinha chola vestida de guarda e guarda vestida de chola. O taxista parecia que acabara de descobrir as funções do cambio manual. Freio? Essa palavra não existe em espanhol, aprenda isso.

 

Tentei filmar um pouco, mas estava com medo real do negócio, saca só:

 

 

O aeroporto de La Paz é tranquilo, mas estava LOTADO, muito LOTADO. Como as estradas estavam fechadas, o governo ordenou que as empresas aéreas baixassem os preços das passagens, resultado: Tinha gente querendo embarcar com animais e aquelas coisas todas que eles levam nos ônibus, mas não rolou GRAÇAS A DEUS! Por um instante achei que todos os protocolos de segurança seriam ignorados, mas não, os bichinhos e demais coisas bizarras tiveram que ficar do lado de fora, não embarcaram. Foi engraçado ver as cholas ao celular pedindo para vir buscar seus animais, sacos de alguma coisa e demais tralhas. Sabe aquela história do “seria cômico se não fosse trágico”? Foi cômico e trágico.

 

Andando pelo aeroporto, topamos com um casal de brasileiros que também estavam no fim da trip. Não me lembro se eram de Goiás ou do Sul, mas eram gente fina. Estavam com um problemão que evitamos ao comprar logo as passagens para Santa Cruz, pois não conseguiam de jeito nenhum e resolveram dar um pulo no aeroporto para ver se alguma empesa aérea estava vendendo direto no balcão, mas não tiveram muita sorte.

 

Rodamos com eles por um tempo no intuito de dar aquela força. Subiram e desceram por lá até que uma alma caridosa conseguiu um voo para o outro dia. Decidiram que iriam dormir no aeroporto de La Paz mesmo, porque ali perto só tinha hotel naqueles bairros do “Judas enforcado”...

 

Nos despedimos e fomos pegar nosso avião. A trip estava no fim e bateu aquela depressão pós-viagem. Ficamos olhando fotos e lembrando de cada perrengue, de cada pessoa que conhecemos, o Nick, a alemã, a galera de San Pedro, os argentinos maconheiros... Fomos para a fila do embarque e estávamos meio cabisbaixos, nem conversávamos...

 

Já quase chegando a nossa vez, a Miriam disse: “Estou com sede” e alguém GRITOU atrás da gente: “BRASILEIROS!”

 

Era uma freira (!) super simpática. Estava muito feliz em poder conversar com nós, brasileiros, pois havia passado um período grande em La Paz e estava voltando ao seu convento em Santa Cruz.

 

Ficamos conversando até sair nosso vôo, foi bem legal. Nos contou que é freira Franciscana e que vive em missão, fazendo caridade e vivendo da ajuda das pessoas. Largou família, amigos, profissão, tudo. Suas roupas são as mais simples possíveis, apenas um hábito marrom, sandálias e uma cordinha amarrada, mais nada.

 

Trocamos várias impressões sobre o mundo, foi uma conversa intensa e profunda com uma pessoa que mal conhecíamos.

 

Chegou a hora de embarcar e ela pergunta: Vocês vão direto ao Brasil? Dissemos que não, que iríamos dormir no aeroporto de Santa Cruz, porque nosso vôo de volta era no outro dia.

 

Ela pegou no nosso braço, deu um sorriso e falou que não iríamos dormir no aeroporto, que estávamos cansados da viagem e com fome, por isso ficaríamos no convento! Junto com as demais freiras!

 

Nossa, quando imaginaríamos que passaríamos a última noite dessa viagem inesquecível num convento? E em Santa Cruz? E com freiras brasileiras?

 

Estávamos ainda meio perdidos e confesso que um pouco desconfiados. A bondade quando espontânea gera estranheza...

 

O avião desceu em Santa Cruz e fomos recebidos por mais uma freira (também brasileira) e uma amiga boliviana.

 

Era tudo muito diferente e demorou a nos situarmos. A amiga era boliviana, mas parecia brasileira, não lembrava em nada a galera do Evo. A outra freira, muito simpática, com cara de estudante de veterinária e muito nova, já foi nos abraçando e pegou a mochila da Miriam. Saímos em direção ao estacionamento e um carro importado que nem sei o nome estava nos aguardando, mais estranho ainda. Colocamos as coisas no porta-malas e entramos rumo ao desconhecido...

 

[continua]...

Editado por Visitante
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  • Colaboradores

Por favor termina... Essa historia das freiras parece algo surreal hehehehe foi muito top o seu relato, esse ultimo post falando de La Paz foi cômico demais... Ri demais nesta parte:

"O trajeto do WR até ao aeroporto me fez sentir como se estivéssemos em Bangladesh. Era carro e moto e mula e lhama pra tudo quanto era lado. Tinha chola vestida de guarda e guarda vestida de chola. O taxista parecia que acabara de descobrir as funções do cambio manual. Freio? Essa palavra não existe em espanhol, aprenda isso."

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  • Colaboradores

Nogy, mais uma vez venho aqui lhe parabenizar pelo seu fantástico relato. E realmente, poderia dar um bom livro. :D

Amanhã embarco nessa, saio de Curitiba à noite rumo a Campo Grande. Todos os dias aqui acompanhando seu relato e rindo muito. Será que verei a continuidade amanhã antes de partir para minha aventura, espero que sim. Enfim, chegou a minha vez hehe...

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