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Mil Perrengues: Bolívia, Chile e Peru


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[...]

 

O FIM.

 

Entramos no carro, olhamos um para a cara do outro e demos um sorriso sem dizer nada, mas pensamos a mesma coisa: “Olha só como essa viagem vai terminar...”

 

Eu, a Miriam e a “freira estudante” atrás, a amiga boliviana e a irmã Pietra na frente. Esta, que conhecemos no aeroporto, era a responsável pelas demais e descobrimos que no convento havia mais três brasileiras e duas paraguaias.

 

Sem qualquer cerimônia, a irmã Pietra pede o celular da amiga emprestado e liga no convento: “Oi, estou levando dois AMIGOS que conheci no aeroporto, vão dormir aí, tá? Arruma um quarto pra eles”.

 

Simples assim.

 

A boliviana então nos contou que conheceu as freiras por intermédio de uma amiga que frequentava um grupo de oração, pois seu filho recém nascido tinha uma doença rara que os médicos demoraram a descobrir o que era. A criança foi aos Estados Unidos e passou pelos melhores médicos, NÃO HAVIA CURA. Deram cerca de seis meses de vida à criança e disseram para a mãe se preparar, pois o óbito era certo.

 

Voltou à Bolívia e resolveu que se os médicos não sabem como curar seu filho, “alguém” deve saber. Largou o emprego, deixou de fazer suas coisas e passou a orar pelo seu filho. Todos os dias, todas as horas. Formou um grupo de oração com as nossas amigas freiras e assim foi, dia após dia, até que passaram os seis meses, passaram mais alguns meses, retornou ao médico e... A DOENÇA HAVIA DESAPARECIDO! Os médicos não entenderam nada e ainda estudam os exames, seu caso foi levado às universidades e gerou debates entre a sociedade médica.

 

Milagre ou coisas inexplicáveis da vida? Não sei. Só sei que a amiga boliviana contou essa história de forma tão intensa, tão emocionada, que me arrepio só de lembrar. Terminou chorando e dizendo que depois disso passou a frequentar o grupo das freirinhas. Elas sorriam. Que momento inesquecível...

 

O interessante é que essa amiga boliviana era pirada! Não se parecia nem um pouco com uma pessoa espiritualizada, muito menos religiosa. Estava atrasada para um show e ficou xingando – com bom humor – as freiras, por terem pedido carona HAHAHAHahhahaha. Aí disse que nos levaria ao aeroporto no outro dia, porque não fazia nada da vida, só tinha aula de francês, mas que dava um jeito. Como eu disse, não fazia questão de esconder que tinha grana e que, até então, não ligava para o lado espiritual, mas que após ter vivido aquela experiência com a amiga, passou a ver a vida com outros olhos...

 

Enfim chegamos ao convento, estava escuro e não conseguimos identificar o lugar. As ruas estavam vazias, já era de madrugada.

 

Saímos do carro e já tinham carregado nossas mochilas para dentro, nos despedimos da amiga pirada e fomos entrando desconfiados.

 

As freiras estavam ansiosas, nos cercaram, nos abraçaram e nos levaram para conhecer nosso quarto. Eram MUITO SIMPÁTICAS, sorrindo o tempo todo e quando digo “o tempo todo”, é SEMPRE!

 

Todas eram muito novas e tinham histórias bem diferentes. Uma – assim como a irmã Pietra – era de São Paulo e, por pouco, não se perdeu com drogas, bebida e más companhias. A outra era de Minas, formada e trabalhava em banco, largou tudo para viver ajudando as pessoas. As paraguaias não soubemos direito o motivo, assim como não soubemos as razões de uma outra brasileira que dava gargalhada de tudo.

 

Nos levaram para conhecer nosso quarto. O lugar era simples, mas confortável. Foi o melhor quarto de TODA A VIAGEM!

 

As duas freiras que dividem este aposento, saíram e foram se amontoar com as demais, só para nos dar privacidade. Deixaram tudo arrumadinho, os colchões com lençóis limpos, travesseiros, um sabonete novinho, ainda fechado, para cada um. Ainda tínhamos um banheiro no próprio quarto, com toalhas limpas e secas, pasta de dente, paninho no chão, tudo arrumado com o maior cuidado.

 

Essas freiras foram tão simpáticas e hospitaleiras, que ainda colocaram uma plaquinha na porta do nosso quarto, dando as boas vindas com letra caprichada e colorida à canetinha.

 

Deixamos as coisas por lá e elas nos chamaram para JANTAR!

 

Fizeram janta SÓ PARA NÓS! Tinha arroz, feijão, carne de panela e pão caseiro. Sem dúvida foi a melhor comida da trip e uma das melhores refeições que já fizemos na vida!

 

Sentamos todos à mesa e parecia aquele filme “Mudança de Hábito”. Cada freira com uma característica, todas sorrindo para nós e querendo saber dos perrengues da nossa viagem.

 

O que mais me chamou a atenção foi que em nenhum momento rolou qualquer assunto sobre religião ou crença. Não perguntaram se éramos católicos, evangélicos, judeus ou ateus, simplesmente nos acolheram, nos abraçaram e nos deram comida. Não teve oração, não teve sermão, não teve perguntas.

 

Ouvimos histórias, contamos histórias e demos risada como se estivéssemos num boteco qualquer de Santa Cruz, mas estávamos num convento...

 

Após algumas boas horas de papo, fomos tomar um banho quente – melhor chuveiro também – e dormir sonhando com cada segundo que passamos por todos aqueles lugares.

 

Acredito que nem dormimos, descansamos o corpo enquanto a mente voava, agradecendo por cada experiência vivida, por cada aprendizado.

 

Na manhã seguinte, acordamos cedo e fomos tomar café com as freirinhas. Mesa arrumada, nem preciso falar que foi o melhor café da manhã né? Café brasileiro, geléia, manteiga, pães, frutas, leite, achocolatado... Tudo conseguido por meio de doações ou da venda de bolos e bombons que elas mesmas preparam.

 

Completando a galera, havia um boliviano que apanhou até quase a morte no carnaval e foi socorrido pelas irmãs franciscanas. Ele ainda andava e falava com dificuldade, não tinha família ou amigos, foi jogado na sarjeta e acolhido pelas freiras, que deram remédio, comida e um teto ao cara, sem saber se se tratava de um bandido, de um estuprador ou de um maluco. Bondade humana à prova de tudo.

 

Após o café, ajudamos as freiras a lavar a louça, arrumar as coisas e fomos lá dar um jeito nas mochilas, pois já estava na hora de partir.

 

A freira responsável ainda chamou um táxi para nos levar ao aeroporto – a amiga boliviana deve ter chapado na noite anterior e não deu sinal de vida – e, pasmem, PAGOU NOSSO TÁXI (!).

 

Não sei nem quanto ficou, só sei que demos todo o restinho de dólares que tínhamos nos bolsos como forma de contribuição para a construção da capela.

 

Ainda deu tempo de tirar a única foto desse momento e de sermos convidados para a cerimônia das noviças que acontecerá no próximo ano, em Cascavel, no Paraná.

 

Abraços apertados, lágrimas nos olhos e sorriso no rosto. Adeus!

 

DICA: A última dica do relato fica por conta da irmã Pietra. Esteja onde estiver, em qualquer lugar do Brasil ou do mundo, se encontrar um convento ou um monastério, masculino ou feminino, os franciscanos irão te acolher, te alimentar e arrumar um colchão para uma noite de sono. Disseram que muitos mochileiros já passaram por lá, também médicos, dentistas, advogados, turistas, estudantes, trabalhadores, moradores de rua, viciados, não interessa. Como ela mesma disse: “Basta bater na porta”.

 

Seguimos felizes ao aeroporto de Santa Cruz. O caminho parecia mais bonito e o dia estava ensolarado, final perfeito.

 

Fomos fazer o check-in e pagar a taxa de U$ 25,00 doletas para sair do país – lembre-se disso e não torre tudo no bar do Wild Rover – o que gerou uma correria, já que o guichê que você faz o check-in não é o mesmo que você paga a porcaria da taxa. Para ajudar, não aceitam dólares e tivemos que voar até uma casa de câmbio no próprio aeroporto, trocar até as últimas moedas rezando para dar o valor e retornar para mais fila, mais espera e mais aborrecimento.

 

A imigração ainda foi um tanto tensa. Os policiais foram muito mais rigorosos para nos deixar sair do país, do que foram para nos deixar entrar (?). Revistaram toda a mochila, bolsos, boné, bota... Mas deu tudo certo.

 

Dentro do avião faltou assunto. Cada um olhava suas fotos e ouvia sua trilha sonora, nem dormimos.

 

Já em solo brasileiro e um tanto mais magros (Miriam - 4 kg; Eu - 5 kg), vestíamos com orgulho a camiseta do WR: “I Survived South Americas Craziest 3 Some: Cusco*Arequipa*La Paz” e já planejávamos o próximo roteiro.

 

Uma ideia na cabeça e uma mochila nas costas. Foi assim que tudo começou e é sempre assim que tudo termina...

 

Agradeço imensamente aos que acompanharam o relato: Muito Obrigado! E já convoco aqueles que ainda não conhecem esses lugares pelos quais passamos: Vá! Curta como se não houvesse amanhã e retorne para nos contar como foi.

 

Agradeço, também, à cumplicidade e companheirismo da Miriam, que dividiu comigo cada momento inesquecível desta viagem, ora como esposa, ora como amiga, ora como tradutora ou analista de finanças... Não sei o que seria de mim sem você: ::love::

 

Por fim, a última foto, do último post, não poderia ser outra:

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Que viagem hein Nogy! O final foi com chave de ouro. Esse episódio das freiras foi incrível. Que sirva de inspiração para todos nós que ajudar é a melhor forma de ser feliz.

 

Parabéns pelo relato e por compartilhar essa experiência fantástica que é viajar.

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  • Membros
Nogy, mais uma vez venho aqui lhe parabenizar pelo seu fantástico relato. E realmente, poderia dar um bom livro. :D

Amanhã embarco nessa, saio de Curitiba à noite rumo a Campo Grande. Todos os dias aqui acompanhando seu relato e rindo muito. Será que verei a continuidade amanhã antes de partir para minha aventura, espero que sim. Enfim, chegou a minha vez hehe...

 

Viu só Miria.c, deu tempo heim! Boa sorte em sua TRIP e curta muito cada momento, a ansiedade deve estar grande... Beba uma Cusqueña por nós! ::otemo::

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  • Membros

Um dos melhores relatos ever! Dá para ver que o que faz a viagem incrível não são somente os lugares, mas também as pessoas e situações que se passam... Venho planejando conhecer Cusco e MaPi há muito tempo, mas por causa ora de finanças ora férias não tive a oportunidade ainda... Mas se tudo der certo, até o ano que vem eu vou! E com os relatos no Mochileiros, a gente viaja um pouquinho com vocês também :D Tudo de bom e até a próxima :D

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  • Colaboradores

O final não poderia ser melhor, que lindo, quase chorei!

Seu relato foi um dos mais legais que li... e eu sou leitora assídua!

Proporcionou que viajássemos junto na viagem de vcs! Fiquei aflita, ri muito, me emocionei... demais! Parabéns ao casal!

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